Introdução
A notificação de uma doença respiratória causada por um novo tipo de coronavírus ocorreu na China, em dezembro de 2019, repercutindo no noticiário mundial e nas redes sociais.1) Denominada COVID-19, a doença foi declarada pandêmica, em 11 de março de 2020, por sua rápida disseminação, exigindo medidas globais de enfrentamento.1
Durante o decurso da pandemia, evidências mostraram que alguns grupos populacionais apresentavam risco aumentado de desenvolverem as formas mais graves da doença, entre eles, pessoas idosas e aquelas com doenças crônicas como diabetes, hipertensão, obesidade, asma.2 Autoridades sanitárias alertaram sobre o fato de que a população idosa possuía maior risco de complicações e mortalidade associadas à COVID-19 grave.3
O cenário de incertezas que envolvia a COVID-19, tanto sobre a dinâmica da própria doença quanto sobre as medidas eficazes de combate à pandemia, somado aos óbitos crescentes e ao temor de sobrecarga nos sistemas de saúde, fizeram com que as informações fossem rapidamente disseminadas em diversas mídias, inclusive e, principalmente, nas digitais.4 As mídias sociais possibilitaram que custos fossem minimizados, facilitaram a geração e divulgação das informações e ampliaram o acesso do público em geral. Porém, proporcionaram a disseminação desenfreada de notícias, incluindo a propagação de notícias falsas, fake news.5
A superabundância de informações sobre a COVID-19 acelerou a propagação de notícias, provocando dúvidas sobre a veracidade das fontes e até mesmo sobre as medidas a serem seguidas. Nesse sentido, em meio à pandemia, surge uma epidemia de informações ou infodemia. Esta se relaciona a um grande volume de notícias sobre um tema, precisas ou não, com impactos negativos na saúde da sociedade, especialmente na saúde mental.6 A infodemia de COVID-19 vem sendo apontada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e por comunidades científicas de diversos países como um grave problema de saúde pública, fato que justifica o incentivo crescente para o desenvolvimento de estudos para sua compreensão e estratégias para a sua gestão e mitigação.7,8,9 A sobrecarga causada pelo excesso de exposição às informações pode interferir na saúde mental dos indivíduos.10 A população idosa sofreu impactos emocionais com as medidas de isolamento e distanciamento social impostas durante a pandemia de COVID-19,11 além disso, está mais suscetível aos efeitos do excesso de informações pois, muitas vezes, não consegue processá-las.12 A dificuldade de ajustar as respostas emocionais às exigências do mundo moderno resulta em sofrimento psíquico, acarretando desequilíbrio físico, psicológico, funcional, organizacional e social.13
A maneira com que o indivíduo percebe os eventos potencialmente ameaçadores que ocorrem em sua vida é determinante de como ele é afetado pelo estresse.14 Os principais fatores de estresse na população em geral, durante a pandemia, estão relacionados à duração do distanciamento social, ao medo da contaminação, ao sentimento de frustração e de aborrecimento, aos impactos socioeconômicos, ao estigma relacionado à doença e às informações inadequadas sobre a COVID-19.15,16 Nesse sentido, a maior vulnerabilidade das pessoas idosas tanto às formas graves da COVID-19 quanto ao excesso de informações sobre a doença, pode contribuir para potencializar o estresse no grupo de idosos.17
Os profissionais de saúde devem pautar o cuidado na sua expertise, nas necessidades dos usuários e nas melhores evidências disponíveis, considerando o contexto enfrentado. Assim, devem buscar compreender como e quais os motivos que movem as práticas dos indivíduos, além de divulgar informações de saúde confiáveis.18
Destarte, a pandemia de COVID-19 apresentou desafios significativos para grande parte dos idosos e afetou sua saúde de diversas formas.19 Entender como a infodemia dessa doença repercute no estresse percebido em idosos pode orientar cuidados em saúde mental e estratégias que promovam a divulgação de conteúdo inteligível e de qualidade para essa população.
O objetivo deste estudo foi analisar a relação entre a infodemia de COVID-19 e o estresse percebido em idosos que utilizam as mídias sociais.
