INTRODUÇÂO
O período gestacional é uma fase delicada do ciclo da vida da mulher. Nele se registram significativas transformações internas e externas no seu perfil de saúde. Assim, o pré-natal constitui uma importante ferramenta para a gestão clínica da gravidez, vez que ajuda a identificar pacientes com maior risco obstétrico e/ou perinatal, facilitando intervenções ligadas à prevenção desses agravos, bem como a promoção de comportamentos saudáveis.
Estudos constatam a relação positiva entre o acompanhamento pré-natal e a redução das taxas de desnutrição e mortalidade infantil, de três e cinco menos chances naquelas mulheres que atendem integralmente às orientações repassadas pelas equipes sanitárias. No que concerne à saúde da mulher, há também estudos que comprovam a redução da mortalidade materna e percepções positivas do período de gravidez.1,2
A inserção do pré-natal odontológico durante o acompanhamento do pré-natal é tida como parte integrante relacionada aos cuidados globais com a saúde materno-infantil. À vista disso, além das gestantes realizarem às consultas do pré-natal habitual, espera-se que a busca pelo acompanhamento odontológico se dê de forma concomitante.3 Durante as consultas com o dentista, será ensinado como solucionar problemas de saúde oral, como prevenir a doença cárie, periodontal e outras lesões bucais; que podem ocorrer durante este período especial da gestante. Sendo assim, torna-se necessário e pode ser fornecido de forma segura em todos os trimestres da gravidez. Portanto, o período de gravidez não deve ser um motivo para adiar a assistência odontológica, pois as gestantes mostram-se ávidas por novos conhecimentos e receptivas às mudanças de padrões de comportamentos.4,5)
No Brasil, o Ministério da Saúde destaca através da Política Nacional de Saúde Bucal que, além de ampliar o acesso das gestantes ao pré-natal odontológico, devem implantar-se o atendimento individual e ações coletivas para o acompanhamento da gestante a partir do momento da descoberta da gravidez. Assim, a mesma deverá passar por uma consulta odontológica geral e também receber informações sobre alimentação e higiene bucal, bem como receber uma avaliação ampliada da sua cavidade oral.6,7
Uma importante lacuna científica pode ser observada em estudos que abordam a saúde materno-infantil, nomeadamente no que concerne às percepções e conhecimentos que as gestantes possuem sobre o pré-natal odontológico. Se bem, hoje conta-se com extensos conhecimentos sobre aspectos epidemiológicos da morbimortalidade materno-infantil, poucos trabalhos têm-se ocupado por indagar o papel do pré-natal odontológico no âmbito da atenção primária à saúde da mulher e da criança. As contribuições que esse tipo de estudos poderia trazer vão para além dos aspectos quantificáveis, vez que poderiam contribuir para o estabelecimento e o fortalecimento do vínculo entre os profissionais sanitários e as usuárias gestantes, bem como aprimorar as estratégias de gestão da saúde bucal adotadas no nível local.
Considerando o panorama exposto, o presente estudo tem por objetivo apreciar a percepção e os conhecimentos de gestantes cadastradas na Estratégia Saúde da Família (ESF) sobre a importância do pré-natal odontológico, em um município do sul do Brasil.
DESENVOLVIMENTO
Foi elaborado um estudo descritivo, de cunho exploratório e de abordagem qualitativa. De acordo com Polit e Hungler a pesquisa qualitativa está baseada na premissa de que os conhecimentos sobre os indivíduos são possíveis a partir da experiência humana, tal como ela é vivida e tal como ela é definida por seus próprios atores. Como decorrência, tem a finalidade de compreender as experiências no seu todo, na perspectiva dos participantes.8)
A pesquisa foi realizada no município de Foz do Iguaçu, localizado no extremo oeste do Paraná, região sul do Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, este município apresenta uma população estimada de 257.971 habitantes, distribuída em uma área de territorial de 618,352 km², distribuída em cinco distritos sanitários, a saber: Norte, Sul, Leste, Nordeste e Oeste.9
Esta pesquisa foi desenvolvida numa unidade básica de saúde que atua na modalidade assistencial da ESF, localizada no distrito Norte. A unidade oferece à população adscrita atenção sanitária integral, realizando ações de promoção e reabilitação da saúde e prevenção e tratamento de doenças. Sua área de cobertura abrange uma população de aproximadamente 8.652 famílias, e conta com uma equipe de 43 profissionais, distribuídos em dois turnos de trabalho. Em relação ao atendimento odontológico, a unidade conta com três cirurgiões dentistas, sendo um residente (em formação como especialista em saúde familiar) e dois auxiliares em saúde bucal.
