Introdução
A forte industrialização é caracterizada pela necessidade crescente de consumo de energia cuja larga proveniência é de fontes não renováveis. Os estudos realizados indicam uma redução destas fontes, especialmente as reservas de petróleo consideradas insuficientes para suprir no futuro toda a demanda da população crescente mundial. Além disso, a utilização das fontes não renováveis aumenta significativamente a produção de dióxido de carbono que não é assimilável pelas plantas.1
A procura de fontes alternativas é, portanto, de grande importância. Assim várias investigações científicas são actualmente orientadas no sentido de substituir parcialmente ou totalmente o combustível de origem fóssil pelo biocombustível e garantir um desenvolvimento sustentável. O biodiesel é um destes substitutos do combustível convencional e já está sendo utilizado em motores de ciclo diesel. Pode ser usado puro como em proporção variável com o diesel. 2
De modo geral, o biodiesel é definido como um mono-alquil éster de ácidos gordos provenientes de óleo vegetal ou gordura animal. Possui características similares às do gasóleo praticamente em todas as propriedades, facto que possibilita o seu uso como aditivo ao gasóleo. 3
Actualmente, o biodiesel é produzido principalmente pela reacção de transesterificação de óleos vegetais, óleos usados e gorduras de animais na presença de um catalisador com um álcool de cadeia curta (metanol, etanol, propanol ou butanol). Esse processo diminui a viscosidade de óleos e consequentemente, melhora o desempenho de motores diesel. 4
A referida reacção ocorre geralmente por catálise homogénea ou heterogénea, e pode ser influenciada por alguns factores como a pureza dos reagentes, tipo de álcool, tipo de catalisador, o rácio molar óleo/ álcool, a agitação da mistura, a temperatura e o tempo de reacção.
A catálise homogénea em meio alcalino é a rota tecnológica predominante para a produção de biodiesel, devido à sua maior rapidez, simplicidade e eficiência. Mas os catalisadores homogéneos têm a desvantagem de se encontrar na mesma fase que os reagentes, os produtos e os resíduos, exigindo vários métodos de separação e lavagem, o que dificulta a etapa final de purificação do biodiesel obtido. A transesterificação catalisada por ácido não é muito utilizada, principalmente pelo facto da reacção ser muito mais lenta do que a catalisada por uma base. Contudo, apresenta a vantagem de não ser afectada pela presença de ácidos gordos livres na matéria-prima, de não produzir sabão durante a reacção e de catalisar simultaneamente reacções de esterificação e transesterificação.
Por outro lado, a busca de plantas oleaginosas da flora angolana que crescem em terrenos não destinados à produção agrícola de acordo com a Lei do ambiente, Decreto lei nº 6/10, Maio de 2010, tem concentrado as atenções de investigadores nacionais que desenvolvem projectos ligados a produção do biodiesel. É assim que, nas chanas e savanas da província do Moxico, foi identificada a semente de uma planta, tradicionalmente designada «Mufuko», sem referências científicas disponíveis, da qual extrai-se óleo que pode ser usado para a síntese de biocombustível (biodiesel).
O presente trabalho tem como objectivo principal obter o biodiesel a partir do óleo de Mufuko, mediante a reacção de transesterificação com o metanol, na presença de NaOH como catalisador.
Os objectivos específicos são:
Realizar o estudo etnobotânico da planta de Mufuko;
Extrair óleo da sua semente;
Determinar os parâmetros físico-químicos e a composição química deste óleo;
Sintetizar o biodiesel a partir deste óleo de mufuko;
Aferir a qualidade do biodiesel sintetizado de acordo com os padrões internacionais;
Comparar as potencialidades (Impacte ambiental, social e económico local, regional ou mundial) da planta de mufuko em relação de outras plantas oleaginosas habitualmente utilizadas para a síntese do biodiesel.
