Introdução
A expectativa de vida dos brasileiros vem aumentando, bem como a busca por profissões na área de saúde no sentido de dar suporte às demandas de saúde da sociedade. Em se tratando da procura por cursos desta área, a enfermagem se destaca, como a segunda profissão com maior número de postos de trabalho no Brasil. Inserida na grande área da saúde, a enfermagem vem ampliando seu cenário de atuação, envolvendo não somente as áreas hospitalares, como também empresas, serviços ambulatoriais, educacionais, entre outros, reforçando-se como uma ciência essencial do cuidado ao ser humano.1,2,3
Apesar da enfermagem ser uma profissão exercida por ambos os sexos, historicamente o sexo feminino sempre se apresentou de forma predominante nesta classe. Mesmo diante destas evidências, observa-se um aumento do número de homens destacando-se na profissão, muito embora se reconheça no imaginário social a consideração do homem como excêntrico e com menos conhecimento no processo do cuidar.4,5
Este pensamento pode estar ancorado nos estereótipos e preconceitos que fazem parte da trajetória da história da enfermagem, em que muitos são determinados e/ou reforçados pelo fato da enfermagem ter sido historicamente vista como uma profissão de desempenho basicamente manual e exercida por mulheres. Além disso, outro estereótipo que o homem enfrenta no exercício da enfermagem são rótulos que questionam sua masculinidade.6
Esta realidade parece ainda estar implícita nos ideais da sociedade moderna e instituída como norma social ou senso comum. O gênero é construído socialmente através de questões históricas e culturais, diferente do sexo que é considerado como biológico. As representações sociais se baseiam em teorias que envolvem a relação indivíduo-sociedade e, portanto, incluem aspectos sobre o sexo e gênero, ou ainda, na conduta e desenvolvimento de práticas profissionais. As representações sociais apresentam estabilidade variada, mas devido à fluidez da comunicação dos tempos atuais, alteram suas configurações de conteúdo e estrutura continuamente. A abrangência das representações sociais também é consideravelmente mais limitada, situando-se em grupos definidos.7,8,9
A história da enfermagem protagonizada por Florence Nightingale deixou um forte legado feminino com a inclusão de ladies na profissão, fortalecendo um modelo que provavelmente tivesse inibido o acesso do homem a esta profissão. Provavelmente, em razão da concepção nightingaliana, a enfermagem foi concebida como vocação específica para mulheres ao longo da sua história e, por consequência, a representação do sexo masculino no âmbito desta profissão sempre dispôs de quantitativos relativamente inferiores ao sexo feminino.10,11
Entretanto, o profissional do sexo masculino vem buscando o seu valor e conquistando seu espaço dentro da profissão. Assim, o cuidado deve ser considerado como necessidade humana do qual seu exercício independe do sexo de quem o exerce, tornando-se relevante abordar a sua representação, uma vez que a rede de relações sociais tem o potencial em influenciar a identidade do homem que trabalha como enfermeiro, podendo ainda tornar-se um desafio adentrar em um espaço considerado feminino por séculos, sem levar consigo questionamentos sobre sua masculinidade.
Assim, esta pesquisa tem como objetivo analisar as representações sociais da carreira profissional em enfermagem para estudantes do sexo masculino que cursam o bacharelado.
Métodos
Estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa. Optou-se por esse método por trabalhar com o “universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes”.12 O estudo foi desenvolvido numa instituição privada de ensino superior, localizada na cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco. A população foi definida por meio de amostragem não probabilística com base nos critérios de inclusão, constituída por todos os 37 alunos do sexo masculino, regularmente matriculados entre o 1° ao 10º período no curso de graduação em enfermagem no ano de 2018.
Os alunos com 18 ou mais anos de idade e que aceitaram participar do estudo foram incluídos. Foram excluídos os menores de 18 anos (7), os que estavam ausentes durante o processo da coleta, quer seja por motivos de doenças (1), ou por outros motivos pessoais (2) e os que se recusaram a participar da pesquisa (3). Ao todo, 24 alunos se enquadraram nos critérios estabelecidos e compuseram a amostra do estudo. O fechamento foi realizado por exaustão, ou seja, com a abordagem de todos os participantes elegíveis, durante os meses de agosto a novembro do mesmo ano.
