Mi SciELO
Servicios Personalizados
Articulo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares en SciELO
Compartir
Revista Cubana de Enfermería
versión On-line ISSN 1561-2961
Rev Cubana Enfermer vol.33 no.2 Ciudad de la Habana jun. 2017
ARTÍCULO ORIGINAL
Representações sociais de autonomia profissional do enfermeiro na prevenção e tratamento de feridas
Representaciones sociales de la autonomía profesional del enfermero en la prevención y tratamiento de las heridas
Social representations of the nurse profesional autonomy in wounds prevention and treatment
Érick Igor dos Santos, Jéssica Grativol Aguiar Dias de Oliveira, Camila Lopes Liandro, Aline Cerqueira Santos Santana da Silva
Universidade Federal Fluminense (UFF). Brasil.
RESUMO
Introdução: a autonomia profissional do enfermeiro na prevenção e tratamento de feridas apresenta notoriedade crescente face as inovações tecnológicas emergentes na especialidade.
Objetivo: analisar as representações sociais elaboradas por enfermeiros acerca de sua autonomia profissional na prevenção e tratamento de feridas.
Métodos: trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, delineada a partir da teoria das representações sociais em sua abordagem processual, realizada com 31 enfermeiros que desempenhavam suas funções em um hospital público municipal do estado do Rio de Janeiro, situado em contexto de interiorização. As entrevistas foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo temática instrumentalizada pelo software Nvivo 10.
Resultados: os enfermeiros, em seu saber social, correlacionam o conceito autonomia ao nível de conhecimento, revelam obstáculos como a interferência da equipe médica nas atividades desenvolvidas e comparam o nível de autonomia profissional em diferentes níveis de atenção em saúde vigente.
Conclusões: os participantes posicionaram-se favoravelmente ao conhecimento técnico-científico para que possam exercer autonomia profissional no cuidado a pessoas feridas. Apesar do estudo ter sido conduzido no cenário hospitalar, identificou-se que os participantes consideraram que o enfermeiro possui maior autonomia em unidades básicas de saúde devido às especificidades da sua lógica de trabalho. Quanto à interferência excessiva de outros profissionais, os sujeitos consideram que isto é prejudicial e diminui a autonomia profissional do enfermeiro no tratamento e prevenção de feridas.
Palavras chave: autonomia profissional; enfermeiro; psicologia social.
RESUMEN
Introducción: la autonomía del enfermero respecto a la prevención y al tratamiento de heridas presenta mayor notoriedad frente a innovaciones tecnológicas emergentes en la especialidad.
Objetivo: analizar las representaciones sociales elaboradas por el personal de enfermería acerca de su autonomía profesional en prevención y tratamiento de heridas.
Métodos: investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria, delineada a partir de la teoría de las representaciones sociales en su enfoque de procedimiento, realizada con 31 enfermeros en un hospital municipal en el estado de Río de Janeiro, ubicado en el contexto de la internalización. Las entrevistas fueron transcritas y sometidas a análisis de contenido temático instrumentalizadas por el software Nvivo 10.
Resultados: los enfermeros correlacionan el concepto de autonomía con el nivel de conocimiento, revelan obstáculos como interferencia del personal médico en actividades realizadas y comparan el nivel de autonomía profesional en diferentes niveles de atención de la salud actual.
Conclusiones: los participantes se pusieron a favor de los conocimientos técnicos y científicos para que puedan ejercer una autonomía profesional en el cuidado de personas heridas. Aunque el estudio se ha realizado en el ámbito hospitalario, se pudo identificar que los participantes sienten que el enfermero tiene una mayor autonomía en las unidades básicas, debido a las características de su lógica de trabajo. Respecto a la excesiva interferencia de otros profesionales, los investigados consideran que esto es perjudicial y reduce la autonomía profesional del enfermero en el tratamiento y en la prevención de las heridas.
Palabras clave: autonomía profesional; enfermero; psicología social.
ABSTRACT
Introduction: The nurses' autonomy regarding wounds prevention and treatment presents greater visibility before technological innovations emerging in the specialty.