Material e Método
Estudo etnobotânico
O estudo etnobotânico da planta Mufuko foi feito in loco nas chanas e savanas do Luena na Província do Moxico. Para o efeito aplicou-se o sistema de classificação de Eichler e da sistemática moderna que dividem as plantas em vasculares e não vasculares.5 Foi feita também a caracterização física da planta, tendo em conta o tipo de solo, a pluviosidade, as raízes, o caule, as ramificações, as folhas, as frutas, a germinação, a composição em fibras e em líquidos, as cinzas e a reprodução. Por fim, fez-se a extrapolação da produção de cinco (5) plantas experimentais para trezentas (300) que correspondem à um hectare. Isto nos permitiu avaliar a sua productividade em relação as outras plantas oleaginosas já existentes no mercado.
Extracção do óleo
A extracção do óleo pelo processo bulk flotation consistiu na recuperação do óleo colocado numa ampola de decantação depois da maceração a quente das sementes frescas previamente lavadas e fermentadas entre 48 e 72 horas à temperatura ambiente e em condições isentas de micro-organismos lipovores. 6
O processo de extracção com solventes realizou-se com dois tipos de amostras: a semente natural secada e a outra secada depois da maceração a quente. Ambas foram trituradas, passadas no crivo de 0.833 mm e pesadas. Para extracção usou-se o éter de petróleo, o n - hexano e o dietil éter respectivamente. Uma destilação à temperatura do solvente permitiu a recolha do óleo no fundo do balão e a recuperação dos solventes por condensação dos mesmos. Uma vez obtido o óleo, foram realizadas as análises químico-físicas para a sua caracterização (determinação dos seus parâmetros químico-físicos e da sua composição química).
Síntese de biodiesel a partir do óleo de Mufuko
Pelo facto de óleos de Mufuko terem apresentados índice de acidez e de ácidos gordos livres elevados em relação dos limites da ASTM, procedeu-se a uma síntese de biodiesel à duas (2) etapas: uma esterificação seguida da transesterificação usando o CH3OH como álcool e o NaOH como catalisador. As experiências foram realizadas num reactor tipo batch constituído de um balão em vidro de fundo redondo apresentando (2) duas entradas: uma das entradas serviu para colocar o condensador de refluxo e a outra para o termopar de controlo da temperatura (figura 1).
As reações foram efetuadas com o rácio molar óleo/álcool de 1/6 e 1/9 respectivamente, sob agitação magnética de 300 r/mim, à uma temperatura de 65ºC durante 90 minutes.
No fim de cada reacção, o biodiesel obtido foi refinado e caracterizado para determinar os seus parâmetros físico-químicos e a sua composição química para se aferir da sua conformidade com os padrões internacionais de qualidade.
Resultado e discussão
Botânica e sistemática
De acordo com os critérios da classificação de Eichler e da sistemática moderna, a planta de mufuko pertence à divisão das angiospermas, classe das dicotiledôneas, gênero Ourtea welwitchii, família das anacardaceae, e a ordem das fanerógamas. A sua inflorescência é do tipo umbrela. As figuras 2 e 3 ilustram as variedades da planta de Mufuko: Planta das savanas e plantas das chanas.
Esta planta é tropical, mas tem maior resistência em zonas áridas. A variedade das chanas é um arbusto de 50 cm e a das savanas é uma árvore de cerca de 4 m. A fruta é constituída por uma película externa, apocarpo de fibras oleaginosas que representa 15 a 25 % do peso da fruta. Esta contém cerca de 30.93 a 38.50 % de óleo (Tabela 2, dados de extracção por sohxlet) e 20 a 25 % de água. A polpa possui um teor médio de óleo de 13.30 % (tabela 2, dados de extracção por bulk flotation) A torta apresentou cerca de 2060.91 mg de fósforo/kg e 96409 mg de potássio/kg além de amónio que podem ser usados na agricultura como fertilizantes.
Exigência climática, podologia e reprodução
A planta de mufuko desenvolve-se melhor nos solos ácidos, nas zonas tropicais com precipitações de 850 a 1 300 mm e temperaturas de 8 a 32 ºC. Ela possui um rizoma semelhante ao da bananeira e nos seus nós, crescem novos rebentos. A Mufukeira pode produzir cerca de 4.800 kg de sementes por hectare, o que torna a sua produção competitiva em relação à outras plantas nomeadamente a soja, o amendoim, o algodão, o girassol, o milho e o dendém. As duas variedades têm morfologias diferentes, mas ambas produzem o mesmo tipo de fruta. A inflorescência começa como um pingo (figura 4) e cresce até ao tamanho de um cacho semelhante ao da uva. A cor da fruta é verde e, depois de amadurecer, muda para preta lilás (figura 5). As figuras 4, 5 e 6 mostram o pingo, o cacho e o rizoma com rebentos.
