INTRODUÇÃO
A atenção primária à saúde (APS) constitui porta de entrada do sistema de saúde brasileiro e abriga ambientes nos quais são executados diversos procedimentos, muitos deles invasivos, configurando-se um ambiente laboral insalubre. Os trabalhadores que atuam nessas unidades de saúde estão submetidos a diversos riscos ocupacionais, biológico, mecânico, psicossocial, ergonômico, físico e acidente de trajeto, sendo o primeiro o mais referido.1,2
A exposição ao risco biológico concretiza-se durante o manuseio de perfurocortantes, possibilidade de contato com sangue, secreções, imunobiológicos e aerossóis durante os diversos serviços oferecidos, tais como consultas de enfermagem, médica e odontológica; pequenas cirurgias; vacinação; curativos na unidade e domiciliares; coletas sanguíneas, colpocitológicas; testes da mamãe e do pezinho; reprocessamento de artigos e roupas; manuseio e descarte de resíduos; atividades de educação em saúde.3,4 Acidentes e doenças relacionadas ao trabalho nesses serviços têm sido relatados,5,6) o que reflete diretamente na qualidade de vida do trabalhador e, consequentemente, na assistência prestada aos usuários.
Dentre as recomendações que visam à segurança esses trabalhadores merecem destaque o uso dos equipamentos de proteção individual (EPI) e a higienização das mãos (HM).7 Entretanto, ainda é baixa a adesão dos trabalhadores a tais medidas, sendo necessárias pesquisas que compreendam os motivos.7,8
O descumprimento de medidas preventivas precisa ser compreendido, e diante do risco biológico tais ações não podem ser ignoradas, e sim esclarecidas e discutidas, no sentido de maximizar estratégias de prevenção. A saúde do trabalhador tem despertado preocupação, uma vez que quanto maior a elucidação do risco e a adoção de medidas de biossegurança, menor a possibilidade de doenças relacionadas ao trabalho adquiridas por meio da exposição a material biológico.
Entender as crenças destes trabalhadores pode direcionar ações que promovam comportamentos seguros e, por conseguinte qualidade assistencial em diferentes contextos. Esse estudo objetivou caracterizar as crenças da equipe multiprofissional da APS frente ao risco biológico.
MÉTODOS
Estudo descritivo com abordagem qualitativa realizado em sete unidades de APS do município de Goiânia-GO.
A população foi constituída por trabalhadores atuantes nessas unidades, e a amostra composta por conveniência, elegendo pelo menos um profissional de cada categoria, enfermeiros (E), cirurgiões dentistas (CD), médicos (M), técnicos/auxiliares em saúde bucal (TSB), técnicos em enfermagem (TE), auxiliares administrativos (AA), auxiliares de higienização e limpeza (AHL), totalizando 43 profissionais.
A seleção dos trabalhadores ocorreu a partir da escala preexistente e de um sorteio, a fim de garantir a veracidade dos dados e evitar inferências pelos pesquisadores. As unidades foram escolhidas mediante autorização da Secretaria Municipal de Saúde, e sorteio de uma unidade de cada região administrativa do município, com proposito de extrair relatos dos mais diversos cenários e estruturas.
A coleta de dados ocorreu de julho de 2014 a fevereiro de 2015, por entrevista semiestruturada individual, e roteiro previamente estruturado, apreciado por experts. A questão norteadora foi: “Tente se lembrar de situações negativas que ocorreram com você ou com um colega (mas que você participou ou esteve presente), nesta unidade de saúde. Essa situação deve ser relacionada a risco/exposição ocupacional de contaminação e interferiu negativamente/positivamente na sua segurança durante o trabalho. Relate-me exatamente a situação, o que foi feito e o que dela resultou”.