Objective: To analyze the social representations elaborated by the nursing staff about their professional autonomy in wounds prevention and treatment.
Methods: Qualitative, descriptive and exploratory research, based on the theory of social representations and its approach to procedure, performed with 31 nurses in a municipal hospital in the state of Rio de Janeiro, located in the context of internalization. The interviews were transcribed and subjected to thematic content analysis instrumented by the software Nvivo 10.
Results: Nurses correlate the concept of autonomy with the level of knowledge, reveal obstacles such as interference of medical personnel in activities performed, and compare the level of professional autonomy in different levels of current health care.
Conclusions: The participants manifested favoring the technical and scientific knowledge, so that they can practice professional autonomy in caring for injured people. Although the study was conducted in the hospital environment, it was possible to identify that the participants feel that the nurses have greater autonomy in the basic units, due to the characteristics of their work's logic. Regarding the excessive interference of other professionals, the interviewees consider that this is harmful as it reduces the nurse's professional autonomy in wounds treatment and prevention.
Keywords: profesional autonomy; nurse; social psychology.
INTRODUÇÃO
Autonomia profissional do enfermeiro representa a capacidade de se gerir, tomar decisões de modo independente baseado nos seus conhecimentos técnico-científicos e nas legislações que regem sua profissão.1
A autonomia do enfermeiro no seu processo de trabalho é componente fundamental para a manutenção das conquistas legais da profissão e implica diretamente a tomada de decisão para a condução do cuidado e hierarquização das prioridades de enfermagem. No entanto, a atuação autônoma do enfermeiro é frequentemente motivadora de conflitos de ordem técnica entre os diferentes profissionais que compõem a assistência em saúde, apesar da busca incessante pelo conhecimento científico por parte dos enfermeiros durante a sua formação e de uma égide legal que lhe serve de anteparo para as suas ações. Esta situação pode estar relacionada a construções socioculturais sobre a enfermagem e os enfermeiros, influenciadas pelo desenrolar histórico da profissão.2
A representação social (RS) é constituída por um conjunto de crenças, informações, opiniões e atitudes a propósito de um objeto social.3 A teoria das representações sociais nasceu em um período histórico sui generis. Este período histórico foi marcado pela valorização excessiva dos saberes científicos, menosprezando a cultura do senso comum, o dito popular e desprestigiando o valor das crenças e dos conceitos que constituem e são constituídos na cultura.4
Inicialmente a prática de enfermagem bebia do senso comum e ganhou, com o passar dos anos, a conotação de trabalho relacionado aos comportamentos humanos orientados por questões humanas, éticas e religiosas. Posteriormente a profissão apresentou notório avanço em sua cientificidade e arcabouço ético-legal. Existem fatores religiosos, econômicos, políticos, sociais, culturais que podem afetar a autonomia profissional de enfermagem. Esses fatores, e os seus níveis de impacto apresentam diferenças de país para país e constituem um problema mundial que diz respeito à autonomia profissional.5
Um estudo recente6 realizado com enfermeiros demonstrou que a trajetória histórica da enfermagem, sendo esta inicialmente associada aos serviços de caridade, contribuiu para os estereótipos da profissão e oferece, ainda hoje, impactos negativos em relação autonomia profissional do enfermeiro. Entretanto, a busca da cientificidade no trabalho da enfermagem contribui para que a autonomia profissional do enfermeiro permaneça como alvo debate entre profissionais da área.
