INTRODUÇÃO
A evolução tecnológica tem promovido um impacto mundial, o qual é percebido nos mais variados campos de atuação, sobretudo, na área da saúde, pois as organizações voltadas para este setor buscam promover a qualidade da assistência prestada com o uso de tecnologias.
Entretanto, no contexto da saúde, ao contrário do que se pensa mais comumente, as tecnologias não se vinculam apenas ao uso de máquinas e equipamentos. O uso dessas tecnologias na saúde envolve as relações humanas, os vínculos e a comunicação. Além disso, englobam os medicamentos, procedimentos técnicos, vacinas, protocolos assistenciais, sistemas educacionais, informacionais, organizacionais e de suporte, dentre outros, sem as quais se torna limitada a atenção à saúde.1
Diante dos vários tipos de tecnologias existentes no campo da saúde, essas, podem ser categorizadas conforme sua natureza, a saber: tecnologias duras - quando há a utilização de material concreto em geral, como os equipamentos; leve-duras que são as relacionadas os saberes estruturados no cuidado em saúde; e tecnologia leve que versa sobre a comunicação, as relações, e os vínculos que conduzem ao encontro do usuário com as necessidades de ações de saúde.2
Desta forma, o uso conjunto dessas tecnologias corrobora para a propagação de uma assistência de qualidade a fim de promover a segurança do paciente (SP) nas organizações de saúde. Compreende-se a SP pela “redução a um mínimo aceitável do risco de dano desnecessário associado ao cuidado em saúde”. Esses danos dizem respeito ao comprometimento de estruturas ou funções do organismo humano, seja físico, social ou psicológico.3
Nesse aspecto, atualmente, são vários os benefícios proporcionados pelo uso das tecnologias em saúde, como por exemplo, os dispositivos eletrônicos para comunicação, de código de barras para administração de medicamentos, a automatização da dispensação e do sistema de dispensação de medicamentos por dose unitária, o uso de bombas de infusão “inteligentes” como também o desenvolvimento de protocolos assistenciais e a comunicação entre os profissionais e pacientes.4,5,6
A partir dessa realidade, as organizações de saúde comprometidas com a SP buscam investir em tecnologias capazes de diminuir a ocorrência de eventos adversos (EA). Sabe-se que a articulação das tecnologias e a SP é ponto preponderante no cuidado integral ao paciente e que confere as instituições de saúde que se empenham para isto, segurança e qualidade na assistência que prestam a sociedade.
Conforme o contexto, verifica-se a importância de conhecer os aspectos que envolvem o uso das tecnologias no campo da SP. Objetiva-se, então, identificar na literatura científica as relações entre os tipos de tecnologias e a segurança do paciente.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão integrativa. Esse tipo de estudo compreende a reunião das sínteses dos resultados de investigações dos estudos sobre o objeto da pesquisa. Essa envolve ainda, algumas etapas, a saber: definição do problema, estratégias de busca, critérios de inclusão e exclusão dos estudos, amostra selecionada, análise das publicações incluídas neste estudo para produção de resultados originais, e apresentação dos resultados em quadros-síntese.7
Para a coleta dos dados foi elaborado um protocolo composto pelos seguintes itens: tema do estudo, objetivo, questão norteadora, estratégia para a busca dos artigos, critérios para elegibilidade dos estudos, estratégia para a coleta de dados, estratégia para avaliação crítica dos estudos, síntese e análise dos dados.
A busca dos artigos se deu nas bases de dados Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature (CINAHL), Web of science, SCOPUS e Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), entre novembro e dezembro de 2016.
Para a definição da amostra do estudo, estabeleceu-se critérios de inclusão e exclusão. Logo, incluíram-se: as publicações disponíveis gratuitamente em texto completo e em meio eletrônico; artigos que abordam a temática de interesse nos idiomas português, inglês e espanhol e sem delimitação temporal. Foram excluídas do estudo as publicações em formato de editoriais, carta ao editor, artigos de revisão e de opinião e os artigos duplicados.
O levantamento dos artigos foi mediado conforme uso dos descritores controlados em ciências da saúde (DeCS): Segurança do paciente; Tecnologias em saúde; Serviços de saúde e os MeSH: Patient safety; Technology; Health services. A estratégia de busca foi determinada pelo cruzamento dos descritos selecionados e o operador boleano “AND”, conforme descrito a seguir: 1 - Segurança do paciente AND Tecnologia; 2 - Segurança do paciente AND Tecnologia AND Serviços de saúde; 3 - Patient safety AND Technology; 4 - Patiet safety AND Technology AND Health services.
Os resultados obtidos para a coleta de dados estão representados, na figura, a qual descreve o processo de busca e seleção dos artigos para a construção da revisão integrativa.