Métodos
Seguindo a verificação Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE),20 este estudo transversal utilizou dados coletados por web-based survey, sendo parte da Fase 1 do estudo multicêntrico misto de estratégia sequencial transformativa “Infodemia de COVID-19 e suas repercussões sobre a saúde mental de idosos: estudo multicêntrico Brasil/Portugal/Espanha/Itália/Chile”.
Os dados foram coletados na cidade de Juiz de Fora, localizada na macrorregião sudeste de Minas Gerais. Ao se considerar pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, a cidade é a terceira em número, dentre aquelas com mais de 500.000 habitantes, no Brasil.21 A coleta dos dados ocorreu entre os meses de julho de 2020 e dezembro de 2020, com idosos que possuíam acesso às mídias sociais.
Foram incluídos na amostra os indivíduos com 60 anos ou mais de idade e acesso a mídias sociais e e-mail e/ou telefone. Dizer não ter habilidade para responder o questionário via mídias sociais ou pelo telefone foi considerado critério de exclusão.
A amostra foi definida como não probabilística e calculada considerando-se a população finita acima de 60 anos, utilizando-se a fórmula: Tamanho da amostra =
onde N = tamanho da população, z = nível de confiança expresso em desvio padrão (9 5%), e = Erro Amostral Tolerável expresso em proporção, e p = proporção do evento na população. Tomando por base a população estimada de idosos para o ano de 2019 no município, prevalência de 50 % de sintomas percebidos de estresse, erro amostral de 5 % e nível de confiança de 95 %, obteve-se uma amostra de 460 respondentes.
As variáveis do estudo constam no modelo teórico proposto para a investigação (fig. 1) com dois blocos hierarquizados de variáveis. Agrupadas em dois blocos, as variáveis independentes englobam as do bloco 1, relativas às características demográficas e socioeconômicas (sexo, faixa etária, situação conjugal, raça/cor, número de pessoas residentes na casa, condição da residência, localização da residência, escolaridade, utilização dos serviços de saúde, número de dependentes da renda, fonte de renda e alteração da renda com a pandemia de COVID-19) e as do bloco 2, relativas à infodemia. O segundo bloco foi subdividido conforme o tipo de mídia mais utilizada no acesso, o tempo e a frequência de exposição a cada mídia, o impacto autopercebido dessa exposição e o rastreio de sofrimento psíquico mediante a exposição a informações sobre COVID-19.
A coleta das variáveis seguiu o padrão apresentado em Kitamura e outros.22
Utilizou-se, ainda, a Escala de Estresse Percebido (EEP) que, validada para estudos no Brasil,23 é um instrumento composto por 14 questões relacionadas às experiências vivenciadas, no período passado de um mês, quanto ao fato de serem imprevisíveis, incontroláveis e em qual intensidade sobrecarregam sua vida.24 A escala do tipo Likert utiliza a frequência (nunca, quase nunca, às vezes, quase sempre, sempre) com que os sentimentos e pensamentos (sete negativos e sete positivos) foram percebidos, variando de 0 a 4 pontos. No caso dos itens positivos a pontuação é decrescente para o cômputo geral. A pontuação final varia de 0 a 56, com escores mais altos indicando maiores níveis de estresse percebido pelo indivíduo. Entende-se que a análise dos resultados deve ser feita a partir do escore médio, uma vez que agrupar escores de variáveis contínuas acaba levando à perda de sensibilidade.23,25 O percentil 90 caracteriza altos níveis de estresse.23
Os idosos foram convidados a participar da pesquisa via redes sociais e/ou e-mail e/ou telefone, utilizando-se a estratégia bola de neve virtual. Trata-se de uma técnica cada vez mais utilizada em estudos quantitativos,26 na qual cada participante da pesquisa é estimulado a repassá-la para seus conhecidos. Com a recomendação de distanciamento físico, especialmente aos idosos, ocorrida no período da pandemia,27 a abordagem aos participantes foi feita por e-mail, mídias sociais ou telefone, indicando o link do questionário. Inicialmente, encaminhou-se o link com a web-based survey, para um grupo de idosos, acompanhado previamente pelos pesquisadores, inserido em projetos de extensão. Complementarmente, para que a amostra fosse mais heterogênia, o link foi enviado às sociedades científicas de geriatria e gerontologia e associações de aposentados. Quando a abordagem ocorria por telefone, os idosos eram perguntados se faziam uso das mídias sociais e aqueles que respondessem afirmativamente poderiam escolher se responderiam o questionário por telefone ou se receberiam o link pelas mídias sociais. Acessando o link, os idosos eram inicialmente direcionados para aceitação ou não do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) digital. Caso o idoso preferisse participar da pesquisa por telefone, recebia por e-mail ou redes sociais informadas o TCLE assinado pelo pesquisador. Somente após o aceite, ocorria o acesso às questões da web-based survey. Todas as questões eram de preenchimento obrigatório para que se tivesse acesso às demais seções e finalizasse o questionário.
