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Revista Cubana de Enfermería

versión On-line ISSN 1561-2961

Rev Cubana Enfermer vol.31 no.1 Ciudad de la Habana ene.-mar. 2015

 

ARTÍCULO ORIGINAL

 

Saúde mental no trabalho do Enfermeiro da Atenção Primária de um município no Brasil

 

Salud mental en trabajo de Enfermera de la Atención Primaria en un municipio en Brasil

 

Mental health in the work of Nurse the Primary Care of a municipality in Brazil

 

 

Ana Paula Maia da SilvaI, Bianca Pereira CoelhoI, Luís Paulo Souza e SouzaII, Kenya Marielle Almeida e Silva III, Edilaine Pereira da SilvaIV, Ilka Santos PintoV, Rafael Messias de OliveiraVI, Carla Silvana de Oliveira SilvaVII

I Faculdades de Saúde e Desenvolvimento Humano Santo Agostinho de Montes Claros, Brasil.
II Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil.
III Faculdades Unidas do Norte de Minas, Brasil.
IV Universidade Federal de Goiás. Instituto Nacional do Câncer – INCA, Brasil.
V Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
VI Hospital Universitário Clemente de Faria – HUCF, Brasil.
VII Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil.

 

 


RESUMO

Introdução: de todos os males vividos pelo homem, a loucura, a doença mental e o sofrimento psíquico e emocional parecem atingir indistintamente pessoas de qualquer nacionalidade, raça, classe social e religião. Contudo, sabe-se que os mais pobres são os que mais padecem pela falta de atenção e cuidado.
Objetivou: compreender como se desenvolve a preparação e qual o conhecimento que os enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família de Montes Claros - Minas Gerais apresentam sobre Saúde Mental para atendimento a pacientes com transtornos psíquicos.
Métodos: pesquisa qualitativa e exploratória, realizada com oito enfermeiros que atuavam na Atenção Primária à Saúde do meio urbano de Montes Claros. Os dados foram coletados no segundo semestre de 2011, por meio de entrevistas, que foram gravadas e, em seguida, transcritas. Para análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise do conteúdo.
Resultados: os entrevistados relataram que se sentiam preparados para lidar com seus pacientes e que conheciam os principais transtornos, mas poucos foram capazes de detalhar esse conhecimento. As capacitações e curso de residência foram citados como preparação, mas a insegurança e tempo disposto para lidar com esses pacientes foram impasses para um bom cuidado.
Conclusões: é preciso maior preparação dos enfermeiros na área de saúde mental, a fim de proporcionar atendimento resolutivo aos pacientes que demandas tais cuidados.

Palavras chave: saúde mental; enfermagem; saúde da família; atenção primária à saúde.


RESUMEN

Introducción: de todos los males vividos por el hombre, la enfermedad mental y el sufrimento psíquico y emocional parecen alcanzar indistintamente a personas de cualquier nacionalidad, raza, clase social y religión. Se sabe que los más pobres son los que más la padecen por la falta de atención y cuidado.
Objetivo: entender cómo se desarrolla la preparación y el conocimiento de las enfermeras de Montes Claros-Minas Gerais, que trabajan en función de la estrategia de salud de la familia sobre la Salud Mental, para atender a los pacientes con trastornos psiquiátricos.
Métodos: investigación cualitativa y exploratoria con ocho enfermeras de atención primaria de salud de Montes Claros. Los datos fueron recolectados en la segunda mitad del 2011, a través de entrevistas que fueron grabadas y luego transcritas. Para el análisis de datos fue utilizada la técnica de análisis de contenido.
Resultados: los encuestados informaron que se sentían preparados para lidiar con sus pacientes y que sabían los principales trastornos, pero pocos fueron capaces de refinar este conocimiento. Los cursos de capacitación y de residencia fueron citados como preparación, pero la inseguridad y el tiempo disponible para tratar con estos pacientes son elementos que atentan contra un buen cuidado.
Conclusiones: se necesita más preparación de enfermeras en el área de salud mental, con el fin de brindar la atención que exigen este tipo de pacientes.

