INTRODUÇÃO
A tuberculose se mantém como uma das mais significativas causas de mortalidade nos países em desenvolvimento, notadamente em indivíduos do sexo masculino e em grupos etários economicamente ativos, colocando o bacilo de Koch como o maior agente isolado de morte entre as doenças infecciosas, constituindo assim uma “calamidade negligenciada”.1,2,3
Estimativas recentes apontam que um terço da população mundial está infectada com Mycobacterium tuberculosis.4 Trata-se de uma doença primariamente relacionada à pobreza, como evidenciado pelo fato de 81 % dos casos de tuberculose no mundo estão concentrados em 22 países em desenvolvimento, dentre eles os cinco primeiros estão a Índia, China, África do Sul, Indonésia e Paquistão. O Brasil encontra-se em 16° lugar em números absolutos.5,6,7
Estimativas epidemiológicas apontaram uma redução da incidência de tuberculose no mundo, nas Américas e no Brasil, em uma série histórica de 20 anos, com 11,4 %, 50,0 % e 48,8 %, respectivamente. Em relação às taxas de mortalidade, a redução foi de 40,0 %, 70,7 % e 70,8 %, respectivamente.8
Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde declarou a tuberculose como emergência sanitária mundial e estabeleceu a iniciativa STOP-TB com objetivos e metas prioritários como, detectar 70 % dos casos novos e obter cura em 85 % dos casos para 2005, 2015 e 2050.9 No Brasil, em 2014 foram diagnosticados 67 966 casos novos, havendo uma redução da taxa de incidência de 41,5/100 mil hab em 2005 para 33,5 por 100 mil/hab em 2014. Entretanto, ainda se faz importante a redução do número de casos da doença, pois no Brasil ainda são registrados cerca de 73 mil casos novos por ano.5,10
Assim como em outros países, o processo de desenvolvimento econômico vem se caracterizando, no plano social, por profundas desigualdades, exclusão social e insuficiência de investimentos políticos e financeiros.11 Vários aspectos podem ser considerados para a manutenção da tuberculose em nosso meio, destacando-se o fator social como determinante principal associado à ocorrência da doença. As condições de pobreza, dificuldades de acesso aos serviços de saúde, envelhecimento da população, urbanização desordenada e processos migratórios, além do surgimento da epidemia de HIV/AIDS na década de 1980 são apontados como obstáculos no controle da TB.12
Os dados revelam um grande desafio para o controle da tuberculose no Brasil. O País se encontra abaixo das metas e requer melhoria do acesso ao diagnóstico e tratamento da tuberculose, bem como das taxas de adesão ao tratamento.13
Diante das elevadas taxas de morbimortalidade por tuberculose, da escassez de estudos locais mais recentes e das possíveis variações na incidência por sexo e faixa etária, torna-se fundamental a elaboração de informações precisas de análise sanitária, da magnitude e transcendência da tuberculose através da definição e construção de cenários epidemiológicos. Assim, o presente estudo objetiva analisar atendência temporal por sexo e faixa etáriae descrever as características clínico-epidemiológicas da tuberculose no município de Lagarto, estado de Sergipe, entre os anos 2002 a 2012.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, de série temporal, por meio de dados secundários dos casos de tuberculose (TB) diagnosticados no período de 2002 a 2012 no município de Lagarto/SE e notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Foi realizado o cálculo da incidência da tuberculose por 100 mil habitantes/ano baseado na população estimada.14
O cenário do estudo foi o município de Lagarto, localizado na região centro-sul do estado de Sergipe, nordeste do Brasil, composto por uma área de 969,577 km² e população de 94.861, estando localizadaa 10°54’58” latitude e 37°39’50’’ longitude do meridiano de Greenwich.14
Foram utilizadas para análise descritiva as variáveis: número de casos novos de tuberculose, sexo, raça, faixa etária (0-9 anos, 10-29 anos, 30-49 anos, 49-59 anos e 60 anos e mais), anos de estudos, forma clínica (pulmonar, extrapulmonar), agravos associados, realização de baciloscopia no diagnóstico, tipo de acompanhamento e situação de encerramento. Os dados referentes aos casos de TB foram extraídos do SINAN/DATASUS, e, para o cálculo das taxas de incidência, consultou-se a população total, por sexo e por idade de cada ano estudado do referido município.14
Analisou-se a tendência por sexo e faixa etária para o município por regressão linear, onde y (taxa de incidência anual da tuberculose) = α +β1(x) e foi considerada significativa a tendência com p<0.05, sendo também observado o valor do coeficiente de determinação (R2) e a análise de resíduos. No modelo linear, se possuído um conjunto de dados no qual foram medidas duas variáveis, x e y, cuja correlação entre si indicava um comportamento linear, foi ajustada uma reta que melhor se encaixasse nesses pares de valores pelo método de mínimos quadrados. Foi calculada a variação percentual anual (Anual Percentage Change - APC) do índice de mortalidade por suicídio no período em estudo segundo a fórmula:15
Foi utilizado o teste Qui-quadrado de Igualdade para comparar as proporções, por meio do software GraphPad Prism 5.01 e Microsoft Office Excel 2010. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando p<0,05.