Influenciam a construção da autonomia profissional do enfermeiro as características culturais e sociais de cada país, como demonstra um estudo iraniano que compara a autonomia dos enfermeiros do Irã com a de outros países ocidentais que possuem condições diferentes de trabalho. O estudo concluiu que a maioria dos enfermeiros iranianos tem menor autonomia em relação aos das sociedades ocidentais.7
A tomada de decisão clínica por enfermeiros é uma parte integrante da prática de enfermagem para garantir que seus cuidados sejam adequados, eficazes e sustentados por autonomia profissional. Contudo existem fatores sociais, culturais e também institucionais capazes de interferir nesta prática dos enfermeiros e, mais especificamente, no cuidado de enfermagem a pessoas feridas.8
O enfermeiro está diretamente envolvido nas tomadas de decisão nos cuidados a indivíduos feridos nos diversos níveis de atenção à saúde. Este é o profissional responsável pela identificação, monitoramento e combate aos riscos à integridade cutânea, assim como a implantação das medidas necessárias à aceleração do processo cicatricial, quando esta é meta. Tendo em vista a responsabilidade dos enfermeiros na prevenção e tratamento de feridas torna-se relevante a discussão sobre as representações sociais da autonomia profissional do enfermeiro nesse cuidado.9
Sua relevância jaz na assunção de que a autonomia profissional do enfermeiro no cuidado a pessoas com feridas é um objeto de representação social por sua ressignificação aglutinar conhecimentos, sentimentos, afetividades, conceitos, atitudes e práticas relacionados à enfermagem, seu poder de decisão e sua liberdade de atuação.10 Desde modo, a amplitude do rol de ferramentas utilizáveis por enfermeiros está intimamente ligada as representações que estes possuem acerca da sua autonomia profissional.11
Esta pesquisa teve por objetivo analisar as representações sociais elaboradas por enfermeiros acerca de sua autonomia profissional na prevenção e tratamento de feridas.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, de abordagem qualitativa, realizada com 31 enfermeiros que trabalhavam em um hospital municipal da Região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro, logo, em contexto de interiorização. Adotou-se enquanto referencial teórico-metodológico as representações sociais (RS) em sua abordagem processual.
As representações sociais estão presentes na cultura, nos processos de comunicação e nas práticas sociais, portanto, estão em movimento sob a interação social. Tornam-se importantes, não apenas as considerações teóricas que perpassam as representações sociais, mas também a forma como estas influenciam a relação do sujeito com as suas experiências concretas do cotidiano.12
Os critérios de inclusão para este estudo foram enfermeiros que desenvolviam suas atividades laborais no cenário do estudo há, no mínimo, seis meses e que aceitaram gratuitamente e conscientemente participar desta pesquisa. Os critérios de exclusão estabelecidos foram enfermeiros em afastamento, férias, licença maternidade ou que não apresentaram disponibilidade de tempo para participar da pesquisa, apesar das sucessivas tentativas em abordá-los em diferentes momentos.
Houve a tentativa de alcance de 100 % dos enfermeiros, no universo amostral de 50 profissionais, para averiguação de quais se encaixavam nos critérios de inclusão. Dos 50, apenas 31 enfermeiros se encaixaram nos critérios supra, sendo este um número aceitável ao consenso existente no âmbito da teoria de representações sociais para se recuperar as representações sociais em um grupo.11
Além dos postulados da Carta de Helsinki, buscou-se atender a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil. O projeto ao qual esta pesquisa está vinculada obteve aprovação sob o parecer número 924.334, de dezembro de 2014. A participação dos sujeitos foi facultativa, sendo convidados por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
No intuito de preservar o anonimato e o sigilo das informações oferecidas pelos entrevistados, a apresentação dos recortes de discurso ocorreu por meio da sigla "enf", que corresponde a "enfermeiro", seguida do número correspondente à ordem das entrevistas e, ainda, a classificação por gênero, identificando se o entrevistado é do sexo masculino ou feminino (Ex: enf. 17- feminino).
As técnicas escolhidas para a coleta de dados foram o questionário contendo dados sociodemográficos para conhecer o perfil dos enfermeiros e também entrevista semiestruturada em profundidade. Os dados foram coletados no período de janeiro a março do ano de 2015.
Após a coleta de dados as entrevistas foram transcritas e analisadas pela técnica de análise de conteúdo temática, que busca categorizar sistematicamente o discurso dos entrevistados, dividindo-o em unidades de significação e, posteriormente, categorias analíticas, o que possibilita a classificação e a quantificação do discurso.13 O software utilizado para a análise de dados das entrevistas foi o QSR Nvivo 10, que se propõe a reunir, organizar e sistematizar conteúdos de entrevistas, discussões em grupo, artigos científicos, áudios e vídeos sem requer preparo prévio do corpus de análise.14 A análise do questionário sociodemográfico foi realizada por estatística descritiva simples.