Palabras clave: salud mental; enfermería en salud comunitaria; salud de la familia; atención primaria de salud.


ABSTRACT

Introduction : mental disease and emocional suffering seem to reach indiscriminately people from any nationality, race, social class and religion. The most poor people are who bear it more, because of attention and care absence.
Objective: aimed to understand how develops the preparation and the knowledge that nurses working in family health Strategy of Montes Claros-Minas Gerais show on Mental Health for the patients with psychic disorders.
Methods: it is exploratory and qualitative research conducted with eight nurses working in primary health care in the urban environment of Montes Claros. The data were collected in the second half of 2011, through interviews, which were taped and then transcribed. For data analysis, was used the technique of content analysis.
Results:
respondents reported that they felt prepared to deal with their patients and who knew the main disorders, but few were able to drill through this knowledge. The courses and course of residence were cited as preparation, but insecurity and time willing to deal with these patients were dead ends for good care.

Conclusions: we need greater preparation of nurses in the mental health area, in order to provide care to patients who resolutive demands such care.

Keywords: mental health; nursing; family health; primary health care.


 

 

INTRODUÇÃO

De todos os males vividos pelo homem, a loucura, a doença mental e o sofrimento psíquico e emocional parecem atingir indistintamente pessoas de qualquer nacionalidade, raça, classe social e religião. Contudo, sabe-se que os mais pobres são os que mais padecem pela falta de atenção e cuidado. Como forma de tratar ou amenizar os agravos desenvolvidos pela doença mental, a Estratégia Saúde da Família (ESF) se configura como de grande relevância na promoção da saúde, prevenção, recuperação e reabilitação destes agravos, sendo o profissional enfermeiro aquele que desenvolve maior contato com estes pacientes.1

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),2 “saúde mental” é um termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional, e que diferenças culturais, julgamentos subjetivos e teorias relacionadas concorrentes podem afetar o modo como ela é definida, estando, portanto, o conceito mais amplo que a simples ausência de transtornos mentais. O estudo da saúde mental envolve o homem de forma global, ou seja, abarca aspectos biológicos, sociais, psíquicos e espirituais. Abrange desde a esfera social em que o indivíduo está inserido, até a fase de desenvolvimento em que se encontra. Assim, a saúde mental deve ser entendida como acontecimentos de constantes mudanças no modo de pensar e atender a pessoa com transtorno mental.3

A atuação da enfermagem na saúde mental na Atenção Primária à Saúde (APS) consiste basicamente em ações que, até então, vinham sendo centradas na estratégia de segregação e confinamento. Ao redefinir e reorganizar o modelo de assistência, abriu-se para a enfermagem um campo mais abrangente e com raio de ação mais ampliado. Se antes se limitava aos cuidados dos doentes hospitalizados, passa ela agora a ocupar-se também dos conflitos e das inadaptações, ou seja, a incorporar a atenção aos sadios.4

O papel do enfermeiro na APS é o de agente de atendimento primário em Saúde Mental. Desse modo, os profissionais necessitam aprimorar a prática de trabalhar em equipe e com a família, estimando as reais necessidades da comunidade através da sua participação no planejamento das ações, realizando atendimento integral à família e ao paciente, o que poderá ocorrer à medida que forem se reformulando as práticas e o ensino.5

Autores explicam que os usuários que vivenciam sofrimento psíquico enfrentam dificuldades quando necessitam de cuidados, pois o processo de trabalho encontra-se pautado em ações programáticas, tendo como pressupostos as queixas apresentadas, cuja finalidade é a remissão dos sintomas. Aliado a isso, tem-se o número reduzido de enfermeiros especializados em psiquiatria e disponibilizados para os ambulatórios de saúde mental.6-7