Foi utilizado um instrumento semiestruturado, construído pelos pesquisadores, que foi previamente testado com 05 alunos antes da realização do estudo para verificar sua adequação e possibilidade de adaptações para responder ao objetivo do estudo. Neste instrumento foram incluídos dados sócios demográficos para caracterização dos participantes e três questões abertas, respondidas de forma descritiva: o que a enfermagem significa para você? Em sua opinião, existe influência do sexo na escolha da enfermagem e por quê? Você já vivenciou alguma experiência pessoal relacionada à sua escolha pelo curso de enfermagem e ao seu sexo?
A coleta de dados foi realizada pelos pesquisadores por meio de visitas nas salas de aula do 1º ao 10º período do curso, nos horários de intervalos das aulas, nos turnos diurno e noturno. Nestes momentos os pesquisadores explicaram os objetivos da pesquisa, a qual os alunos foram convidados a participar. Foram entregues os questionários para serem auto preenchidos junto com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecidos (TCLE), para serem recolhidos no término das aulas. O tempo estimado para a aplicação do questionário variou entre 15 a 20 minutos.
Os dados foram transcritos para grelhas de análise, possibilitando a identificação de núcleos de sentidos e codificados por categorias temáticas, para análise de conteúdo proposta por Bardin. Esta é uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e qualitativa do conteúdo manifesto da comunicação.13 Os resultados foram discutidos à luz da Teoria das Representações Sociais proposta por Moscovici.
A pesquisa atendeu aos preceitos éticos emanados pela resolução 466/2012 que dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos que foi julgado e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Centro Universitário Mauricio de Nassau sob o parecer N° 2.959.128. CAEE N° 98231818.2.0000.5193. Para preservar o anonimato dos participantes, nas citações os mesmos serão identificados com a letra “E” maiúscula, seguida por um número que corresponde a ordem de participação na coleta de dados.
Resultados
Participaram da pesquisa 24 alunos do sexo masculino, que atenderam aos critérios de inclusão. A faixa etária variou entre 18 a 42 anos, entre estes, 19 alunos tinham entre 18 a 25 anos, 5 alunos tinham 26 ou mais. Entre os participantes, 14 responderam que tinham amigos ou familiares enfermeiros. A maioria (21) estava cursando a primeira graduação. Sobre o período que estavam cursando, 20 estavam matriculados do 1º ao 5º período do curso e 4 estavam matriculados entre o 5º e o 10º. A partir dos resultados obtidos, configuraram-se sínteses analíticas baseadas na conjunção do referencial teórico e dos dados empíricos obtidos nos depoimentos. Estas sínteses acompanham as categorias teóricas que foram elencadas para a discussão deste trabalho.
