INTRODUÇÃO
A expansão da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) entre as mulheres vem sendo mundialmente observada e de forma progressiva, representando cerca de 50 % dos casos no mundo e 30 % dos casos da América Latina. No Brasil, desde o início da epidemia até junho de 2015, foram identificados 798 366 casos de aids em que 278 960 são mulheres.1 Observa-se que o grande número de casos de transmissão por via heterossexual aumentou a participação das mulheres no perfil epidemiológico da doença, constatada através da redução da razão de sexo entre todas as categorias de exposição, de 15 homens para 1 mulher, em 1986, para 1,9 homens para 1 mulher, em 2015.1
No Brasil a epidemia atingiu a população feminina de uma forma muito marcante, visto que a incidência em mulheres aumentou consideravelmente. Tal dado se relaciona à vulnerabilidades da mulher, visto suas características biológicas, sociais, econômicas e culturais que favorecem a aquisição do HIV.2 Dentre as quais pode-se identificar a desigualdade de gênero, fator que institui papéis diferentes para homens e mulheres.3
Após o diagnóstico da infecção, a mulher se defronta com dificuldades pessoais, familiares e sociais, permeadas pelo estigma que ainda caracteriza a doença. Por vezes vivencia a angústia do silêncio e oculta o diagnóstico, na tentativa de manter suas relações conjugais, sociais ou até mesmo familiares. Com a revelação do diagnóstico, essas mulherescomumenteexperienciam preconceito, rejeição familiar e violência doméstica.4
A descoberta da soropositividade impõe à mulher uma transformação da consciência sobre si mesmo e sobre sua vida.5 Diversos são os referenciais sobre o enfrentamento da infecção. O modelo teórico de estresse e enfrentamento denominado Modelo Interativo do Estresse define enfrentamento como “esforços cognitivos e comportamentais voltados para o manejo de exigências ou demandas internas ou externas, que são avaliadas como sobrecarga aos recursos pessoais”.6
De acordo com esse modelo, a seleção das respostas de enfrentamento diante de situações estressantes sofre a mediação de avaliações cognitivas. Na avaliação primária, o indivíduo analisa se a situação é potencialmente desafiadora, prejudicial ou ameaçadora. Na secundária, o indivíduo examina seus recursos disponíveis para enfrentar a situação estressante, buscando alternativas mediante as quais a ameaça ou o dano pode ser contornada ou recompensas podem ser obtidas.6
O enfrentamento pode ser categorizado em: aquele focalizado na emoção e o focalizado no problema - e ambos têm influência relevante sobre o bem-estar subjetivo de pessoas que vivem com HIV/aids, o qual refere-se ao que as pessoas pensam e sentem em relação à própria vida.7
Além disso, a literatura científica evidencia a importância, para o bem-estar subjetivo do paciente, da adoção de formas de lidar com a soropositividade voltadas para o manejo de estressores, em detrimento de outras modalidades de cunho paliativo ou de afastamento do estressor, caracterizadas por sentimentos de culpa, fuga ou esquiva.2,4,5
Mesmo sem cura, a aids possui tratamento de alta efetividade que traz novos desafios para as pessoas que vivem com HIV, como o fortalecimento da sua rede social de apoio, de modo a reduzir o impacto psicossocial do diagnóstico. Apoio social é definido como a provisão ou o recebimento de assistência, e a percepção individual de suporte, que pode gerar efeitos tanto positivos quanto negativos.7
Estudos mais antigos discutiram sobre os mecanismos de enfrentamento utilizados por essa população, e o apoio social, a gestão da doença e as atividades espirituais foram destacados como principais mecanismos utilizados.8,9,10
Vários estudos descrevem a influência do apoio social na saúde7,11 embora os mecanismos não sejam ainda totalmente explicitados. Acredita-se que o apoio social pode resultar em impacto favorável, como o bem estar emocional das pessoas. Está associado à redução da taxa de mortalidade, prevenção de doenças e recuperação da saúde. A falta de apoio pode trazer resultados negativosnas relaçõessociais, o que faz refletir sobre a lamentável realidade acercada estigmatização social e a manutenção da saúde de pessoas que vivem com HIV/aids.12
Diante do quadro exposto, o objetivo do presente estudo foi analisar os mecanismos de enfrentamento utilizados por mulheres vivendo com o HIV/aids.
