No mito de Édipo, a modernidade identifica dois temas centrais: o do parricídio e o do incesto. Ambos os temas -presentes no Rei Édipo de Sófocles (que é a versão que definirá toda a recepção posterior do mito)- foram tomados da tradição mítica pelo dramaturgo. Na Odisseia já se mencionavam as desventuras de Édipo -e ali já se fazia referência ao incesto e ao parricídio. No canto XI, ao descrever o que vira no Hades, Odisseu diz: «vi a mãe de Édipo, a bela Epicasta, que perpetrou um feito enorme sem sabê-lo, desposando o próprio filho (gemaméne hôi huîi); e ele, depois de matar o próprio pai, a desposou (hòn patér’ exenaríxas gêmen)» (Odisseia, XI, 271-274. Tradução minha). Contudo, aqui a mãe de Édipo é chamada de Epicasta. Os trágicos a chamavam de Jocasta. Jan Bremmer explica essa variação onomástica pelo pouco interesse que havia na figura da mãe de Édipo (Bremmer, 1994, p. 51).1 Para Bremmer, na estrutura do mito o incesto é apenas um comentário moral sobre o parricídio. Esse mito -cuja função primordial é condenar o parricídio- nos mostra que o homem que comete parricídio é tão abjeto que é capaz de cometer também monstruosidades adicionais (como o incesto).
Eu não chegaria a afirmar, com Bremmer, que o tema do incesto não tem nenhum interesse profundo na estrutura do mito -mas concordo que é secundário: o tema central é, aqui, o parricídio (Jebb, 1883, p. xiii).2Sófocles, portanto, quando compunha o Rei Édipo, tinha à sua disposição um material tradicional cujo núcleo era uma condenação do parricídio -isso é indiscutível: não há versões do mito de Édipo em que ele não mata seu pai‒. Levando em conta a importância do tema do parricídio na estrutura do mito, investigarei o tratamento que poeta deu a esse material. A investigação que proponho é epistemológica: pretendo examinar, na estrutura da peça, quais são os fundamentos sobre os quais está assentada a convicção de que Édipo assassinou Laio.
Os oráculos de Apolo têm um papel central na articulação da ação dramática da peça de Sófocles e na elucidação das questões do parricídio e do incesto -e lembremo-nos de que são dois os oráculos e que eles têm estruturas diferentes: o oráculo proferido a Laio, que afirmava que ele seria morto pelo filho (versos 711-714),3 é simples (diz respeito apenas ao parricídio); aquele proferido a Édipo, que afirmava que ele se uniria à mãe, teria filhos com ela e mataria o pai (versos 790-793),4 é triplo (inclui o incesto, a geração de prole incestuosa e o parricídio). Do ponto de vista lógico, a proposição «A ocorrerá» será verdadeira se A ocorrer. A proposição «A, B e C ocorrerão», por outro lado, só será verdadeira se ocorrerem A, B e C -ou seja, do ponto de vista da lógica formal, ela não será verdadeira se A e B ocorrerem, mas C não ocorrer (Priest, 2000, p. 11).5 E mais: a eventual ocorrência de A e de B não implica necessariamente a ocorrência de C. Na tragédia de Sófocles, Édipo, num momento de extrema gravidade, enfrentará um problema análogo: que condições devem ser satisfeitas para que se considere verdadeiro o oráculo tripartite? É evidente que ele só será verdadeiro se suas três cláusulas -incesto, geração de prole incestuosa e parricídio- se revelarem verdadeiras.
Analisemos, pois, a peça de Sófocles. O prólogo situa a ação. Édipo é o rei de Tebas. Ficamos sabendo que a cidade é devastada por uma epidemia de peste e que os campos, os animais e as mulheres tornaram-se estéreis. O oráculo de Delfos, consultado por Creonte, cunhado de Édipo, informa que o único modo de salvar a cidade é punir os assassinos do rei anterior, Laio, que vivem impunes em Tebas. Notem que Creonte, transmitindo a instrução oracular, emprega o plural: toùs autoéntas, «os autores» da morte de Laio (106-107). Interrogado por Édipo, Creonte informa que Laio outrora viajou com uma comitiva, mas não voltou: todos morreram, exceto um, que fugiu de medo e, de tudo o que viu, só relatou uma coisa: «disse que bandidos (leistàs, no plural) encontraram e mataram [Laio], não pela força de um só, mas com múltiplas mãos» (sỳn pléthei kherôn) (122-123). Portanto, o oráculo afirma que os autores (no plural) do crime devem ser punidos; a única testemunha do crime afirma que bandidos (no plural) mataram Laio. Édipo assume a responsabilidade esclarecer o assassinato do antigo rei.
