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Revista Novedades en Población

versión On-line ISSN 1817-4078

Rev Nov Pob vol.14 no.28 La Habana jul.-dic. 2018  Epub 24-Mayo-2019

 

Artículo Original

Entre o sertão e o mar: migrações internacionais contemporâneas no Nordeste brasileiro

Entre el interior y la mar: migraciones internacionales contemporáneas en el Nordeste brasileño

Between the countryside and the sea: contemporary international migrations in the Brazilian Northeast

Marcos Antonio da Silva1  , Ricardo Ojima2 

1 Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Brasil.

2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil.

RESUMO

O presente trabalho analisa as migrações internacionais contemporâneas na região Nordeste do Brasil, que, historicamente, foi uma zona de emigração intensa. Para tanto, discute os principais fatores de imigração na atualidade, considerando tanto os elementos tradicionais como aqueles oriundos dos processos de globalização e avanços tecnológicos. Em seguida, contextualiza a migração em tal região apontando que, ao longo dos últimos dois séculos, esta tem-se caracterizada como uma zona de emigração, mas que, recentemente, tanto a migração de retorno como a migração internacional têm adquirido relevância, além do aumento da migração regional. Por fim, analisa a migração internacional na região, procurando delimitar seu número e localização e compreender seu perfil populacional, inserindo-a na dinâmica nacional.

Palavras-Chave: Migração internacional; globalização; perfil; atração

RESUMEN

El presente trabajo analiza las migraciones internacionales contemporáneas en la región nordeste de Brasil, que históricamente ha sido una zona de emigración intensa. Para ello, discute los principales factores de inmigración en la actualidad, considerando tanto los elementos tradicionales como aquellos oriundos de los procesos de globalización y avances tecnológicos. A continuación, contextualiza la migración en dicha región apuntando que, a lo largo de los últimos dos siglos, se ha caracterizado como una zona de emigración, pero que recientemente la migración de retorno y la migración internacional han adquirido relevancia, además del aumento de la migración regional. Por último, analiza la migración internacional en la región, buscando delimitar su número y localización y comprender su perfil poblacional, insertándola en la dinámica nacional.

Palabras-clave: Migración internacional; globalización; perfil; atracción

ABSTRACT

This study analyzes contemporary international migrations in the Northeast region of Brazil, which historically was a zone of intense emigration. In order to do so, it discusses the main factors of immigration in the present time, considering both the traditional elements as those coming from the processes of globalization and technological advances. It then contextualizes the migration in that region, pointing out that, over the last two centuries, it has been characterized as an emigration zone but, recently, both return migration and international migration has acquired relevance, in addition to the increase of regional migration. Finally, it analyzes the international migration in the region, seeking to delimit their number and location and to understand their population profile, inserting it in the national dynamics.

Key words: International migration; globalization; profile; attraction

Introdução

As migrações internacionais emergiram como um dos componentes fundamentais das sociedades contemporâneas, gerando inúmeros desafios para o desenvolvimento de políticas públicas e propiciando o advento de um intenso debate procurando compreender suas causas, sua dinâmica e, principalmente, seus impactos. Neste sentido, tal processo está associado às grandes transformações relacionadas ao advento da nova onda globalizadora e ao desenvolvimento intenso de novas tecnologias que, combinadas com os fatores tradicionais (questões econômicas, demográficas ou político-religiosas), geram um aumento crescente nos deslocamentos populacionais atuais.

Além disto, a “outra face da globalização”, menos visível ou destacada, que se refere à ampliação das desigualdades (intra e entre as sociedades), a atomização e agudização de conflitos associados à pauperização, às intervenções e ao extremismo e a precarização de direitos sociais tem contribuído para o crescimento do fluxo populacional mundial.I

Sendo assim, tal temática adquiriu uma grande relevância, tanto no âmbito acadêmico como societal, e sua compreensão exige um esforço abrangente e uma análise multidisciplinar, envolvendo diversas áreas (e seus instrumentais) do conhecimento, embora tenha seus fundamentos nos estudos populacionais, pois se trata de um “fato social completo”(Sayad, 1998).