A qualificação dos enfermeiros da APS na área da saúde mental torna-se difícil, inicialmente, por falta de iniciativa dos próprios profissionais em buscar conhecimentos e práticas que viabilizem o seu atendimento. Muitos profissionais ficaram à margem do movimento da Reforma Psiquiátrica, não acompanhando as mudanças práticas que a mesma trouxe.7

Nesse sentido, buscar compreender como os pacientes com transtornos mentais são atendidos pelo enfermeiro é importante, uma vez que, dessa forma, poder-se-á contribuir para o aprimoramento das ações em saúde mental na ESF. Portanto, esta pesquisa levantou as seguintes questões: Qual a preparação que o Enfermeiro que atua na Atenção Primária à Saúde dispõe atender pacientes com transtornos mentais?

A partir do exposto, o presente estudo objetivou compreender como se desenvolve o cuidado aos pacientes com transtorno mental e qual o conhecimento que os enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família da cidade de Montes Claros - Minas Gerais apresentam sobre Saúde Mental para atendimento a pacientes com transtornos psíquicos.

 

MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva, realizada com oito enfermeiros que atuavam em Unidades de Saúde da Família da Atenção Primária à Saúde do meio urbano da cidade de Montes Claros, Minas Gerais – Brasil. Os enfermeiros foram selecionados de forma aleatória, através de sorteio, usando como critério de exclusão os que não aceitaram participar do estudo.

Os dados foram coletados no segundo semestre de 2011, por meio de entrevistas aplicadas no local de trabalho do entrevistado, e continham as seguintes questões norteadoras: “Conte-me sobre o que você conhece sobre Saúde Mental”; “Fale-me sobre como se desenvolve o acesso e cuidado aos pacientes com transtornos mentais em sua Unidade”.

As entrevistas foram gravadas e, em seguida, transcritas, o que possibilitou o registro fidedigno de todas as informações fornecidas pelos entrevistados. Os participantes foram identificados com nomes fictícios de flores, uma vez que todas são do sexo feminino, mantendo o anonimato.

Para análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise do conteúdo de Bardin,8 a qual apresenta os seguintes passos: pré-análise - organização do corpus de conhecimento para análise; leitura flutuante; leitura exaustiva; escolha e codificação das unidades de análise; elaboração das categorias.

Ressalta-se que esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE), por meio do parecer número 032/2011.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os participantes possuíam idade entre 23 e 34 anos, todos do sexo feminino, com três a 11 anos de formação. O tempo de atuação na atual Unidade de Saúde da Família variou entre um e 10 anos.

Após leituras exaustivas das informações e agregação das mesmas, criaram-se cinco categorias para análise, as quais serão discutidas a seguir.

O acesso à Estratégia Saúde da Família na promoção da Saúde Mental

A partir das respostas dadas, foi possível observar como se configura o acesso aos serviços da Estratégia Saúde da Família pelos pacientes com transtornos mentais. As unidades básicas se constituem como porta de entrada para os serviços de saúde, recebendo a população que busca resolver suas queixas físicas, psicológicas ou sociais.6 A demanda espontânea pelos serviços foi citada em algumas falas, como notado:

A procura geralmente chega por demanda espontânea (Girassol).

Os usuários portadores de transtornos mentais procuram a instituição através de demanda espontânea (Lírio).

Eles chegam a ESF por demanda espontânea (Orquídea).

Autores explicam que a ESF se configura como a principal modalidade de atuação da Atenção Primária à Saúde e, como existe a demanda espontânea na procura de seus serviços, é necessário que ela esteja preparada para atender seus usuários. 6

A busca ativa pelos pacientes psiquiátricos é apresentada como uma segunda forma de tornar possível o acesso aos serviços da ESF, que, consequentemente levará à demanda programada, como notado nos relatos:

A procura geralmente chega ou/e através dos agentes de saúde. Muitas vezes os mesmos relatam que algum paciente está precisando de acompanhamento psicológico. Neste momento, é agendada com algum dos profissionais da equipe (o médico, o enfermeiro ou o dentista) a avaliação psicológica que em um segundo momento é repassado no consultório de saúde mental (Girassol).