No primeiro episódio, Édipo faz uma proclamação solene na qual amaldiçoa e promete punir quem matou Laio. O corifeu afirma que «diz-se que ele [Laio] foi morto por viajantes» (prós tinon hodoipóron, no plural) (292). Chega o profeta Tirésias, que Édipo, por sugestão de Creonte, mandara chamar para ajudar a esclarecer o crime. Tirésias, contrariado, afirma que Édipo é o assassino de Laio (phonéa se phémi tandròs hoû zeteîs kyreîn) (362). Ao final, antes de partir, conclui: o assassino de Laio se revelará «irmão e pai dos próprios filhos [...]; e filho e esposo da mulher de quem nasceu; e assassino do pai» (457-460). A declaração de Tirésias, portanto, coincide com o oráculo que Édipo recebera outrora (e que, no arranjo da peça de Sófocles, só será revelado mais tarde, nos versos 790-793): menciona a prole incestuosa, o incesto e o parricídio.
As afirmações de Tirésias irritam Édipo, que as atribui a uma conspiração de Creonte para tomar-lhe o trono (pois foi Creonte quem aconselhou Édipo a consultar Tirésias). No segundo episódio, Édipo e Creonte discutem violentamente. Chega Jocasta, que, vendo os homens deblaterarem, interfere em favor de seu irmão. Ela pede a Édipo que lhe explique o que ocorrera. Ele explica: Creonte «afirma que sou eu o assassino de Laio» (703). Jocasta pergunta como Creonte obteve essa informação; Édipo responde que ele enviou o profeta Tirésias para divulgá-la. Chegamos a um momento crucial da evolução da ação dramática: Jocasta, para tranquilizar Édipo, elabora um arrazoado contra a arte mântica, na qual Tirésias se pretende experto. «Não existe nada humano que participe da arte profética» (708-709), diz Jocasta. Ela apresenta provas disso: outrora Laio recebera um oráculo segundo o qual seria morto por um filho que ele e Jocasta teriam (711-714). Mas Laio, como se diz, foi morto por estrangeiros, por ladrões (xénoi [...] leistaì, 715-716), no cruzamento de três estradas. Quanto àquele filho, assim que nasceu, Laio ligou-lhe os pés e o abandonou em uma montanha inacessível para que perecesse. Portanto, conclui Jocasta, o oráculo não se cumpriu: o filho não sobreviveu para se tornar assassino do pai; Laio já morreu -e não foi assassinado por um filho-. Não há motivo, portanto, para que Édipo se preocupe com o que diz o profeta Tirésias.
Contudo, o discurso de Jocasta, que visava a tranquilizar Édipo, produz efeito contrário. Um detalhe o inquieta: a tripla encruzilhada. Preocupado, Édipo interroga Jocasta sobre a localização exata desse trívio, sobre a época em que ocorreu o crime, sobre a aparência de Laio e sobre o séquito que o acompanhava. Obtidas as respostas, pergunta-lhe quem forneceu essas informações; ela responde que foi um servo que viajava com o rei -o único sobrevivente da expedição, a única testemunha do assassinato de Laio (e que, na peça, já fora mencionada nos versos 118-123)-. Édipo diz, com insistência (765, 768), que esse homem deve ser trazido rapidamente à sua presença. Jocasta pergunta o que perturba o marido; ele, na resposta, elabora uma breve autobiografia: é filho de Pólibo e Mérope, reis de Corinto. Certa vez, num banquete, um bêbado o chama de «filho forjado» de seu pai (plastòs [...] patrí, 780). Édipo, intrigado, interpela os pais, que ficam indignados com a afronta do bêbado. Mas Édipo não se apazigua: viaja a Delfos para consultar o oráculo. Contudo o oráculo, interrogado, não lhe dá a resposta que esperava, mas diz que ele se unirá a sua mãe, gerará prole incestuosa e matará o próprio pai (790-793). Édipo, para evitar o risco de que se cumpra a profecia, foge para longe de Corinto. Ao chegar ao mesmo lugar onde Jocasta afirmou que Laio fora morto -à tripla encruzilhada- defronta uma comitiva: num carro, acompanhado por pequeno séquito, viajava um velho cuja descrição coincide com a descrição que Jocasta fizera de Laio. Édipo é empurrado para fora da estrada; reage; o velho o agride. Édipo mata todos. Notemos que a declaração de Édipo é peremptória: «E mato todos» (kteíno dè toùs xýmpantas, 813). Ele conclui: se esse velho era Laio, eu sou o homem mais miserável do mundo. Como assassino do rei, Édipo deverá ser exilado de Tebas (como ele mesmo decretou). Contudo, não pode retornar a Corinto, pois receia que ali se cumpra a profecia de que matará seu pai e se unirá a sua mãe. O corifeu o tranquiliza: que não perca a esperança antes de interrogar o servo que testemunhou o assassinato de Laio. Se o sobrevivente confirmar o que disse antes (que Laio fora morto por um bando de ladrões), então Édipo não é o assassino de Laio. Édipo reitera e enfatiza a importância de interrogar novamente esse homem (842-847).
