Introdução
A cobertura da mídia é um instrumento transformador da sociedade,1 pois garante à população o acesso a notícias e informações. É fato que a visibilidade midiática atua como dispositivo de legitimação de prioridades e contextualização das diversas realidades.2
A palavra mídia, de origem latina, representa o plural de medium (meio), sendo utilizada no sentido de conjunto de meios de comunicação.3 As mídias podem ser classificadas em dois tipos. A comunicação realizada por jornal, rádio e televisão (TV) são exemplos de mídias tradicionais, já a efetivada pela internet é classificada como digital.4 Com o advento das mídias digitais, redes sociais, como WhatsApp e Facebook, ganharam visibilidade, pois, por meio delas, as informações podem ser obtidas em tempo real e com rapidez.5
A Constituição Brasileira6 tratou do acesso à informação pública nos Artigos 5°, 37° e 216°. Todavia, a Lei nº 12.527/11,7 conhecida como Lei de Acesso à Informação, é que efetivamente concretiza a garantia constitucional do acesso à informação no país. Nesse sentido, a cobertura da mídia deve promover o debate público sobre temas de interesse nacional e mundial.
Um dos assuntos mais importantes atualmente é a pandemia de COVID-19, que em poucos meses se tornou um marco histórico. Nesse momento de alarde, a mídia adquire o seu nível mais alto de poder e relevância, uma vez que os cidadãos necessitam de informações.8.
Durante a pandemia, a veiculação de informações atualizadas, imediatas e precisas é fundamental, a fim de que emoções negativas, como medo e ansiedade não sejam intensificadas.9 Entretanto, ao mesmo tempo em que um volume expressivo de informação é relevante, ele pode ter efeitos disfuncionais, ou seja, a maior exposição às notícias, por vezes conflitantes, sobre a COVID-19 pode gerar mais angústia, reforçando, assim, sentimentos negativos, como os mencionados,10 além de insegurança e dúvida sobre a veracidade das informações adquiridas.11
Nesse contexto, a Organização Mundial de Saúde alertou, em fevereiro de 2020, que a pandemia de COVID-19 está acompanhada de uma “infodemia”, ou seja, uma superabundância de informações, verdadeiras e falsas, sobre o assunto, dificultando a obtenção de fonte confiável.12 Se a superexposição à cobertura midiática sobre a pandemia pode ter consequências negativas, quando ela envolve notícias não confiáveis, os efeitos tendem a ser ainda mais danosos.13 Essa afirmação se torna especialmente significativa para a população idosa, grupo de risco para a COVID-19.12
Os idosos constituem uma parcela vulnerável da sociedade que tem tentado se adaptar às constantes evoluções digitais.14) Ademais, é especialmente preocupante a suscetibilidade desse grupo diante das fake news, uma vez que não são efetivamente orientados a verificarem as fontes das informações recebidas.14) Para o desenvolvimento da competência informacional dos idosos é importante promover sua inclusão social e digital, pois assim eles terão melhores condições de estabelecer novas relações sociais, aumentar a qualidade de vida e ter uma participação mais ativa e democrática.15 Nesse sentido, o Estatuto do Idoso16 garante o exercício da cidadania às pessoas com mais de 60 anos e o Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/14,17 estabelece no Artigo 7º que “o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania”.
Em tempos de pandemia e infodemia é fundamental conhecer as características de idosos que consomem informações sobre a COVID-19, a forma como se expõem a essas notícias e as consequências advindas desse comportamento. Assim o objetivo geral deste estudo foi analisar o consumo de notícias e informações sobre a COVID-19 em mídias tradicionais e digitais por idosos do Distrito Federal (DF), bem como associá-lo com sintomas depressivos e de ansiedade. Especificamente buscou-se: analisar o perfil sociodemográfico dos participantes; descrever a frequência e o tempo de exposição às informações sobre a COVID-19 em diferentes meios de comunicação; e verificar as relações existentes entre horas e frequência de exposição a esses meios com variáveis demográficas e sintomas de ansiedade e depressão. Cumpre ressaltar que esse é um dos primeiros estudos nacionais a analisar a relação entre exposição a notícias sobre a pandemia e a saúde mental de idosos.