As participantes deste estudo foram usuárias em período de gestação, com registro de pré-natal habitual em duas equipes sanitárias da unidade de ESF, selecionadas por conveniência. Para inclusão neste estudo, as gestantes deviam ter 18 ou mais anos de idade, possuir prontuário eletrônico por meio do sistema ERP-Smart (Enterprise Resource Planning), utilizado pela gestão sanitária local, e ter aceitado participar da pesquisa por meio de assinatura de um termo de consentimento esclarecido e informado. Desse modo, gestantes que se encontravam cadastradas em outras equipes de saúde, que não compareceram às consultas de pré-natal na unidade de saúde e/ou que não possuíam registro eletrônico foram desconsideradas para participarem no estudo.
Como técnica de coleta de dados foi adotada a entrevista, com aplicação de um questionário semiestruturado elaborado pelos autores, composto de duas seções, uma primeira que continha perguntas envolvendo variáveis do perfil sociodemográfico e uma segunda que indagou os conhecimentos e percepções das gestantes sobre o pré-natal odontológico. No caso da primeira seção, as perguntas deviam ser respondidas de forma fechada, por meio da seleção de opções pré-estabelecidas. Dissemelhantemente, na segunda seção deu-se espaço para a expressão aberta das gestantes, conforme enunciados norteadores introduzidos pelos pesquisadores.
A coleta de dados ocorreu no período de junho a setembro de 2021. As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada, não consultiva, na unidade de saúde, garantindo o conforto, a privacidade e o sigilo das informações, na mesma ocasião em que a gestante comparecia ao pré-natal médico habitual. Para assegurar a fidedignidade das informações coletadas, as entrevistas foram gravadas em dispositivo de Smartphone, posteriormente transcritas integralmente pela pesquisadora principal, utilizando o software Microsoft Office Word, versão 2018. Nesse processo foi realizada a correção lógico-gramatical das falas das participantes, sem menoscabar ideias ou posicionamentos. Para a apresentação dos discursos das participantes foi empregado o uso do codinome “GES” com sua correspondente frequência de citação (ex.: GES1; GES2).
Para a análise dos dados utilizou-se a Técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin a qual permitiu identificar similitudes nos discursos das participantes e estabelecer linhas de categorização de significados, para a apresentação e discussão dos achados. Assim, as informações produzidas no estudo possibilitaram duas categorias analíticas, nomeadamente:
1. Percepção sobre o autocuidado com a saúde bucal e a importância do pré-natal odontológico.
2. Fatores que influenciam na realização do pré-natal odontológico. 10
No que diz respeito às questões éticas, a investigação recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Centro Universitário das Américas (UniAmérica) de Foz do Iguaçu, conforme parecer nº 4.701.972 e pelo Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 45812521.0.0000.9607. Igualmente, houve liberação institucional da Secretaria Municipal de Saúde para a realização da pesquisa na unidade de saúde.
Caracterização do perfil das participantes
O universo do estudo foi composto por 25 gestantes, primigestas (n= 15; 60,0%), no segundo trimestre da gestação (n= 11; 44,0%), com idade média de 29,2 (±25,6) anos (limite inferior de 18 e limite superior de 42 anos), que exerciam predominantemente atividades domésticas (n= 17; 68,0%), com companheiro (n= 16; 64,0%), cor de pele branca (n= 14; 56,0%), com ensino médio completo como maior grau de escolaridade (n= 10; 40,0%), religião católica (n= 15; 60,0%), e com renda mensal de até 1,5 salário mínimo (n= 11; 44,0%).
