Introdução
O termo absenteísmo é permeado de significados e varia de acordo com o contexto. Na saúde pública, o termo tem sido recentemente empregado para definir o comportamento do usuário de faltar a uma consulta ou a um exame nos serviços de saúde.1,2,3,4,5 Entende-se que o absenteísmo é um comportamento multicausal coadunando os serviços de saúde, o usuário e a gestão. Como consequências, observa-se uma exaustiva circulação em rede por parte do usuário e novas filas de espera, contribuindo para causas que induzem ao absenteísmo, como esquecimento,3 por exemplo. Não comparecer a um compromisso de saúde implica em perda financeira para o sistema, desperdícios de outros recursos, vaga inutilizada para outro usuário, além da descontinuidade do cuidado.6
A taxa de absenteísmo às consultas médicas varia de 5 a 55 % entre os países, os sistemas de saúde e os diferentes contextos clínicos.7,8,9,10 A taxa média geral mundial de absenteísmo em consultas é de 23,0 %.11 Nos serviços públicos brasileiros observam-se taxas de até 52 % em São Paulo;12 em João Pessoa 48,3 %;2 no Ceará 32,17 %;13 em Florianópolis 34,4 %14 e no Espírito Santo 38,6 %.15
Algumas estratégias já foram descritas na literatura para reduzir a taxa de absenteísmo às consultas, como visita dos agentes comunitários de saúde (ACS), para lembrar os usuários sobre a data da consulta,3,5 a técnica de overbooking,4 a confirmação de consulta por telefone16 e a disponibilização de horários alternativos.5 Além dessas, o envio de lembretes por Short Message Service SMS pode ser uma alternativa de baixo custo e com potencial para reduzir as faltas às consultas.17 Os estudos que testaram lembretes enviados por SMS aos pacientes provaram ser uma estratégia fácil e eficaz na redução do absenteísmo.18-20
No Brasil, Da Costa e outros (17 enviaram mensagens de texto SMS 24 horas antes das consultas para pacientes de quatro clínicas de atenção primária da cidade de São Paulo. Os autores observaram redução na taxa de absenteísmo no grupo intervenção, ou seja, que receberam as mensagens de texto. Um outro estudo foi realizado com mulheres vivendo com HIV/AIDS. Os resultados mostraram que as mensagens SMS podem ajudar as mulheres brasileiras que vivem com HIV/AIDS a permanecerem aderentes à terapia antirretroviral.21
Neste sentido, os dispositivos móveis vêm atraindo cada vez mais os serviços de saúde, porque têm grande potencial para ajudar na mudança de comportamento.22 Com o advento da Internet, a rede digital provocou uma revolução não apenas midiática, mas também no seu papel social. A ciência da informação tem como objeto a produção, seleção, organização, interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso da informação.23 Por sua vez, as mídias sociais estão definidas como um grupo de aplicativos baseados na Internet que se fundamentam no ideológico e bases tecnológicas da Web 2.0, e que permitem a criação e troca de conteúdo gerado pelo usuário.24
Compreende-se que as dimensões que dificultam ou até mesmo impedem o acesso contribuem o absenteísmo do usuário. Assim, justifica-se a implementação de ferramentas de comunicação com o usuário, como o envio de mensagem de texto, para fortalecer o vínculo usuário/serviço, facilitar o acesso e reduzir o absenteísmo. Desta forma, esse estudo teve o objetivo de analisar o impacto de um lembrete por mensagem de texto eletrônica, via WhatsApp®, sobre a taxa de absenteísmo nas consultas de subespecialidades pediátricas em um hospital público.
Métodos
Desenho de estudo
Foi realizado um estudo do tipo experimental de natureza longitudinal. A composição dos dois grupos foi realizada de forma aleatória, com taxa de alocação de 1:1. A população participante foi dividida em dois grupos denominados: grupo 1 - Controle e grupo 2 - Experimental. O estudo foi realizado durante nove meses, entre os meses de março a dezembro de 2019.
