Introdução
Pinos de fibra de vidro têm sido rotineiramente utilizados, devido a suas características estéticas, por sua aderência à dentina, resistência à corrosão e pelo mínimo risco de fraturas radiculares quando comparados aos pinos metálicos, devido ao seu o módulo de elasticidade semelhante ao da dentina.1,2,3,4
Para a cimentação dos pinos diversos materiais já foram propostos, mas os mais aceitos são os cimentos resinosos.4) Atualmente os cimentos resinosos diferem do material restaurador por conter menor quantidade de carga, dando a característica de maior fluidez ao material. Para utiliza-los são empregados materiais restauradores adesivos, quando estes não são auto-adesivos, para que a união às paredes do canal radicular seja satisfatória, faz-se necessário a entrada dos monômeros resinosos na superfície dentinária condicionada.5
Durante o preparo do canal radicular para a inserção de pinos, a camada de smear layer é produzida, impedindo que o cimento resinoso penetre de forma eficaz na dentina radicular, diminuindo a adesão ao tecido dentário. Contudo tem sido investigada a ação do EDTA, que é uma substância quelante, isolada ou associada a outras substâncias, com o objetivo de se remover essa camada residual.6 Para o mesmo fim, o ácido poliacrílico é comumente utilizado para removê-la anteriormente à inserção do cimento de ionômero de vidro.7 Esses materiais são utilizados como pré-tratamento da superfície dentinária.
O tratamento da superfície dentinária foi demonstrado em vários estudos como requisito essencial para garantir uma boa união do trinômio dentina/cimento/pino. Atualmente são utilizados: erbio-crómio; irradiação com laser de ítrio-escândio-gálio (Er, Cr: YSGG),8 irrigação com clorexidina,9 irrigação com hipoclorito de sódio (NaOCl),10 etanol (EtOH) irrigação,11 condicionamento com ácido fosfórico12,13 ou ácido poliacrílico,7 e EDTA por serem capazes de promover uma melhor resistência de união entre a dentina radicular e os cimentos resinosos.14)(10
Com base nessas considerações, o sucesso clínico do tratamento restaurador usando pinos de fibra depende da força de união entre a superfície da dentina e o canal. O objetivo deste estudo foi avaliar a força de adesão em pinos de fibra de vidro após diferentes tratamentos radiculares em diferentes regiões da dentina radicular antes da cimentação com cimento auto adesivante. A hipótese nula testada foi de que não havia diferença significativa nos valores de resistência à união entre a dentina e os pinos de fibra de vidro, entre os quatro diferentes tipos de tratamento radicular.
Métodos
Trata-se de um estudo experimental in vitro. Foram utilizados 40 dentes bovinos hígidos com formas e tamanhos de raízes semelhantes, eles foram limpos com curetas periodontais para a remoção do ligamento periodontal e armazenados em água destilada. As coroas foram separadas das raízes com disco diamantado dupla face KG Sorense, spray ar-água até uma profundidade de 16mm. Os canais radiculares foram instrumentados pela técnica de crown-down e irrigados com água destilada, hipoclorito, EDTA (Biodinâmica) e posteriormente secos com pontas de papel absorvente Dentsply.
Os canais foram obturados com os pontos de guta-percha e AH Plus (Dentsply) utilizando a técnica de condensação lateral. Um material temporário de preenchimento de cotosol (Coltene) foi usado para selar o terço-coronal das raízes. Em seguida, essas raízes foram armazenadas em solução salina a 0,9 % por um período de armazenamento de 48 horas.
O material de selamento e guta-percha foram removidos com broca do kit completo Pino White Post DC2® até uma profundidade de 12 mm e os canais secos com pontos de papel absorvente. Estas raízes foram divididas aleatoriamente em quatro grupos (n = 10) de acordo com o tratamento de superfície utilizado: adesivo (1), agente quelante (2), ácido poliacrílico (3), nenhum tratamento (4) Para o Grupo 1 os canais foram condicionados com ácido fosfórico a 37 % por 15 segundos e gentilmente secos com papel absorvente; e o adesivo AMBAR-FGM foi aplicado duas vezes com escova descartável no canal radicular por 10 segundos, aplicado jato de ar por 10 segundos e fotopolimerizado por 20 segundos com a unidade de fotopolimerização Radii plus, SDI®. Para o Grupo 2 os canais foram irrigados com quelante e agitado por 5 minutos com lima endodôntica; lavado e seco com pontas de papel absorvente. O Grupo 3 foi tratado com ácido poliacrílico (Vitro Condicionador® - DFL), onde os canais foram lavados e secos ao ar aplicado o ácido com um microbrush descartável friccionando por 10 segundos; lavados e secos com pontos de papel absorvente. O Grupo 4 não recebeu pré-tratamento (controle) e os canais foram irrigados com água destilada e secos com pontas de papel absorvente.