Método
Amostra
Trata-se de uma amostra obtida por conveniência, composta por pessoas com 60 anos ou mais, residentes no DF, que tinham acesso à internet ou às redes sociais. Assim, este estudo compreendeu a participação de 154 idosos, cognitivamente saudáveis (sem queixas subjetivas de memória), que concordaram em preencher os instrumentos. Foram excluídos aqueles que residiam em instituição de longa permanência para idosos (ILPI) ou preencheram de forma incompleta o formulário.
Instrumentos
Os idosos responderam a um formulário eletrônico disponível na plataforma Google Forms, estruturado em três seções, sendo que as duas primeiras foram desenvolvidas pelos pesquisadores. A primeira foi dedicada às questões sociodemográficas que investigaram: idade, sexo (feminino, masculino ou não declarado), estado civil [com ou sem companheiro (a)], raça/cor (amarela, branca, indígena, parda ou preta), moradia (própria ou outra condição), área em que reside (urbana ou rural), escolaridade (até o Ensino Básico, Ensino Fundamental ou Médio ou Ensino Superior) e fonte de renda (aposentadoria e/ou pensão, aposentadoria e/ou pensão e outros proventos, salário/ aluguel/ outros trabalhos ou benefícios/ auxílio do governo).
A segunda seção do questionário contemplou itens referentes ao consumo de notícias e informações sobre a COVID-19, isto é, questionou-se os meios de comunicação utilizados pelos idosos (rádio, TV ou redes sociais) e o tempo (em horas) e a frequência (“nenhuma”, “poucas vezes”, “algumas vezes” ou “frequentemente”) de exposição a eles.
A terceira seção contemplou variáveis sobre saúde mental, sendo composta por dois instrumentos padronizados e com evidências de validade para a população idosa brasileira. O primeiro foi o Geriatric Anxiety Inventory (GAI), utilizado para rastrear a presença de sintomas de ansiedade em idosos. Ele foi desenvolvido por Pachana eu outros18) e traduzido e adaptado para o contexto brasileiro (GAI-BR) por Martiny eu outros.19 É composto por 20 afirmações respondidas de forma dicotômica (“concordo” ou “discordo”) que pode ser auto aplicado ou respondido por meio de aplicação individual.19 A pontuação varia entre zero e 20, sendo o escore igual ou superior a 13 pontos sugestivo de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG).20 O GAI-BR apresenta alta consistência interna (α de Cronbach = 0,91) e forte confiabilidade teste-reteste (p = 0,85, p ≤ 0,001).20
O outro instrumento utilizado foi a Geriatric Depression Scale, versão com 15 itens (GDS-15). Ela foi proposta por Yesavage eu outros21) e traduzida e validada para a população brasileira por Almeida e Almeida.22,23 A pontuação de cada item varia entre zero e um, sendo que participantes que obtiverem mais de cinco pontos têm rastreio para depressão. Almeida e Almeida22,23 e Paradela eu outros24) examinaram as propriedades psicométricas da escala, especificamente validade concorrente, sensibilidade e especificidade,24 recomendando seu uso para rastreamento de sintomas depressivos em idosos. Também são apresentadas estimativas de confiabilidade teste-reteste (rho = 0,86)22) e consistência interna (α = 0,81)23) satisfatórias para a medida.
Procedimento
Após aprovação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) (CAAE: XXX), deu-se início à divulgação do estudo. Inicialmente, ela ocorreu a partir das redes sociais dos pesquisadores, onde era disponibilizado o endereço eletrônico do questionário. A fim de ampliar e diversificar a amostra, outras estratégias também foram adotadas, como o envio da pesquisa para idosos 60+, instituições de assistência a idosos, associações de aposentados do DF e afins. Foi, ainda, adotado como estratégia de recrutamento de participantes o método de “bola de neve”, técnica de amostragem não probabilística em que os respondentes indicam novos participantes da sua rede de amigos e conhecidos para participarem.