Os dados foram inseridos no programa IBM-SPSS Statistics Data Editor, versão 20. As variáveis categóricas estão descritas por suas frequências e porcentagens, enquanto as contínuas, pelas médias (M) e desvios padrão (DP). O padrão de normalidade foi avaliado pelo teste Kolmogorov-Smirnov (p = 0,067). A variável de desfecho foi avaliada pela Escala de Estresse Percebido (EEP). A pontuação média da EEP segundo variáveis independentes foi comparada por teste t (para dois estratos), ANOVA (para mais de dois estratos) ou correlação de Pearson (para variáveis quantitativas) em blocos hierarquizados e aquelas com p ≤ 0,10 passaram por regressão linear múltipla pelo método backward, para melhor ajuste do modelo, dentro do próprio bloco e entre os blocos, sendo mantidas no modelo final, as variáveis que apresentaram p < 0,05. A regressão linear múltipla é um modelo de análise usado para modelar a relação linear entre uma variável de desfecho contínua e múltiplas variáveis preditoras, que podem ser contínuas ou categóricas. Dessa forma, entende-se a relação entre uma variável de resultado e uma preditora controlando pelo efeito de outras variáveis preditoras. Objetivando-se levar para o modelo final variáveis importantes clinicamente, embora não tivessem alcançado p < 0,05 na análise bivariada, optou-se por passar pela regressão aquelas variáveis que atingiram p < 0,10 com a finalidade de não se fundamentar exclusivamente em valores estatísticos. Adotou-se intervalo de confiança de 95 %.
A presente pesquisa foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
Resultados
O período de coleta foi de 13 de julho de 2020 até 30 de dezembro de 2020. A amostra foi constituída por 470 idosos, sendo 67,2 % do sexo feminino, 61,3 % da faixa etária de 60 a 69 anos, 71,1 % da raça/cor branca e 56,2 % com cônjuge. A idade média dos respondentes foi 68,82 (DP = 6,970) anos. O nível superior ou maior grau de escolaridade foi encontrado em 40,6 % dos respondentes. Quanto à residência, 81,5 % disseram ser própria, 97 % localizada na área urbana e 55,5 % coabitá-la com 1 a 2 pessoas. Serviços de saúde gratuitos e pagos são utilizados por 41,3 % dos respondentes, com 81,5 % possuindo uma fonte de renda e 57,2 % tendo de 1 a 2 dependentes desta. A pandemia de COVID-19 não alterou a renda de 78,3 % dos entrevistados.
Fontes de exposição às informações sobre COVID-19
Os idosos referiram estar diariamente expostos às notícias e informações sobre COVID-19, em média, 3,72 horas pela televisão (TV), 3,08 horas pelas redes sociais e menos de 1 hora pelo rádio. No que tange à exposição pelas redes sociais, observou-se pequena variação entre homens (3 horas e 1 minuto) e mulheres (3 horas e 14 minutos). Essa exposição se deu, principalmente, pelo WhatsApp (44,04 %), Facebook (31,70 %) e sites da internet (31,70 %). Entretanto, ao se considerar a exposição durante a última semana, para todas as mídias, foi predominante a exposição pela televisão (89,4 %). Afirmaram, ainda, perceber que essas informações veiculadas na TV (51,0 %), redes sociais (41,8 %) e rádio (30,0 %) os afetavam psicologicamente e/ou fisicamente.
