INTRODUÇÃO
As atividades de enfermagem no cotidiano hospitalar envolvem horários diurno e noturno. As tarefas impostas no dia a dia fazem com que os enfermeiros distribuam essas atividades conforme os horários de trabalho. O trabalho em turnos é uma forma de esquema sucessivo com extensão dos horários de trabalho em que há necessidade primordial de uma assistência de 24 horas aos pacientes hospitalizados.1
O trabalho em turnos é um esquema de organização diária do trabalho para os profissionais que podem manter-se em mais de um emprego, por questões financeiras, em turnos consecutivos ou pela probabilidade de desenvolver outras atividades diárias, fora do serviço, com o horário antes estabelecido em escalas. Mesmo com essas possibilidades, o serviço em turnos pode conflitar-se com os ritmos biológicos e com os hábitos e horários, para convivência com familiares e amigos, que podem originar prejuízos para a saúde e a qualidade de vida social dos trabalhadores.2
O rodízio de horários nos turnos também é identificado em um estudo como fator de maximização de efeitos negativos na saúde, por dificultar qualquer tentativa de adaptação do ritmo biológico ao do trabalho.3
Sendo assim, o conflito na estrutura dos ritmos, ocasionado pelo trabalho realizado em turnos alternativos, tem implicações diretas no ciclo vigília/sono e nos sistemas orgânicos. O sujeito é obrigado a alterar seus horários de sono, alimentação, lazer e outros. Em geral, dentre as consequências orgânicas, podem estar: o agravamento de doenças, maior suscetibilidade a agentes lesivos, cansaço, sofrimento mental, envelhecimento precoce e alterações do trato gastrointestinal. Como a luz é o principal sinal para sincronizar os relógios biológicos, pessoas cegas e trabalhadores em turnos e noturno são os mais propensos a desenvolver transtornos do sono relacionados ao ritmo circadiano.4
Portanto, diante destes eventos, há uma preocupação constante com a qualidade de vida do trabalhador em turno. O conceito sobre QV é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto cultural e no sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.5,6
A Qualidade de Vida no trabalho vem sendo valorizada e estudada recentemente, sendo ela essencial para se ter um proveito tanto físico quanto mental, pois, dependendo do seu serviço, o trabalhador poderá seguir o caminho da geração da saúde ou da geração do desgaste, e caso este esgotamento ocorra, nos profissionais de enfermagem, por exemplo, a assistência poderá ser prejudicada.6,7,8
Isso posto, evidencia-se a necessidade de refletir e pesquisar mais sobre este tema, pela sua importância na qualidade de vida dos trabalhadores de enfermagem. Os horários de trabalho em turnos devem ser mais debatidos, com ênfase na satisfação do profissional, sendo aliado com a política da instituição, propondo ações que beneficiem sua práxis profissional e a qualidade de vida no trabalho.
Nesse contexto, o estudo objetivou avaliar a qualidade de vida e a qualidade do sono dos enfermeiros e realizar uma comparação entre os turnos hospitalares de trabalho.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo analítico, descritivo, transversal, de abordagem quantitativa, realizado no período janeiro a setembro de 2015 em um Hospital Universitário de referência, localizado na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. O horário de trabalho da equipe de enfermagem do hospital consta de jornadas de trabalho de seis horas diárias para o turno diurno, com uma folga semanal, e para o noturno, jornadas de 12 horas de trabalho e folga nas 36 horas posteriores.
Participaram da pesquisa 104 enfermeiros que trabalhavam nos turnos diurno e noturno, nos seguintes setores: Unidade de Terapia Intensiva, Centro Cirúrgico, Pediatria, Dermatologia, Enfermaria Clínica e Cirúrgica, Setor de Imagens e Ambulatório. Os dados foram coletados no período de janeiro a setembro de 2015, durante as atividades de enfermagem no hospital. Todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Os instrumentos utilizados foram: Ficha de dados sociodemográficos, Questionário WHOQOL-bref e Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh.
Para levantamento sociodemográfico da população, aplicou-se uma ficha de avaliação com questões fechadas: nome, sexo, idade, estado civil, número de filhos, local de trabalho no hospital, turno de trabalho, tempo de formação na área e tempo de permanência no turno, se trabalha em outro local e se realiza outras atividades.
O segundo instrumento aplicado foi o questionário World Health Organization Quality of Life - Bref (WHOQOL-Bref), o qual é uma versão abreviada do instrumento de qualidade de vida da OMS, Wolrd Health Organization Quality of Life - 100 (WHOQOL-100), traduzido e validado para a língua portuguesa e mais de vinte idiomas.7) É um instrumento autoaplicável, com 26 questões, dividido em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. Os escores dos domínios são calculados para uma escala de 0 a 100, onde quanto mais próximo o valor de 100, melhor será a qualidade de vida.