Neste ponto, devemos considerar um outro elemento relevante para a elucidação do crime: sim, a declaração prévia do sobrevivente inocenta Édipo -mas a própria existência dessa testemunha já exclui a possibilidade de Édipo ser o assassino de Laio: Édipo, descrevendo seu entrevero na encruzilhada, afirma categoricamente que matou todos. Não houve sobreviventes (Kamerbeek, 1967, pp. 165-166).6 Se, no caso do assassinato de Laio, houve um sobrevivente, então trata-se de duas ocorrências diferentes: dois assassinatos ocorridos no mesmo local em curto intervalo de tempo. Édipo matou um ancião, mas há fortes evidências de que Laio não é o ancião que Édipo matou.
Ao início do terceiro episódio, chega um inesperado mensageiro de Corinto. Ele anuncia: Édipo será rei de Corinto; Pólibo, seu pai, morreu. Édipo e Jocasta rejubilam: malogrou a afirmação oracular de que Édipo mataria seu pai. Édipo espezinha a arte profética: ela não vale nada. Segundo Jocasta, agora Édipo não tem mais nada a temer. Mas Édipo retruca: «como não temer o leito de minha mãe?» (976). Observemos que, neste momento da peça, Édipo interpreta assim sua situação: o oráculo de Delfos previu três eventos -que ele faria sexo com sua mãe, geraria prole incestuosa e cometeria parricídio-. Das três previsões, a terceira (Édipo matará seu pai) revelou-se falsa, pois Pólibo morreu de velhice: Édipo não o matou. Mas Édipo ainda teme cometer incesto (e, eventualmente, gerar prole incestuosa). Portanto, ele admite a possibilidade de o oráculo ter uma cláusula falsa e duas verdadeiras. Do ponto de vista estritamente lógico, essa proposição oracular seria falsa (como mostrei acima: a afirmação A & B & C será falsa se ou A ou B ou C forem falsos; ela só será verdadeira se tanto A como B como C forem verdadeiros). O parricídio revelou-se impossível -conforme as informações que Édipo tem neste momento da peça- mas, ainda assim, Édipo continua a temer o incesto. Para nossa investigação sobre o tratamento que, na tragédia, é dado à questão do parricídio, isto é muito importante: Édipo, neste ponto, admite a possibilidade de o oráculo ser parcialmente verdadeiro.
O mensageiro coríntio pergunta a Édipo o que o inquieta. Ele responde: o oráculo de Apolo «disse outrora que eu devia ter relações com minha própria mãe e derramar com minhas mãos o sangue paterno» (995-996). O mensageiro, acreditando que tranquilizará Édipo, anuncia que Pólibo não era seu pai. Édipo, assombrado, interroga-o sobre sua origem. O mensageiro conta que ele mesmo foi pastor e que, há muitos anos, um pastor tebano lhe entregou Édipo, bebê recém-nascido, quando apascentavam seus rebanhos no monte Cítéron. O bebê tinha os pés perfurados -daí seu nome, Oidípous («Pés inchados»)-. O corifeu informa que esse pastor tebano, que deu o bebê ao mensageiro coríntio, é o mesmo homem que acompanhava Laio quando este foi morto: é o sobrevivente, é a testemunha que eles estão esperando. Sua vinda, portanto, torna-se ainda mais premente: antes, ele era o único que podia relatar de forma precisa como ocorreu o assassinato de Laio; agora, descobre-se que também é o único que pode informar quem são os verdadeiros pais de Édipo.