As respostas geradas nos idosos pelas informações divulgadas tanto nas redes sociais quanto na TV foram de “conscientização” e “segurança” quando se referiam ao número de infectados pela COVID-19. Já quando faziam referência ao número de mortos, fotos, vídeos e notícias falsas relacionadas à COVID-19 geravam respostas como “medo”, “estresse” e “ansiedade”.
Ao se avaliar o rastreio de sofrimento psíquico devido a exposição a informações sobre COVID-19, 4,50 % (M = 22,89, DP = 20,183) dos idosos apresentaram rastreio positivo, sendo que houve diferença significativa entre os sexos, feminino (3,80%, M = 24,92, DP = 20,09) e masculino (5,90 %, M = 18,74, DP = 19,86).
Estresse percebido e variáveis associadas
Quanto à classificação da EEP, seu escore médio foi 20,5 (DP = 8,764). Altos níveis de estresse foram encontrados em 9,78 % dos idosos. Houve associação do estresse com não possuir residência própria, ter mais dependentes de sua renda e não possuir fonte de renda. O estresse também esteve associado a maior exposição às notícias e informações sobre COVID-19 (quantidade de horas por dia e frequência) pelas redes sociais e pela TV, ao sentimento de que as informações veiculadas pelas redes sociais, TV e rádio os afetam e às respostas geradas no idoso quando exposto a informações sobre COVID-19 (número de infectados, mortos, medo relacionado à doença, fotos, vídeos e notícias falsas) nas mídias pesquisadas. Ainda foi encontrada associação do estresse com rastreio positivo para sofrimento psíquico mediante a exposição às informações sobre COVID-19 (tabela 1).
Variáveis | Teste utilizado | M (DP) | |
---|---|---|---|
Bloco 1 - Variável demográfica e socioeconômica | |||
Situação da residência | Teste t | 0,009 | |
Residência própria | 20,01 (8,640) | ||
Outro tipo | 22,71 (9,014) | ||
Depende da renda do idoso | ANOVA | 0,045 | |
Nenhum dependente | 18,00 (9,587) | ||
1 a 2 dependentes | 20,86 (8,833) | ||
3 ou mais dependentes | 21,01 (8,054) | ||
Fonte de renda | ANOVA | 0,051 | |
Nenhuma | 26,58 (9,199) | ||
1 fonte de renda | 20,32 (8,853) | ||
Mais de 1 fonte de renda | 20,51 (7,970) | ||
Bloco 2 - Variáveis referentes à exposição às notícias e informações sobre COVID-19 | |||
Horas/dia | Correlação de Pearson | ||
Redes Sociais | 3,08 (4,669) | 0,009 | |
Televisão | 3,72 (4,012) | 0,022 | |
Horas/dia categorizada | ANOVA | ||
0,001 | |||
Mais do que 4 horas | 22,75 (8,742) | ||
Até 4 horas | 19,71 (8,646) | ||
Frequência na última semana | |||
Teste t | < 0,001 | ||
Exposto | 21,50 (8,482) | ||
Não exposto | 18,06 (9,001) | ||
Teste t | 0,005 | ||
Exposto | 20,90 (8,669) | ||
Não exposto | 17,24 (8,968) | ||
Sente-se afetado (Redes Sociais) | Teste t | < 0,001 | |
Sim | 25,58 (8,440) | ||
Não | 18,29 (7,519) | ||
Sente-se afetado (Televisão) | Teste t | < 0,001 | |
Sim | 23,50 (8,796) | ||
Não | 17,85 (7,446) | ||
Sente-se afetado (Rádio) | Teste t | < 0,001 | |
Sim | 24,96 (7,335) | ||
Não | 19,74 (7,089) | ||
Informações divulgadas pelas redes sociais geraram: | |||
Número de infectados | Teste t | 0,029 | |
Alguma resposta | 21,95 (8,466) | ||
Nenhuma resposta | 18,40 (8,775) | ||
Medo relacionado à COVID-19 | Teste t | < 0,001 | |
Alguma resposta | 22,52 (8,384) | ||
Nenhuma resposta | 17,35 (8,628) | ||