Para coleta de dados foi utilizada a Técnica do Incidente Crítico (TIC), a análise de conteúdo de Bardin e o Modelo de Crenças em Saúde (MCS) como referencial teórico para análise.9,10,11) O MCS, proposto por Rosenstock em 1973, é uma ferramenta capaz de fazer uma analogia sobre o conhecimento dos trabalhadores e a adesão às medidas de prevenção, permitindo analisar e reavaliar as condutas frente à exposição ocupacional e subsidiar elaboração de estratégias educativas para mudança de hábitos e atitudes, visando reduzir riscos de exposição ocupacional.9 O comportamento do trabalhador é fundamentado em quatro dimensões, susceptibilidade percebida, severidade percebida, benefícios percebidos e barreiras percebidas.7,12,13
As entrevistas foram registradas manualmente, identificadas pelas letras iniciais de cada categoria profissional do entrevistado, e validadas pelos entrevistados, com duração média de trinta minutos. As respostas foram digitadas em banco de dados, e distribuídas de acordo com os três elementos que constituem o incidente crítico (situação, comportamento e consequência). A classificação segundo a polaridade (negativa ou positiva) foi realizada pelo próprio entrevistado.
A análise deu-se durante a elaboração do banco de dados e permitiu verificar a saturação, momento que a repetição dos dados evidencia o término da coleta. A transcrição das entrevistas foi apreciada por três experts, visando analisar os incidentes críticos e sua composição em situação, comportamento e consequência. A análise do conteúdo obedeceu aos pressupostos de Bardin11 e utilizou um software de análise qualitativa para facilitar o gerenciamento dos dados textuais. Realizou-se a leitura flutuante, organização das ideias e categorização.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica, da Universidade Federal de Goiás, protocolo nº178/12, em conformidade com a Resolução 466/12.14
RESULTADOS
Dos 43 trabalhadores da saúde participantes, a maioria era do sexo feminino (88,4 %), faixa etária entre 24 e 66 anos, com média de 46 anos. Oito trabalhadores eram técnicos de enfermagem (18 %), sete enfermeiros (16 %), sete cirurgiões dentista (16 %), seis auxiliares administrativos (14 %), seis auxiliares de serviços gerais (14 %), cinco técnicos/auxiliares de saúde bucal (11 %) e quatro médicos (9 %).
Segundo formação profissional, 16 (37 %) eram pós-graduados; 12 (28 %) possuíam ensino médio completo; sete (16 %) superior incompleto; quatro (9 %) superior completo e quatro (9 %) ensino fundamental. O tempo de formação variou de quatro a 34 anos.
A exploração dos dados determinou categorias de análise, conforme Modelo de Crenças em Saúde (MCS): a susceptibilidade percebida aos riscos biológicos ocupacionais; a severidade percebida relacionada aos riscos biológicos ocupacionais; as barreiras percebidas à adoção das medidas preventivas e os benefícios percebidos para adoção de comportamentos seguros.
A susceptibilidade percebida aos riscos biológicos ocupacionais
Foi evidenciada pela percepção da exposição aos riscos biológicos ocupacionais à ocorrência de acidentes/contaminação/infecção.
[...] Até que me prove ao contrário, todos são contaminados. (CD05)
[...] A partir do momento que trabalhamos com pessoas, perfurocortantes, medicamentos, você sempre está correndo um risco. (TE35)
[...] O risco que a gente corre aqui é altíssimo, nossa demanda é espontânea, você faz uma anamnese e nem sempre o paciente te informa. Mas a gente tenta atender pensando que todos são potencialmente contaminados. (CD08)
[...] Eu acho que eu estou exposta a me contaminar com vírus, bactéria. (AHL03)
[...] Aqui temos risco de exposição às doenças respiratórias (...), pois não sabemos o que o paciente tem. (M40)
[...] Corremos o risco de nos contaminar com tuberculose, hanseníase. (E34)
A falta de percepção de susceptibilidade foi observada em várias categorias de trabalhadores.