Além disto, vale destacar que, neste novo século, o Brasil, país forjado pela imigração, se inseriu na rota dos deslocamentos populacionais, com a ampliação, desde os anos 80, dos números de brasileiros que resolvem emigrar e, principalmente, com o crescimento da entrada de migrantes internacionais no país, tornando-o, atualmente, um dos principais centros de recepção de migrantes, principalmente os latino-americanos, favorecidos pela proximidade, pela ausência de conflitos bélicos e pelo grau de desenvolvimento econômico (apesar dos percalços) alcançado pelo país.

Inserido neste contexto, vale ressaltar que o Nordeste brasileiro esteve, pelo menos nos dois últimos séculos, associado a um intenso fenômeno migratório tanto interno como, mais recentemente, internacional. Desta forma, a região se caracterizou pela intensa mobilidade populacional para outras partes do país impulsionadas pelos problemas climáticos (a seca no semi-árido nordestino) e ao desenvolvimento desigual brasileiro, conduzindo importantes levas de nordestinos ao norte ou a região centro-sul do Brasil, incorporados como mão-de-obra fundamental. No entanto, recentemente o Nordeste viu emergir um deslocamento populacional que está associado, internamente, a migração de retorno e ao deslocamento intra-regional e, externamente, ao crescimento da migração internacional (de e para a região).

Sendo assim, este trabalho procura analisar as migrações internacionais contemporâneas na região Nordeste do Brasil, procurando identificar e compreender seu número, indicando sua localização e relevância e apontando as características principais dos migrantes internacionais da região (origem, idade, sexo e cor, dentre outras). Em suma, procura, a partir dos dados do censo demográfico brasileiro, traçar um quadro abrangente do fenômeno migratório internacional para a região nas últimas duas décadas.

Para tanto, o trabalho está estruturado, além desta introdução e conclusão, da seguinte forma. Na primeira parte, analisamos os principais elementos teóricos relacionados às migrações internacionais, discutindo as principais explicações sobre suas causas e efeitos, inserindo-as ao contexto atual. Em seguida, analisamos o fenômeno migratório relacionando-o ao caso brasileiro e nordestino. Na terceira, e última parte, procuramos apontar e analisar os principais aspectos e características da migração internacional contemporânea no Nordeste brasileiro.

A migração internacional contemporânea: novas questões, desafios persistentes

Apesar de estarem associadas, no mundo contemporâneo, ao processo de globalização, as migrações internacionais estão inseridas, há muito tempo, no cenário mundial e sua existência, assim como seu crescimento, vem desafiando a teoria social sobre suas razões, sua dinâmica e, principalmente, seus efeitos. Isto porque se trata de um fenômeno que possui diversas causas, é marcado por inúmeras modalidadesII e possui uma natureza complexa e relacional, interligando-se a inúmeras dimensões da vida social, envolvendo elementos naturais, culturais, econômicos, políticos e religiosos, dentre outros (Portes, 1999; Castles, 2005; Patarra, 1996; Simai e Baeninger, 2012).

A reflexão sobre tal fenômeno se fundamenta, historicamente, no que Dumont (2006) denominava de fatores tradicionais que, além daqueles relacionados aos fenômenos naturais, se referem a três razões fundamentais. Em primeiro lugar, existem os fatores político-religiosos, presentes em toda modernidade ocidental, que se tornaram uma das principais causas de expulsão ou deslocamento de contingentes populacionais, devido às guerras civis ou internacionais (particularmente intensas no século XX e em certas regiões do planeta), conflitos étnicos ou religiosos ou o formato dos regimes políticos, que serviram, ao longo da história, como razão de atração ou expulsão.III