No quarto episódio, chega finalmente osobrevivente, a única testemunha do assassinato de Laio, o homem que pode esclarecer a questão fundamental: quem matou Laio? Não nos esqueçamos: essa é a questão central, que move toda a ação dramática. É a identificação e a punição do assassino (ou dos assassinos) de Laio que vai livrar Tebas dos males que a atormentam. Trata-se de uma questão política -pois implica toda a pólis- prioritária. Além dessa questão fundamental, surgiu no terceiro episódio uma outra questão: quem são os verdadeiros pais de Édipo? Essa, contudo, não é uma questão política: é uma questão pessoal de Édipo. Não é porque alguém cometeu incesto que a peste e a esterilidade se abatem sobre a cidade: castigam-na -como o oráculo proclamou- porque o rei Laio foi morto e seu assassino permanece impune. Nessa situação, o mais urgente para a pólis (e para o rei, que é seu dirigente político) é determinar quem matou Laio; descobrir a identidade dos pais de Édipo é uma preocupação secundária. Além disso, lembremo-nos de que na estrutura do mito de Édipo -como mostrei acima- o tema central é o parricídio; o incesto é um tema acessório. E, como veremos, se o assassinato de Laio não for deslindado, a identificação dos pais de Édipo poderá revelar apenas o incesto: o parricídio só será inequivocamente demonstrado se também provarmos que Édipo matou Laio.
Portanto, o servo que chega agora deve responder a duas perguntas: a primeira delas, premente, de importância crucial para toda a cidade, diz respeito às circunstâncias da morte de Laio; a segunda interessa diretamente a Édipo e diz respeito à sua origem. Contudo, quando Édipo finalmente interroga a testemunha do regicídio, dirige-lhe apenas questões referentes à própria origem. O servo revela: Édipo é filho de Laio e de Jocasta. Ela lhe dera o bebê para que o eliminasse, pois um oráculo dizia que aquele filho mataria o pai. Pois bem, está estabelecido -sem nenhuma margem para dúvida ou contestação- que Édipo é filho de Laio e de Jocasta: portanto, está estabelecido com certeza que Édipo cometeu incesto e gerou uma prole incestuosa (pois ele e Jocasta têm filhos). Édipo reage bradando: «revelou-se que nasci de quem não devia, uni-me com quem não devia e matei quem não devia (1184-1185)». Notem que, aqui, além de admitir ter cometido incesto e ter gerado prole incestuosa (fatos que estão incontestavelmente demonstrados), Édipo admite também ter cometido parricídio (o que ainda não está definitivamente demonstrado). Ao final do quarto episódio, o servo parte -e Édipo não lhe faz a pergunta essencial, aquela cuja resposta aguardamos desde o início da peça, aquela que pode salvar a cidade: afinal de contas, Laio foi mesmo morto por um bando de ladrões?-. Agora, sabemos que Édipo é filho de Laio. Se Édipo matou Laio, então cometeu parricídio, como previam os oráculos. Mas e se Édipo não matou Laio? Como vimos, há fortes evidências de que não o matou: 1) o testemunho do sobrevivente; 2) a própria existência desse sobrevivente. Por outro lado, apenas a palavra profética declara que Édipo é o assassino do pai: os oráculos o declaram, Tirésias o declara. Mas, ao longo de toda a peça, a validade epistemológica da palavra oracular é colocada em questão. Seria petição de princípio afirmar que a evidência de que Édipo é o assassino de Laio é o fato de que os oráculos disseram que ele seria o assassino de seu pai.