METODOS
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, que foi desenvolvido em um Serviço de Assistência Especializada (SAE), no atendimento ao HIV/aids, situado na capital do Estado de Alagoas, região Nordeste do Brasil. Esse serviço visa prestar assistência multidisciplinar a pessoas que vivem com HIV/aids, oriundos dos diversos municípios do Estado.
A seleção das participantes foi norteada pelos seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 18 anos, conhecer o diagnóstico da infecção há mais de seis meses e estar em acompanhamento ambulatorial. Apresentarem condições clínicas e emocionais para participar da entrevista. O número de participantes foi determinado pela saturação das informações, ou seja, a repetição dos dados se que respondiam aos objetivos da pesquisa.
Os dados foram coletados na ocasião do atendimento em saúde, no qual o pesquisador convidava a participante enquanto aguardava horário para consulta. Diante do seu consentimento, era realizada a entrevista.
Procedeu-se à entrevista individual semiestruturada, gravada (em MP3), realizada em sala de atendimento privativo do próprio ambulatório e com duração média de 60 minutos. O instrumento continha as questões norteadoras: Como conviviam com o HIV, que problemas enfrentavam para conviver com esse diagnóstico e como resolviam esses problemas.
Após escuta minuciosa das falas, procedeu-se à transcrição na íntegra. Os depoimentos foram explorados por meio de leitura exaustiva de cada uma das transcrições individualmente. Para o tratamento das informações obtidas, adotou-se a análise temática, a qual consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objeto visado.13
A análise temática é composta de três grandes etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados e interpretação.13 Na primeira etapa que contempla a organização dos dados, procedeu-se à leitura flutuante, constituição do corpus, formulação e reformulação de hipóteses. Nesta fase determinou-se as unidades de registro e de contexto, os recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos teóricos mais gerais que orientaram a análise.
Na segunda etapa, realizou-se exploração do material, para buscar o núcleo de compreensão do texto, representado por categorias e subcategorias e na última fase os dados foram interpretados.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (processo nº 018587/2010-34), seguindo as prerrogativas da Resolução 196/96, vigente na época da coleta de dados. Todos os participantes foram informados dos objetivos do estudo, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e concordaram em ser gravados, durante a entrevista. Na abordagem ao participante, foi lhe garantido anonimato e sigilo dos dados. As participantes foram codificada como P1(Participante 1), P2, P3, e assim sucessivamente.
RESULTADOS
Participaram do estudo 12 mulheres, com idade entre 23 e 50 anos, nove mulheres referiram ensino fundamental incompleto e as demais tinham ensino fundamental completo, sete tinham renda inferior a um salário mínimo e cinco referiram mais de um salário mínimo. Quanto ao local de residência, oito mulheres residiam na capital, o que favorece o acesso ao serviço e facilita o processo de acompanhamento e adesão ao tratamento. As que residiam no interior referiam o enfrentamento de grandes problemas ao ter que se deslocar para a capital como a falta ao dia de trabalho, não ter com quem deixar os filhos, depender do carro da prefeitura para se deslocar, enfim, agravantes para a não adesão ao tratamento.
A respeito de parceria sexual, oito mulheres referiram ter parceiro fixo, destacando-se que três apresentavam sorologia soroconcordante ao HIV, dois sorodiscordantes e para outros três a situação sorológica era desconhecida.
A análise das falas permitiu a identificação de uma categoria que foi denominada: "Mecanismos de enfrentamento utilizados por mulheres que vivem com HIV/aids" e duas subcategorias indicando os diferentes modos de enfrentamentos (positivo e negativo). Dentro dos enfrentamentos positivos estão inseridos: a busca por religiosidade e o apoio social e familiar e a outra subcategoria refere-se ao Enfrentamento negativo, e compreende: "Silenciando a soropositividade ao HIV".