Fotos relacionadas à pandemia | Teste t | 0,004 | |
Alguma resposta | 22,37 (8,495) | ||
Nenhuma resposta | 18,46 (8,077) | ||
Vídeos relacionados à pandemia | Teste t | 0,001 | |
Alguma resposta | 22,41 (8,467) | ||
Nenhuma resposta | 17,81 (7,827) | ||
Notícias falsas | Teste t | 0,003 | |
Alguma resposta | 22,40 (8,494) | ||
Nenhuma resposta | 18,92 (7,976) | ||
Informações divulgadas pela televisão geraram: | |||
Número de infectados | Teste t | < 0,001 | |
Alguma resposta | 21,13 (8,700) | ||
Nenhuma resposta | 13,95 (8,092) | ||
Número de Mortos | Teste t | <0,001 | |
Alguma resposta | 21,20 (8,708) | ||
Nenhuma resposta | 12,92 (7,058) | ||
Medo relacionado à COVID-19 | Teste t | < 0,001 | |
Alguma resposta | 21,54 (8,703) | ||
Nenhuma resposta | 14,40 (7,267) | ||
Fotos relacionadas à pandemia | Teste t | < 0,001 | |
Alguma resposta | 21,55 (8,761) | ||
Nenhuma resposta | 14,28 (7,362) | ||
Vídeos relacionados à pandemia | Teste t | < 0,001 | |
Alguma resposta | 21,46 (8,777) | ||
Nenhuma resposta | 14,35 (7,700) | ||
Notícias falsas | Teste t | <0,001 | |
Alguma resposta | 21,60 (8,719) | ||
Nenhuma resposta | 16,90 (9,070) | ||
Informações divulgadas pelo rádio geraram: | |||
Número de infectados | Teste t | < 0,001 | |
Alguma resposta | 21,45 (7,555) | ||
Nenhuma resposta | 14,75 (6,560) | ||
Número de Mortos | Teste t | < 0,001 | |
Alguma resposta | 24,00 (7,629) | ||
Nenhuma resposta | 19,64 (7,466) | ||
Medo relacionado à COVID-19 | Teste t | 0,004 | |
Alguma resposta | 21,65 (7,639) | ||
Nenhuma resposta | 16,85 (8,264) | ||
Rastreio para sofrimento psíquico* | Teste t | < 0,001 | |
Caso | 33,81 (5,259) | ||
Não caso | 19,89 (8,396) |
Leyenda: dp = desvio padrão; p = valor de p;*rastreio para sofrimento psíquico (sinais e sintomas físicos e/ou psíquicos) causados e/ou agravados pela exposição a informações sobre COVID-19.
Fuente: Autoria própria.
Após ajustes (por blocos e entre todos os blocos), as variáveis com p < 0,05 foram: exposição às informações pela TV; respostas geradas por informações sobre medo relacionado à COVID-19 veiculadas nas redes sociais; rastreio para sofrimento psíquico causado e/ou agravado pela exposição às informações sobre COVID-19 (tabela 2).
r2 ajustado | 0,177 | |||
---|---|---|---|---|
B | IC95 % | β | ||
Exposição às informações pela TV (não exposto) | -6,402 | -11,195 - -1,609 | 0,009 | -0,144 |
Respostas geradas por informações sobre medo veiculadas nas redes sociais (nenhuma resposta) | -4,477 | -8,117 - -0,837 | 0,016 | -0,175 |
Rastreio para sofrimento psíquico* (não caso) | -12,504 | -16,033 - -8,975 | < 0,001 | -0,380 |
Leyenda: r2 ajustado = coeficiente de determinação ajustado; B = coeficiente angular; IC95 % = intervalo de confiança de 95 %, β = coeficiente de regressão;* rastreio para sofrimento psíquico (sinais e sintomas físicos e/ou psíquicos) causados e/ou agravados pela exposição a informações sobre COVID-19.
Fuente: Autoria própria.
Discussão
Este estudo analisou a relação entre infodemia de COVID-19 e estresse percebido em idosos que utilizam as mídias sociais. As variáveis que se mantiveram associadas com o estresse percebido no modelo final, pertencem todas ao bloco de exposição às notícias e informações sobre COVID-19.
