Introdução
O atual sistema de informação vigente para fins de financiamento e de adesão aos programas e estratégias da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) é o Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB), instituído pela Portaria GM/MS nº 1.412, de 10 de julho de 2013 do Ministério da Saúde (MS).1
O SISAB faz parte de uma estratégia ampla de informatização da Atenção Primária a Saúde (APS) denominada “estratégia e-SUS APS”. Tal estratégia foi instituída pelo Departamento de Saúde da Família do MS para reestruturar as informações da APS em nível nacional. Faz referência ao processo de informatização do Sistema Único de Saúde em busca de um SUS eletrônico (e-SUS), com a finalidade de consolidar um modelo de gestão de informação que possa apoiar os municípios e os serviços de saúde para uma gestão de qualidade na APS e, ainda, aprimorar o cuidado dos usuários. O Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), objeto de estudo deste artigo, é um software de coleta de dados que compõe a estratégia e-SUS APS.2
O PEC foi desenvolvido com os objetivos de integrar e compartilhar as informações em saúde no contexto da APS, qualificar o registro clínico e potencializar o processo de trabalho, planejamentos de ações de prevenção da doença, promoção à saúde e a gestão do cuidado das equipes nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).3
Em um relatório comparativo dos sistemas de saúde da Alemanha, Reino Unido, França, Holanda e Dinamarca, Freudmann & Studer4 destacaram que este último país foi o que obteve melhores resultados no uso de registros médicos eletrônicos que reduziram em média 50 minutos por dia o preenchimento de formulários de papel e permitiram atender 10% a mais de pacientes. No Brasil, uma pesquisa feita por Santos & Damian5) verificou-se que a transição do prontuário físico para o eletrônico modifica alguns aspectos culturais na organização relativos à falta de domínio e ambientação dos profissionais com as questões de gestão, acesso e uso da informação, além da ausência de competências técnicas relacionadas ao manuseio das tecnologias de informação.
Nos últimos anos, a Agenda de Prioridades de Pesquisa em Saúde do Ministério da Saúde, tem apontado para a necessidade de pesquisas relacionadas a temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no SUS e APS.6,7 Elevados tem sido os investimentos governamentais para promover a informatização da APS, bem como a implantação e implementação de Prontuários Eletrônicos no Brasil e em Minas Gerais.8,9) Nesse contexto, essa pesquisa poderá compreender como tem ocorrido o uso do PEC pelos profissionais, o que pode contribuir para a produção de conhecimentos que subsidiem estratégias de melhoria do processo de utilização do software.
Desta forma o objetivo deste estudo foi avaliar a implementação do Prontuário Eletrônico do Cidadão da estratégia e-SUS APS por médicos e enfermeiros da Atenção Primária à Saúde de duas Macrorregiões de Saúde de Minas Gerais.
Métodos
Aspectos éticos
Esta pesquisa obedeceu aos preceitos éticos em pesquisa envolvendo seres humanos, de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.10) O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São João del-Rei-Campus Centro Oeste Dona Lindu. Parecer de nº: 4.662352.
Desenho, período e local do estudo
Trata-se de estudo que utilizou-se de método misto explanatório sequencial quanti-qualitativo11 realizado em municípios de duas macrorregiões de saúde do estado de Minas Gerais que contém um total de 86 municípios, 8 microrregiões de saúde e uma população de 1.535.279 habitantes.
População ou amostra, critérios de inclusão e exclusão
Foram incluídos todos os profissionais médicos e enfermeiros vinculados às equipes de Saúde da Família (eSF) e/ou equipes de Atenção Primária (eAP) dos municípios pertencentes às regiões escolhidas, que utilizavam PEC no período da coleta de dados e aceitaram participar da pesquisa por meio da validação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de forma virtual. A escolha das categorias profissionais se deu pelo fato de médicos e enfermeiros serem os profissionais de nível superior, que integram a equipe mínima de eSF e eAP e, são aqueles que utilizam as funcionalidades (assistenciais e gerenciais) de interesse para esta pesquisa.
Foram excluídos os participantes que usavam apenas CDS e aqueles com tempo de uso do PEC inferior a 30 dias. Essa exclusão justifica-se pelo desconhecimento e utilização incipiente das funcionalidades estudadas e, foi possível graças à inserção de perguntas específicas no instrumento de coleta de dados: Qual das opções abaixo você utiliza em sua rotina de trabalho para lançamento da produção? e Há quanto tempo você usa o Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC)?