Em segundo lugar, estão os fatores econômicos derivado das crises econômicas e a escassez que geram, da ausência ou fragilidade de desenvolvimento econômico, bem como da desigualdade social ou da falta de acesso a bens coletivos (educação, saúde, emprego...) que intensificaram, por exemplo, as migrações Sul-Norte na atualidade. Outro fator tradicional está relacionado às questões demográficas e as mudanças e desafios que esta impõe, derivadas do crescimento ou estancamento populacional, relacionadas à capacidade populacional de um determinado território e que foi importante para a migração europeia do final do século XIX e início do XX. Finalmente, as migrações internacionais podem ser derivadas da combinação de alguns ou todos estes elementos, fundamentando-se em aspectos políticos, econômicos e demográficos gerando a denominada “migração composta”, que afetou inúmeros povos ao longo do século passado.

No entanto, como aponta Dumont (2006), no mundo contemporâneo tais elementos foram impulsionados pela emergência de uma “nova lógica migratória” que, mantendo estes elementos tradicionais, está inserida no novo contexto global que emerge no pós guerra-fria. Tal lógica está associada a três processos fundamentais que caracterizam as sociedades contemporâneas: a globalização, a internacionalização e a mundialização.

A globalização, relacionada ao advento dos processos de integração regional ou desenvolvimento de regimes internacionais, tem contribuído para a eliminação (total ou parcial) das barreiras, facilitando a mobilidade populacional. A este processo se agrega as transformações geradas pela internacionalização, que pode ser definida pela compressão do espaço-tempo das trocas materiais, informativas e humanas, facilitando o fluxo de capitais, informação, comunicação e pessoas. A isto, soma-se, segundo Dumont, os elementos derivados da mundialização, que se refere ao desenvolvimento de estratégias globalizadas pelos diversos agentes econômicos, que permitem a construção de uma mentalidade global.

Tais processos, combinados aos deslocamentos derivados das mudanças climáticas, estaria gerando uma “nova lógica migratória”, que pode ser conduzir a emergência de uma onda migratória voluntária e potencializadora do desenvolvimento, pois, segundo ele: “Mais, qu’elles soient volontaires ou contraintes, les migrations du XXIe siècle se singularisent par un contexte spécifique en raison des processus de globalisation, d’internationalisation et de mondialisation, auxquels pourraient s’ajouter les effets des changements climatiques. Les pays, les organisations régionales comme l’Union européenne, les organismes internationaux, doivent prendre en compte ces réalités pour prévenir les migrations forcées et permettre que les migrations volontaires s’inscrivent dans une logique d’échange et de partenariat utile au développement” (Dumont, 2006, p. 25).

Neste sentido, também Patarra (2005) aponta que, no cenário da globalização, as recentes tendências de movimentos migratórios internacionais vêm demandando uma reavaliação dos paradigmas inerentes ao conceito de migração, pois:

A crescente importância das migrações internacionais no contexto da globalização tem sido, na verdade, objeto de um número expressivo de contribuições importantes, de caráter teórico e empírico, que atestam sua diversidade, significados e implicações. Parte significativa desse arsenal de contribuições importantes volta-se à reflexão sobre as enormes transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais que se processam em âmbito internacional, principalmente a partir dos anos 80. Como eixos de reflexão situam-se as mudanças advindas do processo de reestruturação produtiva, o que implica novas modalidades de mobilidades do capital e da população em diferentes partes do mundo. (Patarra, 2005, p. 23)

Desta forma, a globalização corresponde a uma tendência de crescimento mundial do fluxo migratório e da circulação de pessoas, por mais que prevaleça o fluxo de capital, que se trata de um novo fluxo transfronteiriço, motivados em grande medida pela ausência de perspectiva de inserção no mercado de trabalho. Neste sentido, pode-se considerar que os movimentos migratórios internacionais, constituem a contrapartida da reestruturação territorial planetária, que está intrinsecamente relacionada à reestruturação econômico-produtiva em escala global (Martine, 2005).