Édipo, resignado, assume a autoria do assassinato de Laio mesmo sem ter esclarecido o crime: «matei quem não devia». Ele abandona o jogo7 -mas o jogo ainda não estava perdido! Cometeu incesto, sim- isso é incontestável. Mas, no texto de Sófocles, não foi excluída definitiva e incontestavelmente a possibilidade de não ser ele o assassino de Laio. Neste ponto da peça, Édipo acredita que o oráculo que recebera outrora em Delfos se revelou verdadeiro. Contudo, vejam como é incongruente, do ponto de vista da lógica formal, sua atitude com relação ao oráculo: antes, ele temia que o oráculo fosse parcialmente verdadeiro; agora, não terá a esperança de que ele seja parcialmente falso. Explico: antes, na situação 1 (976-988), Édipo admitia possibilidade de o oráculo ser parcialmente verdadeiro (pois ainda temia que a proposição oracular fosse VVF). Vejamos: Pólibo morreu; portanto, a última cláusula -«Édipo matará seu pai»- é falsa (F); mas Édipo ainda teme que sejam verdadeiras (V) as duas primeiras cláusulas («Édipo cometerá incesto» e «Édipo gerará prole incestuosa»). Então, Édipo, neste momento, admite (e teme) a possibilidade de o oráculo ser VVF. Agora, na situação 2 (1182-1185), ele não tem esperança na possibilidade de o oráculo ser parcialmente falso (não tem esperança de que o oráculo se revele VVF): Édipo é filho de Jocasta; portanto, as cláusulas «Édipo cometerá incesto» e «Édipo gerará prole incestuosa» são verdadeiras -contudo, esta situação é simétrica à situação 1! Por que não admitir, aqui também- assim como ele admitira na situação 1 -a possibilidade de que a cláusula «Édipo matará seu pai» seja falsa e de que a proposição oracular venha a se revelar VVF?
Chegamos enfim à conclusão: a conclusão é que, com relação à morte de Laio, não há conclusão: a peça termina sem que se verifique clara e definitivamente se Édipo matou Laio. Essa inconclusividade tem chamado a atenção de alguns comentadores. O escoliasta já a notara: «deve-se observar que [Édipo] mandou buscar o velho para interrogá-lo sobre o assassinato de Laio e, tendo surgido uma outra questão, volta-se para a mais urgente».8 A justificativa do escoliasta, contudo, não é convincente: como vimos, a questão do assassinato de Laio é crucial do ponto de vista político. É a justa punição do assassino de Laio que livrará a cidade dos males que a afligem. Essa é a questão urgente. Webster comenta que «when the Theban herdsman arrives, the whole story [relativa ao assassinato de Laio] could be made clear, but is in fact forgotten in the search for Oedipus’ father» (Webster, 1936, p. 108). Charles Segal adverte o leitor: «consider too what Oedipus does not ask the Old Herdsman. This man was introduced in the first scene of the play as the sole surviving witness to Laius’ death (118-125), and his evidence on that point was the primary motive for Oedipus’ intense eagerness to search him out later (755-766, 836-850, 859-61). Yet now, face to face with this witness, Oedipus does not ask about the scene at the crossroads» (Segal, 2001, pp. 103-104). Também Kamerbeek nota que «the herdsman is not asked to give evidence about the murder of Laïus (for which he was at first summoned). The certainty of Oedipus’ identity is such that his slaying of Laïus is self-evident» (Segal, 2001, p. 221). Sim, para Édipo sua culpa pareceu autoevidente. Contudo, do ponto de vista da arquitetura dramática, tendo sido apresentadas na peça tão fortes evidências de que Édipo não assassinou Laio, esperava-se que Sófocles resolvesse definitivamente essa questão crucial. Jean Bollack identifica a inconclusividade da tragédia («depuis l’Antiquité, on note que Sophocle a laissé tomber une énigme non résolue, l’élucidation des conditions du meurtre») e observa, argutamente, que «quand on rappelle la non-utilisation d’un élément non exploité jusqu’au bout, on se place dans une logique dramatique déficiente. L’abandon d’un détail aussi important a lui-même une signification dans la progression dramatique» (Bollack, 1990, p. 770).
Do mesmo modo que não é metodologicamente legítimo dar palpites sobre o que se passaria na cabeça de Édipo («Édipo» é um texto, não uma pessoa), seria tarefa vã especular se Sófocles teve consciência dessa inconclusividade e, se teve, o que ele pretenderia com ela. O fato é que o texto de que dispomos é inconclusivo: Sófocles não deu uma resposta categórica a uma questão central da peça.