Quanto às considerações éticas, foi previamente solicitada a autorização da Coordenação de Vigilância Epidemiológica do estado de Sergipe sendo assinado o termo de uso de dados secundários assinado pelo Diretor de Saúde. O estudo foi realizado exclusivamente com dados secundários de acesso livre, garantindo-se a preservação da identidade dos sujeitos em consonância com os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
RESULTADOS
Os dados do estudo demonstraram que no período compreendido entre 2002 e 2012, foram notificados 315 casos de tuberculose no município de Lagarto/SE, com uma média anual de 28,6 (desvio-padrão de +5,7 casos). A taxa de incidência para o período foi de 30,15 casos para cada 100 mil habitantes. Durante este período, houve um declínio na taxa de incidência de 31,51 (2002) para 21,7 (2012) casos por 100 mil habitantes, ano em que obteve a menor incidência da doença. Isso representa uma redução de 31,11 % da incidência de tuberculose no município (tabela 1). O ano com a maior incidência ocorreu em 2004 com 44,38 casos/100 mil habitantes.
Observou-se que o município de Lagarto/SE apresentou tendência decrescente e significativa da incidência no período estudado (fig.).
As equações de tendência linear para as taxas de incidência de tuberculose para ambos os sexos e por faixa etária na série histórica estão representadas na tabela 2. O coeficiente de determinação (R2), mesmo não sendo elevado, indicou tendência decrescente e estatisticamente significante para o sexo feminino (p=0,015) e para a taxa global de tuberculose no município (p=0,04). Para o sexo masculino também foi observada tendência decrescente, apesar de não ter mostrado significante (p=0,4). Com relação à idade, verificou-se tendência decrescente e significante apenas em idosos (p=0,04), decrescente e não significativa para adolescentes (p=0,08) e adultos jovens (p=0,08). Para todos os resultados das tendências foram calculados a variação percentual anual (APC - Annual Percent Change), sendo os valores decrescentes estatisticamente significativos para a população geral (APC= - 9,39 %), sexo feminino (APC= - 9,73 %) e faixa etária idosos (APC= - 9,99 %).
A partir da análise da tabela 3 é possível visualizar o perfil dos portadores de tuberculose no município de Lagarto/SE, com as seguintes características: predomínio de indivíduos do sexo masculino (65,40 %), na faixa etária de 20 a 59 anos (70,80 %), da raça/cor parda (61,26 %) e com baixa escolaridade (66,02 %).
Em relação aos agravos associados, a maioria das notificações assinalou como ignorado ou em branco quanto à presença de comorbidades associadas como "HIV/AIDS", "diabetes", "doença mental" e "uso do álcool". Todavia, houve o registro de 05 casos (1,59 %) associados a HIV/AIDS/, 34 casos (10,79 %) relacionados ao uso do álcool e 14 casos (4,44 %) a diabetes (tabela 3). No tocante ao acompanhamento do caso foi observado o tratamento diretamente observado (TDO) em 72,38 % dos casos. Quanto à situação de encerramento, o desfecho favorável foi a cura em 82,15 % dos pacientes notificados.
Com relação às variáveis clínico-epidemiológicas, tabela 4, o tipo de entrada predominante foi de casos novos (84,13 %). Os casos de recidiva representaram um percentual menor (5,08 %). Ao analisar a distribuição percentual de acordo com a forma clínica, observou-se o predomínio da forma pulmonar (84,44 %). Da classificação clínica extrapulmonar, as formas pleural (59,18 %) e ganglionar periférica (18,37 %) foram as mais comuns. O percentual de casos que desenvolveram as duas formas concomitantemente da doença, pulmonar e extrapulmonar, foi de 2,54 %. No que se refere à realização da baciloscopia, observou-se que 211 (66,98 %) apresentaram baciloscopia positiva, seguido de 55 (17,46 %) casos de tuberculose pulmonar com escarro negativo. Merece atenção a não realização da baciloscopia em 49 casos (15,56 %). Em tempo, foram registrados 02 casos (0,63 %) de doença, relacionada ao trabalho.
DISCUSSÃO
A escolha do município de Lagarto/Se para a realização desse estudo baseou-se na relevância da área para ocorrência de casos de tuberculose e na acessibilidade aos dados.
A tuberculose permanece um problema de saúde pública prioritária no Brasil, por atingir grupos etários ativos (15-54 anos), principalmente do sexo masculino, interferindo nas condições de saúde da população.1 O município de Lagarto/SE trouxe significativa redução quando analisados juntamente com a epidemiologia no Brasil e em Sergipe. No período de 2002 a 2013, o Brasil apresentou uma tendência decrescente da incidência de casos de tuberculose variando de 44,4 a 36,7 casos novos/100000 habitantes.16 Nesse estudo, observou-se, no município de Lagarto/SE, uma redução considerada expressiva da taxa de incidência de tuberculose, variando de 30,51 (2002) para 21,74 (2012) casos por 100 mil habitantes, quando comparada à média nacional.
