INTRODUÇÃO
Estima-se que 1 600 000 pessoas vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) na América Latina, sendo que 31,8 % dos casos se concentram no Brasil, 29,2 % na Venezuela, 21,4 % na Colômbia e 17,6 % no Peru.1 No Brasil, considerando-se os dados acumulados de 1980 a 2015, foi notificado um total de 798.366 casos da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids).1
Atualmente a Aids é considerada uma doença crônica depois do advento da terapia antirretroviral (TARV), resultando em uma maior sobrevida. No entanto, as pessoas com Aids vivenciam mudanças em sua rotina, afetando nas suas atividades diárias. Essas mudanças decorrem das internações frequentes, acompanhamento médico diário e realização de exames periódicos. Além disso, a pessoa que vive com Aids, está vulnerável ao estigma social, relações familiares e conjugais fragilizadas, e acessibilidade ao mercado de trabalho restrito.3 Tais mudanças podem gerar transtornos mentais comuns, sendo os mais prevalentes o estresse e ansiedade implicando nas estratégias de enfrentamento da doença.4
A ansiedade provoca um impacto biopsicossocial que pode acarretar na baixa adesão à TARV, o qual tem contribuído, ao longo das últimas décadas, para o prolongamento da vida e manutenção da qualidade de vida das pessoas vivendo com Aids.4
Nesse sentido, este cuidado requer uma abordagem multiprofissional, decorrente da complexidade da doença, do tratamento, da identificação e redução da ansiedade. Por isso, o enfermeiro deve buscar uma qualificação contínua, para que possa implementar uma assistência sistemática, humana e integral. A sistematização da assistência de enfermagem (SAE) constitui-se como uma ferramenta que auxilia na prestação de cuidados de enfermagem, o que refletirá na qualidade da assistência, reduzindo complicações durante o tratamento e/ou facilitando a adaptação e recuperação do paciente, além de permitir a identificação das suas necessidades e elaboração de um cuidado individualizado. A SAE pode ser implementada através de planos de cuidados, protocolos, padronização de procedimentos e processo de enfermagem (PE).5
O PE é pautado nas habilidades do pensamento crítico do enfermeiro, que está inter-relacionado nas seguintes fases: coleta de dados, diagnóstico de enfermagem, planejamento, implementação e avaliação. O diagnóstico, os resultados e as intervenções de enfermagem fazem parte dos elementos essenciais da prática do enfermeiro, e a identificação desses elementos representa um relevante instrumento no PE ao atendimento a pessoa vivendo com Aids.6,7
Para a construção do diagnóstico de enfermagem (DE), além de depender das habilidades intelectuais do enfermeiro, como o julgamento clínico, utiliza os sistemas de classificação, que são tecnologias de enfermagem de auxílio na estruturação dos diagnósticos.7 É importante destacar que a ansiedade é um DE, segundo a NANDA-Internacional (NANDA-I), está inserido no domínio “enfrentamento e tolerância ao estresse”, definido como um vago e incômodo sentimento de desconforto ou temor, acompanhado por resposta autonômica (a fonte é frequentemente não específica ou desconhecida para o indivíduo); sentimento de apreensão causada pela antecipação de perigo.8
Para respaldar e justificar o desenvolvimento do estudo realizou-se uma revisão integrativa na busca por produções científicas publicadas nos últimos cinco anos, sobre a temática em questão. Assim, utilizaram-se as bases de dados informatizadas da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS): Literatura Latino-Americana e do Caribe (Lilacs) e Literatura Internacional em Ciências da Saúde e Biomédica (Medline); SCOPUS e (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature) CINAHL, empregando-se os seguintes cruzamentos: Nursing diagnosis AND Acquired immunodeficiency syndrome, OR Nursing process AND Acquired immunodeficiency syndrome. Verificou-se escassez de estudos, sendo quatro relacionados a perfil de diagnóstico de enfermagem5,9,10,11 e dois que discutiram a prevalência dos diagnósticos em pessoas vivendo com Aids.12,13
No entanto, constatou-se uma lacuna quanto a produções científicas sobre a razão de prevalência das características definidoras do diagnóstico ansiedade em pessoas vivendo com Aids. Portanto, a relevância do presente estudo volta-se em contribuir para a prática, e para a formação do professor e estudante, no âmbito do ensino e aprendizado, fazendo refletir sobre a prática dos estudos de prevalência.