Área de estudo: campo de pesquisa
Participaram do estudo usuários que são atendidos no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (HUCAM), vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). No ano de 2019, o hospital realizou um total de 226 498 atendimentos ambulatoriais. No ambulatório de pediatria, foram realizados 19 797 atendimentos, sendo estes: 544 consultas em cardiologia pediátrica (147 de primeira consulta e 294 de retorno), 1 988 consultas em cirurgia pediátrica (264 de primeira consulta e 1 206 de retorno), 1 780 consultas em gastroenterologia pediátrica (390 de primeira consulta e 1 170 de retorno) e 1 868 consultas em pediatria geral (371 de primeira vez e 1 497 de retorno).
Participantes e critérios de elegibilidade
Foram incluídos no estudo usuários de ambos os sexos, com idades entre 0 e 18 anos, agendados (primeira vez e retornos) para consulta em cardiologia pediátrica, consulta em cirurgia pediátrica, gastroenterologia pediátrica e pediatria. Foram excluídos: i) os sujeitos que não possuíam número de telefone celular na base de dados do Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários (AGHU) e ii) usuários cuja consulta estava programada para menos de 2 dias.
Estratégias da pesquisa
Os participantes foram divididos em dois grupos. O grupo de controle (grupo 1) não recebeu nenhuma mensagem como forma de lembrete, refletindo a prática usual do serviço. No grupo experimental (grupo 2), o lembrete via WhatsApp®, em português, foi enviado entre às 08:00 e às 00:00 horas, 48 horas antes da consulta. O aviso foi enviado uma única vez através do software SpeedMARKET. A mensagem foi apresentada com o intuito de motivar e servir como um lembrete de compromisso. Ela continha a data, a hora da consulta, o local e o nome da especialidade médica. Para cumprir o sigilo médico, a mensagem não portava qualquer informação sobre o estado de saúde da criança.
Cada mensagem de texto enviada incluía cerca de 229 caracteres com espaços. O status "sucesso: confirmado" foi utilizado para garantir que a mensagem foi realmente enviada. Os números de telefone que não estavam veiculados ao aplicativo WhatsApp® eram identificados pelo software e excluídos da pesquisa. O nome da criança não foi mencionado na mensagem. A comunicação foi unidirecional e o usuário não conseguia retorno caso respondesse à mensagem. A alocação dos participantes foi ocultada de todos os médicos do serviço.
Variáveis do estudo
As variáveis fornecidas pelo serviço foram extraídas do sistema de agendamento AGHU e exportadas para um banco de dados em planilha Microsoft Excel. As variáveis fornecidas e analisadas foram: profissional (nome do médico - para a identificação da especialidade analisada); data e hora da consulta (analisada nas tabelas como turno - possibilitará analisar se o período do dia interfere no desfecho); dia da semana (estratificada em três grupos: segunda-feira, sexta-feira e de terça-feira à quinta feira); tipo de atendimento (categorizado como primeira consulta e retorno); data e hora da marcação (permite observar o período de tempo entre a marcação e a data da consulta); nome do usuário (para checar no final do estudo se ele compareceu ou não à consulta; município (categorizada como Grande Vitória e Interior) e telefone. Foi criada a variável ‘tempo entre a data de marcação e a data da consulta’ (em dias), categorizada em: até 30 dias; de 31 a 60 dias; de 61 a 90 dias e mais de 90 dias. Essa estratificação foi realizada para verificarmos se o tempo que decorre entre a data da marcação e a data da consulta interfere no comparecimento do usuário nos diferentes grupos.
