Introdução
Inúmeras circunstâncias no consultório odontológico podem ocasionar situações de emergência. A administração de anestésicos locais, o atendimento odontológico aos pacientes com comprometimento sistêmico, ansiedade e medo de cirurgias, são muitas vezes as causas mais comuns das emergências como por exemplo, a síncope, hiperventilação e parada cardiorrespiratória.1
Na atualidade observa-se que a busca por tratamento odontológico vem crescendo, contribuindo assim, com o aumento da qualidade de vida.2 Com o aumento do número de idosos buscando por tratamento, eventualmente há também o aumento das condições sistêmicas e, com isso, os dentistas são cada vez mais responsáveis pelo tratamento de um número crescente de pacientes idosos e sistemicamente comprometidos. Grande parte das doenças sistêmicas levam a emergências médicas.3
Tratando-se de prevenção, os Cirurgiões-Dentistas podem evitar as emergências médicas em aproximadamente 90 %, através de um cuidadoso exame clínico.4) Estas informações ajudam a formular um plano de tratamento odontológico abrangente com alternativas adequadas a fim de prevenir ou minimizar as ocorrências de emergência.5,6 Apesar disso, pode ocorrer alguma situação emergencial, fazendo-se necessário que o profissional esteja habilitado para reconhecer imediatamente tal intercorrência e solucioná-la.7
É importante que o dentista compreenda os medos do paciente para que consiga controlar a sua ansiedade previamente ao atendimento. Além disso, fazê-lo compreender que o estabelecimento de uma relação paciente-profissional focada no diálogo contribui de forma eficaz para obtenção de uma anamnese mais fidedigna.8)
O suporte básico de vida (SBV) são um conjunto de manobras onde suas habilidades são utilizadas para salvar a vítima de emergências com risco de morte até o fornecimento do atendimento médico especializado.9,10 O protocolo inicial se resume em: I- checagem da segurança do local e responsividade da vítima; II- acionar o serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU) solicitando um desfibrilador externo automático (DEA); III- checagem do pulso e respiração; IV- caso necessário, realizar compressões torácicas e ventilações. Essas manobras quando bem executadas, podem aumentar a chance de sobrevivência da vítima.11 É responsabilidade do Cirurgião-Dentista reconhecê-los e iniciar procedimentos primários de gerenciamento de emergência, na tentativa de reduzir a morbidade e a mortalidade durante o surgimento dessas situações.12
Como lidar com estas situações vai depender muito do conhecimento e capacitação dos dentistas.13 No entanto, de acordo Hanna et al.14) existe um despreparo técnico e científico por parte dos profissionais e estudantes de Odontologia, devido à ausência de disciplinas específicas na grade curricular do curso de graduação.
Desta maneira, a presente pesquisa teve como objetivo avaliar o nível de percepção dos alunos de Odontologia do 5.º ao 10.º período da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) frente às principais emergências odontológicas.
Métodos
Para realização desta pesquisa foi empregado um estudo descritivo e transversal, onde a execução da coleta de dados deu-se pela aplicação de um questionário adaptado baseado no trabalho de Queiroga et al.,15 composto por 11 questões objetivas, onde os entrevistados foram questionados sobre a diferença entre urgência e emergência, se haviam sido instruídos sobre primeiros socorros e como receberam tais instruções, se sabiam realizar as manobras de RCP, além de como se sentiam quanto a sua preparação para lidar com situações emergenciais. Além do mais, o questionário continha as principais emergências médicas onde o entrevistado deveria assinalar apenas as que ele conhecia os sinais e sintomas. Tais situações foram a lipotimia, síncope, convulsão, parada cardiorrespiratória, infarto agudo do miocárdio, reação tóxica devido a superdosagem de anestésico, crise asmática, crise hipertensiva, hiperventilação e hipoglicemia.
O universo foi constituído pelos estudantes de Odontologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na cidade de Patos, no Estado da Paraíba, regularmente matriculados, cursando do 5º ao 10º período. A pesquisa foi realizada na UFCG, durante os meses de setembro, outubro e novembro de 2018.
O cálculo amostral considerou um grau de confiança de 95 %, poder de teste de 50 % e margem de erro de 5 %, em um universo de 200 estudantes, obtendo uma amostra de 138 participantes.