Representação da enfermagem para o estudante
A enfermagem foi referenciada em concordância pela maioria dos estudantes como a ciência do cuidado, que envolve a atenção ampliada, além do tratamento clínico. Reconheceram ainda, a necessidade do desenvolvimento de habilidades para desenvolver a escuta e preocupação com o bem-estar do outro, como se observa nas falas a seguir:
“Demanda boa escuta, empatia e demais habilidades inerentes à arte do cuidar.” (E01) “Significa o cuidar acima de tudo, cuidar com amor e satisfação...” (E07) Para alguns entrevistados o exercício da enfermagem também representa a realização de um sonho, entretanto reconhecem que é necessário o conhecimento técnico-científico para a base do cuidado de enfermagem, como pode ser observado na fala do E2. “A realização de um sonho, alinhando o conhecimento técnico - científico...” (E02) Um dos entrevistados referiu que a enfermagem permite uma visão de ajudar o próximo acima de tudo, sendo desenvolvida como um papel relevante na vida das pessoas, de acordo com a fala a seguir: “Uma profissão que vai me permitir ajudar o próximo, independente de tudo, onde eu vou cumprir um papel lindo na vida das pessoas.” (E14) A empatia foi citada pelos estudantes como um dos principais pontos de identificação com a escolha da profissão. Além disso, concordaram que a empatia e o amor à profissão aumentaram as possibilidades no que diz respeito à inserção no mercado de trabalho. “Empatia com o seu próximo.” (E03) “Inserção no mercado de trabalho capacitado.” (E08) Alguns entrevistados reconheceram a enfermagem como a profissão mais importante no âmbito da saúde por entender que todos os doentes passam pelos enfermeiros, de acordo com a fala a seguir: “A profissão mais importante no âmbito da saúde. É por todos os enfermeiros que passam a maioria dos doentes.” (E21) A maioria dos entrevistados defenderam que para o cuidar é proposto um desafio, pois existe a necessidade de gostar do que se faz e de profissionais capacitados, mesmo diante das precariedades no setor da saúde. “O cuidar vai muito além, tem que gostar, por mais precária que a saúde esteja.” (E05) Um dos entrevistados reconheceu que a enfermagem é a escola da vida em relação à saúde, o cuidar do próximo com dedicação e respeito abre portas para novos horizontes, como destaca-se na fala a seguir: “O cuidar do próximo com dedicação, respeito ao próximo, enfermagem abre caminhos, portas e novos horizontes. Para mim é a escola da vida em relação à saúde.” (E10) Os estudantes revelaram ainda que para a manutenção da vida a enfermagem é algo essencial, por proporcionar o cuidado integral ao paciente. “{...} Proporciona assistência integral.” (E 19) “Algo essencial para manutenção da vida humana.” (E18)
Influência de sexo na escolha do curso de enfermagem
Foi verificado no relato a seguir que para o entrevistado E05 a enfermagem continua sendo uma profissão predominantemente feminina e os homens que trabalham tem sua masculinidade questionada. Alguns entrevistados reconheceram que a sociedade ainda tem uma visão histórica ligando a enfermagem ao sexo feminino por questões culturais e pelas características comumente relacionadas ao sexo feminino como a assistência do cuidar e o senso de organização.
“... A enfermagem é taxada como profissão da mulher e os homens que trabalham são homossexuais...” (E 05) “A sociedade ainda entende que a profissão de enfermagem está associada ao sexo feminino até porque é algo cultural.” (E03) “Geralmente o sexo feminino é o mais procurado devido a fatores culturais.” (E 02) “Essa imagem do cuidado ainda é associada à mulher.” (E22) “A enfermagem foi iniciada por mulheres, onde se tem um lado mais feminino pela assistência do cuidar, organização e outros...” (E23) Já para alguns estudantes, apesar da enfermagem ser exercida predominantemente por mulheres, não existe influência de sexo por ser uma profissão voltada ao cuidado. Portanto, consideram que por meio de pesquisas e práticas, que a profissão pode ser exercida por ambos os sexos. “A enfermagem é uma profissão com função de ajudar pessoas e trazer avanços para área através de pesquisas e estudos e essas práticas independem de gênero”. (E06) “Apesar de o sexo feminino ser predominante, o cuidado não tem a ver com o sexo da pessoa.” (E04)
Estereótipos e preconceitos vivenciados pelos estudantes relacionados à escolha do curso de enfermagem
Segundo relatos de experiências vivenciadas durante as atividades práticas, alguns estudantes destacaram a resistência dos pacientes, familiares e/ou outros profissionais da área para com o profissional do sexo masculino, sendo muitas vezes impedidos de exercerem seus ofícios em alguns procedimentos, apenas pelo fato de serem homens.