A partir das lacunas encontradas emergiu o seguinte questionamento: Qual a prevalência do diagnóstico ansiedade do domínio enfrentamento e tolerância ao estresse em pessoas vivendo com Aids?
Assim, com vistas a responder a questão de pesquisa mencionada e considerando-se a hipótese que a contribuição da prevalência do diagnóstico de ansiedade no domínio enfrentamento e tolerância trás para o ensino, pesquisa e gerência do cuidado em pessoas vivendo com Aids. Então, o presente estudo teve por objetivos: identificar a prevalência do diagnóstico de enfermagem ansiedade, suas características definidoras em pessoas vivendo com Aids, verificar a associação entre ambas e suas razões de prevalência.
MÉTODOS
Estudo transversal, com abordagem quantitativa, realizado em um hospital de referência em tratamento de doenças infectocontagiosas no Rio Grande do Norte (RN), Nordeste do Brasil. O universo da pesquisa foram pessoas vivendo com Aids, cadastradas e assistidas na unidade. A média de atendimentos á pessoas vivendo com Aids foi de 421. Assim, para o cálculo da amostra pautou-se na fórmula para populações finitas, considerando o erro amostral de 5 %, nível de confiança de 95 % (Z∞=1,96) e a população.14
A seleção dos 113 pessoas vivendo com Aids foi por conveniência de forma consecutiva, adotando-se os seguintes critérios de inclusão: ter sido diagnosticado clinicamente com Aids, apresentar idade acima de 18 anos, estar internado no hospital no período de coleta de dados. Utilizaram-se como critérios de exclusão:
Utilizaram-se como critérios de exclusão: estar em situação avançada da doença que comprometesse algum dos sistemas corpóreos (nervoso, respiratório, cardiovascular, renal, digestório, locomotor, reprodutor ou endócrino) que impossibilitasse a realização da anamnese e/ou exame físico, e condições psíquicas e emocionais prejudicadas, avaliado pelo mini exame mental.15 O estudo teve como base a NANDA-Internacional (NANDA-I).8No intuito de verificar a condição psíquica da pessoa com Aids, os pesquisadores previamente se reportavam ao prontuário, para analisar todo o histórico da doença e a evolução. Em seguida, reportavam-se à equipe de enfermagem para obter informações adicionais sobre o comportamento do paciente, sua orientação quanto espaço e tempo.
Os dados foram coletados no período de março a setembro de 2014, por meio de um roteiro de anamnese e exame físico que contemplava os domínios da Nanda I, exceto crescimento e desenvolvimento. O presente instrumento foi submetido à validação do conteúdo e aparência por dez docentes que desenvolvem estudos na área da SAE, posteriormente as sugestões propostas foram contempladas no instrumento.
A elaboração dos diagnósticos foi processual, realizada simultaneamente com a coleta de dados, buscando identificar as características definidoras e os fatores relacionados/de risco de acordo com a NANDA-I, versão 2015-2017.8 Para a estruturação dos diagnósticos de enfermagem seguiram-se as etapas do julgamento clínico de Risner: categorização dos dados, identificação de lacunas de dados, agrupamento dos dados relevantes em padrões, comparação dos agrupamentos padrões normas e conceitos, identificação com desvios e potencialidades em saúde, e proposições de relações etiológicas.16
Ressalta-se que no processo de inferência diagnóstica, as histórias clínicas foram individualmente avaliadas por dois autores deste artigo, sendo um mestre e o outro doutor, a fim de possibilitar maior fidedignidade aos resultados obtidos. Os diagnósticos que apresentavam concordância entre estes foram aceitos. Aqueles em que havia discordância entre os avaliadores, eram reavaliados em suas histórias clínicas até que se obtivesse um consenso.
Em seguida foi elaborado um instrumento com as respectivas afirmativas de diagnósticos de enfermagem para pessoas vivendo com Aids, a qual construiu-se um banco de dados utilizando o software Microsoft Excel 2009, registrando todas as variáveis dos instrumentos da pesquisa, como os respectivos diagnósticos de enfermagem e suas características definidoras identificadas.
Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva e inferencial. Na análise descritiva, foram utilizadas as medidas de tendência central e de dispersão, sendo aplicado o teste de Shapiro Wilk para verificar a distribuição da normalidade dos dados. Também foram calculados a média e o desvio-padrão das variáveis quantitativas. Na análise inferencial, utilizaram-se o teste qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher para verificar a associação dos diagnósticos de enfermagem com as características definidoras, considerou-se o p<0,05, sendo calculadas também as razões de prevalência.