RESULTADOS
Os resultados quantitativos obtidos por meio do questionário sociodemográfico evidenciaram que os participantes são, em sua maioria, do sexo feminino (90 %), enquadram-se nas faixas etárias de 25 a 34 anos (39 %) e 35 a 44 anos (39 %), de religião católica (52 %), tem companheiro (68 %), possuem pós-graduação lato sensu (94 %), com tempo de atuação institucional de, no máximo, 5 anos (65 %), com igual tempo de atuação profissional como enfermeiro (38 %), possuindo renda pessoal inferior ou igual a 6 salários mínimos (42 %), tendo apenas um emprego (64 %), trabalhando em carga horária semanal de 24h (84 %) sem outra formação fora da área da enfermagem (81 %), desenvolvendo função de enfermeiro assistencial à época de coleta de dados (68 %) e informando ter total acesso a informações científicas (100 %). Dos 31 enfermeiros 58 % relataram ter autonomia profissional.
O resultado da análise instrumentalizada pelo NVivo 10 obteve 573 Unidades de Registro (URs), distribuídas em quatro categorias e que representam 100 % do corpus analisado. Neste estudo será aprofundada a primeira categoria, que apresentou 192 URs distribuídas em 47 temas. Esta categoria foi denominada conceitos de autonomia profissional no contexto do tratamento e prevenção de feridas.
Os enfermeiros afirmam que para ter autonomia profissional no cuidado a feridas é necessário adquirir conhecimentos técnicos e científicos pertinentes as coberturas, o que fica evidenciado no discurso a seguir.
A partir do momento em que conhecemos as coberturas temos autonomia para trabalhar com elas. Quando não conhecemos não temos autonomia. A partir do momento que conhecemos a indicação, prazo de troca nós temos autonomia para trabalhar com essa cobertura (enf. 14 - masculino).
Observa-se a presença de dimensão cognitiva da representação da autonomia profissional pautada no conhecimento científico. Os enfermeiros posicionam-se favoravelmente à busca por novos conhecimentos, domínio de conhecimento sobre as coberturas disponíveis no mercado, suas indicações, especificações e composições químicas para poder assumir e liderar os cuidados no tratamento e prevenção de feridas. Cientes das características técnicas sobre as coberturas os enfermeiros sentem-se mais capazes de desenvolver suas práticas assistenciais com autonomia.
Alguns enfermeiros destacaram que as unidades básicas de saúde (UBS), devido às suas características de trabalho em saúde, permitem que o enfermeiro tenha mais autonomia no tratamento e prevenção de feridas.
Na atenção básica o enfermeiro tem mais autonomia. Eu acredito que ele tenha mais autonomia porque não depende do médico. Ele avalia o paciente diariamente e é uma equipe que não tem aquele esquema de plantão. Então ele consegue dar continuidade no tratamento (enf. 13 - feminino).
Em sua ressignificação da autonomia profissional os entrevistados traçaram uma comparação entre o enfermeiro que atua no cenário hospitalar e o enfermeiro da atenção básica, concluindo que o enfermeiro que trabalha na atenção básica possui mais autonomia quando comparado ao enfermeiro que trabalha em hospital. Umas das justificativas apontadas pelos participantes é que nas unidades básicas de saúde o enfermeiro consegue acompanhar a evolução da terapêutica instituída de maneira mais próxima e por mais tempo, visto que sua carga horária ininterrupta é, de modo geral, maior do que a de um plantonista.
Os enfermeiros apontam a interferência médica como um empecilho à sua autonomia profissional.
Não temos autonomia diante do paciente porque às vezes precisamos seguir a prescrição médica, apesar de também existir a prescrição de enfermagem. Às vezes existe um confronto. Pelo nosso conhecimento técnico vemos que não é bem aquilo que o médico está prescrevendo, temos outra visão. E então nós precisamos convencê-lo do contrário (enf. 25- feminino).