O perfil sociodemográfico das participantes está em concordância com estudos realizados em outros municípios paranaenses, em que houve alto registro de gestantes jovens e com baixo poder de aquisição. 11,12,13 A ocupação de dona de lar está, de fato, relacionada à condição de ocupação não remunerada, o que pode justificar que a maior parte das gestantes possua poucos ingressos econômicos. Por outro lado, o perfil de escolaridade observado neste estudo converge com estudos desenvolvidos no nível regional e nacional, nos quais usuárias grávidas acompanhadas pelas equipes de atenção primária apresentaram a conclusão do ensino médio como maior grau de escolaridade.14,15,16
De acordo com Maia e colaboradores a baixa renda no núcleo familiar pode interferir no nível de escolaridade, na redução da falta de acesso a serviços de saúde e, consequentemente, na desvalorização da saúde bucal.17 Estudos vêm mostrando que, à medida em que se reduz a classe socioeconômica da população, menor é o grau de literacia sanitária. 15,18 Dessa forma, mães com níveis socioeconômicos reduzidos tendem a apresentar um menor conhecimento sobre a saúde de uma maneira geral. Além disso, as condições socioeconômicas têm influência na vida dos indivíduos, podendo refletir nos hábitos e comportamentos.
Outro aspecto importante a ser destacado é a compreensão das informações fornecidas pelos profissionais de saúde que planejarão as ações, segundo o nível de entendimento das usuárias. 18 Com base no anterior, vale dizer que o impacto global do pré-natal odontológico está amplamente influenciado pela compreensão das ações propostas e pela adesão às medidas recomendadas pela equipe de saúde bucal por parte da gestante, fato também constatado na literatura recente.12,16,17
Neste estudo, a maioria das participantes indicou não ter adotado novas práticas de higiene bucal durante a gravidez (n= 22; 88,0%). O hábito de escovar os dentes numa frequência diária de duas a três vezes foi referido por todas as gestantes, sendo que a utilização de fio dental como medida higiênica de reforço apareceu em menos da metade (n= 10; 40,0%), bem como o uso de enxaguantes bucais. Achados semelhantes aos apontados neste estudo têm sido informados por Oliveira e colaboradores 19 e Zemolin e colaboradores20, nos quais as participantes referiram uma frequência diária de escovação dental de três vezes.
A realização do pré-natal odontológico foi confirmada por todas as gestantes. Destas, apenas nove (36,0%) frequentaram em até três ocasiões o ambulatório odontológico. Dentre os elementos que justificaram uma menor visita à unidade de saúde, se encontram: a distância entre a residência e a instituição sanitária, desconfortos físico-psicológicos próprios do estado de gestação e a ideia de não ser necessário.
Apesar do pré-natal odontológico fazer parte das diretrizes gerais na atenção à saúde materno-infantil no Sistema Único de Saúde, autores alertam sobre os baixos níveis de completitude encontrados no país e, inclusive, sobre uma quantia significativa de gestantes que nunca realizou a primeira consulta odontológica no primeiro trimestre de gestação.21 Tal situação obstaculiza o desenvolvimento e a expansão das redes de atenção integral à saúde materno-infantil, bem como limita a qualidade dos registros médicos necessários para a elaboração e implantação de estratégias sanitárias orientadas a esse grupo de usuárias.