Conforme o total de 17 365 estudos selecionados, excluíram-se os dissonantes da temática, os repetidos e os que não atenderam aos critérios de elegibilidade, que resultou em uma amostra final de 16 artigos, que foram analisados na íntegra. Nessa etapa, utilizaram-se os seguintes indicadores: base de dados; periódico; idioma; país onde o estudo foi realizado; ano de publicação; objetivo do estudo; desenho metodológico (tipo de estudo e abordagem); nível de evidência;8 principais resultados do estudo; e conclusão. Esses dados foram extraídos e analisados segundo a estatística descritiva e apresentados em forma quadros.
DESENVOLVIMENTO
O quadro 1 apresenta a caracterização dos artigos analisados na presente revisão, de acordo como o nível de evidência, autores, tipo e abordagem do estudo, país onde o estudo foi realizado e ano de publicação. Observou-se que o nível de evidência foi equilibrado entre os estudos, o nível IV (n = 6; 37,50 %) foi o mais frequente, seguido dos níveis II e III (n = 5; 31,25 %) com o mesmo quantitativo. Quanto ao tipo de estudo, os descritivos (n = 6; 37,50 %) foram os mais presentes, assim como, os experimentais e transversais (n = 2; 12,50), ambos com mesma frequência. Todos os artigos da amostra foram publicados no idioma inglês (n = 16; 100,00 %), num espaço temporal entre 2007 e 2015 com número de publicações constante (n = 2; 12,25 %) em cada ano, com exceção de 2010 (n = 3; 18,75 %).
Portanto, sabe-se que, impulsionadas pelas grandes transformações e preocupações em estabelecer padrões de qualidade e garantir a segurança na assistência, as organizações de saúde se mobilizaram para desenvolver estudos referentes à temática em questão. No cenário internacional, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou as seis metas internacionais de segurança do paciente (SP), e na realidade brasileira, em 2013 houve a instituição do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). É perceptível após essas medidas, a constante no número de publicações analisadas neste estudo no espaço temporal entre 2007 e 2015, com ênfase no ano de 2013.3,22
A partir da análise dos artigos, foram identificados os objetivos dos estudos, as tecnologias citadas nos mesmos e a classificação dessas segundo Merhy, em tecnologia leve, leve-dura e dura de acordo com o objeto e as temáticas principais dos estudos, conforme quadro 2.2
Percebe-se a predominância das pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos nas publicações incluídas nesta revisão e ressalta-se a sua relação com os estudos envolvendo tecnologia do tipo dura relacionada a SP.
A partir da classificação das tecnologias, identificou-se o predomínio das publicações (n = 12; 75,00 %) que citam a tecnologia dura e os seus impactos na segurança do paciente e nos resultados clínicos. A tecnologia leve-dura não apresentou dados expressivos neste estudo (n = 3; 13,00 %). Um dos artigos citou a associação entre a tecnologia dura e a leve,21 e outro5 citou os três tipos de tecnologia.
Dentre as tecnologias duras mais utilizadas para contribuir com as ações de SP, apresentam-se as relacionadas aos registros, informação e comunicação, medicamentos e ao uso de equipamentos propriamente dito.
Os estudos10,15,18,19) demonstraram o uso de recurso tecnológicos baseados em registros eletrônicos como ação para promover melhorias na qualidade da assistência prestada conforme as metas internacionais de SP a serem alcançadas.
Neste mesmo cenário, pesquisas11,17) buscaram minimizar a ocorrência de EA através do aparato tecnológico para garantir a SP quanto a administração de medicamentos por meio de sistema eletrônico de código de barra. Entretanto, um estudo17, reforçou a necessidade de mais estudos de implementação dessa tecnologia como medida de conferir maior credibilidade a esta ferramenta.
Estudos6,11) destacam a predominância das tecnologias duras (n = 12; 75,00 %), sobretudo, as utilizadas em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que se referem a equipamentos de tele monitoramento no ambiente em questão e uso de bomba de infusão inteligente, respectivamente. Constatou-se, que após a implantação das bombas de infusão inteligentes houve redução de erros relacionados à programação do sistema de alerta da bomba que auxiliam a reduzir erros e melhorar os resultados dos cuidados com o paciente.6 Logo, evidencia-se a SP e o uso dessas tecnologias como instrumentos relevantes na promoção do cuidado seguro.
No entanto, para que o uso das tecnologias duras possa ser efetivo é necessário o saber estruturado por parte dos profissionais que executam o cuidado, como ressaltam alguns estudos.5,9,13 Utilizou-se em uma pesquisa9 a ferramenta de análise de efeitos e modos de falha (FMEA) para minimizar os riscos em laboratórios que asseguraram a qualidade na execução de suas tarefas. Essa ferramenta permitiu monitorar as tarefas que seguiram padronizadas, além de melhorar seu desempenho.