[...] Quase não temos risco de exposição a sangue e secreções, o risco é baixo. (TSB26)
[...] Aqui na sala de tb e han [tuberculose e hanseníase], não vejo muito risco (...) o que acontece mais é na sala de vacinas e no curativo. (TE37)
[...] Nem tenho risco de me contaminar. (AHL03)
[...] Aqui não é um ambiente contaminado, não uso sempre os equipamentos de proteção individual. (TE18)
Situações de risco ao trabalhador, e incapacidade de percebê-lo, são caracterizadas como falta de percepção de susceptibilidade, demonstrada nos fragmentos seguintes.
[...] O risco que corremos aqui é pequeno, quase não fazemos procedimentos invasivos. Acontecem muitas coisas nos outros locais que atendo como emergência, UTI, porque os procedimentos invasivos são realizados com maior frequência. (M43)
[...] Quase não temos nada aqui [no ambulatório], acontece mais no hospital quando estou operando (...) aqui no ambulatório é muito tranquilo, a gente quase não mexe com sangue e perfurocortante, o risco de contaminação é pouco. (M42)
A severidade percebida relacionada aos riscos biológicos ocupacionais
Nessa categoria, os trabalhadores perceberam a gravidade dos riscos a que estão expostos e suas consequências, devido às experiências de acidentes de trabalho.
[...] Fui recolher o lixo, quando puxei o saco, a agulha bateu na minha perna, estava no lixo branco (...) na hora eu não lavei, passei apenas álcool (...) fiz o teste rápido (...) peguei o resultado e não deu nada, graças a Deus (...) a gente pensa na família, pensa que pegou alguma coisa. (AHL39)
[...] Foi um acidente (...) agulha espetou meu dedo (...) você fica achando que está com o cartão da morte (...) fiquei com muito medo de ficar com alguma doença. (TSB01)
[...] Uma colega estava administrando uma medicação sem luvas (...) perfurou o dedo (...), o paciente era HIV (...) tomou as medicações (...) ela ficou depressiva. (TE02)
[...] Emocionalmente, ficou muito abalada (...) após acidente com perfurocortante e o paciente era HIV. (CD27)
[...] Tomei o remédio, o coquetel, quase morri com o remédio, é muito ruim, você fica achando que está com o cartão da morte, após acidente com material perfurocortante de fonte desconhecida. (TSB21)
[...] O risco a gente tem (...) depois que passei por tudo isso [acidente de trabalho no qual perfurou o dedo com agulha de fonte desconhecida] fiquei com medo de ficar com alguma doença. (TSB26)
Barreiras percebidas à adoção das medidas preventivas
Os entrevistados relataram dificuldades na adesão às medidas preventivas.
[...] Eu não uso às vezes por autoconfiança, por falta de cuidado mesmo. (TE02)
[...] Aqui na unidade costuma faltar muita coisa, falta tudo, praticamente, às vezes quando falta material, tanto o paciente quanto nós ficamos prejudicados, pois tem risco para o paciente e para o profissional. (TE35)
[...] Os equipamentos sucateados, instalações inadequadas, mangueiras pelo chão, estamos sem infraestrutura. (CD38)
[...] Nunca recebemos nenhuma informação ou treinamento sobre as formas de contaminação das doenças. (AA30)
Os trabalhadores, ao narrarem os incidentes, exteriorizaram impeditivos à adesão às medidas preventivas no contexto da APS.
[...] Os óculos que são difíceis, uso às vezes, pois me atrapalha, porque já uso óculos, tenho miopia, aí se tirar não enxergo direito, se coloco os dois me atrapalham, ai acabo usando só um às vezes. (TSB26)
[...] Eu nunca recebi treinamento relacionado à segurança no trabalho. (TE18)
Benefícios percebidos para adoção de comportamentos seguros
Os benefícios percebidos para a adoção de comportamentos seguros, oriundos da adesão às medidas preventivas, foram observados.