O perfil dos idosos deste estudo se assemelha ao de outras web-surveys que analisaram essa faixa etária, durante a pandemia de COVID-19.27,28,29,30 A amostra caracterizou-se pela prevalência do sexo feminino e de idosos jovens (60 a 74 anos), corroborando o observado em outros estudos.30,31,32
O acesso à Internet avançou rapidamente ao longo dos últimos anos entre a população idosa. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) coletados em 2018, a utilização da internet entre a população com 60 anos ou mais chegou a 45 %, enquanto o percentual de idosos que possuíam telefone celular atingiu 67 %.33 O smartphone é o dispositivo mais utilizado para acessar a internet (82 %), segundo essa pesquisa nacional.
Um levantamento especial realizado durante a pandemia de COVID-19 indicou que, no Brasil, 64 % dos idosos acessavam a internet e que destes, 91 % possuíam cadastro em alguma rede social e 66 % disseram ter aumentado a frequência de uso durante a pandemia.34 Se a inclusão digital das pessoas idosas tem avançado, o desafio é o aumento de sua literacia digital em saúde. É preciso desenvolver entre as pessoas idosas a capacidade de buscar, encontrar, compreender e avaliar informações de saúde advindas de fontes eletrônicas diversificadas com vistas à tomada de decisões sobre o seu processo de saúde/doença/cuidado. Sabe-se que a baixa literacia está associada ao aumento da morbidade e mortalidade nos idosos, uma vez que apresentam menor capacidade para realizar o autocuidado em saúde.35,36
A exposição às informações sobre COVID-19 veiculadas pela TV foi um preditor do estresse em idosos, neste estudo. Esse achado pode estar ligado a maior utilização dessa mídia pelos idosos que têm nos telejornais sua principal fonte de informação.37 Destaca-se a importância e responsabilização da mídia televisiva, e principalmente dos telejornais, pelo conteúdo disseminado. A TV, além de seu papel informativo, também pode se conformar como uma fonte promissora de educação em saúde para as pessoas idosas.38 Para tanto, deve se implicar na mitigação do estresse proporcionado pela divulgação de notícias, além da apresentação de conteúdos que favoreçam a promoção da saúde e a prevenção aos riscos, doenças e agravos.
Devido a informações veiculadas nas redes sociais sobre medo relacionado à COVID-19, foi gerada no idoso alguma resposta (medo, conscientização, estresse, segurança ou ansiedade), que se manteve associada a maiores níveis de estresse percebido. Pode-se explicar esse achado a partir de algum grau de limitação acerca de conhecimento, habilidade e confiança para utilizar os meios tecnológicos, o que pode levar à exacerbação do estresse nessa população.34
Sabendo-se que 38 % dos idosos acreditam que a tecnologia por vezes os confundem,39 entende-se que essa inabilidade ou limitação no uso de novas tecnologias de comunicação acaba interferindo na aquisição de conhecimentos sobre a pandemia e dificulta a orientação dos comportamentos individuais e coletivos principalmente em tempos de distanciamento social.40 Entretanto, um estudo conduzido na população idosa, encontrou que para 21,9 % a interação pelas redes sociais era um fator de enfrentamento importante.30 Desta feita, sabendo do ecossistema desinformativo característico das tecnologias da informação, em tempos de crise sanitária,6,7,8 é importante o engajamento de enfermeiros, outros profissionais de saúde, familiares e cuidadores, enquanto fontes de informações fidedignas, de suporte a saúde, de proteção à vida das pessoas idosas, bem como de combate às informações potencialmente estressoras disseminadas.18,41 O enfrentamento da infodemia deve ser compartilhado na rede de apoio aos idosos, e chama a atenção o papel desempenhado por enfermeiros no contexto pandêmico.42