Entretanto, foram desenvolvidas ações atreladas a governança tecnológica no setor de saúde e sua relação com a SP para a detecção de EA relacionados a dispositivos médicos, equipamentos e tecnologia.13 Destacou-se ainda, ações que visam apoiar o treinamento dos pacientes, familiares e participação da vigilância (relatar queixas / incidentes de clientes), o que é crítico para a segurança e desempenho dos dispositivos tecnológicos.
Ressalta-se ainda a importância da comunicação efetiva em uma organização de saúde, por verificar a dificuldade de articulação entre a gestão, os profissionais e pacientes quanto as informações sobre o uso das tecnologias no cenário da assistência.
Outro ponto importante a ser discutido é o uso de tecnologias com o objetivo de desenvolver as competências profissionais para a administração de medicamentos. Diante do aparato tecnológico os estudantes de enfermagem devem ser capazes de monitorar e compreender a saúde geral dos pacientes em cada situação e combinar esse conhecimento com os pacientes específicos.5
Tal fato contribui para a familiarização dos futuros profissionais com o processo de medicação impulsionada pela tecnologia. Logo, não há dúvida que a tecnologia pode ser usada como uma ferramenta para melhorar a SP durante a prescrição de medicação e administração.
Ao se tratar especificamente dos limites da utilização de tecnologias e a relação com a segurança do paciente, alguns estudos citam a dificuldade de integrar as tecnologias duras a todos os serviços de saúde, devido à necessidade de altos investimentos. Portanto, até a sua disponibilidade para uso no serviço, essa tem um papel limitado na segurança do paciente.12
No que diz respeito às tecnologias para melhorar a administração de medicamentos, conforme identificado em alguns estudos incluídos na presente revisão, percebeu-se que o emprego de equipamentos (tecnologias duras) não assegura a isenção de erros no processo de prescrição, dispensação e administração de medicamentos, pois esses erros podem ser de outras naturezas, como por exemplo, relacionados ao manuseio incorreto do equipamento.11,12
O manuseio dos equipamentos além de ser efetuado pelo profissional de saúde, em algumas situações específicas também pode ser realizado pelo próprio paciente, o que implica a necessidade do envolvimento do mesmo com a sua própria segurança. Um dos estudos destacou que a maioria dos participantes relatou que se sentiu assustada em relação a possibilidade de cometerem erros nos primeiros meses de uso da máquina para hemodiálise no próprio domicílio e desses, vários participantes relataram a ocorrência de incidentes durante a realização do procedimento.14
Outro ponto que merece destaque diz respeito à resistência dos profissionais para aderirem às novas tecnologias, em especial às duras. Isso pode estar relacionado a não compreensão da importância das mesmas, bem como habilidades não desenvolvidas para o uso. Além disso, a proficiência e os treinamentos realizados, apoio técnico e outros fatores institucionais, quando não realizados de forma satisfatória, podem contribuir para essa resistência.15,16 Ressalta-se que sempre que um novo equipamento ou sistema for implementado, o serviço deve disponibilizar toda a infraestrutura necessária para que os profissionais saibam utilizá-la da forma adequada e não haja comprometimento da segurança do paciente.
A resistência dos profissionais na utilização de determinadas tecnologias para a promoção do cuidado pode estar relacionada também com o aumento da carga de trabalho, conforme citado na pesquisa16 que identificou os aspectos que contribuem positivamente e negativamente nos resultados da utilização do tele monitoramento em UTI.
Ademais, a literatura analisada destaca a necessidade da realização de mais estudos que evidenciem a eficácia do uso das tecnologias duras citadas, uma vez que os serviços de saúde apresentam realidades distintas em relação ao perfil dos pacientes, profissionais e o próprio contexto no qual o serviço está inserido.10,17
CONCLUSÕES
Percebeu-se uma tendência nas publicações em abordarem predominantemente as tecnologias duras relacionadas à segurança do paciente. Esse fato pode ser decorrente do avanço do conhecimento e alto investimento o em produção de equipamentos e bens de consumo para os cuidados em saúde.
Estudo evidenciou que as tecnologias duras citadas melhoram a segurança e a qualidade no cuidado, porém, são necessários mais estudos que apresentem tais aspectos em diferentes realidades. Além de ser imperativo a capacitação dos profissionais de saúde para o bom uso desses equipamentos.
Identificou-se também a necessidade de maior abordagem em relação às tecnologias leves e leve-duras, uma vez que as mesmas são indispensáveis para o cuidado, pois envolvem a comunicação/relação com os pacientes e o conhecimento estruturado, como por exemplo os protocolos.
Destaca-se como limitação do estudo o número reduzido de bases de dados consultadas, o que pode ter contribuído para a tendência do destaque para as tecnologias duras, conforme descrito nos resultados do presente estudo.