Extração do óleo a partir da semente do Mufuko
O processo de extração produziu dois tipos de óleos que se separam naturalmente por decantação. O primeiro tipo apresenta a cor amarela e tem a consistência de manteiga (gordura) à temperatura ambiente enquanto que outro tipo é pouco viscos (óleo) de cor amarela esverdeada (figura 7).
O processo de extração mostrou que a temperatura de extracção, o tempo de extracção, o tipo de solvente e o grau de amadurecimento das frutas são determinantes para o aspecto físico do óleo extraído. Este pode a sua vez influenciar as operações subsequentes de refinação e de transesterificação.
Rendimento de extracção e teor de óleo na semente
Os valores médios de rendimento e de teor em óleo contidos na semente obtidos foram calculados usando conceitos de estatística sobre 20 amostras.
Com isso obteve-se a média do teor de óleo na semente de mufuko de 33.02% com uma variância de 17.31, sendo o afastamento tipo e o erro tipo de 4.16 e 0.95 respectivamente. O rendimento médio do processo de extração é de 94.20% com a variância de 4.67, sendo o afastamento tipo e o intervalo de confiança de 2.16 e 0.50 respectivamente. Os valores do rendimento e do teor de óleo na semente para diferentes solventes são apresentados na tabela 1.
É possível observar a partir da tabela 1 que o processo de bulk flotation tem um rendimento baixo (49.25%) e sem nenhum interesse para a aplicação industrial. A extracção com o dietil éter apresenta um bom rendimento, mas o óleo obtido tem mau aspecto. Isto deve-se a maior polaridade deste solvente que extrai outras matérias não lipídicas comparativamente ao éter de petróleo e ao n-hexano.
Parâmetros físico-químicos do óleo de mufuko
A tabela 2 apresenta os resultados dos parâmetros físico-químicos obtidos depois da refinação ou esterificação do óleo bruto.
Os parâmetros físico-químicos do óleo bruto apresentam valores acima dos recomendados pelos padrões ASTM (American Society of Testing and Material) com altos índices de acidez e de ácidos gordos livres. Por este facto, a síntese de biodiesel não pode ser efectuada por transesterificação directa. Existem várias possibilidades para tal, como a refinação do óleo seguida de transesterificação ou a esterificação do óleo seguida de transesterificação. Observou-se também que a refinação do óleo serve não só para baixar os valores de índices de acidez e de ácidos gordos, mas também melhorar os aspectos físicos do óleo.
Composição química do óleo de Mufuko
A composição química do óleo foi determinada por cromatografia em fase gasosa acoplada a um espectrofotômetro de massa que utiliza o software NIST cujos resultados (ácido gordo contido no óleo, sua estrutura química, seu tempo de retenção, sua massa molar, sua composição percentual e sua fracção mássica) são apresentados na tabela 3.
O óleo de mufuko é constituído por cerca de 62% de ácidos gordos insaturados que são o ácido delta - 9 cis - hexadecanoico, o 9 - ácido octadecanoico, o ácido 9, 12 - octadecanoico, o octadeca - 9,12,15 trienoico e o ácido 4,7,10,13,16 docosapentaenoico. Os ácidos gordos saturados presentes são o palmítico (33.6%) e o esteárico (3. 8%) que representam cerca 37% em peso do óleo.
Uma vez conhecida a composição do óleo foi possível determinar a estrutura química de cada elemento e calcular a sua massa molecular como indica a tabela 4. A massa molecular encontrada para o óleo de Mufuko é de 274.24 g/mol e a massa molar dos triglicerídeos participantes na reacção de transesterificação é 870.68 g/mol. Esse dado permitiu calcular por sua vez o rácio óleo/álcool, necessário para realizar a reacção de transesterificação.
Síntese de biodiesel a partir do óleo de Mufuko.