Quando não procuram o atendimento, os agentes comunitários de saúde fazem busca ativa e localiza aquela família e aquele portador de transtornos mentais (Rosa).

(…) comparecem as consultas programadas agendadas pelo serviço (Orquídea).

Pode-se dizer que atender ao indivíduo com transtorno mental e sua família na ESF se configura uma situação complexa. Assim sendo, responsabiliza o profissional enfermeiro a tomar decisão e desencadear todo um processo de mobilização de recursos para sua solução. É preciso que se desenvolvam no profissional enfermeiro, assim como em todos os outros profissionais de saúde da APS, habilidades para saber/fazer: acolhimento; escutar; incluir paciente e família nas atividades coletivas; exercer a expressão; responsabilizar-se pelas pessoas que estão sendo cuidadas, para estruturar vínculos afetivos e de compromisso no processo de ajuda à pessoa em sofrimento psíquico.9

As ações de Saúde Mental na Atenção Primária devem obedecer ao modelo de redes de cuidado, de base territorial e atuação transversal com outras políticas específicas, buscando o estabelecimento de vínculos e acolhimento.10

O conhecimento do enfermeiro sobre os principais problemas mentais

O conhecimento do profissional enfermeiro sobre os transtornos mentais se faz essencial na APS, uma vez que este serviço é a primeira referência destes pacientes.10 Através das respostas dadas pelas entrevistadas, percebe-se que a maioria tem conhecimento prévio sobre algumas doenças mentais. Os transtornos mais citados foram: Depressão, Esquizofrenia, Transtorno de Ansiedade e Transtorno Bipolar, como pode ser observado nos seguintes discursos:

Tenho conhecimento da existência de esquizofrenia, depressão e transtorno Bipolar (Tulipa).

Portanto, podemos citar esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, ou até mesmo pacientes com quadros de dependências químicas (Girassol).

Temos vários casos de transtornos mentais decorrentes do uso de substâncias psicoativas (Orquídea).

Percebe-se, ainda, que as doenças mentais a que as entrevistadas mais se referiram são as que mais acometem a humanidade. A esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes apresentam-se como maior percentual entre os casos de transtornos psicóticos graves, seguidos de transtornos afetivos, epilepsias, retardo mental, transtornos neuróticos, uso abusivo de álcool e as sem diagnóstico preciso.5,11

No entanto, apesar das participantes da pesquisa pontuarem as doenças que mais acometem a população, apenas uma delas conseguiu detalhar sobre cada doença:

Depressão: perda dos prazeres nas atividades diárias. Esquizofrenia: transtorno psíquico severo que perde o contexto com a realidade, alucinações, delírios e alterações do pensamento. Ansiedade: acompanhada de medo, preocupação e inquieto às vezes (Violeta).

Episódios depressivos são caracterizados pelas queixas de humor deprimido, perda de interesse, prazer e energia reduzida levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída.11

Define-se esquizofrenia como um transtorno maior de que tratam os psiquiatras. Acomete pessoas precocemente com relação à idade, conduzindo a alterações graves do pensamento, afeto e vontade. Muitas delas são conduzidas a um longo afastamento da realidade externa (autismo), com enorme desgaste emocional e econômico para os pacientes, suas famílias e a sociedade. Os pacientes que sofrem de transtorno de ansiedade tendem a superestimar o grau e a probabilidade de perigo em uma determinada situação e a subestimar suas capacidades para lidarem com ameaças percebidas ao seu bem-estar físico ou psicológico.11

Na análise da resposta das entrevistadas e nos comentários dos autores acima, fica evidenciado que a participante conseguiu esclarecer e diferenciar cada transtorno. Entretanto, subentende-se que as demais não têm conhecimento das doenças suficientemente para caracterizá-las, como pode ser percebido:

Existem vários problemas sobre saúde mental. Citá-los pode ser possível, mas falar sobre os principais não é conveniente neste momento (Girassol).