Neste estudo, foram utilizados pinos de fibra de vidro (White Post DC2®). Todas as postagens foram escovadas com etanol 70 % , secas ao ar por 10 s, pré-tratadas com Silano (Prosil® FGM) por 1 minuto, e suavemente secas ao ar por 10s. Para cimentação, todas as raízes usaram o mesmo protocolo. O cimento autocondicionante SET PP da SDI® foi aplicado na raiz do canal com a ponta da seringa. Em seguida, os pinos foram posicionados no canal imediatamente após a inserção do cimento resinoso e a fotopolimerização com a unidade de fotopolimerização (Optlight 600 da kavo®) por 60 s. Após a cimentação, estes espécimes foram armazenados em solução salina a 0,9 % durante vinte dias, antes do teste push-out.
Teste de resistência ao cisalhamento por extrusão (push-out)
Para o teste de resistência ao cisalhamento por extrusão (push-out), os corpos de prova foram montados em aparelho de PVC (20mm) com resina acrílica. Para garantir a imersão dos pinos de fibra de vidro nas raízes em uma posição perpendicular ao solo, utilizou-se um delineador através do qual o pós-excedente foi fixado em porta grafite. Depois de verter a resina acrílica no cano, mergulhe-o no fixador à porta grafite até que o dente toque na base do delineador e espere-se a polimerização. Cada dispositivo foi perpendicularmente ao seu longo eixo, da direção coronária à apical, em marcinhas de 5 mm, 6 mm, 9 mm, 10 mm, 13 mm, 14 mm. Três fatias, cada uma com 1 mm de espessura, foram obtidas de três regiões (cervical, médio e apical).
O teste de força de adesão foi realizado por meio de uma máquina universal de ensaios (Centro de Tecnologia- CT, Universidade Federal da Paraíba) a uma velocidade de 1 mm / min e uma carga de 50 kgf, até a ocorrência da falha. Essa carga foi aplicada do sentido apical ao coronal.
Análise estatística
A análise dos dados foi realizada com o software Graph-Pad Instat versão 2.0 (software GraphPad, La Jolla, CA, EUA). A análise exploratória mostrou que os dados puderam ser avaliados por testes paramétricos devido à distribuição normal e variâncias homogêneas (testes de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk - α = 0,05). Anova two-way e testes de Tukey (α = 0,05) foram usados para determinar as diferenças estatísticas entre as variáveis testadas.
Resultados
Os testes mostram que o grupo com tratamento prévio de ácido poliacrílico (19,36 ± 3,94 MPa) apresentou valor de resistência ao push-out inferior ao grupo sem pré-tratamento (28,92 ± 9,18 MPa) na porção cervical. O grupo 1, com aplicação do sistema adesivo (48,89 ± 6.64MPa) e o grupo 2, com tratamento prévio de EDTA (21,58 ± 6,39 MPa) não apresentaram diferenças estatísticas significantes quando comparados com o grupo sem tratamento prévio (grupo controle) no terço cervical (tabela 1).
Nas porções média e apical, o grupo 1, tratado com o adesivo Ambar da FGM apresentou valores mais altos de união adesiva quando comparados aos demais grupos dessas regiões. No terço médio o grupo 1 apresentou o valor de 42,72 MPa (± 19,32) e no terço apical o mesmo grupo apresentou a força de resistência ao push-out de 41,78 MPa (± 15,15), enquanto o grupo 4 (grupo controle), obteve os resultados de resistência ao teste realizado de 17,86 MPa (± 5,65) e 19,26 MPa (± 6,65) nas regiões média e apical respectivamente.
Discussão
A maior parte dos pinos de fibra de vidro possui grande região da sua superfície coberta por resina epóxi, que tem elevado grau de conversão e cadeia polimérica com alta densidade de ligações cruzadas.14 Não apresentando grupo funcional capaz de reagir com monômeros resinosos,15 necessitando assim de pré-tratamentos para garantir forças de adesão suficientes no canal radicular.
Segundo os fabricantes, os materiais odontológicos autocondicionantes não requerem nenhum pré-tratamento das superfícies dentárias, assim, esses cimentos apresentam capacidade limitada de condicionar os tecidos dentais. No presente estudo, o uso desse tipo de cimento, no grupo controle, demonstrou pobreza para desmineralizar ou dissolver em profundidade a camada de smear. No entanto, semelhante ao tratamento radicular com adesivo, a região cervical sem tratamento apresentou valores elevados de resistência de união. Esses achados estão associados à alta viscosidade do cimento resinoso, o que limita sua penetração nos túbulos dentinários.7
Outro fator que pode explicar as baixas forças de adesão encontradas nos terços médio e apical do presente estudo, mesmo após o tratamento intra-radicular, são a densidade e o maior diâmetro dos túbulos dentinários do terço coronal da dentina radicular em relação aos demais, (13 Os altos valores de resistência de união apresentados ao terço apical apenas pelo grupo experimental pré-tratado com adesivo são atribuídos ao condicionamento prévio com ácido fosfórico, bem como a aplicação do sistema adesivo com microbrush. A força de adesão da adesão melhorada à penetração dos túbulos dentinários relacionada ao uso de microabombas compatíveis com o canal radicular para penetrar o material em toda a sua extensão.16 Essa explicação corrobora os resultados obtidos neste estudo. Portanto, o microbrush foi para a porção mais apical, causando o sistema adesivo para todas as paredes.