No período de divulgação e também no início do questionário, os idosos foram informados dos objetivos da pesquisa e da garantia de confidencialidade de suas respostas. Ademais, alertou-se que, em caso de dificuldade no preenchimento (p. ex., acesso ao formulário) alguém de confiança do idoso poderia auxiliá-lo ou ele poderia contatar um dos pesquisadores e solicitar apoio. Para tanto, foram divulgados e-mails e telefones da equipe de pesquisa.
A coleta de dados ocorreu durante os meses de julho de 2020 a janeiro de 2021. A escolha pela coleta de forma online foi adotada para garantir a segurança dos idosos, que poderiam participar de suas casas.
Análise de dados
Os dados foram analisados por meio do software SPSS versão 21.0. Foi realizada uma análise exploratória com a obtenção de estatísticas descritivas dos indicadores do perfil sociodemográfico da amostra, das variáveis relacionadas à exposição a notícias sobre a COVID-19 e de sintomatologia de ansiedade e depressão. As variáveis categóricas foram apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas, e as contínuas, por médias e desvio padrão. Para as variáveis categóricas, realizou-se o Teste Qui-quadrado, com correção pelo Teste Exato de Fisher. Para as variáveis contínuas, foram aplicadas a Análise da Variância, ou análises não paramétricas segundo o padrão de distribuição. Os pressupostos de normalidade dos dados foram avaliados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Foi utilizado o nível de significância padrão 5 % e intervalo de confiança de 95 %.
Resultados
Após exclusão de um participante que relatou residir em ILPI, a amostra deste estudo foi composta por 154 idosos (tabela 1). A média de idade dos idosos foi de 69,06 anos (DP = 6,91), sendo que 77,9 % (n = 120) têm entre 60 e 74 anos e 22,1 % (n = 34), 75 anos ou mais. Grande parte da amostra é do sexo feminino (66,2 %), branca (55,2 %) e tem ensino superior completo (49,4 %). A maior parte dos idosos também afirmou residir em moradia própria (83,8 %), em área urbana (93,5 %) e ter como fonte de renda a aposentadoria e/ou pensão (68,2 %). Com relação ao estado civil 51,9 % relataram não possuir parceiros.
Sexo | Feminino | 102 (66,2) |
Masculino | 48 (31,2) | |
Não declarado | 4 (2,6) | |
Estado Civil | Com companheiro (a) | 74 (48,1) |
Sem companheiro (a) | 80 (51,9) | |
Raça/cor | Amarela | 2 (1,3) |
Branca | 85 (55,2) | |
Indígena | 3 (1,9) | |
Parda | 48 (31,2) | |
Preta | 16 (10,4) | |
Moradia | Outro | 25 (16,2) |
Residência própria | 129 (83,8) | |
Zona | Zona rural | 10 (6,5) |
Zona urbana | 144 (93,5) | |
Escolaridade | Sem Escolaridade ao Ensino Básico | 26 (16,9) |
Ensino Fundamental e Ensino Médio | 52 (33,8) | |
Ensino Superior | 76 (49,4) | |
Fonte de renda | Aposentadoria e/ou pensão | 105 (68,2) |
Aposentadoria e/ou pensão + outros proventos | 21 (13,6) | |
Salário/Aluguel/Outros trabalhos | 23 (14,9) | |
Benefícios/ Auxílio do governo | 5 (3,2) |
Fonte: Elaborada pelos autores.
No que se refere a horas diárias de exposição a notícias e informações sobre a COVID-19 em diferentes meios de comunicação, constatou-se que a amostra se expôs, em média, 4,45 horas (DP = 5,75) pela TV, 3,88 horas (DP = 5,54) pelas redes sociais e 1,22 horas (DP = 4,15) pelo rádio. Não houve diferença entre os sexos quanto ao tempo de exposição nessas mídias. Contudo, quanto à faixa etária, constatou-se que idosos jovens (60 a 74 anos) se expuseram mais horas pelas redes sociais que idosos 75+ (p = 0,002) (tabela 2). No que se refere à TV e ao rádio não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos etários.