"A resistência era nítida, tanto dos pacientes, como dos profissionais." (E 02) "Paciente evangélica não permitiu que eu fizesse o procedimento em sua amiga pelo fato de ser homem. A própria paciente em consciência tinha falado que não permitia procedimento realizado por um homem." (E 05). Os relatos dos estudantes mostraram que com frequência eles são abordados por outras pessoas que questionam sua escolha profissional, chegando a fazer comentários maliciosos e pejorativos. Como se observa nas falas a seguir: "Várias vezes me perguntam o porquê da enfermagem é um curso escolhido por mulheres." (E 23) "Algumas “brincadeiras” do tipo vai ser uma enfermeirinha." (E 08)
Para alguns entrevistados a sociedade tem um ponto de vista sexista por ligarem a enfermagem à figura feminina, considerando-a uma profissão exclusiva de mulheres, portanto considerando que os homens que adentram na enfermagem possuem orientação homossexual, evidenciado na fala do E05:
"A enfermagem ainda hoje é vista com preconceito por uma sociedade machista, onde se liga a figura do cuidador com o sexo feminino." (E 18) "A enfermagem é taxada como profissão da mulher e os homens que trabalham são homossexuais ou coisa do tipo. O preconceito existe dentro da própria profissão." (E 05)
Além dos comentários de caráter sexista, alguns alunos apontaram comentários maliciosos de caráter preconceituoso voltado à profissão. Quando alguns estudantes mencionam a opção pelo curso de enfermagem, passam a ser alvo de questionamentos sobre o baixo retorno financeiro e pouco prestigio da profissão pela sociedade, quando comparado a outros cursos tradicionais, como medicina, por exemplo.
"O preconceito foi voltado pela minha escolha, me falaram que eu deveria estudar outro curso, pois este não era tão valorizado, que não dava retorno financeiro." (E 07) "Muitas pessoas já me questionaram o porquê escolhi enfermagem no lugar de medicina." (E 09)
Discussão
Representação da enfermagem para o estudante
A enfermagem é compreendida pelos estudantes como profissão essencial para manter a vida, uma vez que esta pressupõe o cuidado integral ao ser humano, com dedicação e respeito. Como visão geral da profissão, as representações sociais sobre a enfermagem estão mais relacionadas às doenças ou enfermidades, possivelmente oriundas do seu próprio nome, havendo menor compreensão da atuação da profissão na promoção da saúde e prevenção de riscos e agravos.14
Para atuar com autenticidade, os entrevistados compreendem a necessidade da interação com o paciente, baseado em um cuidado que envolve o vínculo e oportuniza o encontro entre o ser cuidado e o cuidador. O vínculo pode possibilitar a ampliação dos laços relacionais, desenvolvendo afetos e potencializando o processo terapêutico. Evidencia-se também o entendimento da enfermagem como uma arte e ciência que se alicerça no respeito, na confiança, na ética e na experiência compartilhada por meio de formas amáveis e efetivas.15,16
Neste sentido, a imagem do enfermeiro apresentada no contexto do cuidado reflete o profissional necessário e fundamental em todos os cenários da saúde, e que para exercer o cuidado integral necessita ver a pessoa além de sua enfermidade. Atualmente, algumas profissões ainda são fortemente associadas aos “trabalhos masculinos/trabalhos para homens” e “trabalhos femininos/trabalhos para mulheres” estabelecendo-se certa “naturalidade” no bojo das profissões e hierarquização das mesmas.17) Apesar disso, a sociedade entende a integração de mulheres em profissões tradicionalmente masculinas, mas quando contrário, não possui o mesmo entendimento.18
A necessidade de transformação e ampliação para o olhar além do sexo considera que o cuidar do ser humano necessita de ciência e capacitações, não devendo haver espaço para preservação de uma cultura que associa a enfermagem de forma estereotipada ao sexo feminino.