O presente estudo atendeu às normas de ética em pesquisa envolvendo seres humanos de âmbito nacional e internacional, com parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), conforme o parecer nº 508.445/2014 e com certificado de apresentação para apreciação ética nº 23008113.8.0000.5537.
RESULTADOS
Participaram do estudo 113 pessoas vivendo com Aids. A maioria tinha idade mínima de 30 e máxima de 39 anos, do sexo masculino (72,6 %), solteiros (66,4 %) com ensino fundamental incompleto (55,7 %), renda familiar de até um salário mínimo (47,8 %). Dentro do domínio enfretamento e tolerância ao estresse, foram encontrados 21 diagnósticos de enfermagem ao qual o diagnóstico de ansiedade esteve presente em 98 % das pessoas vivendo com Aids. A tabela 1 revela a prevalência do diagnóstico e as suas respectivas características definidoras.
Nesse sentido, a tabela 2, revela as características definidoras que apresentaram associação estatística e com índice de razão de prevalência frente ao diagnóstico de enfermagem ansiedade em pessoas vivendo com Aids.
Teste exato de Fisher; 2Teste qui-quadrado de Pearson; p < 0,05; RP = Razão de prevalência; IC = Intervalo de confiança de 95 %.
Percebeu-se que cinco características definidoras apresentaram associação estatística, com p<0,005 frente ao diagnóstico de enfermagem, sendo estas: desesperado, medo, irritabilidade, angustiado e apreensivo. Em relação às razões de prevalência das características acima citadas, as chances das pessoas que vivem com Aids desenvolverem o diagnóstico de enfermagem ansiedade na presença dessas características foram de aproximadamente: 3,1 vezes para desesperado, 2,9 vezes para medo, 1,6 vezes para irritabilidade, 1,2 vezes angustiado e 1,2 vezes apreensivo quando comparados aos pacientes que não apresentaram essas características.
DISCUSSÃO
Os estudos de prevalência de diagnósticos de enfermagem assevera uma contribuição positiva para a prática do enfermeiro na assistência, facilitando o planejamento das ações de enfermagem prioritárias para uma determinada população. Evidencia-se, ainda, um maior fortalecimento da enfermagem como ciência, por utilizar um sistema de classificação dos diagnósticos de enfermagem proposto pela NANDA-I, um referencial teórico próprio da enfermagem, colaborando para a melhoria na comunicação entre os enfermeiros.12
Nesse sentido, observou-se nos resultados do estudo que o DE ansiedade apresentou maior índice de concordância dentro do domínio. Outros autores descrevem a ansiedade como um sentimento de desconforto ou temor que é acompanhado por uma resposta autonômica, na qual a fonte é regularmente inespecífica ou ignorada pelo indivíduo, tornando-se um sentimento de apreensão causado pela antecipação de perigo, sendo esta configurada por manifestações cognitivas como nervosismo, irritabilidade, mal-estar indefinido, insegurança, além de manifestações fisiológicas como insônia, taquicardia, palidez, aumento da perspiração, tensão muscular, tremor, tontura e desordens intestinais.17,18
A taxa de prevalência de ansiedade relacionada com a Aids pode refletir fatores culturais, sociais ou educacionais que regularmente envolvem o reconhecimento de um problema psicológico. Dentre estes fatores, o estigma, está associado ao aumento dos sintomas de ansiedade, pesquisadores pontuam que esse fato é visto em resultados de algumas pesquisas nos últimos 10 anos.19,20,21 Atualmente estudos revelam que baixos níveis de apoio social estão associados com o aumento da ansiedade. Especialmente, o apoio social é um mecanismo que pode ajudar a solucionar problemas e controlar as emoções no enfrentamento da doença, portanto, atenuando o sofrimento psicológico.22
Desse modo, é válido destacar que as cinco características definidoras desesperado, medo, irritabilidade, angustiado e apreensivo, apresentaram associação estatística, frente ao diagnóstico de enfermagem ansiedade.