Foram incluídos na pesquisa, alunos do curso de graduação de Odontologia da UFCG, que cursassem do 5.º ao 10.º período, regularmente matriculados, presentes em sala de aula no momento da aplicação dos questionários (Tabela 1). Foram excluídos da pesquisa os alunos do 1.º ao 4.º período de Odontologia da UFCG, pois estes ainda não haviam tido contato direto com as disciplinas clínicas, além dos alunos matriculados em outros cursos, alunos do 5.º ao 10.º período ausentes durante a aplicação dos questionários e, aqueles que se recusaram a responder o questionário e não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Período | Número de alunos matriculados em cada período | % do número de alunos por período que responderam ao questionário (%) |
---|---|---|
5.º | 28 | 92,8 |
6.º | 28 | 82,1 |
7.º | 30 | 43,3 |
8.º | 45 | 88,8 |
9.º | 40 | 65 |
10.º | 29 | 55,1 |
Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos foram atendidas as exigências propostas pelo Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução n.º 466, de 12 de dezembro de 2012. A pesquisa foi realizada após a aprovação pelo Comitê de ética em Pesquisa (CEP) das Faculdades Integradas de Patos (FIP).
Os dados coletados foram de natureza qualitativa e foram apresentados na forma de frequência absoluta e/ou frequência relativa, onde foram analisados no Software SPSS (Statistical Package for Social Sciences) para Windows, versão 23.0.
Resultados
Os resultados relativos ao nível de conhecimento dos alunos do 5.º ao 10.º período quanto a diferença entre urgência e emergência e seu cruzamento entre estes períodos são apresentados na figura 1. Observou-se que 86,2 % do total de alunos entrevistados relataram saber a diferença entre urgência e emergência, onde os estudantes do 5.º período apresentaram menor índice de resposta positiva (48 %), sendo que os estudantes do 8.º, 9.º e 10.º períodos apresentaram maior índice de resposta positiva (100 %).
Questionados sobre a instrução e como proceder diante de algum quadro de emergência odontológica, 52,2 % dos alunos confirmaram estar recebendo ou terem recebido instruções quanto a este assunto, tendo responsáveis por esta fonte de aprendizado algumas disciplinas não específicas (32,6 %), palestras (18,1 %), minicursos em eventos (17,4 %), vídeo aulas (10,1 %), outro curso (7,2 %), estágios extracurriculares (3,6 %) e outros (2,2 %) (Fig. 2).
A necessidade de elaboração de uma disciplina específica com abordagens teórico-práticas para o preparo dos acadêmicos de odontologia para tais situações foi evidenciada pela afirmação de 97,1 % dos alunos entrevistados, enquanto apenas 2,9 % afirmaram não haver necessidade da criação desta.
Quanto ao conhecimento destes alunos sobre a sintomatologia das principais emergências que podem ocorrer no consultório odontológico, apenas 34,1 % relataram conhecer o quadro de lipotimia, a crise convulsiva (80,4 %), conhecimento PCR (57,2 %) e 50,7 % conheciam a sintomatologia do infarto do miocárdio. Além disso, afirmaram conhecer a sintomatologia de uma crise asmática (54,3 %), crise hipertensiva (41,3 %), hipoglicemia (54,3 %), síncope (70,3 %), reação alérgica ao anestésico (50,7 %) e crise de hiperventilação (28,3 %), tendo este último o menor índice de resposta positiva, como demonstra a figura 3. Além do mais, 75,4 % dos entrevistados informaram presenciar uma ou mais situações das emergências mencionadas.
Na tabela 2, observa-se o percentual de respostas positivas de cada período entrevistado em relação ao conhecimento da sintomatologia das principais emergências odontológicas.
Ao perguntar se o aluno achava que seu aprendizado na graduação estava sendo suficiente para lidar com estas situações emergenciais, 59,4 % dos entrevistados responderam que “não”, 3,6 % responderam que “sim”, e 37 % responderam “um pouco”.
Quando se trata das manobras de Reanimação Cardiopulmonar (RCP), 50 % dos alunos entrevistados relataram não saber realizar o procedimento, 17,4 % destes alunos declararam saber realizar o procedimento e 32,6 % destes alunos foram instruídos, porém não sabem executar o procedimento.
Quando questionados sobre sentir-se preparado para prestar socorro em alguma das situações de emergência citadas no questionário, 46,4 % destes alunos responderam que não se sentem preparados, 11,6 % sentiam-se preparados e 42 % sentiam-se pouco preparados.
Além disso, 81,9 % dos alunos entrevistados pretendem buscar uma formação complementar durante ou após a graduação, e 18,1% destes alunos informaram que talvez busquem tal formação.