É relatada a dificuldade em estabelecer as prioridades de enfermagem e realizar as condutas cabíveis devido à interferência médica. Há resistência por parte de alguns médicos em aceitar o conhecimento científico do enfermeiro em vez da busca por parceria neste cuidado em prol do paciente.
DISCUSSÃO
Os conteúdos representacionais identificados retratam que os enfermeiros se esforçam psicossocialmente para atribuir sentidos à sua autonomia profissional, aquilo que a viabiliza (conhecimento científico), o que a fragiliza (excessiva interferência médica) e como ela se apresenta em diferentes níveis de atenção em saúde.
Os participantes relatam que nas unidades básicas de saúde os enfermeiros possuem mais autonomia no cuidado a feridas, isto porque sua proposta de trabalho, organização intrínseca e modus operandi são diferentes dos do ambiente hospitalar, o que pode tornar a atenção básica mais permissiva à plenitude da autonomia do enfermeiro no cuidado a pessoas feridas. Nas UBS busca-se a criação do vínculo com pacientes, o que permite orientação, tratamento e acompanhamento dos cuidados a pessoas com feridas. As iniciativas de mudança do Sistema Único de Saúde (SUS) na assistência à saúde tem encontrado na Estratégia Saúde da Família (ESF) uma alternativa para substituição do modelo hegemônico, individualizado, hospitalocêntrico e biologicista.15
A ESF, incorporada dentro da atenção primária, tem atuação voltada para atenção às ações de vigilância da saúde, através do trabalho em equipe com atividades assistenciais direcionadas para a saúde da coletividade, e pela concepção de saúde centrada no desenvolvimento de ações intersetoriais e interdisciplinares. Desta forma, a atenção básica, por ter ações integradas em suas diversas práticas, pode oferecer destaque à atuação mais autônoma dos profissionais envolvidos. A atenção integral exige mudanças das práticas em saúde para que equipes existam efetivamente como grupo multiprofissional e interdisciplinar, agregando profissionais de saúde e usuários.16
Um dos grandes obstáculos da autonomia profissional do enfermeiro, segundo os participantes, é a interferência de outros profissionais, principalmente médicos, no cuidado prestado pela enfermagem em âmbito hospitalar. Segundo os enfermeiros, os médicos, muitas vezes, não se encontram abertos ao diálogo franco sobre as necessidades de saúde identificadas pelos enfermeiros, criando um confronto entre profissionais que se mostra infrutífero do ponto de vista técnico e científico. Deste modo, os participantes referem não ter autonomia plena no cuidado de feridas no cenário de estudo pela tensão que persiste entre o saber médico e o saber do enfermeiro.
Um estudo com enfermeiros e médicos europeus demonstrou que quando há colaboração interdisciplinar problemática, pode ser inibida a capacidade dos enfermeiros para aplicar o raciocínio moral, pessoal e profissional. Isto pode dificultar o desenvolvimento de suas atividades com autononomia.17
Um estudo recentemente realizado no mesmo cenário sobre as representações sociais da autonomia profissional do enfermeiro para profissionais de saúde não enfermeiros demonstrou que a autonomia profissional do enfermeiro é um objeto de representação para profissionais de saúde, mesmo que esta representação se encontre ainda em desenvolvimento.18 Apesar dos participantes deste estudo posicionarem-se favoravelmente à enfermagem e à sua autonomia profissional, os enfermeiros desta pesquisa percebem o oposto, o que aponta para a existência de certo descompasso entre o que se pensa e o que se pratica.
