INTRODUÇÃO
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é o distúrbio endócrino-metabólico mais comum em crianças e adolescentes, e sua incidência tem aumentado em todo o mundo desde a década de 1980, o aumento tem sido em torno de 3,8 % a 5,6 % ao ano e a doença afeta atualmente cerca de 500.000 crianças em todo o mundo.1) O DM1 é caracterizado pela destruição das ilhotas de Langerhans e das células β secretoras de insulina no pâncreas mediadas pela resposta imune, e seu tratamento baseia-se na reposição de insulina subcutânea.2
Sabe-se que a terapia intensiva com insulina tem contribuído para um melhor controle glicêmico. No entanto, além de equilibrar os parâmetros glicêmicos a insulina promove o ganho de peso que por sua vez apresenta associação com as doenças crônico-degenerativas.3) Os pacientes com DM1 são mais suscetíveis a desenvolver as doenças crônico-degenerativas, e esses índices aumentam para as pessoas com sobrepeso e obesidade.4 Diante disso, se torna relevante conhecer os possíveis fatores de risco relacionados à composição corporal.
Para isso, a literatura apresenta várias técnicas, dentre elas destaca-se o DEXA (Absortometria de Raio-x de Dupla Energia) com as suas especificidades e sofisticação, porém apresenta alto custo.5)
Por outro lado, o índice de massa corporal (IMC) se apresenta como método mais utilizado para avaliar o estado nutricional, pois apresenta fácil aplicação e baixo custo. Entretanto, o IMC apresenta limitações, uma das mais criticadas é a não distinção entre massa gorda e massa magra, podendo superestimar o nível de adiposidade.6
Um dos grandes críticos do IMC é o professor Nick Trefethen, um matemático inglês que propôs uma nova equação, segundo o autor essa nova fórmula apresenta uma melhor aproximação do tamanho e das formas corporais.7) Esse índice ainda precisa ser testado através de pesquisas científicas em diferentes populações com amostras maiores e usando como referência um método para avaliar o estado nutricional com melhor precisão.8)
Diante do exposto, este estudo teve como objetivo verificar a aplicabilidade de uma nova equação do IMC e associar com o DEXA em adolescentes diabéticos tipo 1.
MÉTODOS
Esta pesquisa de característica intencional foi composta por 30 adolescentes (15 meninos e 15 meninas), com diagnóstico de DM1 a mais de 6 meses, todos com idade entre 10 e 15 anos. Os participantes e seus responsáveis assinaram o termo de assentimento e o termo de consentimento livre e esclarecido. O presente estudo faz parte do projeto intitulado "Influência do horário de prática de exercício aeróbio contínuo e intermitente, relacionado à insulinoterapia, na resposta glicêmica de crianças e adolescentes com diabetes mellitus tipo 1" submetido a Plataforma Brasil e aprovado pelo comitê de ética em pesquisas com seres humanos do hospital de clínicas de Curitiba (Parecer nº: 1.101.601 - CAEE: 44193214.7.0000.0096).
A estatura foi avaliada utilizando um estadiômetro vertical portátil (WCS®, Brasil), escalonado em 0,1. Os adolescentes foram avaliados descalços, braços ao longo do corpo e cabeça no plano horizontal de Frankfurt. A massa corporal foi avaliada com balança digital portátil Filizola®, Brasil, com resolução de 100 gramas. Na mensuração da massa corporal, o avaliado deveria se posicionar em pé, de costas para escala da balança, usando apenas sunga (meninos) e maiô (meninas).9 Após a obtenção desses dados foi calculada nova fórmula do IMC2,5 (IMCt= 1,3* massa corporal(kg)/ estatura (m2,5)10 e também foi calculada a equação tradicional do IMC2 (IMCq= massa corporal (kg)/ estatura (m2).11 O IMC Escore Z foi calculado em ambas as equações. Para a classificação do IMC foram utilizados os pontos de corte sugeridos pela Sociedade Brasileira de Pediatria.12
Para avaliação do percentual de gordura (%G) obtido através do DEXA foi utilizado o equipamento Hologic Discovery QDR®, com emissão de radiação de 5µSv. Trata-se de um procedimento de mapeamento dos diferentes constituintes do organismo onde a quantificação da gordura e do músculo é determinada a partir da atenuação do raio-X na passagem pelos diversos tecidos corporais.13,14) A classificação de sobrepeso e obesidade por densitometria óssea seguiu as recomendações de Lohman.15
A hemoglobina glicada (HbA1c) foi verificada por meio do teste imunoturbidimétrico TurbiClin. Após um jejum prévio de 12 horas, os avaliados realizaram pulsão venosa sanguínea. O sangue então foi guardado em tubo de ensaio e levado para análise cromatográfica.4
Para análise dos dados foi realizada a estatística descritiva (média, desvio padrão e percentual de frequência). A correlação entre as variáveis (IMC, DEXA e HbA1c) foi avaliada pelo coeficiente de correlação de Pearson. Adotou-se um nível de significância de p < 0,05. Para a análise dos dados utilizou-se o programa estatístico BioEstat 5.0.