Aleatorização
Para a alocação dos participantes, foi adotada a estratégia de amostragem sistemática. Quinzenalmente, as agendas eram exportadas do AGHU para o Microsoft Excel e enviadas aos pesquisadores. Organizava-se em ordem alfabética e se realizava os procedimentos de exclusão seguindo os critérios de elegibilidade. Em seguida foi criada a variável “Tempo 1”, que representa o período entre a marcação e a consulta. Definido o dia de envio das mensagens, foi criada a coluna “Tempo 2”, tempo entre o dia do envio da mensagem e o dia da consulta, a fim de excluir os usuários com consultas agendadas para menos de 48 horas. As consultas foram novamente organizadas em ordem crescente de data, programada no sistema a data de recebimento da mensagem pelo usuário. Por fim, foi realizado o sorteio sistemático dos participantes alocados nos grupos experimental e controle.
Análises estatísticas
Para as análises estatísticas, foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0. Foram realizadas tabelas de dupla entrada, com as variáveis do estudo e o desfecho (paciente compareceu versus paciente faltou). Apresentou-se os percentuais e realizou-se o teste Qui-quadrado de associação. O nível de significância estatística estabelecido foi p-valor menor ou igual a 0,05.
Resultados
Entre março e dezembro de 2019, foram analisadas 1 574 consultas agendadas para as subespecialidades de gastroenterologia pediátrica, cirurgia pediátrica, pediatria geral e cardiologia pediátrica. Um fluxograma de participação no estudo é apresentado na Figura.
Estão resumidas na Tabela 1 as análises descritivas das variáveis estudadas do total da amostra, independentemente do envio de um lembrete por mensagem. A amostra foi de 58 % (n= 579/998) do grupo experimental e 42 % (n= 419/998) do grupo controle. A maioria dos participantes foi do sexo masculino 59 % (n= 593/998). Os dias da semana referentes às consultas foram agrupados em três categorias para a análise: segunda-feira e sexta-feira, por serem próximos ao final de semana e dias entre terça-feira e quinta-feira. A natureza da consulta ambulatorial foi classificada em primeira consulta ou retorno. As consultas de retorno representaram 79 % (n= 786/998) e as consultas de primeira de vez totalizaram 21 % (n= 212/998). Os usuários munícipes da Grande Vitória, composta por seis cidades, representaram 66 % (n= 654/998), enquanto os residentes do interior do estado representaram 25 % (n= 251/998)
Na Tabela 2 estão expostos os valores de frequência e percentual referentes a população de total, assim como a análise estatística para cada variável estudada. Quando comparada ao grupo controle, a taxa de absenteísmo foi menor no grupo experimental, 25,5 % (n= 107/419) versus 24 % (n= 139/579), representando uma diferença de 1,5 %. No entanto, essa diferença entre os dois grupos não foi estatisticamente significante (p= 0,580), conforme apresenta a Tabela 2. Quanto às variáveis sexo, especialidade, turno, tipo de atendimento e município, verifica-se que não há uma associação com a presença ou a ausência nas consultas, evidenciadas pelo valor-p > 0,05. Na variável ‘turno’, o horário de almoço compreende as consultas agendadas no intervalo das 12 h00 min às 13 h00 min. Quando examinada a diferença entre os dias da semana, observamos que a taxa de absenteísmo era particularmente mais alta para consultas agendadas na segunda-feira (p= 0,009). Cerca de 30 % (n= 106/350) dos usuários agendados nesse dia faltaram à consulta, seguido pela sexta-feira, com 23,5 % (n= 16/68) e agrupamento de terça-feira a quinta-feira totalizando 21,4 % (n= 124/580).
As taxas de absenteísmo dos participantes nos grupos controle e experimental foram mensuradas separadamente e analisadas conforme as variáveis do estudo. Os resultados são apresentados nas Tabelas 3 (grupo controle) e 4 (grupo experimental), em termos da porcentagem de usuários que compareceram e faltaram à consulta.
Apesar de não apresentar estatística significante, a variável ‘tempo entre a marcação e a consulta’ no grupo controle mostra uma baixa taxa de absenteísmo para consultas agendadas entre 15 dias e 30 dias, 13,6 % (p= 0,084), em contrapartida, uma elevada taxa de absenteísmo para consultas marcadas em até15 dias, 57,1 %. No grupo intervenção, as consultas agendadas em até 15 dias apresentam uma taxa de absenteísmo de apenas 17,6 % (p= 0,738).