Alguns estudos descrevem que existem dificuldades em relação à integração do trabalho assistencial e que, para o bom funcionamento de uma equipe, existem alguns fatores a serem observados, como a personalidade de cada elemento daquele grupo, como os indivíduos se relacionam entre si, bem como a (in)existência de um ambiente saudável e agradável. Os problemas nas relações interpessoais se caracterizaram como a situação que mais dificulta o desempenho da liderança do enfermeiro no âmbito hospitalar. Diante da complexidade do trabalho em saúde, os conflitos surgem também entre as diversas categorias profissionais. Comumente, no ambiente hospitalar, vivenciam-se desentendimentos entre enfermeiros e médicos. Os conflitos interpessoais entre estes profissionais costumam interferir no andamento do trabalho em saúde e, por consequência, afetam o desempenho e motivação destes trabalhadores, de certo modo implicando na qualidade da assistência aos usuários.19
Deste modo, as relações interpessoais e institucionais fazem parte do trabalho do enfermeiro junto à sua equipe, à equipe multiprofissional, ao paciente, à família, à comunidade, à gerência e à instituição. Um estudo a respeito da estrutura da representação social da autonomia na profissão apontou que a enfermagem convive e se relaciona no seu cotidiano com a equipe de saúde, com a clientela e com a instituição e o fator conhecimento científico pode interferir na forma como esta relação se concretiza.20
O conhecimento foi um dos fatores relacionados à autonomia apontada pelos enfermeiros. Quando questionados quanto à autonomia e tratamento e prevenção de feridas os participantes responderam que estes aspectos estão diretamente ligados ao nível de conhecimento que profissionais apresentam. O conhecimento influencia na tomada de decisão sobre o uso ou não de diversos materiais e concerne às atividades humanas e profissionais no processo de trabalho como modos de manuseio, periodicidade de trocas, manejo de efeitos adversos e toxicidade, e de forma mais ampla, como possibilidade de aplicação de princípios científicos e domínios do saber prático.21
Conclui-se que a autonomia profissional do enfermeiro se constitui como um objeto de representação face ao esforço psicossocial por parte dos enfermeiros em atribuir sentido a este objeto.
Além deste estudo ter sido realizado em um único cenário e período temporal, a precariedade do vínculo institucional por parte dos enfermeiros deste estudo, assim como a sua realização no seu ambiente de trabalho pode ter influenciado os resultados obtidos, o que se configura como uma limitação do estudo.
As representações sociais dos enfermeiros quanto à sua autonomia profissional no tratamento e prevenção de feridas apresentaram dimensões cognitivas que extrapolaram a aproximação conceitual para pontuar os empecilhos à sua plenitude e traçar comparativos de sua concretude em diferentes níveis de atenção à saúde.
Verificou-se, neste estudo, apesar deste ter sido realizado em um único cenário - um hospital, que alguns resultados apontam para uma forte percepção, entre enfermeiros, de que possuiriam maior autonomia no cuidado de pessoas feridas nas UBS, isto porque, na perspectiva dos participantes, a atenção básica se destaca por maior entrosamento entre os profissionais e mostra-se capaz de proporcionar vínculos com a comunidade e os usuários de saúde.
Os resultados obtidos nesta pesquisa podem subsidiar a reflexão sobre as configurações do mundo do trabalho do enfermeiro que atua no cotidiano hospitalar e que cuida de pessoas feridas. Além disto, pode contribuir para o fortalecimento do ensino sobre autonomia profissional nas Instituições de Ensino Superior em enfermagem, sobretudo na escolha das melhores coberturas, respeitando suas indicações, contraindicações e as mais fortes evidências científicas disponíveis sobre as mesmas.
Não há conflito de interesses a serem declarados pelos autores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.Stein-Backes D, Stein-Backes M, Erdmann AL, Büscher A, Salazar-Maya A. Significado da prática social do enfermeiro com e a partir do Sistema Único de Saúde brasileiro. Aquichan. 2015;14(4):560-70.
2.Santos FOF, Montezeli JH, Peres AMP. Autonomia profissional e sistematização da assistência de enfermagem: percepção de enfermeiros. Rev Mineira de Enferm. 2012;16(2):251-7.
3.Gomes AMT, Oliveira DC. O Núcleo central das Representações de Enfermeiros acerca da enfermagem: O Papel da Própria Profissão. Rev enferm UERJ. 2010;18(3):352-8.
4. Rocha LF. Teoria das representações sociais: a ruptura de paradigmas das correntes clássicas das teorias psicológicas. Psicol cienc prof. 2014;34(1):46-65.