A quantidade de municípios e profissionais que utilizamos PEC foi obtida por meio da emissão de relatórios restritos do SISAB para cada um dos 86 municípios selecionados. Obteve- se um total de 368 participantes, porém ao analisar o critério de exclusão e inclusão, chegou ao total de 326 profissionais. Os resultados das buscas no Sistema de Informação foram: 132 médicos e 194 enfermeiros que estavam usando o PEC no período da coleta de dados. Esses estão vinculados a 186 eSF e/ou eAP, 160 UBS de 56 municípios e 8 microrregiões de saúde.
Protocolo de Estudo
O valor amostral mínimo partiu da análise da população em si, buscando extrair sua composição em termos quantitativos. O cálculo amostral foi realizado utilizando o G*Power na categoria Linear Multiple Regression: Fixed Model utilizando metodologia post-hoc para cálculo do poder do teste após o momento em que o universo de participantes demonstrou estagnação na participação da pesquisa. Foi considerado um tamanho de efeito moderado/médio de 0,15, com tamanho de amostra já coletada de 326 participantes (considerando os critérios de inclusão e exclusão), número máximo de preditores de 5 e nível de confiança 95%, o que resultou em um poder de teste de 99% (0.9999704). Isso indica que o tamanho de amostra coletado atende plenamente aos mínimos padrões para realização das análises posteriores. As varáveis estudadas foram dividas em duas categorias: a) influências na utilização do PEC (disponibilidade de estrutura adequada e formação) e; b) Variáveis que não influenciam na utilização do PEC (número de funcionalidades utilizadas no PEC, registro de todos atendimentos no PEC, registro durante o atendimento, utilização das informações do PEC para o planejamento, monitoramento e avaliação das atividades e utilização das informações do PEC para a tomada de decisões clínicas).
A coleta de dados da presente pesquisa foi realizada por meio de formulário online da tipologia Webbased- survey, elaborado a partir das perguntas avaliativas produzidas por Santana.12 Ao acessar o instrumento de pesquisa, o profissional era direcionado ao termo de consentimento livre e esclarecido e apenas após a adequada validação do aceite era encaminhado para responder às questões. O formulário apresenta 35 questões, envolvendo: perfil do participante; disponibilidade de estrutura para uso do PEC; uso de funcionalidades assistenciais para registro de atendimentos; uso de funcionalidades assistenciais para organização do atendimento; uso de funcionalidades gerenciais.
Análise dos resultados e estatística
Os dados coletados foram inicialmente organizados e tratados no Google Planilhas. Em seguida, foi construída uma matriz de análise e julgamento para avaliar e ponderar as questões avaliativas presentes nas dimensões de estrutura e processo (funcionalidades assistenciais e gerenciais), ou seja, foram atribuídos pesos de 0 a 10 para cada uma das perguntas do instrumento de coleta. A validação de conteúdo dessa matriz foi realizada por meio de três reuniões em ambiente virtual (oficinas de consenso) com a utilização do Google Meet, cujos membros possuíam expertise em PEC e Avaliação em Saúde. Ocorreu um total de 3 reuniões, com 8 participantes, sendo eles: pesquisadores da temática, referências técnicas regionais e municipais do PEC e, um enfermeiro usuário do software.
Segundo Medina e seus colaboradores,13) a oficina de consenso permite a interação entre as pesquisadoras responsáveis pelo estudo e o especialista da área, o que amplia a possibilidade da validação dos indicadores e medidas, conferindo maior legitimidade aos processos avaliativos. O produto final das oficinas de consenso foi um sistema de escores, que possui pesos diferenciados para cada critério selecionado, de acordo com o nível de importância de cada um.
Posteriormente, as respostas dos participantes foram substituídas por valores numéricos seguindo os critérios estabelecidos na matriz de análise e julgamento. Foi calculado o uso geral do PEC por meio da somatória dos pontos obtidos por cada respondente nas dimensões: uso de funcionalidades assistenciais para registro de atendimentos; uso de funcionalidades assistenciais para organização do atendimento e; uso de funcionalidades gerenciais. O número de funcionalidades utilizadas no PEC foi calculado a partir da contagem de respostas maiores do que zero em cada uma delas. Em seguida, foi calculado o Grau de Implementação do PEC (GIPEC) adicionando-se a somatória da pontuação observada em Estrutura à somatória da pontuação observada em Processo (funcionalidades), dividindo-se pela somatória da pontuação máxima e, por fim multiplicando-se por 100. Esse cálculo foi realizado para toda amostra, para cada macrorregião, para cada microrregião e, para cada participante da pesquisa. Os valores obtidos foram separados em quartis, que definiram o GIPEC em quatro estratos (percentis): adequado; parcialmente adequado; não adequado; crítico.