Como acima referenciado, por ter apresentado índices de acidez e de ácidos gordos livres elevados, procedeu-se a uma síntese do biodiesel a duas etapas: uma esterificação seguida da transesterificação usando o metanol como álcool e o NaOH como catalisador. Sintetizou-se os biodieseis com seguintes aspectos físicos (figura 8 ).
Rendimento de síntese de biodiesel com o óleo de mufuko
Os rendimentos de síntese de biodiesel foram em média de 66. 82% e 75.90% para a gordura e óleo respectivamente. As tabelas 4 e 5 apresentam os rendimentos de síntese de biodiesel da gordura e do óleo de mufuko respectivamente.
Como os resultados de rendimento de síntese de biodiesel obtido com rácios 1/6 e 1/9 não apresentam uma variação muito significativa e por razões económicas, optou-se por realizar as experiências com a razão óleo/álcool de 1/6.
Determinação de parâmetros físico-químicos do biodiesel
Os valores dos parâmetros físico-químicos do biodiesel sintetizado a partir da gordura (B- gordura) e do óleo (B-óleo) de mufuko são apresentados na tabela 6.
A análise desta tabela mostra que os parâmetros do biodiesel sintetizado a partir do óleo de mufuko enquadram-se nos limites de padrões internacionais de qualidade.
Aferição do biodiesel obtido a partir do óleo de mufuko
Para confirmar a obtenção do biodiesel no final da reacção tirou-se espectros de Infravermelho com Transformada de Fourier «FTIR». As análises efectuaram-se entre 4.000 cm-1 e 400 cm-1 de comprimentos de onda 7 conforme mostra a figura 9 do espectrograma.
A análise do espectrograma mostra bandas de adsorção situadas entre1750-1730 cm-1 atribuídas aos ésteres metílicos de ácidos gordos (Faty Acid Methyl Esther, FAME) e bandas situadas entre 1300-1000 cm-1 de comprimento de onda atribuídas aos ácidos carboxílicos e outros ésteres conforme indicam a tabela 7.
Conclusão
Dos resultados obtidos desse trabalho pode-se tirar as seguintes conclusões:
O estudo etnobotânico mostra que a referida planta pertence à divisão das angiospermas, classe das dicotiledôneas, gênero Ourtea welwitchii, família das anacardaceae, e a ordem das fanerógamas. A sua inflorescência é do tipo umbrela. A planta revela a potencialidade de crescer em solos pobres sem concorrência com as terras usadas pelas plantas oleaginosas à vocação alimentícia. A sua produção de sementes por hectare é promissora em relação de soja, amêndoa, milho, algodão, dendém, girassol.
O rendimento de extracção e o teor de óleo contido nas sementes de mufuko são de 94.20 e 33.02% respectivamente. O solvente n-hexano apresenta maior rendimento e melhor aspecto físico do óleo.
A composição química do óleo determinada por cromatografia em fase gasosa acoplada à espectrometria de massa (GC/MS) revelou a presença de seguintes elementos: ácido oleico (50.09 - 54.25%), ácido palmítico (30.47 - 33.59%), ácido linoleico (10.20 - 14.50%) e ácido esteárico (2.45 - 3.77%). Esta composição permitiu calcular a massa molar do óleo que é de 274.24 g/mol e a massa molar dos triglicerídeos participantes na transesterificação é de 870.6 8 g/mol.
A caracterização físico-química do óleo indicou alto índice de acidez (6.4 mg/mol. KOH/g,) e de ácidos gordos livres (5.95 g. oleico/100g,), o que nos levou a sintetizar o biodiesel em duas etapas: esterificação seguida de transesterificação usando o metóxido de sódio como catalisador e uma razão óleo/álcool de 1/6.
O rendimento de síntese de biodiesel foi de 76.60% enquanto que o índice de acidez, ácidos gordos livres, a densidade, a viscosidade, índice de fulgor e o teor em éster registaram os seguintes respectivos valores: de 0.14 mg. KOH/g, 0.24 g de ácido oleico/100 g, 0.847g/cm3, 4.14mm2/s, 140ºC e 97.5%. Isto é, a qualidade do mesmo obedeceu aos padrões internacionais definidos pelas normas ABNT-NBR, ASTM-D e EN/ISO. Deste modo, podemos afirmar que o óleo de mufuko pode ser usado para a produção sustentável do biodiesel