5. Baykara ZG, Sahinog˘lu S. An evaluation of nurses' professional autonomy in Turkey. Nursing Ethics. 2014;21(4):447-60.
6.Avila LI, Silveira RS, Lunardi VL, Fernandes GFM, Mancia JR, Silveira JT. Implicações da visibilidade da enfermagem no exercício profissional. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(3):102-9.
07. Amini K, Negarandeh R, Ramezani-Badr F, Moosaeifard M, Fallah R. Nurse's autonomy level in teaching hospitals and its relationship with the underlying factors. International journal of nursing practice. 2015;21(1):52-9.
8. Wang Y, Chien WT, Twinn S. An exploratory study on baccalaureate-prepared nurses' perceptions regarding clinical decision-making in mainland China. Journal of clinical nursing. 2012;21(11-12);1706-15.
9. Sehnem GD, Busanello J, Silva FM, Poll MA, Borges TAP, Rocha EN. Dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros no cuidado de enfermagem a indivíduos portadores de feridas. Cienc Cuid Saude. 2015;14(1):839-46.
10. Santo CCE, Gomes AMT, Oliveira DC, Santos EI. Por um caminho de compreensão da construção da enfermagem: uma revisão integrativa da autonomia profissional. R pesq cuid fundam online. 2010;2(Ed. Suppl):767-70.
11.Gomes AMT, Oliveira DC. O Núcleo central das Representações de Enfermeiros acerca da enfermagem: O Papel da Própria Profissão. Rev enferm UERJ. 2010;18(3):352-8.
12. Gomes AMT, Oliveira DC. Autonomia profissional em um desenho atômico: representações sociais de enfermeiros. Rev Bras Enferm. 2010;63(4):608-15.
13. Mantovani MF, Mazza VA, RC Moreira, Silva DI, Jesus JKF, Oliveira VBCA. Representações sociais da família para a equipe da estratégia saúde da família. Rev enferm UERJ. 2014;22(6):796-00.
14. Taddeo OS, Gomes KWL, Caprara A, Gomes AMA, Oliveira GC, Moreira TMM. Acesso, prática educativa e empoderamento de pacientes com doenças crônicas. Ciênc Saúde coletiva. 2012;17(11):2923-30.
15. Santos QG, Adevedo DM, Costa RKS, Medeiros FP. A crise de paradigmas na ciência e as novas perspectivas para a enfermagem. Escola Anna Nery Rev Enferm. 2011;15(4):833-37.
16. Kell MCG, Shimizu HE. Existe trabalho em equipe no Programa Saúde da Família. Cien Saude Colet. 2010;15(1):1533-41.
17. Papathanassoglou ED, Karanikola MN, Kalafati M, Giannakopoulou M, Lemonidou C, Albarran JW. Professional autonomy, collaboration with physicians, and moral distress among European intensive care nurses. American Journal of Critical Care. 2012;21(2):41-52.
18. Santos ÉI, Alves YR, Gomes AMT, Ramos RS, Silva ACSS, Espírito Santo CC. Representações sociais da autonomia profissional do enfermeiro para profissionais de saúde não-enfermeiros. Rev enferm UERJ. 2015;23(4):481-7.
19. Mestoy SC, Backes VMS, Thofehrn MB, Martini JG, Meirelles BHS, Trindade LL. Gerenciamento de conflitos: desafios vivenciados pelos enfermeiros-líderes no ambiente hospitalar. Rev Gaúcha de Enferm. 2014;35(2);79-85.
20. Menezes, SRT, Priel MR, Pereira LL. Autonomia e vulnerabilidade do enfermeiro na prática da Sistematização da Assistência de Enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(4):953-8.
21. Crozeta K, Stocco JGD, Labronici LM, Méier MJ. Interface entre a ética e um conceito de tecnologia em enfermagem. Acta Paul Enfermagem. 2010;23(2):239-43.
Recibido: 23-12-2015.
Aprobado: 23-02-2016.
Érick Igor dos Santos. Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil. Dirección electrónica: eigoruff@gmail.com