(…) descrever exatamente cada transtorno mental com exatidão é complicado (Tulipa).

Nesse sentido, é importante ressaltar que é essencial que os enfermeiros conheçam e saibam diferenciar cada tipo de sofrimento emocional existente na sua área de abrangência, visto que só assim poderão melhorar o planejamento dos serviços de saúde oferecidos à comunidade.12

É preciso considerar que as participantes fazem menção sobre as classificações dos transtornos mentais como a neurose e a psicose, porém, sem diferenciar uma da outra, conforme demonstrado na fala seguinte:

Os principais problemas são relacionados às neuroses, contudo na área de abrangência em que atuo existem muitos portadores de transtornos psicóticos (Azaléia).

É muito importante que se diferenciem as neuroses de psicoses, uma vez que diferenciar uma da outra é o ponto chave para estabelecer o tratamento adequado. A neurose é o estado mental caracterizado pela manutenção da realidade, mas com sintomas que trazem sofrimento e são inaceitáveis pelo paciente. O comportamento não viola grosseiramente as normas sociais como nas psicoses. Já a psicose é a incapacidade de distinguir a realidade da fantasia. Na prática clínica, denomina-se um quadro de psicose quando um paciente apresenta sintomas que o tiram da realidade lógico-formal, como delírios, alucinações, desagregação do pensamento, embotamento afetivo, estupor, entre outros. 11

Estes mesmos autores chamam atenção para a porcentagem de pacientes com psicoses severas que procuram os serviços da APS e relatam que, se esses casos fossem tratados e acompanhados por profissionais preparados, seria desnecessário um internamento em hospital psiquiátrico.

Duas das entrevistadas não responderam com objetividade quais são os principais problemas mentais existentes:

Temos pacientes internados no Prontomente e outros que nos procuram para transcrever suas próprias receitas e eles falam de suas próprias doenças principalmente psiquiátricas, alguns até falam que queriam ser “normais”, ou seja, não tomar medicamentos antidepressivos porque deixam fora do ‘mundo’ não sentem normais (Rosa).

Os principais problemas são decorrentes, principalmente, dos fatores ambientais, sociais e econômicos, os quais as pessoas estão expostas (Lírio).

Assim, é possível inferir, através das respostas das entrevistadas, que a maior parte das enfermeiras pesquisadas, mesmo conhecendo algumas doenças, não possui conhecimento satisfatório para atuar de maneira eficiente nos cuidados e no planejamento da assistência a estes pacientes.

A preparação para atuar no cuidado aos pacientes mentais

Quanto à preparação para lidarem com esse tipo de clientela, a maioria das entrevistadas respondeu positivamente, como observado:

Sim; porque recebemos capacitação, e trabalho em local de muita demanda, e faço isso constantemente. Realizei conferência familiar juntamente com o psicólogo e familiares de pacientes com transtornos mentais (Rosa).

Sim, através dos casos apresentados multiprofissionalmente aprendemos como em um primeiro momento lidar com esses pacientes. Tendo uma sensibilidade maior com o que podemos trabalhar na ESF ou até mesmo quando é caso de encaminhar para serviços especializados em saúde mental (Girassol).

(...) tenho segurança devido ao suporte disponibilizado pela Residência em Saúde da Família devido às consultorias que ocorrem na ESF. Nestes momentos, além da discussão dos casos do território, condutas são sugeridas, intervenções discutidas (Tulipa).

A capacitação foi citada por uma das participantes como um método de preparação para lidar com pacientes com transtornos mentais, o que confirma a fala de autores,9 quando informam que, para que as ações de saúde mental sejam desenvolvidas na APS, é fundamental a capacitação destas equipes.