Para a enfermagem, existem descritas três imagens associadas à enfermeira que representam a cultura e a feminilização da profissão: “a de mãe cuidadora; a da religiosa por cumprimento do dever cristão e a da enfermeira-servidora que surgiu na Europa”. Compreende-se desta forma que de acordo com a teoria das representações sociais na área da enfermagem, existe uma forte consideração das crenças e ideias da formação histórica dessa profissão, contemplando a categoria sexo como algo diretamente relacionado ao objeto dentre as relações que envolvem o cuidado na prática da enfermagem.14,19
A inter-relação entre sujeito e objeto explica como se dá o processo de construção do conhecimento pelas relações sociais que se estabelecem no cotidiano, frutos de representações que são facilmente apreendidas. Portanto, possui uma dupla dimensão, que evolve sujeito e sociedade, e situa-se no limiar de uma série de conceitos sociológicos e psicológicos.8
As representações sociais unem o sujeito ao objeto, o pensamento à ação, a razão à emoção, o individual ao coletivo. Assim, abrem inúmeras possibilidades de compreensão da enfermagem, não somente pelas tradições culturais, mas pelo investimento em não alimentar práticas ou pensamentos excludentes.20
Torna-se indispensável trazer à discussão uma ética feminista em nossa sociedade, especificamente, na saúde e na enfermagem, uma vez que esta se relaciona com o respeito e o compartilhamento de responsabilidades no cuidado, e que não se limita a questão do sexo. Torna-se essencial a compreensão sobre as pessoas, quem elas são, suas relações sociais e culturais para o cuidado equânime. O cuidar torna-se terapêutico quando focado na lógica do “outro”, que é para quem o cuidado se destina.21
Influência do sexo na escolha do curso de enfermagem
Os estudantes percebem ainda que a enfermagem mantém uma representação social de uma profissão predominantemente feminina, uma vez que muitos homens que atuam são “taxados” como homossexuais, ou têm sua masculinidade questionada. Esta é uma forma de preconceito que considera que ao exercer o cuidado o homem não é homem, ou é desvalorizado.22 Trata-se de um estigma associado à homossexualidade que ainda expõem o enfermeiro à homofobia, podendo desestimular o ingresso na profissão.23
É reconhecido que estes fatores culturais são reproduzidos por séculos, o que contribui para que a profissão quando exercida por mulheres represente o esperado, o “normal” e “provavelmente” o adequado. Entretanto, este pensamento fortalece estereótipos e preconceitos que contribuem para que a enfermagem seja socialmente desvalorizada quando exercida por homens. O preconceito pode ser compreendido como um conceito formado a partir de experiências anteriores de um pré-julgamento que predispõe o indivíduo a adotar certas atitudes frente ao objeto em questão, e este pré-julgamento por sua vez, é determinado pela relação entre o indivíduo e a cultura que se dispõe para que este se expresse, ou simplesmente se expressa por ele.24
Percebe-se que representações de sexo, poder e ideologia se tornaram apreensões de futuros profissionais que se preocupam com a dimensão feminina nesse trabalho. Nesta perspectiva, questões relacionadas ao sexo permeiam as contradições do mundo da vida e do trabalho dos profissionais, ficando evidente que a representação social é um modo de conhecimento sociocêntrico que forma uma marca grupal/cultural impressa no processo de construção da representação.25
Nessa perspectiva, deve-se ampliar a compreensão para processo social. No conjunto é um processo de familiarização pelo qual os objetos e os indivíduos vêm a ser compreendidos e distinguidos na base de modelos ou encontros anteriores. A predominância do passado sobre o presente, da resposta sobre o estímulo, e da imagem sobre a realidade, tem como única razão fazer com que ninguém ache nada de novo. A familiaridade constitui ao mesmo tempo um estado das relações no grupo e uma norma de julgamento de tudo o que nele acontece.26
Estereótipos e preconceitos vivenciados pelos estudantes relacionados à escolha do curso de enfermagem
Os relatos dos estudantes evidenciam de forma significativa o preconceito e resistência para com o profissional homem, tanto dos pacientes e seus familiares, quanto pelos próprios profissionais de saúde, sendo por muitas vezes impedidos de exercer sua função em alguns procedimentos dos quais estão devidamente capacitados. Esta visão sexista vulnerabiliza o profissional quando este é precavido ao tocar e cuidar de pacientes do sexo feminino, como se houvesse sexualização no seu toque.22