Além disto, o processo de internacionalização, já mencionado, também propiciou a construção de uma agenda internacional relacionada à população que incluía a migração internacional, pois:

A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994 no Cairo, na seqüência de conferências da ONU nos anos 90, da qual o Brasil é signatário, apresenta no capitulo X do seu programa de ação, a questão das migrações internacionais. Na formulação da problemática, o documento considera as migrações internacionais contemporâneas interrelacionadas ao processo de desenvolvimento, destacando a pobreza e a degradação ambiental, aliadas à ausência de paz e segurança, as situações de violações de direitos humanos como dimensões decisivas para o plano de Ação. O documento ressalta os efeitos positivos que a migração internacional pode assumir, tanto para as áreas de destino como para as áreas de origem. Para isso incita os governos a analisarem as causas da migração, na tentativa de transformar a permanência num determinado país em opção viável para todos. (Patarra, 2005, pp. 28-29).

Diante disto, torna-se importante a contribuição de Castles e Miller (2009) que sugerem estarmos vivenciando uma nova era nas migrações internacionais em que se combinam, além do processo de globalização já discutido, outras quatro tendências relevantes que interagem e impulsionam tal dinâmica: a aceleração do volume de migrantes, que mantém um viés crescente nas últimas décadas, a ampliação e a diversidade de modalidades de migração internacional e a combinação de vários elementos; a ampliação da presença feminina entre os migrantes internacionais, ocasionando um processo de feminização desta, que tem impactos profundos em determinadas sociedades e se desenvolve de maneira diferente conforme a nação e, por fim, a politização dos processos migratórios com o advento de debates e a adoção de políticas nacionais, bilaterais e regionais para regulamentar tal processo que adquirem uma relevância crescente nos grandes centros receptores (EUA e Europa).

Sendo assim, podemos constatar que as migrações internacionais adquiriram uma dimensão e uma importância que tem impactado, de uma ou outra forma, todas as sociedades. Em grande medida tal fenômeno adquiriu tal relevância, pois está associado aos principais processos contemporâneos relacionados á globalização e a internacionalização, dentre outros, que impactam sua natureza, sua dinâmica e seus efeitos.

Neste sentido, considerando o caso brasileiro, Baeninger (2003) afirma que: “O Brasil começou também, a partir das últimas duas décadas do século passado, a se inserir nesse novo contexto das migrações internacionais tanto com fluxos de saídas de brasileiros para o exterior quanto com a recente entrada de estrangeiros no País. O tema das migrações internacionais ressurge, pois, como questão demográfica no Brasil ao final do século 20” (Baeninger, 2003, p. 2). Desta forma, procuramos, a seguir, discutir como o Brasil e a região Nordeste, em particular, se inserem em tal cenário.

A migração no Brasil e o Nordeste: a interação entre o internacional e o nacional

O Brasil, historicamente, tem-se constituído num país de migrantes. Embora persistam dúvidas sobre a origem dos chamados “povos originários”, pode-se afirmar que, a partir, da ocupação portuguesa o perfil populacional brasileiro foi moldado pela imigração, fundamental para a identidade miscigenada do país, que combinou a presença forçada de africanos, com a incorporação massiva de imigrantes europeus (ao longo de todo o período colonial e de forma intensa no final do século XIX e XX, associada à tentativa de embranquecimento do país) e, mais recente, de imigrantes globais oriundos do Oriente Médio, Ásia e América Latina (Levy, 1974; Marinucci, 2013).

No entanto, se até o final do século passado o país se caracterizou como pólo de atração de migrantes internacionais, com um processo migratório continuado, o padrão de desenvolvimento do país (e seu esgotamento recente) combinado com os processos mundiais, descritos anteriormente, introduziram mudanças significativas na inserção brasileira nos processos de migração internacional (Sales, 1992; Baeninger, 2003; Oliveira, 2013; Lussi, 2017).