É necessária a capacitação dos profissionais para atender ao usuário em sofrimento psíquico, permitindo que esta nova forma de aprender ocorra em um cenário em que as práticas cotidianas e os saberes trazidos pela equipe sejam à base da aprendizagem significativa, na qual os conhecimentos teóricos mobilizem a capacidade formadora permitindo ao sujeito transferir o conhecimento adquirido para outras situações que ocorram na Unidade de Saúde.7,13

Algumas dificuldades foram citadas por uma das entrevistadas:

Parcialmente. Fiz residência em Saúde da Família na modalidade para enfermeiros e no curso existe consultoria especializada com apoio de especialistas que fundamentam a abordagem do cliente portador de transtorno mental. Contudo, a demanda do serviço, muitas vezes, impossibilita uma abordagem adequada a estes pacientes. O fluxo de encaminhamento, também é algo moroso e de difícil acesso, o que muitas das vezes inviabiliza o acompanhamento adequado do paciente (Azaléia).

O enfermeiro, muitas vezes, se envolve apenas com a parte burocrática do serviço. A falta de pessoal nas unidades acaba por sobrecarregar o profissional que se vê obrigado a deixar de lado o usuário que tem direito a um atendimento integral.14 Na fala a seguir, nota-se o sentimento de despreparo por parte da entrevistada em lidar com pacientes com dependência química:

Não me sinto preparada para lidar com a dependência química, nos outros casos tenho uma vivência maior e alguma facilidade para intervir (Orquídea).

O enfermeiro necessita de preparo para atender a todo tipo de usuário e dar-lhe suporte humanizado e holístico. Se os profissionais não buscarem ampliar a concepção do cuidado ao paciente com sofrimento psíquico, ampliando possibilidades e potencialidades do usuário, família, profissionais e comunidade, tais profissionais continuarão a enfrentar problemas em desenvolver suas práticas profissionais, negando o direito da população em receber atendimento resolutivo.6

Houve ainda uma entrevistada que não respondeu com objetividade se ela se sente preparada para este atendimento, como se observa no trecho abaixo:

Eu penso que a equipe de saúde precisa de sentir mais segurança, precisa haver um serviço de referência organizado no sentido de conversar e discutir com os profissionais das referências e da APS, os casos e o acompanhamento dos usuários (Lírio).

É possível inferir, através dessa fala, que apesar de algumas entrevistadas relatarem que se sentem preparadas para atenderem os pacientes com transtornos mentais, constata-se que existe desconhecimento a respeito das ações que poderiam ser desenvolvidas com esses usuários e, também, insegurança no suporte a eles.

Ressalta-se que apenas com o desenvolvimento de ações conjuntas, qualificadas e multiprofissionais, com suporte familiar, atividades em grupo, disponibilidade de serviços de referência e contra referência, qualificação profissional, será possível almejar uma desinstitucionalização do paciente com transtorno mental e sua reinserção na sociedade.15

Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica

A Reforma Psiquiátrica tem o objetivo de deslocar o olhar para a “existência sofrimento” do indivíduo em relação ao corpo social, retirando-o dos parênteses colocados pela psiquiatria. A finalidade desse processo é a invenção de saúde e a reprodução social da pessoa acometida pelo transtorno mental, buscando sua autonomia e a produção de sentidos e de sociabilidade. 15 Todas as entrevistadas responderam que eram favoráveis à Reforma, mas cada uma delas apontou falhas e necessidade de adaptação em vários setores. Na seguinte fala, a entrevistada cita a necessidade de adaptação da sociedade:

Sou a favor uma vez que o paciente tem o direito como cidadão de ser inserido na sociedade. Portanto, é a sociedade que tem que se preparar através de suporte tanto físico quanto social pra receber esses pacientes (Girassol).

Sou a favor, a institucionalização ao portador de transtorno mental não se mostrou resolutiva, a socialização do indivíduo como, por exemplo, em residências terapêuticas traz uma alternativa para aqueles que se 'amontoavam' em manicômios (Tulipa).