M (DP) | M (DP) | M (DP) | |||||
Sexo | Feminino | 4,35 (5,11) | 0,427 | 3,92 (5,27) | 0,591 | 1,24 (4,41) | 0,262 |
Masculino | 4,46 (6,54) | 3,54 (5,56) | 1,21 (3,74) | ||||
Não declarado | 7 (11,37) | 6,75 (11,53) | 1 (1,41) | ||||
Idade | 60-74 | 4,23 (5,55) | 0,287 | 4,15 (5,37) | 0,002 | 1,26 (4,16) | 0,354 |
75 + | 5,24 (6,45) | 2,91 (6,08) | 1,09 (4,16) |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Quando analisada a frequência da exposição às notícias e informações sobre a pandemia (tabela 3), observou-se que grande parte (46,8 %; n = 72) do total dos participantes declarou estar frequentemente exposta por meio da TV. Em contraposição, 67,5 % (n = 104) da amostra referiu não se expor pelo rádio.
Com relação à idade, o grupo etário de 60 a 74 anos é o que mais frequentemente é exposto ao conteúdo da COVID-19 pelas redes sociais (44,2 %; n = 53), quando comparado ao de pessoas 75+ (17,6 %; n = 6) (p = 0,000). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos no que se refere a frequência de exposição às mídias tradicionais (tabela 3).
Ao analisar a relação entre frequência de exposição e escolaridade (tabela 3), evidenciou-se que somente pelas redes sociais há diferença estatisticamente significativa (p = 0,003). Mais idosos com ensino superior completo (47,4 %; n = 36) relataram ser frequentemente expostos a notícias sobre COVID-19 pelas redes sociais do que aqueles com ensino fundamental ou médio (34,6 %; n = 18) ou com até o ensino básico (19,20 %; n = 5). Ademais, 46,2 % (n = 12) dos participantes que cursaram até o ensino básico relataram não se expor a notícias e informações sobre a pandemia pelas redes sociais, em contraposição a 9,2 % (n = 7) de idosos com ensino superior. A frequência de exposição por mídias tradicionais não apresentou diferença estatística significativa com relação à escolaridade.
60-74 | 75+ | SE ao EB | EF e EM | ES | p | ||||
N (%) | N (%) | N (%) | N (%) | N (%) | N (%) | ||||
Televisão | Frequentemente | 72(46,8) | 53 (44,2) | 19 (55,9) | 0,691 | 14 (53,8) | 28 (53,8) | 30 (39,5) | 0,162 |
Algumas vezes | 35(22,7) | 29 (24,2) | 6 (17,6) | 7 (26,9) | 10 (19,2) | 18 (23,7) | |||
Poucas vezes | 23(14,9) | 18 (15,0) | 5 (14,7) | 4 (15,4) | 9 (17,3) | 10 (13,2) | |||
Nenhuma | 24(15,6) | 20 (16,7) | 4 (11,8) | 1 (3,8) | 5 (9,6) | 18 (23,7) | |||
Redes sociais | Frequentemente | 59(38,3) | 53 (44,2) | 6 (17,6) | 0,000 | 5 (19,2) | 18 (34,6) | 36 (47,4) | 0,003 |
Algumas vezes | 38(24,7) | 31 (25,8) | 7 (20,6) | 4 (15,4) | 17 (32,7) | 17 (22,4) | |||
Poucas vezes | 30(19,5) | 23 (19,2) | 7 (20,6) | 5(19,2) | 9 (17,3) | 16 (21,1) | |||
Nenhuma | 27(17,5) | 13 (10,8) | 14 (41,2) | 12(46,2) | 8 (15,4) | 7 (9,2) | |||
Rádio | Frequentemente | 16(10,4) | 13 (10,8) | 3 (8,8) | 0,894 | 3(11,5) | 6 (11,5) | 7 (9,2) | 0,795 |
Algumas vezes | 13(8,4) | 10 (8,3) | 3 (8,8) | 3(11,5) | 6 (11,5) | 4 (5,3) | |||
Poucas vezes | 21(13,6) | 15 (12,5) | 6 (17,6) | 3(11,5) | 8 (15,4) | 10 (13,2) | |||
Nenhuma | 104(67,5) | 82 (68,3) | 22 (64,7) | 17(65,4) | 32 (61,5) | 55 (72,4) |
Leyenda: EB = Ensino básico; EF = Ensino Fundamental; EM = Ensino Médio; ES = Ensino Superior; SE = Sem Escolaridade.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Com relação às variáveis de saúde mental, constatou-se que 44,8 % (n = 69) da amostra foi rastreada para depressão, enquanto 55,2 % (n = 85) não. Quanto à sintomatologia ansiosa, 18,2 % (n = 28) dos idosos rastrearam para TAG e, evidentemente, 81,8 % (n = 126) não.