RESULTADOS
Os dados de caracterização da amostra estão demonstrados na tabela 1. No total de 30 adolescentes com DM1 avaliados, foi possível observar na variável de IMC (em ambas equações) que 86,67 % (n = 26) apresentaram peso adequado, enquanto, 13,33 % (n = 4) apresentaram sobrepeso. No geral, o grupo avaliado foi classificado com peso normal. Através dos resultados obtidos pelo DEXA, 70 % (n = 21) apresentaram percentual gordura corporal (%GC) adequado, 10 % (n = 3) com %GC acima do recomendando e 20 % (n = 6) com %GC muito acima do aconselhável. Diante disso, o grupo em geral avaliado foi classificado com %GC adequado.
Variáveis | GDM1 |
---|---|
Idade (anos) | 13,2 ± 1,9 |
Massa Corporal (kg) | 49,68 ± 13,44 |
Estatura (m) | 154,9 ± 12,60 |
IMC2.5 (1,3*kg/m2,5) | 18,71 ± 2,03 |
IMC2.5 Escore Z (1,3*kg/m2,5) | 0,24 ± 1,00 |
IMC2 (kg/m) | 20,08 ± 3,19 |
IMC2 Escore Z (kg/m2) | 0,27 ± 1,04 |
DEXA (%GC) | 22,96 ± 8,67 |
HbA1c (%) | 8,12 ± 1,51 |
Nota: IMC2.5 - Proposto por Trefethen;12 IMC2-Quételet.13
A tabela 2 apresenta as associações entre as variáveis antropométricas do IMC2.5, IMC2.5 Escore Z, IMC2, IMC2 Escore Z e DEXA.
Variáveis | IMC2.5 Escore Z (1,3* kg/ m2,5) | IMC2 (kg/ m2) | IMC2 Escore Z (kg/ m2) | DEXA (%GC) | HbA1c (%) |
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IMC2.5 (1,3* kg/ m2,5) | r =0,68 p = 0,001 | r = 0,99 p = 0,001 | r = 0,67 p = 0,001 | r = 0,58 p = 0,05 | r = 0,30 p = 0,234 |
IMC2.5 Escore (1,3* kg/ m2,5) | - | r = 0,70 p = 0,001 | r=1,00 p=0,001 | r = 0,58 p = 0,001 | r = 0,44 p = 0,567 |
IMC2 (kg/ m2) | - | - | r=0,70 p=0,001 | r = 0,40 p = 0,05 | r = 0,34 p = 0,222 |
IMC2 Escore Z (kg/ m2) | - | - | - | r = 0,58 p = 0,001 | r = 0,49 p = 0,321 |
DEXA (%GC) | - | - | - | - | r = 0,46 p = 0,132 |
DISCUSSÃO
Pode-se destacar que o IMC2.5 ainda é um índice pouco conhecido, sem muita disseminação científica. Dessa forma, é difícil encontrar estudos científicos que busquem testar sua exatidão e aplicabilidade.8 Os poucos estudos encontrados na literatura, ao correlacionar os resultados do IMC2.5 e do IMC2, descrevem valores de coeficiente de correlação indicativos de linearidade positiva entre ambas equações. Estudos realizados com adolescentes como o de Ferreira et al15 verificaram associação muito forte (r= 0,98; p=< 0,001) ao avaliar 113 escolares, com idades entre 10 a 15 anos. Ribas Júnior et al16 encontram associação semelhante (r= 0,97; p=< 0,001) ao avaliar 58 escolares, com idades entre 10 a 14 anos. Corroborando com resultados foram encontrados no presente estudo.