A análise estatística foi realizada por meio do software Jamovi e Google Planilhas. Os dados foram escrutinados visando identificar suas características gerais por meio de análises descritivas e se há correlação estatisticamente significativa entre variáveis utilizando o teste General Linear Model (GLM), traduzido como Modelo Linear Geral.
Resultados
Analisando o perfil dos participantes, observou-se que a média da idade dos profissionais é de 35,8 anos; 70,6% são do sexo feminino; 59,5% são enfermeiros; 51,8% atuam na APS por mais de 5 anos; 23,9% trabalham na mesma equipe entre 1 a 3 anos; 40,8% usam apenas o PEC no envio de dados ao MS e 59,2% usam PEC e CDS; 40,2% usam o PEC por um tempo entre 1 a 3 anos e 20,2% usam há mais de 3 anos. A tabela 1 mostra os resultados da análise descritiva do Grau de Implementação do PEC, disponibilidade de estrutura e grau de implementação das funcionalidades assistenciais e gerenciais, calculados para a amostra estudada, cujo N é 326.
Descrição | GIPEC | Nível de disponibilidade de estrutura | Implementação de funcionalidades assistenciais para registro de atendimentos | Implementação de funcionalidades assistenciais para organização de atendimentos | Implementação de funcionalidades gerenciais |
---|---|---|---|---|---|
Média | 65,8 | 79,8 | 54,2 | 72,1 | 65,2 |
Mediana | 68 | 83,3 | 54,5 | 75 | 68,8 |
Desvio Padrão | 16,5 | 15,8 | 18,5 | 29,9 | 27,6 |
Mínimo | 13,8 | 1,11 | 0 | 0 | 0 |
Máximo | 95,4 | 100 | 95,5 | 100 | 100 |
25th percentil | 53,9 | 72,2 | 42,7 | 50 | 49 |
50th percentil | 68 | 83,3 | 54,5 | 75 | 68,8 |
75th percentil | 78,5 | 91,1 | 67 | 99 | 90 |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
A tabela 2 mostra os valores de GIPEC encontrados para cada uma das macrorregiões e microrregiões estudadas, bem como suas classificações segundo os escores determinados na tabela.
Região de Saúde | GIPEC | Classificação |
---|---|---|
Macrorregião 1 | 66,4 | Não adequado |
Macrorregião 2 | 65 | Não adequado |
Microrregião 1 | 67,3 | Não adequado |
Microrregião 2 | 67,3 | Não adequado |
Microrregião 3 | 70,8 | Parcialmente Adequado |
Microrregião 4 | 60,9 | Não adequado |
Microrregião 5 | 68,5 | Parcialmente Adequado |
Microrregião 6 | 66,6 | Não adequado |
Microrregião 7 | 61,6 | Não adequado |
Microrregião 8 | 43,5 | Crítico |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
O quadro 1 mostra o resultado das análises realizadas por meio do GLM.