[...] Se não fossem os óculos, eu podia ter me contaminado. (TSB07)
[...] A empresa sempre dá os EPI, máscara, luva, gorro, bota. (AHL25)
[...] Os EPI são fornecidos pela empresa, sempre tem disponível. (AHL03)
[...] A empresa sempre fornece os equipamentos (luva, máscara, bota, gorro). (AHL19)
[...] Eu uso os EPI, eles sempre estão disponíveis (...) se a supervisora chegar e a gente não estiver usando, ai dá problema. (AHL03)
As narrativas mostram os benefícios percebidos pela adoção de comportamentos seguros.
[...] Estava usando os EPI necessários, se não estivesse com os EPI (máscara, óculos e capote), poderia ter me contaminado. (TSB16)
[...] Se não fosse pela luva, eu teria me contaminado, por isso sempre uso. (CD05)
DISCUSSÃO
Os dados obtidos das entrevistas foram agrupados em categorias, segundo o MCS, e evidenciou que trabalhadores percebem-se susceptíveis à contaminação por agentes biológicos, como vírus e bactérias. No entanto, relacionam esse risco exclusivamente à exposição ao sangue e materiais perfurocortantes, excluindo-se a possibilidade de exposição a outros agentes, a exemplo os de transmissão respiratória. Faz-se premente que riscos e medidas preventivas sejam verdadeiramente conhecidos por todos os trabalhadores.
Em consonância com este estudo, a literatura alerta sobre a realidade do risco biológico no contexto da APS, uma vez que esse nível de complexidade é responsável pela maioria dos diagnósticos e tratamento de doenças como tuberculose e hanseníase.15 Estudos apontaram que os procedimentos com maior exposição ao risco biológico em unidades de atenção básica foram vacinação (51,8 %), curativos (18,8 %) e exames colpocitológicos (16,1 %).3
Em contrapartida, diversos profissionais demonstraram não perceber tais riscos, quando referiram a APS como ambiente livre de contato com sangue ou secreções, de baixo risco ocupacional do tipo biológico.
Os trabalhadores são formados sob uma política de saúde com prerrogativa a aproximação máxima com os usuários. A proximidade e o estabelecimento do vínculo, determinados pelos pressupostos da Política Nacional da Atenção Básica, entre profissional e usuário pode gerar informalidade e influenciar as atitudes dos profissionais, uma vez que podem desvalorizar os riscos, impactando negativamente na baixa adesão às medidas preventivas.3,15
Tal proposição e a subjetividade do contexto da APS se constituem desafio para tomada de decisão dos trabalhadores quanto aos comportamentos seguros.3 Portanto, há que se estabelecer uma cultura de segurança que favoreça o usuário e o trabalhador, e não uma em detrimento da outra.
Vários discursos reportaram também a crença em saúde, falta de percepção de susceptibilidade, na qual se atribuiu o risco apenas a outros ambientes de cuidados, tais como emergências e hospitais.
Ainda entende-se situação contrária por profissionais que vivenciaram situações de exposição biológica. A possibilidade de soroconversão e outros fatores podem desencadear sofrimento psíquico que sinalizam urgência em transformar processos de trabalho. Nesse estudo, mediante exposição ocupacional a agentes biológicos, trabalhadores reportaram sentimentos relacionados à gravidade dos fatos.
Essa percepção pode constituir severidade percebida, consequências ou impacto que uma dada ameaça promove na vida das pessoas.10 À imersão dos relatos pôde-se apreender que a severidade percebida foi evidenciada após vivência de situações de ameaça à saúde dos trabalhadores, principalmente frente à exposição ao material biológico. A exposição representa possibilidade concreta de adquirir doenças ocupacionais, o que pode gerar consequências graves nos âmbitos social, familiar e psicológico.