O Questionário Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI-BR), validado e traduzido, destina-se a avaliar as características dos padrões de sono e quantificar a qualidade do sono do indivíduo.9,10
O PSQI abrange a qualidade subjetiva do sono e a ocorrência de distúrbios deste, com um intervalo anterior à data do seu preenchimento, que pode ser determinado pelo pesquisador. Esse questionário possui dez questões, e para todas há um espaço para o registro dos comentários do entrevistado, se houver necessidade. Nesse instrumento, a escala varia de 0 a 20 pontos e escores maiores do que cinco implicam em qualidade de sono ruim.11
Os dados coletados foram organizados em banco de dados eletrônico por meio de digitação em planilha do aplicativo Microsoft Excel. Após esse processo, foram exportados para o programa Statistical Package of Social Sience (SPSS) 20.0. Os dados relativos à caracterização dos enfermeiros foram analisados mediante estatística descritiva (média, desvio padrão, mínimo e máximo, frequências absolutas e relativas). Para a estatística inferencial, utilizou-se o teste de Fisher, caso as caselas da amostra fossem menores que cinco, ou o teste Qui-Quadrado. Os escores dos domínios da qualidade de vida foram realizados pelo SPSS versão 20.0 respeitando os princípios dos cálculos pelas expressões divulgadas pelo grupo WHOQOL.5
A análise foi realizada em estatística descritiva e, para comparação entre domínios da qualidade de vida e as variáveis de interesse, utilizou-se o teste do Qui-quadrado. Após verificar a não normalidade das variáveis escalares pelo Teste Kolmogorov-Smirnov, optou-se pelo coeficiente de correlação de Spearmann e U de Mann Whitney. Adotou-se o nível de p < 0,05 de significância estatística.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas sob o Parecer nº 751.567, seguindo as normas da Resolução 466 de 2012 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos.
RESULTADOS
A população da amostra foi dividida em dois grupos: turno diurno com 64 participantes e turno noturno com 40 participantes (Tabela 1).
Dentre os critérios sociodemográficos (Tabela 1), evidenciaram-se predominância do sexo feminino 94 (90,40 %) e faixa etária entre 24 e 45 anos de idade 76 (73,10 %). Em ambos os turnos 76 (75,10 %), quando comparada à faixa de 46 a 68 anos, existe uma considerável diminuição de profissionais, com 7 (6,70 %).
Quanto às características laborais dos profissionais que trabalham no turno noturno, existe maior concentração nos setores de internação 33 (31,70 %) do que nos ambulatórios com 7(6,70 %), visto que poucos serviços funcionam durante à noite. Com relação ao tempo de profissão, existe uma maior predominância de 1 a 25 anos 78 (75,00 %) em ambos os turnos, em comparação a faixa de 26 a 49 anos com 26 enfermeiros (25,00 %). Há uma predominância de profissionais que utilizam estimulantes no turno diurno, com 54 (51,90 %), tendo o noturno 26 (25,00 %).
Quanto às características de hábito de vida, do total de profissionais 59 (56,70 %) não praticam atividades físicas, sendo que 39 (37,50 %) são do turno diurno e a minoria ingere álcool socialmente 49 (47,10 %).
A tabela 2 mostra que os dados sobre as características do sono demonstraram diferença estatisticamente significativa pelo Teste Mann-Whitney (com valor de p= 0,059; 0,031; 0,013), respectivamente, entre os turnos para as variáveis, latência do sono, duração do sono e pontuação global do PSQI.
Quanto à avaliação gráfica, no turno diurno, os profissionais que apresentaram boa qualidade do sono indicam melhor resultado para qualidade de vida no domínio físico. Essa diferença teve valor estatisticamente significativo (p-valor= 0,001). Evidencia-se que existe diferença entre o padrão do sono e o domínio de qualidade da vida, sendo melhor a qualidade de vida dos profissionais que têm melhor qualidade do sono.
No turno noturno os profissionais que apresentaram boa qualidade do sono indicam também melhor qualidade no domínio físico. A representatividade foi menor no turno noturno quando comparado ao diurno. Os profissionais que obtiveram qualidade do sono ruim apresentaram comportamento bastante variado em relação ao domínio físico. Essa diferença teve valor significativo (p-valor= 0,001).
No turno diurno, os profissionais que apresentaram boa qualidade do sono exibem melhor qualidade no domínio psicológico. Os valores referentes à boa qualidade do sono e qualidade do sono ruim encontram-se bem próximos. Essa diferença teve valor significativo (p-valor= 0,042).