Percepção sobre o autocuidado com a saúde bucal e a importância do pré-natal odontológico
Com a implantação da ‘Rede Mãe Paranaense’, em 2011, as ações voltadas à promoção da saúde materno-infantil no estado do Paraná receberam especial atenção. O instrumento sanitário surgiu como uma proposta estadual inovadora no campo da saúde da mulher e da criança, com a missão de “garantir acesso e atenção à saúde, promovendo o cuidado seguro e de qualidade na gestação, parto, puerpério e às crianças menores de um ano de idade”.22 No âmbito da saúde bucal, delimitou-se como competência obrigatória da equipe de saúde bucal a marcação da avaliação odontológica inicial e longitudinal, alicerçada às demais consultas e exames médicos do pré-natal habitual. Outrossim, o documento orienta a acompanhar o crescimento e desenvolvimento da criança, programando as consultas necessárias, incluindo consulta odontológica para o bebê”.23
Assim, dita estratégia de gestão e planejamento da saúde materno-infantil encontra-se amplamente ancorada aos pressupostos assistenciais contidos na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher24 e ao Estatuto da Criança e do Adolescente 25, vez que formula uma série de recomendações e obrigações que competem, de forma conjunta, ao Estado e às famílias. Desse modo, o acesso universal, equitativo e integral ao pré-natal odontológico constitui uma obrigatoriedade institucional para todos os centros e serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. A este respeito, as falas das gestantes reafirmam seu cumprimento, conforme esperado:
“Na verdade, eu não tive problemas, foram muito rápido o agendamento e o atendimento, até me surpreendi porque achei que fosse demorar”. [GES8]
“A equipe de saúde é sempre muito atenciosa, eles se encarregam de tudo. Me perguntam algumas coisas e me informam o dia e o horário específico para eu vir na consulta dos dentes”. [GES3]
“Problemas não houve de nenhum tipo. Entreguei meus documentos e logo mais já tinha a consulta agendada com o dentista. Daí quando a gente conversa, ele pede para voltar mais vezes, sabe?” [GES16]
“Posso dizer que é uma das consultas mais rápidas de se realizar. Quem faz o encaminhamento é a enfermeira quando a gente vem iniciar o pré-natal, daí depois é só continuar com a dentista. Ela orienta certinho e não ficam dúvidas”. [GES24]
Como é de vaticinar, o estabelecimento do vínculo entre o cirurgião-dentista e a gestante constitui um elemento potencializador para a adesão aos cuidados recomendados pela equipe de atenção bucal. Quando questionadas, as participantes deste estudo consentiram ter um vínculo forte com seu dentista e, de forma geral, com as equipes de atenção bucal. Tal cenário é esperado na ESF, justamente porque os usuários são acompanhados e reconhecidos pelos profissionais da saúde não unicamente durante o período de gestação, mas de forma coordenada e longitudinal, envolvendo às intervenções domiciliares e àquelas realizadas nas unidades de saúde. Participantes deste estudo comentam que:
“Eu tenho muita confiança na minha dentista. Ela sabe muito bem dos meus problemas bucais e quase sempre tudo que ela me recomenda eu sigo. Ela estudou bastante meu caso e tem um registro bem certinho, por isso que eu acredito muito nela”. [GES11]
“Não só durante a minha gravidez. Eu sou acompanhada pela mesma dentista há vários anos já. A gente meio que tem uma intimidade, sabe?” [GES19]
“A dentista que me atende na gravidez já atendeu meus filhos e meu marido. Basicamente, ela sabe tudo sobre a saúde da minha família. É bom quando você é acompanhada por alguém que te conhece, pois você tem mais confiança na pessoa”. [GES7]
Autores como Graff e Toassi26 reiteram a importância do vínculo das equipes de saúde bucal com os usuários na atenção básica, ao tempo em que reconhecem que se trata de uma tecnologia leve de cuidado, que se estabelece ao longo de um tempo de contato e que requer da adoção de aptitudes e atitudes clínicas empáticas e da ausência do julgamento subjetivo. Múltiplos benefícios têm sido apontados na literatura recente, citando caso análogo, Castro e Rached27 explicam que, quando existe confiança no cirurgião-dentista, as gestantes tendem a expressar com menor frequência quadros clínicos de ansiedade e de sentimento de desamparo, constituindo assim uma experiência agradável da assistência odontológica na gravidez.