No que se refere às associações entre rastreio para depressão e TAG com o tempo diário de exposição a notícias e informações sobre a COVID-19 (tabela 4), observou-se que idosos rastreados para depressão (p = 0,050) e TAG (p = 0,033) estiveram expostos por mais horas a esse conteúdo pela TV. O tempo de exposição pelas redes sociais e pelo rádio não apresentou diferença estatística significativa com relação aos transtornos descritos.
Sem rastreio M (DP) | Com rastreio M (DP) | Sem rastreio M (DP) | Com rastreio M (DP) | |||
Televisão | 4,13 (6,12) | 4,86 (5,28) | 0,050 | 4,21 (5,73) | 5,57 (5,81) | 0,033 |
Redes Sociais | 3,74 (5,70) | 4,04 (5,38) | 0,210 | 3,74 (5,41) | 4,50 (6,17) | 0,260 |
Rádio | 1,33 (4,32) | 1,09 (3,95) | 0,151 | 0,97(3,60) | 2,36 (5,98) | 0,213 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Idosos rastreados para depressão relataram maior frequência de exposição a notícias sobre a pandemia pela televisão (p = 0,003) e pelas redes sociais (p = 0,022), em comparação ao grupo sem rastreio para a doença (tabela 5). A exposição pelo rádio não obteve diferença significativa estatisticamente. Com relação ao TAG, a frequência de exposição a notícias e informações sobre a COVID-19 por meio das mídias digitais e tradicionais avaliadas não apresentou diferença estatística significativa (tabela 5).
N (%) | N (%) | N (%) | N (%) | ||||
Televisão | Frequentemente | 32 (37,6) | 40 (58,0) | 0,003 | 56 (44,4) | 16 (57,1) | 0,228 |
Algumas vezes | 17 (20,0) | 18 (26,1) | 28 (22,2) | 7 (25,0) | |||
Poucas vezes | 16 (18,8) | 7 (10,1) | 19 (15,1) | 4 (14,3) | |||
Nenhuma | 20 (23,5) | 4 (5,8) | 23 (18,3) | 1 (3,6) | |||
Redes sociais | Frequentemente | 24 (28,2) | 35 (50,7) | 0,022 | 45 (35,7) | 14 (50,0) | 0,460 |
Algumas vezes | 23 (27,1) | 15 (21,7) | 31 (24,6) | 7 (25,0) | |||
Poucas vezes | 22 (25,9) | 8 (11,6) | 27 (21,4) | 3 (10,7) | |||
Nenhuma | 16 (18,8) | 11 (15,9) | 23 (18,3) | 4 (14,3) | |||
Rádio | Frequentemente | 10 (11,8) | 6 (8,7) | 0,522 | 13 (10,3) | 3 (10,7) | 0,455 |
Algumas vezes | 6 (7,1) | 7 (10,1) | 10 (7,9) | 3 (10,7) | |||
Poucas vezes | 9 (10,6) | 12 (17,4) | 15 (11,9) | 6 (21,4) | |||
Nenhuma | 60 (70,6) | 44 (63,8) | 88 (69,8) | 16 (57,1) |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Discussão
A amostra compreendeu, em geral, idosos jovens, do sexo feminino, brancos, com escolaridade elevada e renda advinda de aposentadoria e/ou pensão. Já era esperada, inicialmente, uma maioria do sexo feminino e autodeclarados brancos, já que esse grupo apresenta maior expectativa de vida.25 Essa realidade pode ser parcialmente explicada pela transição demográfica brasileira iniciada há décadas, que sofre influência de desigualdades sociais, principalmente em relação à educação e renda, que, por sua vez, repercutem no acesso à informação e serviços.26 Ademais, pessoas pretas ou pardas continuam em desvantagem no que se refere ao acesso à internet.27
Quanto ao nível de escolaridade, sabe-se que, em âmbito nacional, a taxa de idosos pouco escolarizados costuma ser alta,25 entretanto, o que se observou na amostra investigada foi um elevado nível de escolaridade. O DF possui o maior percentual de pessoas que concluíram o nível superior no país e, ao contrário do restante do Brasil, entre os idosos houve uma queda de dois pontos percentuais na taxa de analfabetismo entre os anos de 2018 e 2019.28,29
Com relação à renda, quase 70 % dos participantes relataram receber aposentadoria e/ou pensão e apenas cerca de três por cento declararam receber benefícios e/ou auxílio do governo. Esse resultado também pode ser parcialmente explicado por características regionais. O DF teve o maior rendimento nominal mensal domiciliar per capita do Brasil em 2020.30