Os resultados das análises do grupo controle mostraram que a taxa de absenteísmo na segunda-feira foi estatisticamente significante (p= 0,003). Em contrapartida, no grupo experimental, essa variável não apresentou significância (p= 0,529). Pode-se inferir que o envio de mensagens para usuários com consultas nas segundas-feiras interfere na taxa de absenteísmo quando analisamos os dois grupos separadamente. Nas demais variáveis, verifica-se que não há significância, evidenciada pelo valor ‒p> 0,05, tanto no grupo experimental como no controle. Por fim, não houve diferença nas taxas entre o grupo experimental e o grupo controle para a variável dia da semana (p= 0,518), conforme ilustrado na Tabela 4.
Discussão
Globalmente, o uso de lembretes por mensagens de texto em estudos com diferentes populações reduz a taxa de absenteísmo das consultas. Ao contrário das nossas expectativas, não encontramos evidências estatisticamente significantes para apoiarmos o uso do envio de mensagens de texto com comunicação unidirecional como estratégia para redução do absenteísmo na população estudada.
Ainda que os tamanhos da amostra sejam ligeiramente diferentes nos dois grupos, uma comparação da taxa de absenteísmo entre os grupos experimental e controle sugere uma menor taxa de absenteísmo no grupo experimental, com diferença de 1,5 %, apesar de não apresentar estatística significante. Embora o absenteísmo seja um problema multicausal, a razão mais citada na literatura é o esquecimento.2,3,19,25 Nesse sentido, o envio de lembretes por mensagens de texto se mostrou eficaz em serviços de diferentes sistemas de saúde.18,20,26,27 No entanto, de acordo com os nossos resultados, esses achados não podem ser generalizados para diferentes populações.
Apesar do envio dos lembretes por mensagens de texto ter sido estudado anteriormente em populações com diferentes perfis, a presente pesquisa é a primeira a estudar o absenteísmo em consultas pediátricas no Brasil. É exequível pressupor que na população pediátrica o comportamento não corrobore com os achados das populações adultas, uma vez que se trata de uma população dependente dos seus responsáveis - esses com as mesmas características das dimensões de disponibilidade, viabilidade financeira e de aceitabilidade do acesso descritas na literatura. Sendo assim, a comparação dos achados dessa pesquisa foi realizada por meio de estudos internacionais, com características socioculturais e programas de saúde distintos, o que lindou a discussão nesse momento.
Um estudo realizado com pacientes pediátricos do Royal Children's Hospital, Austrália, identificou uma taxa de absenteísmo às consultas ambulatoriais de 9,8 % no grupo de intervenção versus 19,5 % nos controles (p< 0,001). Os autores também observaram que os lembretes por SMS resultaram em um aumento da receita financeira devida maior adesão dos pacientes às consultas.28
Lin e outros,29 na China, analisaram a eficácia de um lembrete de mensagem para aumentar a adesão ao tratamento pediátrico de catarata. As taxas de absenteísmo no grupo de intervenção foram significativamente menores do que as do grupo controle. A taxa geral de absenteísmo no grupo de intervenção foi de 8,7 % enquanto no grupo controle foi de 32 %.
Nossa amostra possui algumas particularidades. Observamos que 79 % das consultas analisadas são de retorno, ou seja, de usuários que estão em acompanhamento. Acresce que o perfil de acesso do serviço para as especialidades estudadas prioriza doenças que necessitam de segmento no tratamento e doenças crônicas. Analisamos essa especificidade à luz de umas das dimensões do modelo de acesso proposto por Ronald Max Andersen.30 A necessidade de saúde percebida, compreendida como parte de um fenômeno social amplamente explicado pela estrutura social e crenças de saúde é o principal determinante para utilização dos serviços. Deve-se considerar a forma como as pessoas vêm sua própria saúde, bem como vivenciam sintomas, dores e preocupações sobre sua saúde. (31 Em suma, o envio de mensagens como lembrete e motivadoras para um compromisso em saúde pode não refletir em redução da taxa de absenteísmo devido à percepção de cada indivíduo em relação à sua necessidade de saúde.