Mecanismos de enfrentamento positivo: A busca por religiosidade
Durante as análises das falas apreendeu-se que a religiosidade teve grande impacto no enfrentamento da doença. Referem que buscam a Deus para suportar as dificuldades impostas pela condição de conviver com o HIV.
"[...] eu tentei me confortar, buscar a Deus para suportar." (P1.
"[...] porque eu tenho um Deus todo poderoso dentro do meu coração que me acalma e me estrutura." (P2)
"[...] mas hoje eu estou bem, e tenho fé em Deus que vou melhorar mais ainda, porque eu creio no meu senhor que eu vou ficar boa." (P3)
"[...] hoje eu estou bem porque eu sabia que minha vida não ia acabar, porque eu acreditava em Deus e acredito." (P4)
Mecanismos de enfrentamento positivo: Recebendo suporte social e familiar
Uma fonte de apoio também apontada pelas participantes deste estudo foi o suporte da família, este sendo referido como ponto de grande importância, pois serve como divisor de águas entre os extremos da superação ou da depressão.
"[...] minha sorte foi minha mãe que me deu força, e logo eu voltei as minhas atividades normais, ai pronto, até hoje, vivo normal." (P5).
"[...] com minhas filhas, o tratamento delas comigo é muito bom, elas não tiveram preconceito" (P6)
"[...] meu filho é muito calado, ficou preocupado e depois chegou pra mim e disse, oh mainha como é que foi isso hein? E me deu apoio." (P3)
"[...] eu só superei porque eu tive o apoio da equipe do bloco I [refererindo-se ao serviço de saúde], tanto apoio do psicólogo, como do médico, todos me acompanham[...] E até hoje sou dependente dessa turma. É uma nova família para mim." (P7)
"[...] e também o acompanhamento com a psicóloga me ajudou muito a entender." (P8)
"[...] você viver assim com medo de que alguém saiba, porque cada vez que alguém sabe é um suspense né." (P2)
"[...] Aqui quiseram que eu contasse, mas eu não tenho coragem de chegar pra ele e dizer." (P9)
Quando as experiências são positivas, ou seja, quando ao revelar o diagnóstico, obtiveram apoio e aceitação, as mulheres tendem a confiar mais nas outras pessoas, o que influencia na revelação do diagnóstico a outros do seu convívio social. Já as experiências negativas levam as mesmas a desconfiar mais para que possam voltar a confiar nas pessoas, o que acontece quando ao contar para a família experimentam o sentido de rejeição.
"[...] Para eu contar pro meu filho, foram cinco anos, a psicóloga que me ajudou, ela fez uma carta, entreguei pra ele. Ai ele é muito calado, ficou preocupado ... e me deu apoio." (P3)
"[...] Eu contei primeiro pra minha mãe, ai ela chorou junto comigo, e em nenhum momento teve preconceito da minha família. Minha mãe me apoiou e foi isso que me ajudou a voltar a minha vida ao normal" (P10)
"[...] eu só disse pros meus dois irmãos se eles tão normal, do mesmo jeito que era, não fica dizendo que vai pegar neles não" (P11)
Algumas mulheres referiram que sofreram discriminação entre os membros da própria família e de amigos. Tal ocorrência pode ser considerada como fator determinante para o enfrentamento da doença. Os depoimentos a seguir retratam essa situação:
"[...] a primeira pessoa que ficou sabendo foi minha mãe e até hoje ela nunca me disse a opinião dela" (P12)
"[...] primeiro foi a minha mãe, depois os meus amigos, todo mundo se virou contra mim, teve preconceito." (P6)
"[...] minha mãe ficou com o maior preconceito comigo, dizendo que em tudo pegava, em copo, em sabonete, em toalha, em tudo, aí eu entrei numa depressão triste, porque da minha própria mãe." (P12)
"[...] todo mundo se virou contra mim, teve preconceito, eu não queria saber de mais nada." (P7)
De igual modo, o auto preconceito e o medo de falar pensando no sofrimento que poderá sofrer, faz com que muitas mulheres não de declarem doentes, como evidenciado nos depoimentos:
"[...] eu vivo com medo desse preconceito, principalmente da minha mãe, quando eu fico perto dela me dá um remorso, e ainda tem meus filhos que nem imaginam, é muito ruim. Antes eu saía com a minha família, tava sempre junto e agora eu não fico mais." (P9)
Quando a mulher conta sobre seu diagnóstico e recebe apoio, há um estreitamento dos laços com os familiares e amigos, o que pode favorecer a aceitação da doença e do tratamento. Mas, quando não têm apoio, estas sofrem rejeição na família, podendo contribuir para o isolamento social, com consequências negativas para a saúde e qualidade de vida.