Uma pesquisa norte-americana constatou que 6,6 % dos idosos achavam que as notícias sobre COVID-19 eram estressantes e que se sentiam ansiosos quando em contato com essas informações.30 Em uma sociedade altamente digital, as dimensões epidêmica e infodêmica da COVID-19 coevoluem.43 Portanto, tanto fatores relativos à doença, do ponto de vista biológico, quanto fatores referentes à infodemia podem gerar estressores desencadeadores de sinais e sintomas constituintes de sofrimento psíquico.12 Dessa forma, o sofrimento psíquico associado à exposição a informações sobre COVID-19 noticiadas na Internet mostrou-se, neste estudo, importante preditor para o desfecho estresse percebido em idosos. Tal constatação denota a necessidade de repensarmos o papel da Internet e seus potenciais impactos sobre a saúde mental da população idosa, uma vez que pode se conformar como uma fonte estressora, veículo de desinformação, negacionismos, teorias conspiratórias, e potencialmente danosas. Algo reconhecido pela OMS, mas que destaca a importância de se desenvolver estratégias protetivas e específicas para população idosa no contexto da internet e das redes sociais visando a mitigação da infodemia e seu gerenciamento.7,8
Percebe-se que a capacidade de se adaptar às circunstâncias trazidas com a atual pandemia é bastante heterogênea na população em geral. Alguns indivíduos são mais suscetíveis ao estresse do que outros. Um estudo chinês que utilizou a EEP em uma amostra comunitária, encontrou médias mais baixas de estresse percebido na população idosa quando comparadas as de adultos jovens.44 Já um estudo holandês relatou que a pandemia de COVID-19 impactou severamente o bem-estar dos idosos e apontou a necessidade de desenvolver estratégias de prevenção e intervenção para ajudá-los a lidarem com estressores.29 Alguns autores sugerem que idosos tenham mais recursos para lidar com os estressores devido a enfrentamentos anteriores, além do fato de controlarem melhor suas reações emocionais frente aos estressores.45 Com os resultados verificados no presente estudo, pode-se afirmar que na amostra estudada há um percentual significativo de pessoas idosas com sintomatologia para estresse percebido, principalmente nos idosos mais jovens. De fato, é uma constatação que reforça a necessidade de ampliação do cuidado para esta parcela da população, principalmente no que concerne à sua saúde mental e na abordagem de exposição às informações disseminadas para este público a partir das várias possibilidades de mídias (internet, redes sociais, TV e rádio).
O estudo apresenta como limitação a utilização de uma amostra não aleatória, além da natureza transversal dos dados. Logo, se faz necessária cautela na interpretação de relações causais entre as variáveis e generalização dos achados deste estudo para a população idosa em geral. A avaliação do estresse percebido isoladamente pode não ter a sensibilidade necessária para detectar se os níveis de estresse já estavam presentes previamente à pandemia, se foram agravados ou se surgiram por consequência.
Entretanto, este estudo pode contribuir auxiliando na compreensão dos fatores pelos quais a infodemia de COVID-19 pode gerar o estresse especificamente em pessoas idosas. Algo inovador em pesquisas sobre infodemia que ainda estão focadas em suas repercussões para o público geral. Os resultados podem subsidiar a formulação de estratégias de enfrentamento da infodemia nessa população e de novas pesquisas que abordem este fenômeno.
Enfatiza-se também contribuições para o direcionamento de políticas e legislações que normatizem a atuação das mídias (TV, redes sociais, internet e rádio) na disseminação de informações de saúde para a população idosa.
Ressalta-se o papel da rede de apoio a pessoa idosa, com destaque para a enfermagem, no combate e mitigação da infodemia por meio do aumento da literacia e por intervenções voltadas para a educação em saúde desta população considerando suas peculiaridades.
Conclusões
Foi constatada no estudo a relação entre infodemia de COVID-19 e estresse percebido em idosos usuários de mídias sociais A exposição às informações sobre COVID-19 veiculadas principalmente pela televisão e pelas redes sociais, provocaram ou exacerbaram os sinais e sintomas de sofrimento psíquico nos idosos.
Dessa forma, políticas públicas específicas e estratégias protetivas, devem direcionar as linhas de ação para o cuidado a esta parcela da população. Ações como alfabetização digital, podem auxiliar na seleção de fontes confiáveis de notícias, na checagem informacional e no compartilhamento de informações verificadas.
Sugerem-se novos estudos que investiguem os fatores de risco e de proteção da infodemia nas pessoas idosas.