Nossos resultados mostram que as taxas de absenteísmo em consultas de subespecialidades pediátricas são relativamente baixas. Não raro, toma-se conhecimento, por meio de outros estudos conduzidos no Brasil, que nossos resultados em relação a taxa de absenteísmo está abaixo quando comparada a outras regiões do país. Em São Paulo, encontra-se especialidades com taxa de absenteísmo de até 52 %;12 em João Pessoa, 48,3 %;2 no Ceará, 32,17 %;13) e Florianópolis, 34,4 %.14
No Espírito Santo, com dados referentes aos anos de 2015 e 2016, um estudo encontrou uma taxa de absenteísmo de 26,9 % em consulta de gastroenterologia pediátrica; 26,7 % em consulta de cirurgia pediátrica; 26,4 % de pediatria geral e 26,3 % em consulta de cardiologia pediátrica,32 mantendo as taxas semelhantes para o ano de 2019, como apresentado nos nossos resultados, mesmo após a intervenção.
Diante da porcentagem da taxa de absenteísmo não estar tão elevada, torna-se mais difícil uma redução tão expressiva mesmo com intervenção. Sendo assim, apesar de não ser significante estatisticamente, a diferença de 1,5 % entre os grupos controle e experimental mostra-se de grande relevância para o serviço, representando melhor aproveitamento dos recursos, ainda que nosso estudo não teve como objetivo analisar o impacto financeiro.
O absenteísmo é um problema que envolve o usuário, o prestador de serviço e a gestão do sistema. Quando se refere que o esquecimento é a principal causa, estamos culpabilizando o usuário como protagonista responsável pelo elevado número de faltas. O esquecimento pode ser reflexo de um problema de acesso, como o longo tempo de espera entre o agendamento e a consulta. A maior parte dos estudos que relatam o esquecimento como principal causa são estudos que direcionam suas pesquisas aos usuários, não investigando outros agentes envolvidos.
Um estudo brasileiro analisou dados do Complexo Regulador e identificou que o longo tempo de espera parece ser uma causa potencial e significativa do absenteísmo do usuário. Esse estudo mostrou que o tempo médio de espera por procedimentos no SUS foi de 419 dias para o ano de 2014, de 687 dias em 2015 e de 1 077 dias em 2016.15Rodrigues e outros32 observaram que um período superior a 60 dias aumenta em 76 % a probabilidade de que ocorra falta quando comparado às consultas agendadas em até 15 dias. Esses dados reforçam a hipótese de que o esquecimento, variável relacionada ao usuário, na verdade é decorrente um problema de acesso, variável relacionada à gestão.
O absenteísmo pode implicar em problemas como perda financeira para o sistema, bem como prejuízos na continuidade do cuidado. Beltrame e outros6 identificaram valores monetários desperdiçados atribuídos ao absenteísmo de R$ 18 566 462.03 para o período de 2014 a 2016, no Espírito Santo. Na região, os serviços são prestados por diferentes modalidades de gestão, sendo elas: serviços públicos estadual e federal, serviços filantrópicos, serviços privados e serviços públicos com gestão de ‘OS’ (Organização Social).6 Com efeito, parte desse valor pode estar destinada a procedimentos em serviços privados que não foram realizados.