Reitera-se que a coleta de dados ocorreu de forma online, contribuindo com o viés de cor/raça, escolaridade e renda observado, o que, de antemão, já se identifica como uma limitação deste estudo. A investigação em ambiente virtual dificulta o acesso geral ao público, já que a presença de infraestruturas de alta capacidade para acesso à internet concentra-se em domicílios com maior renda.31 Em 2018, por exemplo, 52 % dos domicílios brasileiros com até dois salários-mínimos possuíam acesso à internet, em contraposição a 94 % dos domicílios com renda acima de dez salários-mínimos.31
Além do aspecto econômico, pesquisas realizadas pela internet com idosos são ainda mais desafiadoras. Idosos vêm conquistando a era digital, entretanto isso não era muito presente na década passada.32) Assim as pesquisas tendem a alcançar idosos mais jovens, que fazem maior uso da internet; o que ficou evidente nesta pesquisa, cuja média de idade aproximada foi de 69 anos.
As informações e notícias sobre a pandemia de COVID-19 estão sendo divulgadas por diversas mídias. Como os idosos constituem grupo de risco para a doença, a temática tem despertado seu interesse na busca por informações, principalmente no que se refere ao avanço da pandemia e formas de prevenção da COVID-19.33
Os participantes deste estudo permaneceram, em média, 4,45 horas por dia expostos a notícias sobre a pandemia por meio da TV, sendo que a maioria referiu se expor frequentemente a esse meio de comunicação. A TV foi o veículo em que os idosos estiveram mais expostos à temática da COVID-19. Esse resultado vai ao encontro de outros estudos que evidenciaram que a TV é o principal meio de comunicação para idosos, sendo que essa preferência ocorre devido à maior facilidade e rapidez de acesso se comparado a outros meios.34,35 A facilidade de acesso é um aspecto importante na escolha entre os meios de comunicação, uma vez que idosos preferem usar aparelhos que estão imediatamente disponíveis no lar, como a TV.36
A pesquisa de Tavares eu outros37 com idosos que moram sozinhos na macrorregião de saúde do Triângulo Sul de Minas Gerais, também constatou que a maioria deles obtém conhecimento sobre a COVID-19 por meio da TV. Se as informações são divulgadas objetiva e fidedignamente, elas são capazes de melhorar a percepção de eficácia dos comportamentos preventivos para a doença.38
Além da TV, os idosos utilizaram a internet para obter informações sobre a pandemia. Em média eles permaneceram 3,88 horas por dia expostos a notícias e informações por esse meio. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde,38 a busca por atualizações sobre a COVID-19 pela internet cresceu de 50 a 70 % em todas as gerações. Deve-se atentar, contudo, para a capacidade de as redes sociais amplificarem a desinformação, afetando especialmente a saúde mental das pessoas.38
Com relação ao rádio, constatou-se que a maioria dos participantes não se expõe a notícias e informações sobre a pandemia por esse meio. Entre aqueles que o fazem, a média diária de exposição foi de 1,22 horas. Esse resultado está em concordância com o obtido na Pesquisa Brasileira de Mídia,39 que analisou hábitos de consumo de meios de comunicação pela população. O rádio tradicional tem perdido ouvintes para outras modalidades de transmissão radiofônicas. Conforme afirma Nogueira eu outros,40 as emissoras de serviços de rádio social, como Spotify ou Deezer, estão se tornando mais populares e seus serviços necessitam de internet, evidenciando o processo de convergência midiática promovida pelas novas tecnologias.