Westphal et al17) avaliaram 31 acadêmicos de educação física, com idades entre 18 a 58 anos, e observaram a mesma relação (r= 0,99; p=< 0,001). O mesmo ocorreu em estudo desenvolvido por Souza et al18 ao avaliar 222 mulheres, com idades entre 18 e 49 anos, que encontraram relação muito forte e significante (r = 0,98; p =< 0,001). Vale ressaltar que os avaliados dos trabalhos supracitados acima não são portadores do diabetes.
Cabe mencionar que Trefethen10 relacionou a sua proposta do IMC2.5 com o IMC2 e encontrou correlação positiva e perfeita (r = 1,0) entre ambas às equações. Tal fato foi observado no presente quanto relacionado o IMC2.5 Escore Z com o IMC2 Escore Z (r= 1,0). De acordo com Westphal et al17) os valores de associação indicativos de linearidade positiva entre as equações, provavelmente ocorre pelo motivo de relacionar variáveis semelhantes, no caso a massa corporal dividida pela estatura.
Quando relacionado o IMC2.5 com o DEXA foi observada correlação moderada e significante (r = 0,58; p = 0,05), e entre IMC 2.5 Escore Z com DEXA foi observada correlação moderada e significante (r=0,58; p=0,001). Infelizmente, a literatura apresenta escassez em trabalhos que associaram a nova equação com o DEXA. Entretanto, foi possível perceber que o IMC2 quando associado ao DEXA, apresentou resultados semelhantes aos encontrados no presente estudo quanto associado o IMC2.5.
Pietrobelli et al19 ao avaliar a relação entre o IMC 2 e o DEXA em 198 crianças e adolescentes italianos saudáveis entre 5 e 19 anos de idade, encontraram relação moderada para os meninos (r = 0,63) e para as meninas ( r= 0,69), respectivamente. Kerruish et al.20 avaliaram a composição corporal de adolescentes (13 a 18 anos) com anorexia nervosa e verificaram relacão moderada (r = 0,46) entre o IMC 2 e o DEXA.
Brayet et al21 avaliaram a gordura corporal de 129 meninos e meninas afro-americanos e brancos com idade entre 10 e 12 anos, e observaram que o IMC2 e o DEXA apresentou forte relação (r = 0,77); houve moderada correlação para as crianças mais gordas (r = 0,66) e nenhuma correlação para as crianças magras (r = 0,09).
Segundo Freedman et al.22 a magnitude da associação entre os níveis de IMC2 na infância e a gordura corporal, determinada pela absorciometria por raios-X de dupla energia, densitometria e outros métodos, varia substancialmente entre associações relativamente modestas, aproximadamente (r = 0,5). Tal fato corrobora com os resultados no presente estudo.De acordo com Petroski9 o DEXA é considerado o método "padrão ouro" no desenvolvimento e validações de equações, devido a sua elevada precisão nos resultados.
A HbA1c apresentou valores médios de 8,12 ± 1,51, considerado resultado anormal, que indica diabetes mal controlado.23 Os adolescentes com controle glicêmico inadequado encontrado no presente estudo pode indicar não adesão ao tratamento, influência de fatores ambiental e consequentemente, maior risco de desenvolver complicações crônicas e menor qualidade de vida.24
Não foram encontradas associações significativas entre o estado nutricional e o %GC quando relacionado com a HbA1c, possivelmente essa não relação ocorreu pelo motivo de os avaliados apresentarem estado nutricional e %GC dentro do recomendado. De acordo com Fernandes25 a alta prevalência de sobrepeso e obesidade pode apresentar influência significativa na HbA1c.
Diante disso, sugere-se que novos estudos sejam realizados com adolescentes diabéticos utilizando a nova equação juntamentente com o DEXA, correlacionando-as, para assim dar mais fidelidade ao novo método de avaliação de estado nutricional.
Diante dos resultados pode-se destacar que para os adolescentes com DM1 tanto faz a equação utilizada para estimar o estado nutricional, pois a imprecisão de ambos os IMC continua a mesma para determinar %G. O mesmo ocorre quando o é transformado em IMC escore Z, o nível de correlação continua semelhante.