A experiência do acidente de trabalho apontou, em estudo do interior paulista, a necessidade da educação permanente, abordando temas referentes ao planejamento e à técnica segura dos procedimentos, bem como a valorização dos riscos ocupacionais.16 Em muitos casos, essa vivência além da preocupação em adquirir algum agravo, pode exercer influência proativa para proteção e uso dos EPI’s.7
Corroborando com esses achados, estudos sobre acidentes ocupacionais envolvendo pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) identificaram que trabalhadores acidentados passaram a utilizar mais os equipamentos de proteção e redobraram o cuidado durante a execução dos procedimentos.17,18
Além desses aspectos, emerge desse estudo, com importância análoga, a necessidade de fortalecer os fluxos diante dos acidentes com material biológico nas instituições de saúde, visto que medidas pós-exposição foram tomadas erroneamente. Faz-se necessário incluir este tema nas atividades de educação permanente para que os profissionais acidentados recebam atendimento pós-exposição adequado, que inclui como cuidado imediato a higienização do local atingido com água e sabão ou soro fisiológico 0,9 % em caso de mucosas.18
Barreiras foram evidenciadas frente à dificuldade no cumprimento de medidas preventivas admitida, justificada principalmente pela falta de iniciativa do trabalhador, ausência de material e estrutura inadequada, insuficiência em treinamento específico para o desempenho das funções e desconforto na execução das atividades com o uso de EPI.
As barreiras são aspectos dificultadores ou impeditivos que podem gerar a compreensão de que uma determinada ação seja inconveniente, desconfortável, desagradável e acrescida de custos de diversas ordens. Torna-se imprescindível estratégias inovadoras e capacitações que despertem o pensamento crítico dos trabalhadores perante as situações de risco ocupacional, sendo necessária a estimulação em perceber a susceptibilidade aos riscos(7,12,19,20 e também estratégias para superar as barreiras encontradas.
A disponibilidade de EPIs nas unidades de saúde é condição para que trabalhadores possam usar esses equipamentos na prestação de cuidados. Nos postos de trabalho os EPIs deverão ser oferecidos pelos empregadores àqueles que executam atividades de risco, em número suficiente, garantindo imediato fornecimento ou reposição, pois usá-los é dever dos profissionais.21
Estudo demonstra que, apesar de inúmeras barreiras, trabalhadores reconhecem os benefícios do uso dos EPIs, e referem que seu uso não exclui o risco de exposição e aquisição de infecção por patógenos veiculados pelo sangue e ar.7 A adesão a estes equipamentos é comportamento individual e pessoal, fortemente determinado pelas crenças em saúde. Não reconhecer os riscos pressupõe a não vulnerabilidade, demonstrada por autoconfiança adquirida com a experiência.16
Estudo também realizado em unidades de APS mostrou que óculos não foram utilizados em nenhum procedimento observado, apesar da disponibilidade. Este EPI é recomendado em procedimentos que geram projeções, respingos ou aerossóis de sangue, fluidos corporais, secreções ou excreções, como no teste do pezinho, exame citopatológico e curativos, inerentes às unidades observadas. Este mesmo estudo ainda alerta para a falta de um profissional na equipe que indique os EPIs necessários a cada procedimento, explicitando com clareza sua necessidade,3) assim como os profissionais deste estudo solicitaram em seus relatos.
Entrevistados também revelaram benefícios diante da adesão ao uso dos EPIs, em circunstâncias de exposição a material biológico e a disponibilidade desses materiais, no caso dos trabalhadores terceirizados.
A adesão aos EPIs está relacionada à percepção e susceptibilidade dos trabalhadores sobre os riscos a que se expõem. Apesar desse contexto, os auxiliares de serviços gerais se mostraram não suscetíveis à exposição ocupacional, mas percebem a disponibilidade de EPI como benefício. Entretanto, há de ressaltar que esses trabalhadores são terceirizados, e uma empresa disponibiliza e fiscaliza o uso desses equipamentos pelo trabalhador.
Apesar do contato indireto com pacientes, trabalhadores das áreas de apoio como os do Serviço de Higienização e Limpeza, também estão expostos a diversos riscos ocupacionais, haja vista que manuseiam resíduos contaminantes e entram em contato com a microbiota do ambiente dos serviços de saúde.21
Esses trabalhadores não são gerenciados pela Secretaria Municipal de Saúde, cabendo uma reflexão sobre sua inserção na equipe de trabalhadores da saúde, pois o envolvimento nas atividades preventivas é questionável. Frente a essa realidade, ressalta-se a importância de envolver essa categoria profissional nas atividades de educação permanente e pesquisas, uma vez que desconhecem e não percebem os riscos.22
Os relatos que refletem comportamentos seguros caracterizam a compreensão da eficácia conhecida de uma dada alternativa, e podem alcançar a redução da ameaça vivenciada pelo sujeito, e dos riscos ocupacionais.