Com relação à exposição entre os grupos etários, observou-se que idosos de 60 a 74 anos permaneceram mais horas expostos pelas redes sociais do que aqueles com 75 anos ou mais. Evidencia-se, pois, a heterogeneidade da velhice no que se refere à inclusão digital, uma vez que participantes mais jovens relataram estar “frequentemente” expostos ao conteúdo da COVID-19 pelas redes sociais e a maioria dos idosos 75+ possui pouca ou nenhuma exposição por esse meio. Essa realidade, já discutida anteriormente, pode ser explicada pela atual inserção do idoso na era digital, ou seja, observa-se uma tentativa de acompanhar o progresso, por meio do acesso às novas mídias e com a utilização de aparelhos eletrônicos, como celulares.32 Não obstante, com o avançar da idade aumentam-se as dificuldades de manuseio e utilização das novas tecnologias; pessoas mais velhas encontram dificuldade em compreender a linguagem gerada pelas inovações tecnológicas, ocasionando aumento no número de idosos iletrados em informática ou analfabetos digitais.41
Destaca-se, ainda, que 47,4 % dos idosos frequentemente expostos a informações sobre a COVID-19 pelas redes sociais cursaram o ensino superior. Em contraponto, um percentual similar de idosos (46,2 %) que estudaram até o ensino básico relataram não se expor a esse conteúdo pelas redes sociais. Esses dados evidenciam que, para além das dificuldades psicobiológicas relacionadas ao envelhecimento, o aspecto socioeconômico e educacional interfere na inclusão digital.41 Um estudo qualitativo realizado com pessoas entre 60 e 87 anos de um município do Rio Grande do Sul concluiu que o nível de escolaridade é um fator relevante para o acesso à internet.42
No processo de educação em saúde, uma das formas de socializar informações, por exemplo, sobre a COVID-19, é por intermédio da mídia, tradicional e inovadora.43 Não obstante, o excesso de informações dificulta o discernimento da população de fontes e orientações confiáveis sobre determinado assunto, fenômeno chamado de infodemia.38
A infodemia e a proliferação de notícias inverídicas, distorcidas e/ou falsas sobre a COVID-19 tem elevado o nível de desinformação, prejudicando a saúde humana e, mais ainda, da população idosa, pois podem incentivar o abandono de tratamentos, promover interações medicamentosas indevidas, estimular comportamentos que agravam o estado de saúde, conduzindo, até, ao óbito.44 Essas circunstâncias são mais alarmantes durante uma pandemia, pois podem afetar um grande número de pessoas e atrapalhar o alcance e a eficácia do sistema global de saúde.38A infodemia pode favorecer, ainda, as pessoas a se sentirem ansiosas, deprimidas e sobrecarregadas emocionalmente.38
Considerando que transtornos depressivos e ansiosos são as desordens psiquiátricas mais comuns entre idosos,45 sendo, inclusive, considerados problemas de saúde pública,46) esta pesquisa analisou a relação entre exposição a notícias e informações sobre a COVID-19 e TAG e depressão. Entre os transtornos de ansiedade, o TAG é o mais comum em idosos,47 sendo caracterizado por insônia, tensão muscular, irritabilidade, dificuldade de concentração, e sintomas físicos, como taquicardia e cefaleia.48
Neste estudo, constatou-se que cerca de 18 % dos idosos rastrearam para TAG. Apesar de o percentual ser inferior ao obtido por Machado eu outros49 (22 % de TAG em idosos entre 60 e 79 anos, residentes em Santa Catarina), é bastante expressivo, sobretudo ao se considerar os prejuízos associados ao transtorno.