Discussão
Muito embora os casos de emergências médicas não ocorram com frequência no consultório odontológico, a experiência diante destas situações pode ser perturbadora se o dentista estiver despreparado, pois pode comprometer a vida do paciente.16
Quando ocorrem, as emergências médicas tendem a surgir de forma repentina e inesperada, sendo crucial que os dentistas sejam capazes de reconhecer o início de uma emergência, diagnosticar a condição e fornecer o tratamento.17
Em uma pesquisa feita em Santa Catarina,14 observou-se que existe uma grande falha no reconhecimento das situações de emergência por parte do Cirurgião-Dentista, por falta de preparo e treinamento durante a graduação, pois a maioria das faculdades não oferecem uma disciplina que aborde o tema, e quando é abordado na graduação, este é ministrado em outras disciplinas com uma carga horária muito baixa. Isso também ocorre na UFCG, local onde a presente pesquisa foi realizada, devido a inexistência de uma disciplina específica, onde este assunto é ministrado em disciplinas não específicas que não permitem por em prática o que foi visto em teoria.
Uma situação de emergência é definida como uma ocasião crítica e perigosa que necessita de atendimento imediato por provocar risco de morte. Enquanto a urgência corresponde a um processo agudo que embora exija um atendimento imediato, não possui risco de vida iminente.18
Diante do grande percentual de respostas afirmativas quando se questionou se o aluno conhecia a diferença entre urgência e emergência, foi possível observar que os últimos períodos da graduação obtiveram os maiores índices de respostas positivas, visto que no 8.º período este tema é abordado brevemente na disciplina de Endodontia. Além disso, no 9.º período este assunto é discutido em algumas aulas da disciplina de Traumatologia e Reconstrução Bucomaxilofacial, configurando assim os períodos com os mais altos resultados em relação aos períodos anteriores.
Caputo et al.19 afirmaram que o profissional é despreparado na graduação e na pós-graduação, tendo ele mesmo que buscar a educação continuada após a sua formação. Como não existe uma obrigatoriedade de cursos regulares de capacitação, o assunto acaba sendo esquecido por não ser posto em prática periodicamente. Dessa forma, o cirurgião-dentista esquece que está lidando com vidas humanas e, se desobriga de assumir os riscos e responsabilidades inerentes à profissão.
Ehigiator et al.20 realizaram um estudo semelhante a presente pesquisa, entrevistando estudantes do último ano do curso de odontologia da Universidade de Benin, onde 58 % dos estudantes afirmaram ter alguma forma de treinamento, sendo as principais formas, palestras (72,2 %), seminários (36,1 %), simulação (41,7 %), vídeo aulas (11,1 %) e slides em Power point na gestão de emergência médica (27,7 %).
Entende-se que o interesse dos alunos é idividual e pode induzir nessa variável, porém, observou-se que o último ano da graduação demonstrou maior interesse em buscar formação complementar durante a graduação, talvez pelo fato de estarem por mais tempo na graduação e começarem a se preocupar com seus atendimentos no ambiente de trabalho.
Segundo Queiroga et al,15 o conhecimento maior acerca do tratamento das situações de emergência mostra a dificuldade de lidar com estas ocorrências. Já o pouco conhecimento, no entanto, pode criar a falsa impressão de autoconfiança e segurança, que talvez crie complicações no ato de uma intercorrência emergencial, ou seja, tal situação poderá levar à formação de futuros profissionais negligentes, imprudentes ou imperitos.
A grande maioria dos alunos entrevistados consideram que apenas os conhecimentos adquiridos na universidade são insuficientes para prestar socorro diante de uma emergência, visto que este tema é ministrado em disciplinas não específicas e que não permitem aplicações práticas do conteúdo. Além do mais, todos os entrevistados acreditam na importância de aprender a lidar com as situações de emergência. Estes resultados assemelham-se aos do estudo de Gehlen & Cé,21 onde realizou uma entrevista aos professores da Escola de Odontologia da Faculdade Meridional, no Rio Grande do Sul, no qual 91 % relataram não haver disciplina especifica para a graduação, sendo que todos concordaram ser de suma importância haver tal disciplina na formação dos cirurgiões-dentistas. Ainda afirmaram que os alunos não estão capacitados para atuar em casos de emergências médicas.
Diante de uma situação de emergência, não é atípico que um primeiro socorrista seja tomado por pânico ou indecisão, possivelmente diminuindo o tempo de resposta para cuidados intensivos, resultando assim, no aumento da morbidade ou mortalidade do paciente.22
Uma pesquisa realizada na cidade do Porto,23) demonstrou que a maioria dos profissionais não se sentem preparados para lidar com situações de urgência/ emergência médica, necessitando de investimento na formação acadêmica e na pós-graduação nesta área.
Nesta pesquisa, quando questionados sobre as situações de emergência e sua resolução, uma minoria dos alunos respondeu que se sentiam preparados para enfrentar tais situações, o que foi considerado um número muito inferior quando comparado ao número de alunos que responderam não se sentir preparados ou os que se sentiram um pouco preparados.