Essa percepção da susceptibilidade e severidade aos riscos de exposição ocupacional, somada à percepção do benefício oriundo da adesão aos EPIs representam, positivamente, a força que contribuiria para a tomada de decisão quanto ao uso desses dispositivos. No entanto, as inúmeras barreiras percebidas pelos trabalhadores podem anular as forças positivas e influenciar negativamente a tomada de decisão frente às medidas preventivas.7
A implementação de estratégias educativas para mudança dos hábitos e atitudes na prática tem ação efetiva sobre a redução dos riscos de exposição ocupacional.13,19 Faz-se necessário que os trabalhadores da APS, de diferentes categorias profissionais, participem de atividades de educação permanente. Esta estratégia visa sensibilizá-los e capacitá-los para exercer suas atividades, em conformidade com as políticas de saúde, qualidade de vida e segurança do trabalhador.
A experiência do acidente de trabalho vivenciada por profissionais de enfermagem apontou a necessidade da educação permanente abordando temas referentes ao planejamento e a execução dos procedimentos técnicos, bem como o reconhecimento e não banalização dos riscos ocupacionais. Ressaltou ainda a importância do envolvimento do gestor das unidades de APS nesta temática, a adoção de políticas de prevenção e proteção, aquisição de recursos materiais suficientes e adequados, bem como adequação quantitativa e qualitativa dos recursos humanos.16
Cabe aos serviços de saúde planejar e implementar orientações específicas, atividades de educação problematizadoras permanentes, a fim de que os profissionais adotem comportamentos seguros e percebam o risco inerente ao trabalho desenvolvido.18
Em conclusão, as crenças dos trabalhadores da APS frente aos riscos biológicos e a adoção das medidas preventivas mostraram-se elementares, e por vezes equivocadas, à medida que muitos não acreditam na existência do risco nesse ambiente laboral.
Sob o olhar do MCS o estudo desvelou que a susceptibilidade percebida foi evidenciada principalmente, pela exposição ao sangue e a materiais perfurocortantes, minimizando a possibilidade de exposição a agentes de transmissão respiratória. A falta de percepção de susceptibilidade foi evidenciada na maioria dos relatos dos trabalhadores, que reportaram a existência dos riscos biológicos laborais somente a ambientes como serviços de emergência e hospitais.
A severidade percebida aos riscos biológicos foi atribuída pelos trabalhadores que vivenciaram situações de risco ou exposição a material biológico, os quais reportaram sentimentos relacionados à gravidade dos fatos ocorridos. As barreiras percebidas foram evidenciadas pela indisponibilidade de EPI, falta de estrutura adequada e ausência de qualificação sobre a temática. Os trabalhadores da APS percebem os benefícios da adoção de comportamentos frente a possibilidade de exposição e proteção dos EPI.
O MCS despontou como uma ferramenta eficaz para identificar e compreender as crenças e os comportamentos dos trabalhadores em relação à segurança, perante os riscos biológicos. Tal compreensão levanta desafios para a gestão do serviço ao apontar falhas no contexto da segurança, e elucida lacunas entre as interfaces do processo de trabalho na atenção primária.
Propõe-se um programa de educação permanente, que fortaleça e agregue conhecimentos e valores, a partir das crenças em saúde, a todos os níveis de formação dos trabalhadores, instigando o aprimoramento técnico e a cultura organizacional de segurança no ambiente laboral, em consonância com os aspectos organizacionais e de gestão dos riscos em conformidade com as normativas brasileiras em todos os níveis de atenção à saúde.