No estudo em questão, houve consenso entre as participantes ao cogitarem a importância e a necessidade de realizar o pré-natal odontológico, conforme pode ser observado nas falas a seguir:
“É uma orientação que recebi durante a consulta inicial do pré-natal quando vim ver a enfermeira e o médico. Eles me comentaram sobre a importância para a saúde do bebê e eu concordei em realizá-lo. Também acho que deva fazê-lo, ainda mais quando a gente percebe os benefícios, não é?” [GES15]
“Olha, esta não é a minha primeira gestação, então eu já sei mais ou menos por que é obrigatório. Nunca deixei de fazer, mesmo quando você acha que não tem problemas bucais. Não se trata de ter ou não ter problema, na verdade é sobre se cuidar e ao mesmo tempo cuidar do seu filhinho”. [GES4]
“Vai de cada um, não é? Mas eu considero que é importante, sim. Vai que você encontra alguma coisa ruim que possa afetar a gravidez”. [GES20]
Entre as gestantes acompanhadas pela ESF parece prevalecer um discurso preventivista que cerca a significação do pré-natal odontológico, principalmente vinculado ao diagnóstico precoce de doenças ou agravos bucais, aspecto já registrado na literatura relacionada.28 Sem embargo, cabe lembrar que ao longo desse procedimento assistencial, ações de promoção da saúde também são desenvolvidas junto à gestante e devem servir de complemento no projeto terapêutico desenhado para/com cada gestante.
Entrelaçada ao estabelecimento do vínculo assistencial, se encontra a qualidade das informações repassadas pelos profissionais e o grau de relevância atribuído pelas gestantes. De forma geral, o estudo apontou percepções bastante positivas entre as participantes, que podem estar relacionadas não só à clínica odontológica, bem como aos aspectos tangíveis envolvidos no percurso assistencial, conforme descrito no quadro a seguir:
Fatores que influenciam na realização do pré-natal odontológico
O ambiente institucional onde são desempenhadas as avaliações iniciais e consecutivas do pré-natal odontológico cumpre um papel destacável na percepção global da gestante. 13 Isto porque envolve elementos como a disponibilidade de equipamentos odontológicos que atendam às expectativas da gestante, bem como o conhecimento e a aptidão prática dos profissionais das equipes de saúde bucal na sua manipulação durante as consultas.16,17
Por outro lado, sabe-se que o emprego de uma linguagem extremamente técnica torna difícil a compreensão por parte dos usuários, por não estarem familiarizados com conceitos e termos médicos, fato que acaba impondo barreiras de comunicação entre ambas as partes, quem presta o cuidado e quem o recebe. Achados deste estudo referem percepções favoráveis em relação ao esclarecimento de dúvidas e às destrezas comunicativas das equipes de saúde bucal <Eu sempre consigo entender a maioria das coisas que o doutor fala [GES1]>; <Para mim não há problemas nesse sentido, tudo é bem informado e, quando surge alguma pergunta, eles me respondem de forma atenciosa [GES23]>; <No começo tinha medo de não entender, mas depois eu vi que é como nas outras consultas, tranquilo [GES10].
No tangente aos comportamentos/hábitos de risco, nenhuma participante informou ingestão de álcool nem de tabaco durante a gestação, justamente por considerarem a implicação de possíveis impactos negativos na saúde do bebê. Tais achados se consideram positivos, na medida em que refletem um alto grau de autonomia e de conscientização na adoção de uma gravidez saudável e responsável. Contudo, serve levar em consideração que, o ambiente institucional onde se desenvolve a consulta e o os danos popularmente atribuídos a esses produtos, poderiam ter sido fatores influenciadores na omissão de declarações das participantes, mesmo sendo seu uso pouco frequente.
Poucas gestantes indicaram ter percebido mudanças bucais no tempo de gestação, ao passo em que a maioria manifestou ter tido uma boa saúde bucal. Dentre as alterações citadas, destacaram-se com maior frequência a cárie dental, o bruxismo e o sangramento gengival (gengivite). Desse modo, tais dados convergem com a prevalência e o perfil epidemiológico nacional, em que a cárie dentária e as complicações gengivais respondem pelo maior número de complicações bucais em grávidas. 13,19 Trata-se de contratempos que afetam a qualidade de vida e a percepção do estado de saúde da gestante, podendo, em ocasiões, demandar o encaminhamento a setores de atenção especializada.29
Outrossim, a presença de complicações bucais na gravidez denota duas inquietações para os sistemas públicos de saúde, nomeadamente para os serviços de atenção à saúde materno-infantil. Por um lado, reforça a indispensabilidade de trabalhar ações educativas com essa população, no intuito de fortalecer a autonomia e a responsabilidade do cuidado bucal por parte das gestantes e, por outro lado, destaca a importância do conhecimento das equipes de saúde bucal, no que diz respeito à identificação e ao tratamento precoce desse tipo de complicações clínicas.