Não obstante, segundo Giovanella e outros,33 o setor de saúde brasileiro tem características que tornam o SUS mais vulnerável aos interesses privados. Torna-se evidente uma perda da capacidade gerencial do Estado decorrente de contratos com organizações privadas para realizar gestão e prestação de serviços em unidades públicas de saúde. Ao mesmo tempo em que o setor privado é privilegiado, o SUS é financiado inadequadamente quando a Emenda Constitucional 95/2016 congelou as despesas do governo para os próximos 20 anos, incluindo o setor Saúde.33
As publicações sobre absenteísmo pouco têm mostrado sobre variações na taxa de absenteísmo ao logo de semanas, meses ou ano. O presente estudo, portanto, apresenta dado inédito ao identificar que o absenteísmo, de forma geral, é maior para consultas agendadas na segunda-feira quando comparado aos outros dias da semana (p= 0,009). Analisando a variável ‘dia da semana’ em cada grupo, observamos que essa diferença se manteve estatisticamente significante no grupo controle (p= 0,003). O grupo experimental não apresentou diferenças significativas entre os dias da semana (p= 0,529). Encontramos na literatura internacional dois estudos que descrevem a sazonalidade do absenteísmo. Ambos notaram que a taxa de absenteísmo são significativamente mais altas coincidindo com o período de férias escolares.34,35
As tecnologias móveis em saúde estão sendo pulverizadas nos diversos contexto do setor Saúde. Como resultado, estudos mostram os benefícios das mensagens de texto para várias aplicações, como resultados de exames, incentivo a mudança de hábitos alimentares, prática de exercício, monitoramento de doses de medicamento, intervenções visando redução do tabagismo e lembretes de consultas.22,36,37,38,39 O SMS é a ferramenta mHealth de maneira mais ampla, frequente e usada com sucesso para facilitar a adesão ao tratamento de doenças crônicas.
No entanto, essas ferramentas inovadoras podem aumentar involuntariamente as disparidades na saúde devido ao acesso desigual à tecnologia.24 De acordo com o relatório de envio gerado pelo sistema de mensagens utilizado neste estudo, apenas três mensagens não foram entregues aos usuários por não possuir o aplicativo para dispositivos móveis WhatsApp®. A utilização das aplicações mHealth deve ser usada respeitando as demandas locais e realidade de cada população para que essas ferramentas não se tornem mais uma barreira no acesso aos serviços de saúde.
As limitações desse estudo se referem ao conteúdo e à forma de comunicação de nossas mensagens. As mesmas possuíam informações a respeito da especialidade, data, hora e local da consulta, com uma saudação motivadora ao final. A forma de comunicação era unidirecional e não permitia engajamento conversacional por parte do usuário. Nossa intenção era estabelecer um canal de diálogo no qual o participante pudesse desmarcar a consulta para que a vaga fosse novamente ofertada. Porém, o serviço não realizaria os cancelamentos das consultas agendadas para realocar outro usuário.
A opção de cancelamento do usuário é um caminho para evitar uma consulta perdida e comparecer em uma data futura.40 No estudo de Perron e outros41 7,4 % dos pacientes que foram lembrados 48 horas antes da consulta, cancelaram durante o contato. Desses, 27,8 % novos horários disponíveis foram realocados para outros pacientes.41
Conclusão
Nossas descobertas sugerem que o envio de mensagens de texto via WhatsApp®, como lembretes de consulta, é uma ferramenta que pode ser utilizada na redução do absenteísmo de subespecialidades pediátricas, ainda que essa redução não seja estatisticamente expressiva. Embora se saiba que o absenteísmo é multicausal e envolve o usuário, o prestador de serviço de saúde e a gestão do sistema, a razão mais citada na literatura como causa de absenteísmo às consultas é o esquecimento do compromisso. Outras situações como necessidade de transporte até o serviço de saúde, fatores socioeconômicos, custeios para alimentação, obrigações trabalhistas e escolares, dependência de um familiar ou acompanhante contribuem para o absenteísmo às consultas eletivas agendadas. Encorajamos que a intervenção seja realizada em outros serviços e em diferentes sistemas de saúde e que as ferramentas mHealth sejam amplamente pulverizadas, objetivando a adesão dos usuários aos tratamentos.