Mecanismos de enfrentamento negativo: Silenciando a soropositividade ao HIV
Um dos dilemas vivido pelas mulheres é a revelação do diagnóstico de soropositividade ao HIV. Essa descoberta está associada às dificuldades que enfrentará em decorrência da sua infecção. Elas são levadas a ocultar o seu diagnóstico devido ao medo de serem estigmatizadas, rejeitadas, ou seja, vítimas do preconceito das pessoas.
"[...] eu fico pensando, a pessoa com uma doença dessa, que não pode dizer nada a ninguém, ter que ficar calada, com medo desse preconceito" (P9)
"[...] mas eu tenho medo de contar pra outras pessoas, por causa do preconceito, pra elas não me rejeitar, não querer mais ir na minha casa." (P5)
"[...] eu não tenho coragem de contar, só quem sabe é o povo aqui do PAM. Eu tenho medo. É mais fácil assim, só eu sabendo." (P11)
As falas expressam a omissão do diagnóstico como forma de proteção, pois, a descoberta do diagnóstico somada à forma de transmissão pode implicar no término dos relacionamentos conjugais. Assim as dificuldades de revelar, inclusive para o parceiro. Os depoimentos a seguir retratam essa situação.
"[...] agora ele [referindo-se ao parceiro] tá preso, ele não sabe que eu tenho, e eu não quis contar pra ele. Aqui [referindo-se ao serviço de saúde] quiseram que eu contasse, mas eu não tenho coragem de chegar pra ele e dizer." (P9)
"[...] eu não tive medo dele me deixar, eu me preparei muito pra receber um não." (P8)
O enfrentamento negativo foi identificado pela manutenção do sigilo, pois todas afirmaram ter medo de se revelar como soropositiva ao HIV por imaginarem que serão excluídas da sociedade.
O medo do julgamento e da exclusão social desencoraja a declaração de responsabilidade pessoal pela ocorrência do infortúnio, criando um sujeito clandestino. Na condição de clandestinidade, pelo menos por algum tempo, a mulher não sofre perdas, seja do parceiro afetivo, do emprego, dos amigos, seja da família.
Houve relatos sobre o medo de revelar o diagnóstico de soropositividade. Preferem que as pessoas não tomem conhecimento do diagnóstico, pois, se souberem vão olhá-las diferente e tratá-las com indiferença, inclusive a própria família é excluída desse conhecimento.
"[...] eu tenho muito medo de contar pra minha família, tenho medo assim de eles dizerem: não venha mais na minha casa, se afastar de mim né." (P9)
"[...] É mais fácil assim, só eu sabendo... quando alguém pergunta eu digo que é porque eu to com as plaquetas baixas, aí eles acreditam." (P10)
Para muitas mulheres a equipe de saúde é a única no qual compartilha o seu diagnóstico.