A principal delas se refere ao fato de que o Brasil adquiriu uma crescente importância na rota das migrações internacionais, alicerçada numa dupla inserção. Por um lado, continua sendo um pólo de atração de migrantes internacionais, cujo número segue crescente e, por outro lado, o país se tornou emissor de migrantes, principalmente a partir das últimas décadas do século passado (Lussi, 2017; Patarra, 2005).

Além disto, vale assinalar que o processo migratório brasileiro tem se concentrado, historicamente, na região Centro-Sul do país, por seu maior desenvolvimento econômico e que tal padrão continua persistindo na atualidade (Oliveira, 2013). Tal região tem atraído uma gama diversificada de migrantes internacionais nas mais diversas ondas migratórias. No entanto, vale destacar que a migração transfronteiriça, além de atingir a região mencionada, possibilita que novas ondas atinjam a região Centro-Oeste do país (bolivianos e paraguaios) e, mais recentemente, a região Norte (haitianos, peruanos, colombianos e venezuelanos). Neste sentido, a região Nordeste apresenta algumas especificidades que analisaremos adiante.

Além disto, outro elemento que caracteriza as migrações internacionais contemporâneas no Brasil refere-se ao processo de latino-americanização desta, ocasionadas pelos conflitos sociais e crises econômicas que atingem algumas sociedades latino-americanas e, certamente, pela proximidade geográfica e o nível de desenvolvimento do país, que se tornou um dos principais pólos de recepção de tal migração. Além disto, o aprofundamento dos processos de integração regional, principalmente do MERCOSUL, constitui-se num fator que tem contribuído para o aumento de tal fluxo, mesmo com o caráter errático e incerto de tal processo.

Por fim, deve-se destacar a presença de uma migração associada à mão-de-obra qualificada, principalmente em relação aos membros do MERCOSUL, e, em menor medida e por tempo determinado, de especialistas oriundos dos EUA e alguns países da Europa.

Em suma, o Brasil tem-se inserido no processo global de migrações, como apontado anteriormente, e mantém algumas continuidades com seu processo histórico, embora apresente algumas inovações importantes, que podem variar segundo as regiões do país. Por isto, antes de analisar as principais características das migrações internacionais contemporâneas para a região Nordeste, é necessário destacar alguns aspectos gerais desta região.

A região Nordeste do Brasil é composta por nove estados e é marcada pela diversidade e contrastes, internos e em relação ao restante do país, que atuam sobre o processo de migração doméstica e internacional.

Neste sentido, o principal elemento a ser destacado refere-se ao fato de que esta região possui um papel fundamental no processo migratório interno, sendo, ao longo dos dois últimos séculos, a principal responsável pelos deslocamentos humanos no país, constituindo-se numa região de processo migratório continuado, apesar das alterações recentes (Ojima e Fusco, 2015). Desta forma, a emigração nordestina relacionada, em grande medida, ás condições climáticas do sertão nordestino, determinou importantes ondas de deslocamento para a região Norte do país, em meados do século XIX e princípios do XX, e, principalmente, para a região Centro-Sul, a partir dos anos 50, sendo fundamental para o processo de desenvolvimento industrial destaIV (Fontes, 2008).

Recentemente, com a diminuição do processo migratório para outras regiões, a mobilidade humana na região ainda se mantém intensa devido à migração de retorno (Oliveira e Jannuzzi, 2005) e ao aumento da migração intra-regional (Fusco, 2012).