Relação entre Variáveis | R² | Estimativas de parâmetros de efeitos fixos | |||
---|---|---|---|---|---|
Efeito | Estimativa | ||||
Uso geral do PEC | Disponibilidade de Estrutura adequada | < 0,001 | 0,0149 | Disponibilidade de Estrutura adequada | 1,36 |
Uso geral do PEC | Formação | 0,002 | Medicina-Enfermagem | -19,42 | |
Número de Funcionalidades utilizadas no PEC | Tempo de uso | 0,422 | 0,0868 | 1 a 3 anos-6 meses a 1 ano | 0,994 |
1 a 6 meses-6 meses a 1 ano | 0,153 | ||||
Mais de 3 anos-6 meses a 1 ano | 1,787 | ||||
Registro de atendimentos no PEC | Tempo de uso | 0,064 | 0,0223 | 1 a 3 anos-6 meses a 1 ano | -0,492 |
1 a 6 meses-6 meses a 1 ano | -0,162 | ||||
Mais de 3 anos-6 meses a 1 ano | 0,318 | ||||
Registro durante o atendimento | Tempo de uso | 0,032 | 0,0277 | 1 a 3 anos-6 meses a 1 ano | 0,549 |
1 a 6 meses-6 meses a 1 ano | -0,708 | ||||
Mais de 3 anos-6 meses a 1 ano | 0,846 | ||||
Utilização das informações do PEC para o planejamento, monitoramento e avaliação das atividades da equipe | Tempo de uso | 0,229 | 0,1329 | 1 a 3 anos-6 meses a 1 ano | -0,182 |
1 a 6 meses - 6 meses a 1 ano | -0,626 | ||||
Mais de 3 anos-6 meses a 1 ano | 0,575 | ||||
Utilização das informações do PEC para a tomada de decisões clínicas | Tempo de uso | 0,095 | 0,0195 | 1 a 3 anos-6 meses a 1 ano | -0,197 |
1 a 6 meses-6 meses a 1 ano | -1,093 | ||||
Mais de 3 anos-6 meses a 1 ano | -0,149 | ||||
Número de Funcionalidades utilizadas no PEC | Formação | < 0,001 | 0,0739 | Medicina-Enfermagem | -3,82 |
Utilização das informações do PEC para a tomada de decisões clínicas | Formação | 0,649 | 6,39E-04 | Medicina-Enfermagem | 0,151 |
Uso das informações do PEC para o planejamento, monitoramento e avaliação das atividades da equipe | Formação | 0,005 | 0,0239 | Medicina-Enfermagem | -1,1 |
Registro de todos atendimentos no PEC | Formação | 0,122 | 0,00738 | Medicina-Enfermagem | -0,361 |
Registro durante o atendimento | Formação | < 0,001 | 0,0385 | Medicina-Enfermagem | 1,39 |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
A tabela 3 mostra a comparação do grau de implementação de funcionalidades assistenciais e gerenciais entre os médicos e enfermeiros.
Descrição | Geral | Médicos | Enfermeiros |
---|---|---|---|
Grau de Implementação de Funcionalidades Assistenciais para Registro de Atendimentos | 54,2 | 56,7 | 52,5 |
Grau de Implementação de Funcionalidades Assistenciais para Organização do Atendimento | 72,1 | 59,1 | 81,0 |
Grau de Implementação de Funcionalidades Gerenciais | 65,2 | 56,9 | 70,8 |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Discussão
O valor de GIPEC geral encontrado foi de 65,8 e, por isso, foi classificado como não adequado. Esses achados corroboram com os resultados encontrados por Oliveira,13 que evidenciou uma subutilização do PEC como ferramenta para a gestão das informações de saúde do território e dos indivíduos. Observou-se que, os profissionais realizam o registro dos dados no PEC, porém, não obtém as informações que o sistema é capaz de fornecer, ou não utilizam da maneira mais adequada e com a frequência que deveriam.
Toledo e seus colaboradores14 também notaram uma subutilização dos prontuários eletrônicos, sendo que os mesmos eram usados apenas como um repositório de informações dos pacientes para gestão clínica dos casos e acompanhamento epidemiológico.
Avila e seus colaboradores15 identificaram situações que potencializam a rejeição do PEC. São elas: desaparecimento de cadastros, risco à integridade das informações, falhas na rede de internet, baixa qualidade de equipamentos, treinamento insuficiente, entre outros. Tais situações podem estar contribuindo para a subutilização da tecnologia. Para Holmes,16 os profissionais atribuíram a baixa utilização dos dados do prontuário eletrônico às dificuldades inerentes à usabilidade do sistema, à falta de treinamento para operacionalização do prontuário eletrônico e à inadequação do prontuário à realidade local.
Os valores do GIPEC encontrados para as macrorregiões foram 66,4 e 65,0, sendo que ambos foram classificados como não adequados. Cinco microrregiões obtiveram um GIPEC não adequado, em duas foi parcialmente adequado e, em apenas uma região foi classificada como crítico. Apesar dessas divergências, ao analisar os dados por meio do teste GLM, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na utilização do PEC entre as macrorregiões (p-valor = 0,517; R2= 0,00130) e entre as microrregiões (p-valor = 0,143; R2= 0,0335) estudadas. Ou seja, embora seja percebida uma diferença numérica, os valores são estatisticamente equivalentes. Essas informações evidenciam a necessidade de avanço quanto ao uso do software, pois, considerando que a implantação vem ocorrendo desde 2013,1 após cerca de oito anos, ainda é percebida uma baixa implementação nas regiões estudadas.