No que se refere à depressão, de acordo com o Manual de Diagnóstico Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5),50 ela é uma psicopatologia em que o paciente apresenta, dentre outros aspectos, humor deprimido na maior parte do dia, sentimento de culpa e inutilidade e redução das atividades de seu interesse. As manifestações sintomáticas nos idosos não preenchem necessariamente a esses critérios do DSM-5, visto que eles não relatam com frequência sentimento de culpa e tristeza profunda, mas sim desesperança, desamparo e sintomas somáticos (p. ex., perda de peso/apetite e alterações no sono).51 Isso reforça a importância da utilização de instrumentos de avaliação desenvolvidos especificamente para idosos, como é o caso da GDS-15.
O percentual de idosos rastreados para depressão na amostra investigada (45 %) foi alarmante e chama a atenção da sociedade e do poder público para a assistência à saúde mental dessa população. Isso se torna especialmente importante se considerado os resultados do estudo de Fujita eu outros52 Segundo os autores, idosos japoneses investigados entre dezembro de 2019 e julho de 2020 apresentaram um aumento significativo nos escores da GDS-15, tanto aqueles com menos de 75 anos, quanto aqueles 75+.52 Diante disso, torna-se fundamental a realização de estudos de seguimento para a análise do humor depressivo e ansiedade patológica em idosos do DF e do Brasil, em geral.
Ao analisar a relação entre exposição às notícias e informações sobre a COVID-19 e rastreiro para depressão ou TAG, constatou-se que os participantes com rastreio para qualquer um desses transtornos permaneceram mais horas por dia expostos pela TV que aqueles não rastreados. Ademais, idosos que rastrearam para depressão estiveram mais frequentemente expostos a conteúdos sobre COVID-19 pela TV e pelas redes sociais. Em geral, esses resultados estão em consonância com o de outros estudos realizados em momentos anteriores de emergência sanitária, como durante a gripe aviária, quando identificaram que uma maior exposição à TV esteve relacionada à maior medo da doença durante a cobertura midiática.53
Os idosos são um dos grupos mais vulneráveis em caso de infecção pela COVID-19 e já estão expostos a diversos outros fatores estressantes na pandemia, como o isolamento social estrito, a estigmatização da velhice e o etarismo. Torna-se, pois, preocupante a relação existente entre o rastreio de um transtorno psiquiátrico em pessoas na velhice e o tempo e a frequência de exposição a informações sobre a pandemia. Nesse sentido, a “dosagem” da quantidade e qualidade da informação acessada pela TV e pelas redes sociais parece ser fundamental na prevenção de desordens psicológicas nos idosos em momentos de crise. Em vista disso, pode-se buscar diminuir o contato com alta densidade de informações sobre a COVID-19, utilizar o tempo com atividades reforçadoras positivas (uso das mídias para lazer, como ouvir músicas e assistir filmes), aprender a selecionar e priorizar notícias com evidência científica e a reconhecer fake news.54.
Este é um dos primeiros estudos que investigou a relação entre exposição a notícias e informações sobre a pandemia e a saúde mental de idosos. Espera-se que estimule o desenvolvimento de outros direcionados à saúde dessa população, principalmente considerando sua relação com a infodemia. Almeja-se, também, que seus resultados auxiliem no planejamento de ações sociais e de saúde direcionadas à população idosa no enfrentamento das consequências psicossociais advindas com a pandemia e infodemia de COVID-19.
Como o uso das redes sociais tem sido cada vez maior, inclusive na faixa etária investigada, sugere-se, a partir dos resultados obtidos nesta investigação, que pesquisas futuras discriminem as diferentes redes sociais (p. ex., WhatsApp, YouTube, Instagram e Facebook) em suas investigações de modo que se possa analisar se há diferença entre elas ou não na relação com a saúde mental na velhice. Esta é, pois, uma limitação deste estudo, já que considerou somente o grupo “redes sociais”, sem discriminá-las. Outra limitação importante está relacionada com a amostra. Reitera-se que ela foi composta por uma maioria branca, escolarizada e com renda fixa advinda de aposentadoria e/ou pensão. Por não representar a população idosa do DF e, especialmente, brasileira, restringe-se a generalização dos resultados.