"[...] só quem sabe mais é o povo da secretaria porque eles lá já sabem, mas disse que não pode contar pra ninguém não, mas eu acho que eles contam. Eu acho que se eu contar ninguém não vai mais querer nem conversa comigo, e vão dizer que ali tudinho tem, porque se a irmã tem, tudinho tem, né não?" (P12)
DISCUSSÃO
O enfrentamento e as funções assumidas pela religião na resolução de problemas por pessoas vivendo com HIV/aids dependem do estilo de enfrentamento adotado pelo indivíduo. As expectativas positivas aliviam o sofrimento emocional, melhoram a qualidade de vida e têm sido associadas a mudanças no comportamento. No presente estudo, apreendeu-se diferentes “mecanismos de enfrentamento utilizados por mulheres”. Tal propósito reforça a busca por religiosidade como estratégia para amenizar sofrimento.
Na região nordeste do Brasil a religiosidade tem sido utilizada como forma de fortalecimento do indivíduo no enfrentamento das fragilidades que o HIV expõe, e ocupa um importante espaço na vida das pessoas.14 Assim, o indivíduo busca na religiosidade o conforto e alívio das tensões advindas do diagnóstico.
A religiosidade e a espiritualidade sempre foram consideradas importantes aliadas das pessoas que sofrem e/ou estão doentes. A espiritualidade e a força que algumas pessoas encontram ao expressar a sua fé religiosa podem explicar o porquê de elas não se deprimirem e serem capazes de manter a esperança, enfrentando eficazmente doenças como o HIV/aids.7
A fé religiosa promove a esperança, o equilíbrio e o fortalecimento, propiciando a luta pela vida e a serenidade para aceitar a doença. Para tanto, a fé e o tratamento aparecem como parceiros, auxiliando no enfrentamento da doença. Tal fato já foi evidenciado em pesquisa com pessoas que vivem com aids, por meio de uma escala para medir bem-estar espiritual e desesperança, nele observou-se que os pacientes com escores maiores em bem-estar espiritual tendiam a ser mais esperançosos.15
Ressalta-se também a importância de encarar com cautela a religiosidade como fonte de suporte emocional, porém, o mesmo refere um alerta quanto à possibilidade da própria religiosidade ser fonte de conflito e sofrimento.7 Tal recomendação precisa refletir na prática clínica, na qual os profissionais devem buscar estratégias adaptadas para as realidades específicas destas mulheres.
A ajuda de familiares próximos representa também razão que fortalece e motiva as mulheres vivendo com o HIV/aids para o acompanhamento e tratamento da doença.4
Muitas vezes, por medo do preconceito, a revelação do diagnóstico restringe-se a pessoas íntimas. Neste prisma, a rede social de apoio a pessoas que vivem com HIV é importante para que elas não se sintam sozinhas no enfrentamento de uma doença com as peculiaridades da infecção pelo HIV.4 Além da família, identificou-se que a equipe de saúde também é quem oferece apoio para o enfrentamento do HIV/aids.
Em um estudo com mulheres vivendo com HIV/aids, o diagnóstico da infecção pelo HIV foi percebido como um momento de transição em suas vidas, capaz de desorganizar seu ser e suas relações, e dificultar as tentativas de ajuste à vida em sociedade.5 Tal dado corrobora com os achados encontrados em nosso estudo, visto que a condição de soropositividade traz muita instabilidade tanto para quem vive com o HIV/aids quanto para os familiares, visto que as mudanças sofridas pelas mulheres são numerosas e intensas.16
Diante disso, verifica-se que abrir a privacidade, ou seja, contar (ou não contar) sobre o segredo de sua condição sorológica é um momento cercado por dúvidas, pois pode afetar o relacionamento destas pessoas. Por solidariedade ou por medo de descobrirem a soropositividade de um dos seus membros, a família contribui para a omissão do diagnóstico, já que o HIV denunciaria comportamento socialmente inaceitável do familiar.4
Mas, de qualquer maneira, a escolha, a decisão de compartilhar o conhecimento sobre sua condição sorológica gera conflitos internos, aflorando sentimentos de medo e ansiedade diante da possível reação do familiar.