Ao aplicar o teste GLM aos dados coletados para investigar quais são as variáveis que mais influenciam o uso geral do PEC, obteve-se resultados de p-valor consideráveis (< 0,05) para disponibilidade de estrutura adequada e formação, ou seja, esses resultados apontam para uma correlação estatisticamente significativa entre estas (estrutura e formação) e o uso geral do PEC.
O Quadro 1 destaca as variáveis influenciam e não influenciam na utilização do PEC. Ao verificar a relação entre tempo de uso do PEC e o registro durante o atendimento, por meio do teste GLM, apesar do p-valor ser significativo, o R2encontrado foi baixo e, dessa forma, pode-se dizer que a correlação é muito fraca entre essas variáveis. Não foi demonstrada correlação entre tempo de uso do PEC com: o número de funcionalidades utilizadas no PEC; o registro de todos os atendimentos no PEC; a utilização das informações do PEC para o planejamento, monitoramento e avaliação das atividades da equipe; a utilização das informações do PEC para a tomada de decisões clínicas.
Foi possível perceber neste estudo que, o tempo de uso do PEC não influencia a utilização do software. Dessa forma, esta pesquisa não corrobora com Rogers,17 quando afirma que o tempo é uma dimensão importante ao se avaliar a difusão de uma inovação, sendo fundamental compreender todo o processo de decisão que levará sua rejeição ou a aceitação.
A tabela 1 mostra a análise descritiva do nível de disponibilidade de estrutura para uso do PEC e o sistema de escores utilizado para classificá-lo. Ao analisar o nível de disponibilidade de estrutura, percebe-se que o valor de 79,8 é considerado não adequado na amostra estudada. O quadro 1 apresenta o resultado da correlação entre o uso geral do PEC e a disponibilidade de estrutura por meio do GLM. Pode-se perceber que, quanto melhor a estrutura maior é a utilização do PEC, pois houve correlação estatisticamente significativa e positiva entre essas variáveis. O cálculo de estimativas de parâmetros de efeitos fixos indica que a cada aumento de um ponto no escore da disponibilidade de estrutura, aumenta-se 1,43 no escore do uso geral do PEC.
A instabilidade de conexão com a internet, quedas de energia elétrica frequentes e o número insuficiente de equipamentos de informática são alguns dos fatores, relacionados à estrutura, que influenciam a utilização do PEC.18,19) Esses problemas são resolvidos com a oferta de uma infraestrutura mínima que possa garantir o funcionamento adequado dos sistemas de informação em saúde.20) Não disponibilizar a estrutura adequada para o funcionamento do PEC desestimula os profissionais quanto à sua adesão, refletindo negativamente nos processos de trabalho, o que gera frustrações.21
Esta pesquisa mostra que o nível de disponibilidade de estrutura disponibilizado nas UBS para uso do PEC e percebido pelos profissionais, é maior para enfermeiros (81,1) do que para os médicos (77,8), o que explica o fato de o GIPEC também ser maior nesse caso. Os estudos de Senne e seus colaboradores22 também demonstraram que, os enfermeiros reconhecem ter maior disponibilidade de acesso as TICS no ambiente de trabalho do que os médicos. O mesmo autor constatou que 60% dos médicos têm acesso à internet no local de trabalho, enquanto que 72% dos enfermeiros afirmaram ter conexão. Esse fato pode contribuir para que médicos desenvolvam menos habilidades com as ferramentas tecnológicas na rotina de trabalho.
O quadro 1 destaca o resultado do teste GLM durante a verificação da correlação entre uso geral do PEC e formação profissional. O cálculo de estimativas de parâmetros de efeitos fixos apresentou o valor de 19,42 e a avaliação do post hoc evidenciou uma diferença de 19,4, com p-valor de 0,002 na comparação Enfermagem - Medicina. Esses dados mostram que a medicina quando comparada com a enfermagem tem a utilização do PEC com escore menor, indicando que médicos informaram usar menos o PEC do que os enfermeiros.
Quando comparados os valores de GIPEC de médicos e enfermeiros, observa-se que estes utilizam o PEC de maneira parcialmente adequada (GIPEC = 68,6), enquanto aqueles permanecem na classificação de utilização não adequada (GIPEC = 61,8). A pesquisa realizada por Oliveira13 evidenciou que, a percepção da maioria dos gestores é que os profissionais que mais demonstram dificuldade na operacionalização do PEC são os médicos, ao passo que apenas 7,1% relataram dificuldade pelos enfermeiros.