Eventualmente, no decorrer da gestação podem assomar-se situações que carregam o potencial de desalentar a continuidade do pré-natal odontológico, implicando na interrupção do acompanhamento clínico das pacientes grávidas. Considerando que esta investigação abordou um período de análise em decorrência da pandemia provocada pelo surgimento do novo coronavírus 2019, as hipóteses de desistência por medo ou por recomendação sanitária foram previamente ponderadas. A partir desse entendimento, indagaram-se possíveis motivos de desistência entre as participantes:
“Eu sei que o pré-natal tem que ser feito bem no começo, quando você descobre que está grávida, mas eu tive um pouco de receio de vir na unidade de saúde e me contagiar com o vírus. Aí esperei passar um tempinho para vir consultar, mas eu vim, porque estou ciente da importância de registrar tudo”. [GES7]
“Foi complicado, porque meu marido não queria que eu viesse. Tinha muita gente adoecendo e tivemos conhecimento de mulheres grávidas que pegaram o covid-19 e morreram. O que fez a gente vir na consulta foi justamente a insistência da enfermeira, que disse que estavam tomando todos os cuidados para atender só as grávidas num local específico”. [GES4]
“O que mais me limitou no começo foi não ter carro próprio para estar indo nas consultas. Eu não queria pegar Uber, nem ir de ônibus. Meu marido conseguiu um colega que levava a gente nas primeiras consultas”. [GES12]
“Não precisei de vir na unidade de saúde no início porque eu recebi acompanhamento telefônico pela minha equipe de saúde. Eles sempre me ligavam e me mandavam orientações. Só quando chegou a hora de fazer coleta para exames que eu tive que realmente ir na unidade de saúde”. [GES25]
Percebe-se que os motivos de desistência estiveram predominantemente relacionados ao sentimento de medo a se contagiar com o coronavírus, vez que isso poderia representar complicações clínicas por serem as gestantes um grupo de alto risco. 30 Sem embargo, Takemoto e colaboradores31 ressaltam que a baixa qualidade do cuidado pré-natal no cenário imposto pela pandemia do coronavírus pode prejudicar o cuidado obstétrico, afetando os resultados avistados no perfil de saúde da mãe e do bebê.
Na visão de Shamsoddin e colaboradores 32, a assistência odontológica oferecida à gestante deve dar-se de forma ininterrupta, mesmo durante a pandemia, pois é justamente através do diagnóstico precoce que muitos agravos podem ser corretamente diagnosticados e tratados, evitando, assim, quadros crônicos ou agudos no binômio mãe-bebê. Em contrapartida ao panorama epidemiológico mundial imposto pela pandemia, recomenda-se a adoção estrita às medidas de prevenção individuais e coletivas, tanto no cenário domiciliar como no ambiente institucional. Isto considera, por sua vez, a abordagem de cada paciente, conforme seu grau de risco e vulnerabilidade clínica e social.
O estudo apresentou como principal limitação o universo reduzido de participantes, que considerou unicamente duas equipes numa unidade básica de saúde que se rege baixo a modalidade assistencial da ESF. Isto se deveu a fato desta pesquisa ser um projeto piloto de análise situacional sobre a percepção e os conhecimentos das gestantes em relação à importância do pré-natal odontológico. Contudo, esse mesmo aspecto representa uma excelente oportunidade para estender este tipo de pesquisa em toda a rede de saúde bucal no município, incluindo ademais à parte prestadora da assistência. A partir da discussão retratada, futuras intervenções podem ser pensadas junto à população gestante, no intuito de promover os conhecimentos e as boas práticas de saúde bucal durante a gestação.
CONCLUSÕES
De forma concluinte, observaram-se percepções positivas sobre o pré-natal odontológico entre as gestantes. Os achados representam uma importante contribuição ao processo de qualificação da atenção materno-infantil, bem como ao cotidiano no processo de trabalho em serviços de assistência odontológica no âmbito da ESF, além da possibilidade de contribuir com o planejamento e as práticas de saúde bucal direcionadas a essa parcela da população feminina, no município de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil.