Introdução
As informações sobre a COVID-19, na atual era digital, difundem-se rapidamente por diferentes tipos de mídias e produzem um exorbitante volume informacional, incluindo falsas teorias, fake news, que provocam desinformação, pânico, confusões, deflagrando o fenômeno denominado de infodemia.1)
Em sua etimologia, a palavra “infodemia” refere-se à junção dos prefixos “info” - de informação e “demia” - elemento de formação pospositivo, de origem grega, que na terminologia das ciências médicas refere-se à uma doença que se generaliza na população. O termo se refere ao overload informacional, ou seja, a superabundância de informações, boas e ruins, associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar rapidamente em pouco tempo e impactar o processo de escolhas, dificultando a tomada de decisões conscientes acerca da saúde e bem-estar. 2 Ressalta-se, ainda, que o conceito epistemológico de “infodemia”, advindo dos estudos sobre a área da infodemiologia, que estuda as epidemias das informações, foi cunhado pelo pesquisador canadense da área de informática da saúde Gunther Eysenbach.3
O “ecossistema de informações” contempla os termos “misinformation” (informações erradas), “disinformation” (desinformação) e “mal-information” (informações maliciosas) que compõem o constructo teórico sobre a infodemia. (4
As “informações erradas” ou “más informações” são informações equivocadas, mas que não foram veiculadas e elaboradas com a intencionalidade de causar prejuízos. Já na desinformação ocorre a criação de conteúdos informacionais falsos, com intuito de causar algum prejuízo a algum grupo social, organização ou pessoa. A palavra desinformação está historicamente associada ao uso ultrajante nas propagandas políticas, a partir de meios de manipulação da opinião pública. Já a informação maliciosa é baseada em conteúdos reais, utilizados para causar prejuízos, nesse sentido, recortes de conteúdos verídicos são manipulados objetivando causar algum dano.4
A “misinformation”, “disinformation” e a “mal-information” podem exacerbar os sentimentos de ansiedade, estresse e medo, repercutindo em situações de agravamento do sofrimento mental, além disso, podem causar danos no cenário da saúde pública, no que diz respeito a ações governamentais e, consequentemente, no enfrentamento a pandemia.5
Em 2019, a infodemiologia foi reconhecida pelas organizações de saúde públicas e pela OMS como um campo científico de pesquisa e investigação emergente. A pandemia de COVID-19 democratizou esse conhecimento, e o tornou midiático em todo mundo. O Diretor geral da OMS Tedros Adhanom Ghebreyesus, mencionou na Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro de 2020, que a luta no cenário de enfrentamento da COVID-19 não era apenas contra a doença em si, mas também contra um infodêmico. Em julho de 2020, a OMS, passou a reconhecer a infodemia como um problema de saúde pública e promoveu, assim, a primeira Conferência de Infodemiologia Internacional, onde se concluiu que o crescente cenário de epidemia de desinformação requeria uma resposta coordenada e multidisciplinar, principalmente, através de ferramentas e intervenções baseadas em evidências científicas para mitigar o fenômeno. (6
As fake news perpassam este fenômeno, sendo expressas por meio de informações disseminadas pelas redes sociais digitais sobre medicamentos, opções terapêuticas e conspirações sobre a pandemia, as quais não se sustentam por evidências científicas.7,8 Além disso, informações nas redes sociais têm estimulado comportamentos de descumprimento de medidas protetivas como o distanciamento social, a higienização das mãos e outros cuidados preventivos frente à COVID-19.9,10 Neste contexto, a Organização Mundial de Saúde e a comunidade científica de diferentes países do mundo apontam a infodemia como um problema de saúde pública, incentivando o desenvolvimento de estratégias para a sua gestão, de modo a mitigar seus efeitos.11,12
Estudos evidenciam que a infodemia de COVID-19 tem exposto as populações a riscos à saúde, com destaque para os agravos na saúde mental, como estresse, ansiedade, medo e depressão. Isso, devido a exposição frequente às informações e notícias sobre a COVID-19. (13,14,15 Situações como a diminuição da renda no período de pandemia, fazer parte do grupo de risco e estar mais exposto a informações sobre mortos e infectados, são fatores que podem provocar maior prejuízo na saúde mental da população.16,17,18
Dentre os grupos etários, a infodemia é preocupante também para a população idosa, considerada o principal grupo de risco diante do elevado grau de vulnerabilidade e suscetibilidade para complicações advindas da infecção por COVID-19 e necessidade de internação.19,20 Apesar disso, ainda são escassas as publicações sobre as repercussões da infodemia para os idosos, sobretudo seu impacto à saúde mental destes indivíduos, sendo necessárias investigações que abordem tal temática.21 Isso porque a população idosa está mais suscetível ao desenvolvimento de problemas psíquicos relacionados ao distanciamento social, há deficiências na capacidade de análise crítica das informações, baixa literacia e falta de conhecimento técnico-científico, tornando-se vulneráveis diante da infodemia.22) Outro estudo verificou níveis altos de estresse relacionado à COVID-19 com a progressão da idade, inferindo a possibilidade de surgimento de pânico e ansiedade, considerando relevante o desenvolvimento de estudos de questões mais específicas sobre a exposição a informações e notícias, veiculadas por redes sociais, e suas repercussões na saúde mental, sobretudo das pessoas idosas.23
Diante do exposto, tornam-se necessários estudos que destaquem os efeitos que o excesso de informações tem provocado no atual momento a este grupo etário, enfatizando as repercussões à saúde mental, nos níveis de ansiedade, estresse e medo. (18,21,24 Desse modo, o presente artigo tem como objetivo descrever o perfil de exposição às informações sobre COVID-19 e suas repercussões na saúde mental dos idosos brasileiros.
Métodos
Estudo transversal, quantitativo, exploratório, realizado com pessoas idosas (idade igual ou superior a 60 anos). O presente artigo trata-se de um recorte de um estudo multicêntrico internacional intitulado “Infodemia de COVID-19 e suas repercussões sobre a saúde mental de idosos: estudo multicêntrico Brasil/ Portugal/Espanha/Itália/Chile/México”, que buscou analisar a relação entre a infodemia sobre a COVID-19 e as repercussões na saúde mental de pessoas idosas. O estudo multicêntrico teve início em 20 de julho e está em andamento. Neste artigo apresentamos os resultados preliminares, optando-se pela investigação de algumas características de interesse e com o recorte do cenário brasileiro. Ressalta-se que o estudo vem sendo conduzido no país a partir de oito centros colaboradores de pesquisa, distribuídos em 5 estados brasileiros (Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Brasília).
A população de referência do presente estudo foi composta por idosos brasileiros (60 anos ou mais) com acesso à Internet e redes sociais. De acordo com estudo nacional recente, cerca de 18% dos idosos brasileiros têm algum acesso à Internet. (25) A amostra, não probabilística, foi calculada considerando um erro tolerável de 3%, nível de confiança de 95% e prevalência de 50% dos fenômenos estudados.
A coleta de dados ocorreu por meio de web-based survey a partir da técnica operacionalizada como “bola de neve virtual”, que tem sido cada vez mais utilizada em estudos quantitativos, com grande número amostral e em populações de difícil acesso. (26) Ressalta-se que no período da pandemia de COVID-19 houve a recomendação pelo distanciamento social, como medida protetiva aos idoso, enfatizando a importância de que eles se mantivessem em casa.27
Assim, o link para acesso à web-based survey foi enviado, por meio de e-mail, redes sociais ou telefone, aos potenciais participantes em até três tentativas por 3 meses (20 julho a 20 de outubro de 2020), inicialmente por meio de um grupo de idosos no Município já acompanhado pelos pesquisadores em outras atividades de pesquisa e extensão. Os idosos que recebiam os links eram orientados a repassarem para outros potenciais participantes conhecidos. Buscando maior heterogeneidade da amostragem, em caráter complementar, o link com a web-based survey também foi enviada às sociedades científicas de geriatria e gerontologia, instituições de assistência a idosos, associações de aposentados e diretamente a idosos já acompanhados por pesquisadores dos centros colaboradores da pesquisa no Brasil ou de contato desses pesquisadores.
Ao acessarem o link, os idosos eram direcionados primeiramente para o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) digital, onde podiam ler e aceitar ou recusar participar do estudo. A aceitação ou não em participar do estudo foi registrada automaticamente no banco de dados gerado pela web-based survey. Apenas os que aceitaram participar do estudo tiveram acesso às questões da web-based survey.
O instrumento de coleta de dados foi adaptado a partir dos estudos de,21,12,22 constando de variáveis relacionadas ao perfil sociodemográfico; variáveis relacionadas à infodemia sobre COVID-19 nas redes sociais/rádio/televisão (tempo e frequência de exposição a notícias e informações sobre COVID-19; impacto psicológico e físico das informações ou notícias divulgadas sobre COVID-19; tipo de informação com maior impacto na criação de medo, ansiedade e estresse).
O instrumento de coleta de dados foi composto por variáveis demográficas e socioeconômicas, a fim de traçar o perfil dos participantes bem como variáveis relacionadas a infodemia sobre COVID-19, adaptadas dos estudos de Gao e col., (17Ni e col.28 e Ahmad, Murad & Gardner,29 como demonstradas na figura:
Os dados foram processados e analisados no Epi info 7.2. Realizou-se análise descritiva dos dados. Variáveis categóricas foram apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas, e as contínuas, por medidas de tendência central e variabilidade.
O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Brasil em 03/07/2020 - CAAE: 31932620.1.1001.5147, parecer nº 4.134.050.
Resultados
Até 20 de outubro de 2020, fizeram parte do estudo 1924 idosos, com idade média de 67,71 (dp = 6,86; mínimo = 60 e máximo = 97) anos, em sua maioria na faixa de 60 a 69 anos (69,02%), sexo feminino (71,26%), casados (53,79%) e da cor branca (75,57%). Quanto à moradia, 1844 (95,84%) residiam em área urbana e 1466 (76,19%) dividiam o domicílio com até três pessoas. Dos respondentes, apenas 156 (8,11%) não tiveram acesso à educação ou não concluíram o ensino básico, enquanto 417 (21,67%) concluíram a graduação. A maioria utilizava apenas serviços pagos de saúde, incluindo plano de saúde 792 (41,16%). Além disso, 1412 (73,50%) idosos responderam que a pandemia não afetou sua renda mensal (tabela 1).
N | % | |
---|---|---|
60-64 | 781 | 40,59% |
65-69 | 547 | 28,43% |
70-74 | 286 | 14,86% |
75-79 | 171 | 8,89% |
80 ou mais | 139 | 7,22% |
Feminino | 1371 | 71,26% |
Masculino | 548 | 28,48% |
Prefiro não declarar | 5 | 0,26% |
Casado(a) /morando junto(a) | 1035 | 53,79% |
Viúvo(a) | 333 | 17,31% |
Separado(a)/desquitado(a) | 326 | 16,94% |
Solteiro(a) | 230 | 11,95% |
Branca | 1454 | 75,57% |
Parda | 285 | 14,81% |
Preta | 140 | 7,28% |
Amarela | 39 | 2,03% |
Indígena | 6 | 0,31% |
Mora sozinho | 401 | 20,84% |
1 pessoa | 643 | 33,42% |
2 pessoas | 422 | 21,93% |
3 pessoas | 229 | 11,90% |
4 pessoas | 138 | 7,17% |
5 pessoas ou mais | 91 | 4,73% |
Urbana | 1844 | 95,84% |
Rural | 80 | 4,16% |
Não estudou ou não concluiu o ensino básico | 156 | 8,11% |
Ensino básico ou fundamental | 289 | 15,02% |
Ensino médio | 362 | 18,81% |
Ensino superior completo | 417 | 21,67% |
Pós-graduação/ especialização | 380 | 19,75% |
Mestrado/ doutorado ou pós-doutorado | 320 | 16,63% |
Utilizo apenas serviços pagos de saúde, incluindo plano de saúde | 792 | 41,16% |
Utiliza ambos (serviços de saúde gratuitos e pagos) | 772 | 40,12% |
Utiliza apenas serviços gratuitos de saúde | 349 | 18,14% |
Nenhum | 11 | 0,57% |
Não | 1412 | 73,50% |
Sim, redução | 461 | 24,00% |
Sim, aumento | 49 | 2,55% |
As redes sociais foram os meios de comunicação que mediaram o maior tempo médio de exposição dos idosos com informações e notícias sobre a COVID-19 (3,46 horas; dp = 5,01), seguido da Televisão com 3,14 horas em média de exposição (dp = 3,14). Porém, ressaltamos que redes sociais e Televisão, apresentaram tempo de exposição dos idosos às informações semelhantes, quando retratada a mediana (Mediana = 2,0; Intervalo interquartil = 1,0-4,0). Rádio apresentou uma mediana menor (Mediana = 0,0; Intervalo interquartil = 0,0-1,0).
Os idosos também reportaram a percepção de exposição às informações e notícias sobre COVID-19 no período de uma semana (7 dias), a partir de uma escala de nenhuma exposição até a máxima exposição (frequentemente). Foram reportados como fonte frequente de exposição às notícias ou informações sobre a COVID-19, a televisão 862 (44,80%) e as redes sociais 651 (33,84%). Por outro lado, o rádio não representou fonte de exposição para a maioria 1189 (61,80%) dos idosos (tabela 2).
Meio de comunicação | Exposição | N | % |
---|---|---|---|
Nenhuma exposição | 257 | 13,36% | |
Algumas vezes | 380 | 19,75% | |
Poucas vezes | 425 | 22,09% | |
Frequentemente | 862 | 44,80% | |
Nenhuma exposição | 1189 | 61,80% | |
Algumas vezes | 188 | 9,77% | |
Poucas vezes | 333 | 17,31% | |
Frequentemente | 214 | 11,12% | |
Nenhuma exposição | 388 | 20,17% | |
Algumas vezes | 385 | 20,01% | |
Poucas vezes | 500 | 25,99% | |
Frequentemente | 651 | 33,84% |
No momento da participação na pesquisa, a maioria dos idosos acreditava que as redes sociais (n = 789 - 42,49%), televisão (n = 774 - 41,30%) e rádio (n = 567 - 32,72%) não os afetava psicológica e fisicamente (tabela 3). Contudo, 501 (26,73%) relataram que a televisão os afetava psicologicamente e outros 224 (11,95%) mencionaram que afetava psicologicamente e fisicamente. Apesar de 496 (26,71%) relatarem que não utilizavam redes sociais, outros 335 (18,05%) idosos se consideravam afetados psicologicamente por elas.
Meio de comunicação | Percepção dos idosos | N | % |
---|---|---|---|
Não tem me afetado | 774 | 41,30% | |
Tem me afetado psicologicamente | 501 | 26,73% | |
Tem me afetado física e psicologicamente | 224 | 11,95% | |
Tem me afetado fisicamente | 147 | 7,84% | |
Não "utilizo" este meio de informação | 228 | 12,17% | |
Não tem me afetado | 567 | 32,72% | |
Tem me afetado psicologicamente | 142 | 8,19% | |
Tem me afetado física e psicologicamente | 57 | 3,29% | |
Tem me afetado fisicamente | 52 | 3,00% | |
Não "utilizo" este meio de informação | 915 | 52,80% | |
Redes sociais | Não tem me afetado | 789 | 42,49% |
Tem me afetado psicologicamente | 335 | 18,04% | |
Tem me afetado física e psicologicamente | 152 | 8,19% | |
Tem me afetado fisicamente | 85 | 4,58% | |
Não "utilizo" este meio de informação | 496 | 26,71% |
A tabela 4 descreve as percepções sobre as repercussões das informações sobre COVID-19 divulgadas nos meios de comunicação na saúde mental dos idosos pesquisados. Observamos que a conscientização é a repercussão mais percebida mediante a exposição às informações veiculadas seja por meio da televisão ou pelas redes sociais. Porém, o somatório dos percentuais de repercussões de medo, ansiedade e estresse, para qualquer tipo de informação veiculada sobre COVID-19, ultrapassa o percentual de conscientização tanto para televisão, quanto para redes sociais. Destaca-se, ainda, o achado de que, receber notícias falsas sobre COVID-19 repercute em estresse numa frequência superior às demais repercussões, independente do veículo de informação pela televisão (n = 482 - 19,8%) e pelas redes sociais (n = 415; 21,5%).