A discriminação observada por familiares gera conflitos. Estas situações e condições impedem as mulheres vivendo com o HIV/aids do usufruto da sua vida pessoal e social, podendo levar a sentimentos de baixa autoestima, falta de pertencimento e perda da identidade social e psicológica produzindo sofrimento físico e mental.17 Este sofrimento deve ser avaliado e levado em consideração durante a avaliação de seu tratamento, adesão e evolução clínica.
Evidenciou-se que quando houve experiências positivas de apoio ao revelar a alguém o segredo, ou seja, quando efetivamente estiveram presentes sentimentos de aceitação e amizade, pode-se observar que tal experiência teve caráter positivo e foram determinantes para que a mulher passasse a enfrentar melhor sua condição sorológica. Quando a mesma revela a alguém a sua condição, na maioria das vezes está em busca de apoio e nesse momento o suporte familiar é fator determinante para o enfretamento da infecção.
Ainda é marcante o processo de estigmatização e suas repercussões na trajetória dessas mulheres. O estigma é tomado como atributo que desqualifica e desaprova socialmente seu portador. No entanto, no caso da aids, a associação da infecção aos “grupos de risco” permanece no imaginário social, levando as mulheres deste estudo a vivenciar atos de isolamento, julgamento.5
Faz-se necessário destacar que essa estigmatização pode estar presente também no atendimento pelo profissional de saúde, que em sua prática pode segregar, ou tratar de forma diferente, mulheres com diagnóstico positivo.18 Essas diferenças são percebidas pelas mulheres, e podem transformar o ambiente terapêutico em um ambiente silenciador.
O silêncio é forçado e reforçado pelos estereótipos construídos em torno da aids, tida, ainda nos dias de hoje, como uma “doença imoral”, que, por sua vez, produz a “dor moral”,17) compreendida na presente pesquisa, pelos relatos das mulheres, como um sentimento que qualifica o sofrimento subjetivo de caráter existencial e que as afeta em suas diferentes dimensões pessoais.
A revelação do atributo estigmatizante faz com que a diferença passe a ser o centro da atenção das pessoas. Revelar sua condição poderia significar o fim de relações, impedir que novas se estabelecessem e limitar novas oportunidades.5
Revelar o diagnóstico implica em submeter-se a vivências de polaridades divergentes, ou seja: solidariedade, apoio, compreensão, atribuição de críticas negativas, estigmas, discriminação social e rompimentos de relacionamentos.19 Logo, evidencia-se pelas falas que o temor de serem identificadas persegue essas mulheres o tempo todo. A preferência pelo ocultamento do diagnóstico foi relatada por todas as mulheres estudadas. Ficando claro que essa tentativa de omissão do diagnóstico é devido à estigmatização e ao preconceito que acompanham o HIV/aids.
Em conclusão, com base nos depoimentos do presente estudo somados aos diversos estudos que aqui foram discutidos, confirma-se que há uma necessidade constante das pessoas que vivem com o HIV/aids ocultarem seus diagnósticos à sociedade, sendo múltiplas as causas associadas a essa atitude, como: medo, vergonha, receio de serem estigmatizados e vítimas de preconceitos atribuídos a doença.
Cuidar das pessoas vivendo com HIV/aids exige organizar a atenção para além do atendimento individual nos serviços, envolvendo seus grupos e redes sociais, ampliando as possibilidades de enfrentamento a doenças.
Para o cuidado integral à saúde das mulheres vivendo com o HIV/aids, é fundamental a elaboração de estratégias que contribuam com maior suporte da equipe de saúde para a revelação do diagnóstico quando este for o desejo dos indivíduos. Além disto, a criação de uma rede de suporte social para as pessoas vivendo com o HIV/aids é fundamental nos serviços de saúde para facilitar a construção de vínculos e ao sentimento de identidade e pertencimento, favorecendo o enfrentamento da infecção pelo HIV/aids, adesão ao tratamento e melhor qualidade de vida.