No turno diurno, os profissionais que apresentaram boa qualidade do sono demonstram melhor qualidade também no domínio social. Os profissionais que obtiveram qualidade do sono ruim apresentaram comportamento muito variado em relação ao domínio social. Essa diferença teve valor estatisticamente significativo (p-valor = 0,006).
No turno noturno, os profissionais que desenvolveram boa qualidade do sono apresentaram melhor qualidade no domínio social, já os que obtiveram qualidade do sono ruim, apresentaram comportamento variado em relação ao domínio social (p-valor 0,404).
Os profissionais do turno noturno que apresentaram boa qualidade do sono evidenciaram melhor qualidade no domínio ambiente, e os que obtiveram qualidade do sono ruim, apresentaram comportamento variado em relação ao domínio ambiente. Essa diferença obteve valor significativo (p-valor= 0,019).
Os profissionais do turno noturno que demonstraram resultados de boa qualidade do sono apresentaram melhor qualidade no domínio ambiente. Os que obtiveram qualidade do sono ruim, apresentaram comportamento bastante variado em relação ao domínio ambiente. Essa diferença mostrou valor estatisticamente significativo (p-valor 0,009).
Por outro lado, os profissionais do turno diurno que desenvolveram boa qualidade do sono apresentaram melhor qualidade para o domínio da qualidade de vida. Os que obtiveram qualidade do sono ruim, apresentaram comportamento muito variado em relação ao domínio físico. Essa diferença obteve valor estatisticamente significativo (p-valor 0,030).
No entanto, os profissionais do turno noturno que apontaram boa qualidade do sono apresentaram melhor qualidade para o domínio físico. Os que obtiveram qualidade do sono ruim apresentaram comportamento variado em relação ao domínio físico. Essa diferença não mostrou valor estatisticamente significativo (p-valor= 0,078).
DISCUSSÃO
O propósito desta investigação foi analisar a qualidade de vida e a qualidade do sono de enfermeiras entre os turnos diurno e noturno. Em um estudo espanhol com 635 enfermeiras, apenas 20 % consideraram que seu ambiente de trabalho era favorável.12
Observou-se nesse estudo que as características do perfil da amostra foram população feminina, em sua maioria, idade entre 24 a 45 anos, com maior número na área hospitalar quando se comparou com o serviço ambulatorial. Evidenciou-se a prática de dupla jornada de trabalho para o grupo do turno noturno, embora houvesse também sujeitos no turno diurno. Os sujeitos de ambos os turnos referiram que fazem uso de estimulantes.
Uma forma de garantir a continuidade dos cuidados de enfermagem é o trabalho por turnos, que é oneroso e pode levar a distúrbios do sono. Pesquisas afirmam que os enfermeiros que trabalhavam em um ambiente hospitalar tinham uma alta prevalência de distúrbios do sono.12,13
Não há dúvida de que o sono tem um efeito positivo sobre a saúde e bem-estar do ser humano. Mesmo quando os enfermeiros têm conhecimento suficiente sobre o sono, o tempo limitado e os recursos inadequados em ambientes clínicos podem criar sérios problemas para a promoção da qualidade do sono e o tratamento dos distúrbios do sono. O impacto destes é fundamental ao avaliar a QV em uma população.13
Estudo internacional avaliou retorno do trabalhador em turno noturno menor que 11 horas entre o final do turno e o próximo, evidenciando que é um preditor significativo de má qualidade do sono, exaustão, interferência trabalho-família, concluindo que há resultados mais negativos, pois não prevê recuperação após dias de descanso.14
Ressalta-se que, nesse estudo internacional, havia enfermeiros que trabalhavam em mais de um emprego, sendo que entre um e outro pode não haver este tempo suficiente de descanso ou prática de exercícios físicos, dados similares foram citados em outro estudo que referiu menor prática de exercício entre trabalhadores do turno da noite e tendência para aumentar o peso corporal.14,15
Semelhantemente, estudos atuais evidenciaram pior avaliação do sono no turno noturno. Para o período da noite, no presente estudo, a pontuação global do PSQI foi de 8,3 pontos, maiores na literatura recente que encontrou uma média de 6,8 pontos, demonstrativo de má qualidade do sono.12
A qualidade do sono, medida pelo PSQI, foi em média de 6,8 (DP 3,39) numa escala de 0 (melhor qualidade) a 21 (pior qualidade) .As pessoas que trabalhavam no turno da noite tiveram sono de qualidade pior do que aqueles que trabalhavam no turno do dia (p = 0,017).Outro estudo também utilizou questionários do PSQI para investigar as condições de sono dos indivíduos durante o mês anterior e, portanto, eventos especiais ou diferentes percepções do sono sugerem que podem influenciar os resultados do teste.16
Estudo espanhol evidenciou diferenças estatísticas entre o tipo de turno e índice de qualidade subjetiva do sono PSQI (p = 0,028), duração do sono (P = 0,001), distúrbios do sono (p = 0,034) e disfunção diurna (p = 0,041) .12
Os componentes do PSQI são classificados entre 0 e 3, e em estudo pregresso, a qualidade subjetiva do sono e latência do sono tem maior valor médio (1,35) e o uso de medicamentos para dormir é o mais baixo 0,3.12) O uso de medicamentos para dormir foi um fato que corroborou com o presente estudo, com valor médio mais baixo (0,1).