Meios de comunicação | Repercussões | Informações sobre número de infectados por COVID-19 | Informações sobre número de mortos por COVID-19 | Informações sobre medo relacionado a COVID-19 | Vídeos relacionados a pandemia de COVID-19* | Fotos relacionados a pandemia de COVID-19* | Notícia Falsa Sobre COVID-19* |
N (%) | N (%) | N (%) | N (%) | N (%) | N (%) | ||
Medo | 585 (30,3) | 697 (36,1) | 444 (23,0) | 495 (25,6) | 500 (25,9) | 379 (19,7) | |
Conscientização | 884 (45,8) | 753 (39,0) | 652 (33,8) | 647 (33,5) | 622 (32,2) | 362 (18,8) | |
Stress | 333 (17,3) | 366 (19,0) | 363 (18,8) | 368 (19,1) | 393 (20,4) | 482 (19,8) | |
Segurança | 44 (2,3) | 33 (1,7) | 34 (1,7) | 37 (1,9) | 29 (1,5) | 30 (1,6) | |
Ansiedade | 374 (19,4) | 363 (18,8) | 320 (16,6) | 314 (16,3) | 321 (16,6) | 230 (11,9) | |
Nada | 123 (6,4) | 126 (6,5) | 237 (12,3) | 199 (10,3) | 219 (11,4) | 319 (16,5) | |
Rádio | Medo | 191 (9,9) | 221 (11,5) | 160 (8,3) | * | * | * |
Conscientização | 363 (18,8) | 327 (16,9) | 282 (14,6) | * | * | * | |
Stress | 89 (4,6) | 109 (5,65) | 108 (5,6) | * | * | * | |
Segurança | 22 (1,1) | 18 (0,9) | 21 (1,1) | * | * | * | |
Ansiedade | 124 (6,4) | 127 (6,6) | 125 (6,5) | * | * | * | |
Nada | 136 (7,05) | 135 (7,0) | 173 (9,0) | * | * | * | |
Redes sociais | Medo | 394 (20,4) | 520 (26,9) | 305 (15,8) | 341 (17,7) | 363 (18,9) | 324 (16,8) |
Conscientização | 880 (45,6) | 736 (38,1) | 623 (32,3) | 637 (33,0) | 609 (31,3) | 315 (16,3) | |
Stress | 243 (12,6) | 284 (14,7) | 266 (14,8) | 287 (14,9) | 299 (15,5) | 415 (21,5) | |
Segurança | 57 (3,0) | 38 (2,0) | 43 (2,2) | 35 (1,8) | 36 (1,9) | 46 (2,4) | |
Ansiedade | 341 (17,7) | 333 (17,3) | 305 (15,8) | 295 (15,3) | 311 (16,1) | 208 (10,8) | |
Nada | 141 (7,3) | 128 (6,6) | 229 (11,9) | 197 (10,2) | 209 (10,8) | 293 (15,2) |
Discussão
No Brasil, este é o primeiro estudo multicêntrico relacionado às repercussões da infodemia na saúde mental de pessoas idosas. Em relação ao perfil sociodemográfico, os participantes são, em sua maioria, mulheres idosas, de 60 a 69 anos, brancas e de alta escolaridade. O fato de serem mulheres é um achado que diverge do perfil de usuários com acesso a Internet e tecnologias da informação no Brasil. Na maior pesquisa nacional “TIC 2019” publicizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, verificou-se que não há diferença na proporção de homens e mulheres, na população em geral, com acesso à Internet e tecnologias da informação no país.30
Assim, uma das possíveis justificativas para a maior participação das mulheres idosas neste estudo é a possibilidade de estarem mais ávidas a leitura e pró-ativas na busca de notícias relacionadas à COVID-19, bem como em participações em pesquisas ligadas à possibilidade de emitirem suas opiniões, entretenimento e votação aberta.16 Além disso, é importante destacar que no Brasil as mulheres representam 52% da população, sendo que entre os idosos esse percentual chega a 56%.31 Os homens têm maiores dificuldades de falar de aspectos que envolvem a sua saúde física e mental, o que pode influenciar na participação em pesquisas sobre sua saúde. Com o envelhecimento, as concepções de gênero trazem obstáculos à procura dos serviços de saúde. Isso porque os homens são resistentes ao cuidado devido a sentimentos de medo, vergonha, além de aspectos comportamentais como impaciência, descuido e outras prioridades de vida.32
Chama a atenção o fato de que os participantes da pesquisa possuem alta escolaridade. Isso favorece o acesso e uso de tecnologias da informação e comunicação.30) Em outro estudo, realizado na região sul do Brasil, identificou-se que mais de 70% dos idosos, com ensino superior e pós-graduação, fazem uso de tecnologias, em especial da Internet. A prevalência de uso de Internet nos idosos aumentou de 22,9% em 2009-2010 para 26,6% em 2013-2014. A maioria destes idosos usava a Internet todos os dias ou quase todos os dias da semana, com o principal objetivo de enviar e receber mensagens, buscar informações para aprendizado ou investigações, encontrar informações sobre bens e serviços e usar sites de notícias, de redes sociais e de informações sobre saúde. Dentre os fatores associados ao seu uso, destaca-se a ocorrência de maior renda salarial mensal familiar, de serem idosos jovens e com maior escolaridade,26 achados que estão alinhados com o presente estudo.