Como objetivo de modificar gradativamente a assistência centrada na internação em hospitais psiquiátricos, a OMS propõe um modelo de atenção à saúde mental baseado na comunidade, consolidado em serviços territoriais e de atenção diária. Implica em desenvolvimento de uma gama de serviços em locais próximos da residência do indivíduo; ações de intervenções nos sintomas e incapacidades; tratamento e atenção específicos e individualizados; serviços variados que atendam às múltiplas necessidades dos usuários; atendimentos domiciliares e ambulatoriais. Os serviços devem visar à emancipação dos usuários, aumentando sua independência para o autocuidado, identificando recursos e estabelecendo alianças sociais saudáveis.16

Os entrevistados vêem a Reforma Psiquiátrica como uma forma de humanização e reinserção do indivíduo na sociedade, mas julgam ser um grande desafio aos profissionais de saúde prestar suporte a esses clientes na comunidade, como pode ser percebido pelo seguinte discurso:

Acho que a Reforma representa um avanço imenso em busca da humanização do atendimento ao portador de transtorno mental na medida em que reinsere esses indivíduos. Na família e comunidade, desinstitucionalizando de fato a loucura e confirmando o direito desses pacientes. Porém, esse movimento representa um grande desafio pra os profissionais de saúde no sentido de se capacitarem pra garantir o tratamento e acompanhamento na base comunitária (Orquídea).

Muitas vezes, a fragilidade e a desvinculação dos laços sociais estão presentes nos casos de adoecimento mental e são representadas pela exclusão do mercado de trabalho, da família, da cultura e da política, além de limitarem o exercício do papel social e direito aos cuidados, o que acaba por anular o indivíduo em sua singularidade.5

Mesmo que a desinstitucionalização traga uma proposta interessante àqueles pacientes com transtornos psíquicos, a família, a comunidade e alguns profissionais ainda não a valorizam de fato, como cita a seguinte entrevistada:

Ótima a proposta, apesar de que está claro que os familiares, comunidade e alguns profissionais ainda não valorizam a reforma psiquiátrica como deveria, ainda é pouco aceita pela grande maioria (Margarida).

A reintegração do indivíduo na sociedade é fundamental e necessária para que a Reforma Psiquiátrica possa de fato ocorrer. Nos últimos anos, a Política Nacional de Saúde Mental tem sido orientada na direção de trabalhar com a defesa da Reforma Psiquiátrica, por ela ser imbuída dos ideais de uma sociedade realmente igualitária e humana, baseando-se nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade.17

Com a proposta da Reforma Psiquiátrica, o indivíduo que antes era tratado dentro de manicômios e instituições asilares passa agora a ser tratado na comunidade, junto à sua família, de forma humanizada. O tratamento centrado na internação psiquiátrica em instituições asilares trouxe consequências não somente para o indivíduo, excluindo-o de suas relações, impedindo e restringindo suas ações cotidianas, mas também para as famílias.16,18

A família e os Centros de Atenção Psicossocial como pontos de apoio

Nota-se que a família é citada como parte importante no tratamento aos clientes com transtorno mental de forma desinstitucionalizada, sendo sua participação imprescindível nesse processo:

A reforma psiquiátrica ela é necessária, porém ela deva ser realizada de forma intersetorial, com a participação também da família (Lírio).