Tendo em vista o uso frequente dos computadores nas unidades de saúde, cada vez mais se observa que, o enfermeiro utiliza esses recursos e tem colaborado na definição de como ser utilizado com eficiência com vistas à obtenção de maiores vantagens, entendendo que o volume de dados trabalhados atualmente torna a documentação manual cada vez mais ineficiente.22) Os autores23 observaram que no princípio da implantação, os profissionais médicos se mostraram mais resistentes à utilização do prontuário eletrônico, com alegações de que o novo sistema poderia interferir no tempo de atendimento, o que comprometeria suas agendas. Ao passo que, outros médicos, os mais tradicionais, manifestaram dificuldades em acessar e manusear tal prontuário.
Dessa forma, a questão cultural dos profissionais de saúde impacta diretamente sobre o uso do PEC.20 De acordo com Lucca,24 os profissionais que em sua formação não possuíam acesso cotidiano ao computador tendem a ser mais resistentes na utilização do PEC por acreditarem que o atendimento se torna mais lento e por falta de habilidade em operar o computador.23A tabela 3 mostra que há diferença no GI das funcionalidades quando se compara as profissões.
Foi percebido um Grau de Implementação superior (parcialmente adequado) para enfermeiros em todas as funcionalidades, com exceção das funcionalidades assistenciais para registro de atendimentos, em que foram classificados como não adequados, enquanto médicos obtiveram uma utilização parcialmente adequada nesse quesito. Tal exceção pode ser explicada pelo fato de os médicos fazerem mais registros durante o atendimento quando comparados com os enfermeiros, conforme resultados estatísticos apresentados pelo GLM apresentado no quadro 1.
O teste GLM, quando utilizado para verificar a correlação entre formação profissional e número de funcionalidades utilizadas no PEC, demonstrou que os enfermeiros usam mais funcionalidades do que os médicos. Quando realizada a verificação da correlação entre formação e uso do PEC para o planejamento, monitoramento e avaliação das atividades da equipe observou-se que, enfermeiros também se destacam em relação aos médicos (quadro 1). Em contrapartida, não foi demonstrada correlação entre a formação e: a utilização das informações do PEC para a tomada de decisões clínicas e; registro de todos os atendimentos no PEC.
Limitações do estudo
O estudo realizado apresentou limitações, pois não especificou as razões pelas quais ocorre a subtilização do PEC e avaliou apenas duas das 14 macrorregiões de saúde de Minas Gerais. Possivelmente o fato de que a coleta de dados tenha ocorrido de forma virtual e ter sido utilizado uma abordagem unicamente quantitativa. Impedindo o acesso a diversas fontes de evidências para investigação dessa causalidade.
Contribuições para área da enfermagem, saúde ou política pública
Essa pesquisa proporcionou o cálculo do grau de implementação do PEC nas regiões estudadas e demonstrou a necessidade da expansão deste estudo para outras macrorregiões de Minas Gerais e do Brasil. Assim, seus resultados darão uma maior visibilidade aos entes federativos quanto às potencialidades e fragilidades no processo de implementação do PEC e, a partir deles, novas estratégias poderão ser traçadas para potencializar sua utilização e para a garantia de um SUS eletrônico e de qualidade.
Conclusões
Apesar das tecnologias digitais já ser uma realidade na rotina de trabalho de várias instituições de saúde, públicas e privadas e, embora haja elevados investimentos governamentais para ampliar a implantação do PEC, de forma geral, sua implementação ainda é não adequada. O Grau de Implementação do PEC é superior para os enfermeiros quando comparados aos médicos da APS. Eles também se destacam com relação ao uso funcionalidades assistenciais para organização de atendimentos, funcionalidades gerenciais, bem como no planejamento, monitoramento e avaliação das atividades da equipe utilizando o software. Já os médicos fazem mais registros durante o próprio atendimento e, consequentemente, possuem um maior Grau de Implementação das funcionalidades assistenciais para registro desses atendimentos.
Dessa forma, o uso do PEC como potencial qualificador da gestão da informação em saúde deve ser estimulado em direção à coordenação e gestão do cuidado, de modo que profissionais utilizem das informações disponíveis no software para tomada de decisão clínica, bem como planejamento e monitoramento de suas ações, buscando sempre a saúde e bem-estar da população.