Tal processo está relacionado à outra importante característica regional, que também se relaciona a migração internacional, referente aos contrastes e desequilíbrios presentes na região. Tal contraste pode ser sintetizado na contraposição entre o sertão nordestino, de clima semi-árido e com baixo nível de desenvolvimento econômico e social, que geralmente está associado a uma zona de expulsão e o litoral, de clima mais ameno e com algumas importantes áreas industrias, associado a zona de recepção de migrantes. Neste sentido, vale destacar que o litoral, além de contar com espaços propícios ao turismo, possui boa parte do parque industrial da região, apesar do desenvolvimento tardio e desigual, e concentra os maiores arranjos populacionais, em que se destacam as cidades de Salvador, Recife e Fortaleza. Finalmente, é importante ressaltar que determinados estados caracterizam-se pelos baixos índices de desenvolvimento humano como Piauí, Maranhão e Alagoas, o que incide sobre a migração (interna e externa).

No que se refere às migrações internacionais, pode-se destacar que estas tiveram, ao longo da história regional e à exceção da ocupação colonial em que se destacaram africanos e europeus, um caráter incipiente e concentrado a determinadas zonas, o que fez com que a região Nordeste fosse uma área de interesse secundário e marginal para os migrantes internacionais no país, devido às condições climáticas e a escassez de terras propícias á agricultura disponíveis, de posse oligárquica.

Além disto, deve-se ressaltar que os governos da região não desenvolveram políticas efetivas de atração de migrantes internacionais, como pode ser observado no trabalho de Teixeira (2017), indicando, desta forma, uma presença difusa de tal contingente populacional na região. Neste sentido, Cenni (1975) indicava que, no início do século XX, a presença italiana na região era de, aproximadamente, 700 pessoas em Pernambuco, 600 na Paraíba, 350 no Ceará, 150 em Alagoas, 100 no Maranhão, 70 no Rio Grande do Norte e 30 no Piauí, enquanto no Centro-Sul do país tal contingente chegava aos milhares. Tal situação também pode ser percebida no escasso material, sobre a atualidade e os séculos anteriores, da presença de migrantes internacionais na região e seus impactos.V

Sendo assim, na próxima seção procuramos apontar o volume e as principais características da migração internacional contemporânea para o Nordeste brasileiro.

Migrações internacionais para o Nordeste brasileiro: um mapeamento necessário

A partir do que foi discutido anteriormente, podemos apontar que a migração internacional para o Nordeste se insere no contexto da globalização, na inserção brasileira nos fluxos populacionais contemporâneos e nas especificidades da região, adquirindo, neste século, uma nova dinâmica que tem ampliado o número de migrantes e suas características.

Neste sentido, a partir do censo demográfico do IBGE,VI podemos observar na tabela 1 que tal fluxo ocorre da seguinte forma:

Tabela 1 Número de migrantes internacionais no Brasil (2000 e 2010) 

Fonte: Elaborada por os autores.

Como se pode constatar, o gráfico acima revela que o número de migrantes aumentou de forma considerável entre os levantamentos, que seu peso relativo nacional foi ampliado em mais de 50%, embora a região continue não sendo prioritária para o estabelecimento destes, ocupando a penúltima posição entre as regiões do país.

Além disto, vale destacar que sua distribuição espacial não é homogênea, embora mantenha um padrão, pois se estabelece da seguinte forma nas figuras 1 e 2.

Fonte: Elaborada por os autores.

Figura 1 Distribuição de imigrantes por estado 

Fonte: Elaborada por os autores.

Figura 2 Variação de imigrantes por estado 

Estes demonstram que os principais pólos de atração se referem a Bahia (14 573), Pernambuco (7 066) e Ceará (6 800) e os pólos menos atrativos se referem a Sergipe (527), Piauí (764) e Alagoas (1 165), confirmando o contraste regional (e as razões da atratividade), mencionado anteriormente. Além disto, indicam que houve pouca variação em tal situação entre os levantamentos.

Quanto à origem dos imigrantes (Fig. 3), a região se insere no padrão brasileiro, apontado por Oliveira (2013) e Patarra (2005), ao identificarmos que:

Fonte: Elaborada por os autores.