A frequência de exposição às informações sobre COVID-19 é algo importante a ser considerado. Sabe-se que uma das principais características da infodemia é a intensa exposição de um indivíduo a informações e notícias e estas nem sempre de qualidade, podendo acarretar prejuízos na saúde e em comportamentos.1,7) Os idosos participantes do presente estudo alegaram que estão expostos frequentemente às informações sobre COVID-19, principalmente por meio da televisão e das redes sociais, e reconheceram que ambas as mídias, apesar de promoverem a conscientização sobre a pandemia, também os afetaram psicologicamente e/ou fisicamente. Uma pesquisa realizada no Rio Grande do Sul mostrou que pertencer ao grupo de risco para COVID-19 aumentou em 1,6 vezes a chance de se apresentar transtornos mentais menores.16 A depressão é a doença psiquiátrica mais comum entre os idosos e está frequentemente associada à ansiedade.33,34) Dessa forma, diante da diminuição da dinâmica do dia a dia, ocasionada pela principal medida não farmacológica implementada para o enfrentamento da COVID-19 - o isolamento social - somada ao estresse gerado pelo aumento dos cuidados necessários para a prevenção dessa doença e também ao excesso de informações veiculadas.1,9,14,19 os agravos de saúde como a depressão e a ansiedade mostram-se ainda mais frequentes entre os idosos.35
Outro aspecto que merece atenção é que a frequente exposição a informações e notícias sobre COVID-19 potencializa a exposição da população idosa às fake news. Pessoas acima de 65 anos apresentam sete vezes mais propensão de exposição e compartilhamento de notícias falsas, do que as pessoas com menos de 29 anos. Isso se deve ao posicionamento político-comportamental, escolaridade e poder aquisitivo.36) Somado a isso, há a insegurança contemporânea pela dificuldade da habilidade de comunicação e interação, potencializada no contexto da pandemia, contribuindo para diminuir a autoestima dos idosos e aumentar o sentimento de distanciamento e abandono.22,21,37
Outro destaque, são as informações sobre o número de mortos, número de infectados, informações sobre medo, vídeos e fotos relacionados à pandemia e notícias falsas, que quando somadas as frequências, sobrepuseram a conscientização dos participantes. Isso reforça a importância da televisão e das redes sociais na disseminação de informações no contexto da pandemia que até podem conscientizar, mas também repercutem sobre a saúde mental dos idosos, sobretudo gerando medo, ansiedade e estresse. Um estudo transversal entre cidadãos chineses, realizado online, no contexto da pandemia de COVID-19, com 4872 participantes apontou ansiedade após exposição a informações pelos meios de comunicação, em especial redes sociais. Da mesma forma, apontou a prevalência de depressão, ansiedade e combinação de depressão e ansiedade, com 48,3%, 22,6% e 19,4%, respectivamente.17 A exposição inadequada à informação pelos meios de comunicação pode levar as pessoas a sofrerem eventos que colocam em perigo a vida. Estudo realizado no Irã com mais de 2.100 participantes, verificou que mensagens em redes sociais sugeriam às pessoas a possibilidade de se evitar a infecção pelo SARS-CoV-2 bebendo álcool, sendo que quase 900 pacientes com intoxicação alcoólica ilícita foram internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 296 morreram, tendo uma taxa de letalidade de 13,5%.38
Em pesquisa conduzida pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, em 2015, encontrou-se que as mídias que o brasileiro mais utiliza para se informar sobre assuntos da atualidade são a televisão (89%), o rádio (38%), a Internet (37%), jornais (13%) e revistas (4%). A pesquisa revelou ainda que 73% dos brasileiros assiste televisão todos os dias da semana e que o faz, na maior parte das vezes, buscando se informar e saber as notícias (79%).39) Principal meio de comunicação em massa, a televisão, foi construindo sua credibilidade baseada na objetividade realística, impelindo a população a acreditar em tudo o que está sendo informado.