Assim, desesperado consiste naquilo que não dá qualquer esperança de melhora, sucesso, cura ou salvação, como também o desespero do ser humano está ligado ao fracasso da condição, do absurdo, do paradoxo, isto é, o homem é finito e ao mesmo tempo almeja o infinito.22 O desespero nas pessoas que vivem com Aids vem sendo associado com o preconceito, a estigmatização desta patologia, a própria condição de cronicidade da doença, inerente a falta de evidências científicas sobre a cura desta enfermidade.23 Ademais, o sentimento de desespero diante da inexistência da cura da doença e a possibilidade de morte, favorece em pessoas vivendo com Aids, o uso do álcool como mecanismo de fuga, tornando-as mais vulneráveis ao suicídio.22,23
Diante disto, o enfermeiro deve atuar através do cuidado humanizado, aproximando-se desse sujeito, por meio da comunicação terapêutica com empatia, identificando a causa desse desespero e prevenindo assim que a pessoa venha a cometer um ato autodestrutivo, como também, buscar conhecer a rede de apoio (familiares ou amigos) e pactuar com estes, a responsabilidade dos cuidados que são inerentes à pessoa com Aids, tal como, assegurar a continuidade da terapia medicamentosa, explicando a importância da mesma na estabilização da patologia, a adequada ingestão hídrica e alimentar para melhorar a condição imunológica da pessoa com Aids, além disso, o apoio de pessoas próximas contribui para elevar a autoestima proporcionando satisfação e superação a essas pessoas.19,20,21,22) Ademais, o medo é uma resposta à ameaça percebida que é conscientemente reconhecida como um perigo.8 Os estudos trazem que em pessoas com Aids, o medo está relacionado com a rejeição de familiares, da sociedade, como também do companheiro, contribuindo para a não divulgação do estado de saúde por receio do abandono, da discriminação ou perturbação no relacionamento conjugal.24,25
Diante dessa problematização, o enfermeiro deve garantir uma assistência individual, dialogando com a pessoa que está com Aids, inclusive com familiares quando possível procurando identificar o conhecimento prévio que ambos, têm sobre a doença e a partir daí, fornecer informações sobre a patologia, formas de transmissão e prevenção, como também enfatizar a importância do tratamento e do apoio familiar, assegurando assim, bem-estar e uma melhor qualidade de vida.22,23,24,25
Em relação à angústia percebeu-se que alguns participantes apresentaram choro fácil, inquietação, pensamentos negativos entre outros. A angústia é caracterizada por uma manifestação emocional que perturba e incomoda.8
Essa realidade ficou evidente em casais sorodiscordantes, pois, estudo pontua que em casais HIV discordantes a angústia é prevalente entre os mesmos, pois consideram que a discriminação a qual estes são submetidos frente ao estado soropositivo, mostra o medo de revela-la ao parceiro, devido ao comprometimento do relacionamento conjugal precipitando sofrimento psicológico, em razão de que as pessoas que vivem com Aids tem que lhe dar com a incerteza da vida futura. Ademais, a preocupação com a procriação para aqueles que não têm filhos ou queria mais filhos e a apreensão com seus filhos e o futuro.26,27
Outra característica presente foi a irritabilidade que remete a propensão para se irritar e apreensivo equivale a preocupado, receoso. Em pessoas com Aids isto pode estar associado às reações adversas como a hipersensibilidade aos fármacos tipo (lamivudina, zidovudina, efavirenz), manifestando-se como sintomas cutâneos leves (urticária, erupções maculopapulares com ou sem lesões em mucosas), ou manifestações sistêmicas graves (febre, calafrios, artralgia, mialgia com envolvimento de órgãos internos como miocardite, nefrite, hepatite).28
Deste modo, o enfermeiro por meio da anamnese e exame físico identifica os sinais e sintomas direcionando as intervenções para interrompê-las, adiando a administração do medicamento e comunicando ao médico assistente para o mesmo avaliar e providenciar uma nova prescrição, utilizando técnicas de relaxamento como a musicoterapia.
Diante disso, o estudo mostrou que o diagnóstico de enfermagem ansiedade esteve como o mais prevalente nas pessoas vivendo com Aids, identificado a partir das características definidoras. Assim, espera-se, que o conhecimento sobre o diagnóstico auxilie o enfermeiro na prática clínica e corrobore para a elaboração das intervenções voltado as necessidades prioritárias das pessoas vivendo com Aids.
Os achados do estudo limita-se a população ser inerente a um determinado espaço geográfico. Porém, acredita-se que novos estudos são necessários em outros cenários, para que possa compreender demais realidades. Por fim, espera-se que os resultados do estudo colaborem com os enfermeiros da prática, ensino, pesquisa e extensão.
Em conclusão, as pessoas vivendo com Aids apresentaram características definidoras peculiares ao diagnóstico ansiedade, e algumas com associação estatística significativa.