Figura 3 Origem dos imigrantes 

Como se pode observar, os maiores contingentes são oriundos de: EUA (6 954), Portugal (4 654), Itália (3 940), Espanha (2 973), França (2 209) e Alemanha (2 141). Tal quadro confirma a primazia de migrantes oriundos dos EUA e Europa e, embora possua razões complexas e multivariadas, pode-se afirmar que se fundamentam no retorno de descendentes, na absorção de profissionais qualificados e se fundamenta nos laços históricos de certas áreas nordestinas com uma ou outra região. Além disto, vale destacar a presença, embora limitada, de migrantes sul-americanos e japoneses e, em menor medida, a presença de africanos.

Quanto ao sexo, o padrão nordestino parece diferir da recente feminização dos processos migratórios, pois a maioria absoluta (cerca de 65%) são homens, como se pode observar na figura 4.

Fonte: Elaborada por os autores.

Figura 4 Sexo dos imigrantes.  

No que se refere à faixa etária, podemos constatar uma variação significativa dos grupos etários entre os levantamentos e, principalmente, que o maior grupo que se concentra entre os 20 e 44 anos de idade, indicando um perfil predominantemente adulto, conforme figura 5.

Fonte: Elaborada por os autores.

Figura 5 Faixa etária dos imigrantes 

Finalmente, em relação à cor ou raça, há o predomínio absoluto de imigrantes brancos, combinando com a origem mencionada anteriormente, que pode ser observando na figura 6:

Fonte: Elaborada por os autores

Figura 6 Cor ou raça dos imigrantes 

Em suma, podemos destacar que a migração contemporânea para o nordeste brasileiro possui similaridades com a dinâmica nacional (forte presença norte-americana e europeia e a emergência de latino-americanos; predomínio de homens brancos e adultos) e está concentrada nos estados mais desenvolvidos e populosos (Bahia, Pernambuco e Ceará), sendo incipiente nos estados menores ou menos desenvolvidos (Sergipe, Piauí, Alagoas e Maranhã), confirmando que o contraste regional e local incide sobre as migrações internacionais.

Conclusão

Como discutimos neste trabalho, as migrações internacionais têm adquirido uma dimensão e relevância crescente e o Brasil está inserido nesta nova dinâmica das relações internacionais contemporâneas. Da mesma forma, apesar do impacto distinto em cada região, podemos demonstrar que tal tema é importante para o Nordeste brasileiro que, historicamente, se constituiu num dos principais pólos de mobilidade humana do país.

Sendo assim, procuramos analisar os fundamentos, a dinâmica e os efeitos de tal processo, apontando que, apesar da vigência dos fatores tradicionais, seu incremento está relacionado aos processos de globalização e internacionalização, com seus efeitos contraditórios.

Desta forma, inserindo o Nordeste brasileiro em tal dinâmica, internacional e nacional, procuramos analisar as migrações internacionais contemporâneas para a região, discutindo seus principais elementos. Neste sentido, podemos identificar que esta possui uma dimensão relativa quando comparada as demais regiões do país, possui um viés crescente nos últimos anos, possui uma relativa concentração nos estados mais desenvolvidos (Bahia, Pernambuco e Ceará) e é formada por migrantes oriundos de áreas tradicionais (Europa e EUA), embora os migrantes latino-americanos comecem a adquirir importância, como já acontece em outras regiões do país. Além disto, o perfil geral deste imigrante refere-se a homens, brancos e entre a juventude e a maturidade adultos (20 a 40 anos).

Tal grupo parece se concentrar nas grandes cidades litorâneas, repondo o velho contraste entre o sertão e o mar, embora sejam necessários novos estudos para que se avance em tal caracterização. De toda forma é possível constatar que o tema das migrações internacionais adentrou, definitivamente (?), na agenda nacional e nordestina.