Já o ambiente das mídias sociais é caracterizado pela rapidez do acesso à informação, por sua volatilidade e pela ausência de preocupação com sua fonte, cenário propício para o surgimento das fake news.40) Desta feita, a disseminação de informações em volume exacerbado a partir da televisão e de redes sociais pode repercutir negativamente na saúde mental de idosos, apesar de também ter sua contribuição para as práticas de prevenção de doenças e promoção a saúde.41 Ressalta-se a necessidade de se discutir a responsabilidade social de empresas mantenedoras de redes sociais e de televisão, é preciso despertar um processo reflexivo sobre o limiar adequado para o volume de informações, a sua qualidade e o acesso da população idosa a estas informações, pensado para além dos interesses corporativistas, empresariais e das grandes conglomerações do aparelho industrial da saúde no Brasil e no mundo.
É importante destacar que vídeos, fotos, informações sobre medo e a maneira como essas informações estão sendo disseminadas (volume excessivo, frequência de exposição, alardeamento das notícias sobre medo) podem se conformar como “gatilhos” para o medo, ansiedade e estresse, no contexto da pandemia entre idosos.42,15,38 Sabe-se que grande parte das informações e notícias divulgadas no Brasil e no mundo estão atreladas às mortes, as sequelas do tratamento, às perdas, ao tédio do isolamento, principalmente para idosos, e aos impactos econômicos relacionados à perda de empregos e redução de renda.1,18 O crescente uso dos telefones celulares, redes sociais, Internet e outras tecnologias de comunicação auxiliam a disseminação de todo tipo de informação e possibilita acesso a pontos de vistas diversos, por vezes contraditórios, causando um sentimento de instabilidade em relação ao futuro e levando à confusão, ansiedade e pânico.14,15,24,28
Há que se ressaltar a importância do planejamento e implementação de estratégias para mitigação dos efeitos da infodemia, como a criação de redes colaborativas globais e canais oficiais, integrando distintas regiões e países, para divulgação e checagem de informações de qualidade, baseadas em evidências científicas; a alfabetização digital dos profissionais de saúde, com aquisição de competências informacionais, e também da população, incluindo os idosos; provimento e manutenção de serviços especializados de atendimento (linha telefônica, web sites, redes sociais, dentre outros) que monitorem as informações erradas que precisam ser corrigidas, e que assegurem a exatidão, pertinência, relevância e atualização das informações veiculadas.11
Também é importante a consolidação das redes de apoio social ao idoso, promovendo suporte mediante às dúvidas sobre a pandemia e assistência emocional. Neste sentido é fundamental a manutenção de contatos com esses idosos, via telefone ou suporte de tecnologias online, que os mantenham conectados com seus familiares e amigos, fortalecendo suas redes de apoio e reforçando a sensação de pertencimento a um grupo social. Papel relevante também pode ser exercido pela Atenção Primária a Saúde (APS) e seus profissionais, como agentes comunitários de saúde, proporcionando suporte nos períodos de isolamento e atenção às condições crônicas apresentadas.
Os dados preliminares deste estudo apresentam tendências e perspectivas para tal cenário, mas ainda há outras análises demandadas que podem auxiliar na compreensão da infodemia no contexto da COVID-19 na população idosa. Dada à natureza do estudo, há limites na busca de estabelecer causalidade ou direcionalidade dos achados. Soma-se o fato da forma de abordagem dos idosos, a partir de tecnologias de acesso digital: dessa forma, os idosos respondentes podem não constituir uma parcela representativa da população idosa geral, inclusive podem representar parcelas com maior capacidade de enfrentamento para as condições estudadas.
Conclusões
Constatamos que os idosos pesquisados, principalmente mulheres, estão frequentemente expostos às informações relacionadas à COVID-19 pela televisão e redes sociais e com repercussões sobre a saúde mental, principalmente medo, ansiedade e estresse, além da conscientização também reconhecida. Os vídeos, fotos, informações sobre medo, fake news e a maneira como essas informações estão sendo disseminadas podem se conformar como “gatilhos” para o adoecimento mental no contexto da pandemia entre idosos. Diante de tal cenário, torna-se importante investir em estratégias de controle da infodemia junto às pessoas idosas, incluindo ações que esclareçam as informações veiculadas nos diferentes meios de comunicação, considerando os distintos contextos em que estão inseridos, e buscando auxílio nas redes sociais de apoio dos idosos, como centros de convivência, serviços de saúde, instituições religiosas, dentre outras.