Para que a família possa participar de forma efetiva na reinserção na sociedade do paciente com transtorno mental, ela precisa ser preparada para esse fim, recebendo um suporte de qualidade dos profissionais de saúde, especialmente o enfermeiro, por ser este o que desenvolve mais ações com a comunidade. Entretanto, para que isso aconteça, os enfermeiros devem conhecer as representações que as famílias possuem sobre as experiências singulares de convivência com o seu familiar adoecido, o que permitirá desenvolver outro olhar diante deste cuidado. Atualmente, é consenso de que as famílias, quando recebem apoio e orientação adequada, têm condições de compartilhar seus problemas e tornam-se aliadas na desinstitucionalização e na reabilitação social do paciente mental.5

Aliados ao apoio familiar, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foram citados como uma alternativa de tratamento do paciente psíquico, pois visam oferecer um tratamento que alia o acompanhamento clínico e os cuidados de reinserção social por meio do acesso ao trabalho, lazer, exercício, direitos civis, bem como pela construção ou reconstrução dos laços comunitários e familiares, como afirmam Chiavagatti e cols.19 Isso é demonstrado nas seguintes falas:

De acordo. Desde que seja realmente implantada, oferecendo condições melhores de vida a estes pacientes, possibilitando-os reintegrar os meios sociais, com políticas educacionais à população para aprender e valorizar estes seres humanos. Melhoras já aconteceram, como acabar com manicômios e criação CAPS's, residências terapêuticas (Violeta).

Favorável parcialmente. Há que se ter uma rede de apoio preparada. Não tenho dúvidas que a socialização seja o melhor tratamento, contudo existe sim necessidade de um serviço que apoie a reforma de forma efetiva (como os CAPS) (Azaléia).

Os CAPS têm se destacado dentro do contexto da Política de Assistência à Saúde, representando um dos avanços significativos da Reforma Psiquiátrica. Constituem a principal estratégia do Ministério da Saúde para reverter o modelo de atenção centralizado na assistência hospitalar psiquiátrica, aliados a outros programas e ações, ao desempenharem o papel de articuladores da rede comunitária de cuidados em saúde mental.19

Estes mesmos autores20 afirmam ainda que os CAPS trabalham com equipe multiprofissional e as atividades desenvolvidas neste espaço são bastante diversificadas, oferecendo atendimentos em grupos e individuais, oficinas terapêuticas e de criação, atividades físicas, atividades lúdicas, arte-terapia, além da medicação, que antes era considerada a principal forma de tratamento. Avançam em direção à construção de outro modelo de atenção, em substituição aos serviços hospitalares psiquiátricos que têm por objeto de intervenção a doença mental e não a pessoa em seu contexto de vida. Contrariamente, o projeto do CAPS apresenta como preocupação central o sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura, sua vida.

Conclui-se que apesar de as entrevistadas relataram que se sentiam preparadas para lidar com pacientes com transtornos psíquicos e que conheciam sobre os principais transtornos mentais, poucas foram capazes de detalhar esse conhecimento, possibilitando concluir que ele não é suficiente para atender aos pacientes psiquiátricos. As capacitações e curso de residência foram citados como forma de preparação, mas a insegurança e tempo disposto para lidar com esses pacientes na rotina do serviço foram os impasses para um cuidado efetivo.

É imprescindível que os enfermeiros que lidam com estes pacientes entendam os processos históricos e atuais da Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica, para que direcionem suas ações frente ao que é preconizado, sejam inseridos nos CAPS ou nas próprias Unidades de Saúde da Família, como citados pelas entrevistadas. Para que o cuidado possa de fato ocorrer, o enfermeiro deve envolver comunidade, família, serviços substitutivos e demais profissionais da equipe, no acolhimento aos indivíduos com transtorno mental, dentro das demandas espontânea ou programada e busca ativa. Uma vez que a Estratégia Saúde da Família é o elo mais próximo entre os usuários que necessitam deste cuidado e suas residências/comunidade, sendo o enfermeiro o profissional que primeiro é requisitado como referência.

Por fim, apesar das conquistas já alcançadas pela Reforma Psiquiátrica, ainda há muito que se conquistar, visto que além desta área de atuação demandar um grande desafio profissional, há necessidade do envolvimento de todos os profissionais e da sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recibido: 30 de septiembre de 2014.
Aprobado: 21 de diciembre de 2014.

 

 

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