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1I Neste sentido, Bauman aponta que: “As guerras e os massacres tribais, a proliferação de ‘exércitos de guerrilheiros’ ou gangues de criminosos e traficantes de drogas posando de defensores da liberdade, ocupados em dizimar as fileiras uns dos outros, mas absorvendo e, no devido tempo, aniquilando nesse processo o ‘excedente populacional’ (principalmente os jovens, que não conseguem emprego e não tem perspectivas)- essa é uma das ‘quase-soluções locais para problemas globais’, distorcidas e perversas, a que os retardatários da modernidade são obrigados a recorrer, ou melhor, acabam recorrendo. Centenas de milhares de pessoas, ás vezes milhões, são escorraçadas de seus lares, assassinadas ou forçadas a buscar a sobrevivência fora das fronteiras de seu país. Talvez a única indústria florescente nas terras dos retardatários (conhecidas pelo apelido, tortuoso, e frequentemente enganoso, de ‘países em desenvolvimento’) seja a produção em massa de refugiados”. (Bauman, 2007, p. 39).

2II Como aponta Baeninger: “Assim, as modalidades da imigração internacional contemporâneas trazem ao debate as dimensões transnacionais (Apadurrai, 1996; Glick-Schiller, 2007), os territórios circulatórios (Tarrius, 2001), a circulação de pessoas (Castles e Mille, 2003), a circulação de cérebros (De Hass, 2010), o reassentamento dos imigrantes refugiados, modalidades migratórias e mobilidades populacionais que não estão presentes nas noções clássicas de integração e ordem correspondentes ao Estado-nação (Wimmer e Glick-Schiller, 2003)” (Baeninger, 2014, p. 3).

3III Como afirma Dumont: “Les facteurs politiques à l’origine de migrations, qui ont exercé des effets tout au long de l’histoire de l’humanité, continueront d’exister demain, parce que les situations et décisions politiques sont susceptibles de créer des effets de répulsion ou d’attirance” (Dumont, 2006, p. 17).

4IV Apesar de sua diminuição em tempos recentes vale destacar, como apontam Ojima e Fusco (2015), que: “A década de 1990, por outro lado, não registrou evidências de continuidade dos processos observados nos anos anteriores: ao contrário, verificou--se um incremento importante da emigração nordestina - de 3,6 milhões entre 1981-1991 para 4,0 milhões nos anos de 1990, ao mesmo tempo em que o Sudeste voltou a registrar aumento em volume nos fluxos de imigrantes. Dessa forma, observa-se que, em vários pontos do país, a presença de naturais do Nordeste ainda é significativa e a situação de São Paulo é exemplar. Em 2000 a Região Metropolitana de São Paulo contava aproximadamente 18 milhões de habitantes, e os nordestinos participavam de forma expressiva na população: 3,6 milhões, ou 21% dos residentes na Região Metropolitana de São Paulo eram nascidos num dos estados nordestinos” (Ojima e Fusco, 2015, p. 4).

5V Apesar disto, podem ser mencionados, dentre outros, os trabalhos de Andrade (1992) e Ennes (2011)..

6VI Vale ressaltar que uma das dificuldades para tal discussão se refere a precisão dos dados pois, no caso brasileiro, não há um sistema consolidado e integrado entre os diversos organismos e os dados referentes aos migrantes como o IBGE, o Ministério da Justiça (Polícia Federal), O Ministério das Relações Exteriores e o Ministério do Trabalho, bem como aqueles compilados por organizações da sociedade civil. Neste sentido, Patarra afirma, em 2005, que: “A Pastoral do Migrante trabalha, hoje, com uma estimativa de 1,8 milhão de estrangeiros no país; esse dado contrasta fortemente com as informações do Ministério da Justiça. Neste caso, o número estimado de estrangeiros teria, após uma estabilidade de dez anos, baixado de 1 milhão para 830 mil, e São Paulo concentraria mais da metade desse total: 440 mil, seguido do Rio, com quase 200 mil” (Patarra, 2005, p. 28).

Recebido: 25 de Janeiro de 2018; Aceito: 15 de Março de 2018

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