O ácido fosfórico por sua vez, necessita de um bom contato com o substrato a ser condicionado para obter um bom condicionamento da dentina, ele necessita infiltra-se nas irregularidades da mesma. (7Saraiva12 avaliou os efeitos do condicionamento com ácido fosfórico na dentina do canal radicular na força de adesão do push-out e observou valores médios mais elevados quando o ácido foi aplicado durante 60s na porção apical. Este estudo seguiu o protocolo do fabricante e para aplicação do sistema adesivo a dentina radicular foi previamente condicionada com ácido fosfórico por 15 s. Foi suficiente para promover a remoção da smear layer, a desmineralização da subsuperfície, a exposição das fibras de colágeno e a formação da camada híbrida em todas as regiões da dentina radicular. Ao contrário dos resultados deste estudo,3 demonstrou que a força de adesão não aumentou significativamente após a aplicação do ácido fosfórico.
Alguns autore7,8 testaram tratamentos radiculares prévios a aplicação de cimentos auto-condicionantes para melhorar a adesão desse material, e concluíram que o ácido poliacrílico não alterou a resistência adesiva com cimento com a dentina. Ele apontou também, como sendo a alta viscosidade do cimento o fator responsável pela adesividade baixa dos cimentos auto-condicionantes, pois estes não teriam a fluidez necessária para infiltrar nos canalículos dentinários. Essa hipótese é aceitável tendo em vista que pode justificar a diferença estatística dos terços médios e apicais entre o grupo pré-tratado com adesivo e os demais, já que este material possui a fluidez necessária para que a resina penetre nos túbulos da dentina.
No estudo de Juloski e colaboradores,16 foram usados 24 dentes humanos que foram divididos em 4 grupos, o 1º grupo foi usado um cimento auto-adesivo experimental; o 2º usou-se o mesmo cimento auto-adesivo experimental com um adesivo autocondicionante; o 3º grupo foi utilizado um cimente resinoso auto-adesivo comercializado com adesivo autocondicionante; e o 4º grupo foi aplicado um cimento resinoso auto-adesivo disponível no mercado sem pré-tratamento. Obtiveram nos resultados que o cimento auto-adesivo experimental combinado com o adesivos o auto-condicionante apresentaram a maior resistência de união, enquanto os outros grupos registraram valores significativamente menores e não diferiram entre si. Concordando com o presente estudo em que os resultados do grupo pré-tratado com adesivo foram superiores aos demais tratamentos.
Segundo Soares e colaboradores17 firmam que, o tratamento prévio da dentina com EDTA, aumenta a resistência de união com de sistemas adesivos auto-condicionantes. Entretanto ainda não existe consenso quanto à utilização de agentes irrigantes, ou quelantes como é o caso do EDTA, na cimentação dos pinos de fibra de vidro com cimentos resinosos autoadesivos, que interfira ou aumente a sua resistência.17
Sabe-se que, a presença de conteúdos orgânicos, guta-percha residual e a deficiente hibridação da dentina podem resultar em uma adesão deficiente da interface resina-dentina.17) O EDTA, isoladamente não remove completamente a smear layer,16,18) dessa forma ele necessita de outra substância irrigante como o NaOCl para dissolução da parte orgânica.19
No entanto a efetividade dos agentes quelantes é diretamente proporcional ao afunilamento do canal. Em alguns estudos 16,19) pode-se verificar que o terço médio do canal foi o que apresentou a maior diferença estatística de remoção da smear layer do que os outros segmentos. Seguindo a mesma linha Ribeiro et al.20) realizou um estudo ex vivo com irrigantes NaOCl e o EDTA 15 %, para testar a permeabilidade destes nos diferentes terços do canal radicular, inserindo íons cobre nos espécimes para avaliação. Eles concluíram que o terço apical apresentava a pior permeabilidade, apresentando a menor infiltração de íons cobre. Corroborando com o resultado deste estudo onde o grupo tratado com agente quelante possuiu a menor média, significando que como não há uma satisfatória retirada da camada da smear layer há um decréscimo na união do pino com a dentina, havendo ali maior chance de fratura.
Porém a complexidade da retirada da lama dentinária do terço apical decorre por causa das diminutas dimensões do terço, o que resulta em uma menor quantidade de EDTA, sendo insuficiente para um bom desempenho deste. (20
Considerando as limitações presentes neste trabalho, bem como as características dos produtos, instruções de uso, percebeu-se que, a aplicação prévia de adesivo mostrou um aumento significativo na resistência de união nos terços médio e apical quando em comparação com os outros grupos, onde estes não apresentaram significativas diferenças estatísticas entre si em relação à resistência de união.