Estudos mostram a predominância da doença no gênero masculino, confirmando o perfil observado em outros estudos não controlados sobre tuberculose, apresentando uma freqüência maior em fases que permeiam a adolescência e jovem adulto, variando de 12 a 39 anos de idade, que representam a classe economicamente ativa; já para o sexo feminino, a freqüência maior foi entre os 25 e 34 anos de idade.17,18 Estudo comprova que o homem é mais acometido de enfermidades crônicas graves e que morrem mais precocemente que as mulheres. Tratamentos crônicos ou de longa duração têm, geralmente, menor adesão, visto a necessidade de maior empenho e mudanças de hábitos de vida.19
Alguns fatores podem interferir na baixa adesão ao tratamento: barreiras socioculturais, pois ele se considera invulnerável, contribuindo para um menor autocuidado e mais exposição às situações de risco; institucionais, por justificarem difícil acesso aos serviços em horário oportuno. A organização do serviço de saúde e melhor qualidade do atendimento são fatores relevantes para a diminuição do abandono de tratamento
Conforme dados epidemiológicos da vigilância em saúde, em 2014 os casos de tuberculose acometeram 57,5 % da população negra, 45,2 % em pardos, 1,1 % índios, 0,7 % amarelos e 32,8 % brancos.5 A classificação da raça/cor está diretamente relacionada com os aspectos culturais, sociais, geográfico, histórico e político. A escolaridade pode representar um fator indicativo de risco para o aparecimento da doença, pois a falta de conhecimento leva a situações de maior exposição bem como condutas inadequadas de proteção. Observa-se que os portadores bacilíferos de tuberculose sem nenhuma escolaridade apresentam percentual de cura inferior (66,4 %) e de considerável abandono (9,5 %) como desfecho do caso. O percentual de óbito por tuberculose, entre os analfabetos, é quase três vezes superior aos casos com mais de oito anos de estudo.17
Ressalta-se a importância da co-infecção da tuberculose/HIV, pois apresentam relação sinérgica, aumentando ainda mais o risco de adoecimento. Pessoas com HIV têm risco maior de progredir para tuberculose ativa a partir de um foco de infecção primária ou a partir da reativação de uma tuberculose latente. Dessa forma, o ministério da saúde estabelece como padrão a oferta do teste rápido de HIV para todos os casos confirmados de TB.9,20,21
A tuberculose tem relação direta com a pobreza, associada com exclusão social e marginalização de parte da população submetida a más condições de vida, como moradia precária, desnutrição e dificuldade de acesso aos serviços e bens públicos.22
Quanto às formas clínicas da tuberculose, as pulmonares, seguidas da pleural e ganglionar periférica foram as mais freqüentes. Dessa forma, o Ministério da Saúde estabelece como protocolo a busca ativa de todos os casos sintomáticos e contatos. Para isso, o profissional de saúde precisa ofertar material para a realização do teste de escarro (teste de BAAR), que consiste em um dos métodos de diagnóstico, que quando realizado corretamente, é possível detectar 70 a 80 % dos casos.21,22
No Brasil, o controle da TB é baseado na busca de casos e na realização de diagnóstico precoce e tratamento até a cura, cujo objetivo prioriza a interrupção da cadeia de transmissão a fim de evitar adoecimentos. Nesta perspectiva torna-se imprescindível o fortalecimento de estratégias para o tratamento diretamente observado, como principal ferramenta para alcançar o controle da tuberculose.23
O percentual elevado de registros sem dados sobre o desfecho mostra negligência na notificação do agravo. Portanto, para um devido acompanhamento e intervenção político-social, é necessária uma fonte de dados segura, sendo então necessário o preenchimento correto e completo das fichas, pois todos os dados merecem destaque e têm valor significativo na contextualização e caracterização epidemiológica de um agravo, evento, ou circunstância. A baixa completude ou preenchimento inadequado das fichas de notificação pode comprometer a qualidade de vigilância dos casos de tuberculose.24
Em conclusão, a tuberculose ainda hoje se constitui num grave problema de saúde pública por afetar uma população economicamente ativa e ser reflexo de condições socioeconômicas. De posse destas certezas, tanto no Brasil quanto no município de Lagarto, Sergipe, houve uma redução significativa do número de casos nas últimas décadas. Porém, apesar deste declínio a convivência com este agravo é reflexo de políticas ineficazes nos âmbitos preventivos e promocionais, denotando incapacidade de lidar com o problema em aspectos básicos da vida humana, como os sanitários e ambientais.
Outros aspectos que merecem atenção são a adesão ao tratamento que pode está associado à duração do uso do medicamento e às barreiras socioculturais representadas pela pobreza que o sentencia a más condições de vida, onde muitas vezes as condutas apreendidas ao longo da vida são um risco ao próprio doente, não estando desarticulado do nível de escolaridade do sujeito que é um dado de extrema relevância para a cura deste.
Intervir em prol do combate e erradicação da tuberculose no Brasil deve tornar-se estratégia prioritária para as ações de controle e vigilância da tuberculose, tornando-se necessário repensar as políticas de promoção da saúde e prevenção específica deste agravo.