Arsati et al.,7 investigaram a prevalência de emergências médicas nas práticas odontológicas e a experiência de preparação e treinamento na RCP dos dentistas brasileiros, observaram que a pré-síncope, hipotensão ortostática, reações alérgicas moderadas, crises de hipertensão, asma e síncope, foram, nesta ordem, as emergências mais comuns vistas por eles.
Hanna et al., 14 examinaram o nível de conhecimento dos Cirurgiões-Dentistas (CDs) do município de Belém do Pará sobre às situações de urgência e emergência em consultório odontológico, foi analisado que 65,1 % dos CDs entrevistados responderam que nunca enfrentaram uma situação de urgência/emergência em consultório. Dentre os profissionais que já vivenciaram essas situações (33,8 %) relataram que os episódios mais comuns foram o de hipoglicemia (48,8 %) e 64,8 % dos profissionais afirmaram que souberam solucionar o caso.
Já em um estudo realizado por Alhamad et al.24 na Província Oriental da Arábia Saudita, observaram que a síncope foi a situação prevalentemente encontrada por 53,1 % dos dentistas, tornando-se a emergência mais comum, constituindo 42,5 % de todas as emergências médicas. Cerca de 44,8 % dos cirurgiões-dentistas trataram a hipoglicemia que constituiu 22% de todos os casos e, portanto, a segunda emergência mais comum, e 5,5 % dos CDs tiveram que lidar com aspiração de corpo estranho, a emergência menos frequente (3 %).
É possível observar em diversas pesquisas que a síncope e a hipoglicemia são as emergências mais predominantes no consultório odontológico, assemelhando-se a alguns achados do presente estudo, que apesar da pouca vivência clínica dos entrevistados, observou-se que as principais situações presenciadas ou solucionadas pelos alunos em algum momento durante a graduação, ocorridas no âmbito odontológico ou não, foram a crise convulsiva, síncope vasovagal, hipoglicemia, lipotimia.
Alhamad et al.24 observaram em sua pesquisa que 44,8% dos dentistas entrevistados sentiram-se capazes de realizar as manobras de RCP. Arsati et al.7 também observaram em um estudo que 43 % dos cirurgiões-dentistas brasileiros eram competentes para realizar as manobras de RCP. Diferentemente do presente estudo, a maioria dos entrevistados responderam não saber executar ou ter recebido instruções, porém não sabe realizar as manobras de RCP. Este achado assemelha-se ao encontrado por Laurent et al.,25) onde constataram que os estudantes de odontologia do último ano não eram capazes de controlar com competência uma parada cardíaca, apesar de mais da metade desses alunos se considerarem total ou suficientemente capazes de prestar assistência nesses casos. O que pode explicar esta diferença é a inexperiência e conhecimento dos entrevistados quando comparados com os CDs.
Arsati et al.7 observaram que as justificativas mais comuns que os entrevistados deram por sua falta de conhecimento e habilidades a respeito das emergências médicas foram a falta de aprendizado e treinamento durante o curso de graduação. Seus resultados assemelham-se aos encontrados na presente pesquisa, o que justifica o fato de que grande parte dos alunos entrevistados pretendem buscar uma formação complementar durante ou após a graduação.
A implementação de componentes curriculares periódicos que enfatizem o diagnóstico, tratamento e prevenção de emergências em consultório, que acompanhem o aluno durante toda sua trajetória no curso poderia aumentar significativamente o aprendizado. Outra alternativa muito interessante seria a implantação de disciplinas curriculares em hospitais, visto que é um ambiente onde o número de emergências é muito maior, podendo o aluno ter uma visão mais ampla dessas situações, além de uma experiência enriquecedora para sua formação.
Além da preparação na graduação para emergências médicas na prática odontológica, o Cirurgião-Dentista também deve buscar uma educação continuada deste assunto. Soar et al.26) afirmaram que os CDs devem ser submetidos ao treinamento prático anual no diagnóstico e tratamento das emergências médicas.
Muito embora existam instituições de ensino superior onde há a oferta de componentes curriculares específicos, esta não é a realidade da maioria das universidades.
Sendo assim, é imprescindível que os cursos de graduação em odontologia sejam revisados para a inclusão de uma disciplina obrigatória específica em seus currículos. Do mesmo modo, o Cirurgião-Dentista deve fazer regularmente cursos teórico-práticos nesta área, regulamentados pelo CFO após a graduação.
Diante da exposição dos dados coletados, é perceptível que os alunos de graduação em odontologia da UFCG não estão totalmente preparados para lidar com as situações de emergências odontológicas, apresentando um baixo nível de percepção sobre este assunto.