Além da má qualidade do sono, este estudo também evidenciou que os enfermeiros que trabalhavam no turno diurno apresentaram melhor qualidade de vida do que os profissionais que atuavam no noturno. Com relação aos domínios da qualidade de vida, observou-se que em todos aspectos (Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente) e no geral, os enfermeiros que trabalhavam no turno diurno estavam melhores do que os que trabalhavam no noturno, e estatisticamente significativo no domínio social (p=0,014) e pontuação geral (p=0,024).
Em outra pesquisa que corrobora com este resultado, 33 % das enfermeiras referiram sono de má qualidade, menor qualidade de vida, taquicardia e distribuição desigual da carga de trabalho, considerados fatores fortemente associadas à má qualidade do sono.17
Os trabalhadores noturnos têm mais dificuldades de participar de atividades promovidas pela instituição no período diurno, tais como: palestras, reuniões, atividades em educação continuada ou até mesmo para conhecimento e apresentação de novas ferramentas às rotinas de trabalhos e as normas institucionais, o que não acontece com os trabalhadores diurnos, pois além de atuarem em seu próprio turno, necessitariam estar em atividades enquanto estariam realizando outras tarefas.3
A qualidade de vida dos enfermeiros que trabalhavam no turno noturno foi menor, pois há o surgimento de distúrbios do sono, redução do estado de alerta, alterações no ciclo vigília-sono e aumento da sonolência diurna.14,18
Pesquisas realizadas com 1431 enfermeiros indicaram que sexo, índice de massa corporal, o número de turnos noturnos e índices de stress relacionados com o trabalho tinham vinculação com a insônia destes trabalhadores por turnos.19
Outra pesquisa com 236 enfermeiros mostrou que 51,89 % destes trabalham em sistema de turnos flexíveis. Enfermeiros que trabalham em sistema de turnos irregulares tiveram pior qualidade do sono do que os que trabalham em sistema de turnos flexíveis e regulares (p = 0,044). Autores concluem que seria útil se pudesse ser estabelecido o sistema de turnos menos onerosos.20
Estudos mostram que a má qualidade subjetiva do sono e a fraca estabilidade objetiva do sono ocorrem frequentemente entre a equipe de enfermagem hospitalar.16,19
Todos os índices de qualidade do sono foram melhores para o grupo do diurno e tiveram diferença significante quando comparados aos trabalhadores do noturno. A qualidade de vida em todos os domínios e no geral dos enfermeiros do diurno foi melhor do que os que trabalhavam no noturno e, significativamente, no domínio social.
Em conclusão, os enfermeiros que trabalhavam no período diurno apresentaram qualidade sono e, em relação aos domínios da qualidade de vida, obtiveram melhores resultados do que os profissionais que atuavam no noturno.
No entanto, estes dados fornecem evidências sobre o impacto do trabalho por turnos, para que gestores e responsáveis políticos possam garantir o bem-estar dos enfermeiros, e assim, prestar um serviço de qualidade aos pacientes.
Ressalta-se que é de profundo interesse que as organizações estejam cientes deste adoecimento causado pelo trabalho. Assim, se faz necessário que as organizações reconheçam os serviços que seus funcionários realizam, para que tenham autoestima elevada e sejam estimulados sempre em trazer melhorias e incremento de tarefas mais produtivas. É perceptível nos ambientes de trabalho que o enfermeiro tem uma carga horária exaustiva.
A pesquisa sugere novos estudos que complementem a avaliação do sono dos enfermeiros realizada pela polissonografia a fim de diagnosticar possíveis distúrbios que possam interferir na qualidade de vida desses profissionais, contribuindo para a saúde desse trabalhador. Além disso, ressalta-se a importância dos resultados deste estudo para a aplicabilidade no ensino, pesquisa e assistência.