Estudo realizado em Taiwan (província chinesa) com estudantes de enfermagem do sexo masculino apontou que o sentimento de ansiedade em prestar cuidados físicos as pacientes do sexo feminino ocorre por tornarem-se conscientes do seu sexo biológico, entretanto utilizam mecanismos de enfrentamento, tais como esquecerem temporariamente a consciência dos seus corpos masculinos durante o ato do cuidar.27
Evidencia-se dessa forma que mesmo os homens tendo conseguido espaço na enfermagem, ainda há resistências em alguns tipos de práticas.28 Apesar da inegável importância da profissão na sociedade contemporânea, percebe-se que a enfermagem é uma atividade com o atributo da não visibilidade, e o enfermeiro, um dos mais estereotipados dentre os profissionais da área da saúde. Nessa ótica, estereótipos negativos causam problemas para o grupo estereotipado, pois distorcem percepções e crenças desse grupo, podendo influenciar seus comportamentos, afetando a maneira como os membros de um grupo percebem e valorizam a si mesmos.29
Apesar pela franca opção pelo curso, os estudantes durante as entrevistas revelaram a preocupação com o enfrentamento ao preconceito por eles vivenciado no momento da escolha profissional, uma vez que a própria escolha pode desencadear julgamentos, resistência e até mesmo o descrédito por familiares e amigos.30
Verifica-se que o caráter diferencial ao se integrar um ambiente profissional feminizado, bem como exercer uma atividade considerada feminina, fica evidente quando os entrevistados relataram que a aceitação da escolha profissional por parte de familiares e amigos nem sempre ocorreram de maneira natural. Ainda, pela escolha do curso de enfermagem, relataram que comumente pessoas questionaram o porquê da escolha do curso de enfermagem, considerando este ser um curso voltado para mulheres. Percebe-se que no bojo da enfermagem moderna, o desempenho profissional do enfermeiro ainda é influenciado por sua condição de gênero que permanece manifesta pelas Representações Sociais construídas ao longo da sua trajetória.31
Quanto à valorização do curso e retorno financeiro, o curso de medicina foi citado como prioridade pelos estudantes. O gesto técnico do ato de cuidar é acrescido de um domínio de competência e de responsabilidade largamente determinado por outros através das práticas e prescrições médicas, considerado equivocadamente como um saber mais legítimo e mais nobre.22
Atualmente há enfermeiros homens ocupando diversas áreas da assistência, inclusive assumindo atividades nas áreas obstétricas e neonatal em que predominam pacientes do sexo feminino. Outra peculiaridade é a velocidade com que os homens avançam na carreira, assumindo posições de comando e chefia, com igual preparo profissional na área da enfermagem.28
Portanto, a enfermagem como profissão necessita buscar seu espaço como ciência, de reconhecer sua força dentro do universo do cuidado embasado por uma formação holística para o cuidado do ser humano. As preocupações com questões de gênero são irrelevantes ou deveriam ser, uma vez que esta deveria ser substituída pela preocupação da valorização da categoria como essencial e indispensável.
Em conclusão, enfermagem é uma profissão especializada no cuidado do ser humano, portanto, o exercício dessa ciência emerge a necessidade de mudanças na sua imagem construída culturalmente, como profissão feminina e ligada à caridade. As representações sociais abrem inúmeras possibilidades dessas compreensões, sobretudo pelos valores sociais do trabalho que necessitam superar as tradições culturais que sejam inconsistentes para o ingresso de profissionais do sexo masculino na profissão.
Torna-se indispensável trazer à discussão uma ética feminista em nossa sociedade, especificamente, na saúde e na enfermagem, uma vez que esta se relaciona com o respeito e o compartilhamento de responsabilidades no cuidado. Tratam-se de estereótipos que não compreendem que o valor do cuidado não está centrado em sexo, e que contribuem para que a profissão seja socialmente desvalorizada.
A necessidade em abordar a representação social sobre os sexos dentro da enfermagem propicia o enriquecimento de discussões acadêmicas e profissionais que possam ser compreendias como campo de conhecimento da saúde e na prática de relações na superação de valores fixados em contextos históricos.
Limitações
Este estudo apresentou limitações importantes quanto a sua população, no sentido da dificuldade na coleta, pois metade das turmas se encontravam em atividades práticas fora da Instituição de ensino. Recomenda-se estudos mais aprofundados sobre a representação de sexo na enfermagem, para reflexão de toda equipe de saúde no reconhecimento que a valorização da profissão independe do sexo de quem a exerce.