INTRODUÇÃO
O presente estudo contribui para a reflexão sobre as condições de trabalho, que é uma evidência dos novos tempos de avanços tecnológicos na área da saúde do trabalhador. As transformações ocorridas nas últimas décadas impostas pelo capitalismo trouxeram repercussões para o mundo do trabalho, e isso refletiu na saúde dos indivíduos e no coletivo de trabalhadores.
Dessa forma, o trabalho exerce um papel importante na inserção do indivíduo na sociedade, pois contribui na formação de identidade dos sujeitos e permite que os mesmos participem da vida social. Entretanto, a forma como esse trabalho é organizado e executado, por grande parte dos profissionais na sociedade moderna, tende a gerar transformações na vida do trabalhador.1
Essas transformações afetam o homem em vários âmbitos da vida, principalmente em relação à saúde. Por isso, assegurar o bem-estar físico, psicológico e social do trabalhador está se tornando bastante difícil. O desgaste ao qual as pessoas são submetidas nos ambientes e nas relações com o trabalho constituem fatores presentes e que determinam os agravos à saúde do trabalhador.
Em muitos momentos, esse desgaste decorre devido: a repetitividade, a monotonia, a falta de criatividade, a execução de tarefas parceladas, ao desconhecimento de todo o processo de trabalho, a cobrança pela produtividade e também pelo medo do desemprego.2
Os agravos relacionados ao trabalho são responsáveis por ocasionar os acidentes de trabalho. Que no Brasil, é considerado um importante problema de saúde pública, pois além de causarem prejuízos aos trabalhadores e empregadores afetam a economia do país, portanto merece uma análise dos seus aspectos para uma melhor compreensão e controle dos riscos.
Entretanto, o conhecimento da magnitude do problema ainda é bastante limitado, pois apesar da existência de um aparato legal no país, para que os acidentes de trabalho sejam notificados e a informação produzida norteie as ações na promoção e na prevenção de danos à saúde dos trabalhadores, a subnotificação é uma realidade que dificulta o conhecimento das reais condições em que o trabalho se desenvolve, desqualificando os direitos sociais e securitários ao trabalhador.3,4
Os trabalhadores de saúde sujeitam-se aos vários riscos ocupacionais, adoecem, acidentam-se e, na maioria das vezes, não relacionam esses problemas à sua atividade laborativa. Por isso, dentre as diversas categorias de profissionais, que são acometidas por acidentes de trabalho, destacam-se os atuantes na rede hospitalar, por esse ser um ambiente insalubre em que se aglomeram pacientes com várias patologias transmissíveis.
Um estudo5 realizado com trabalhadores de saúde de um Hospital Universitário no estado de São Paulo mostrou que os trabalhadores do Departamento de Enfermagem foram os que apresentaram maior risco de acidentes, 87,50 % ocorreram com os materiais perfurocortantes sendo o escalpe e a agulha de injeção os objetos responsáveis por 35 % dos casos, representando 70 % do total dos acidentes.
Outros estudos6,7,8,9) nacionais e internacionais corroboram com esses achados, por isso é interessante ressaltar o número elevado de acidentes de trabalho com os profissionais de enfermagem.
Diante da relevância do assunto, decidiu-se identificar “como se caracterizam os acidentes de trabalho ocorridos na equipe de enfermagem no Brasil”. Para responder esta pergunta, resolvemos realizar um estudo de revisão integrativa.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão integrativa, método que tem a finalidade de integrar e sintetizar da literatura resultados e evidências de estudos direcionados a determinado tema ou problema de pesquisa, a partir de estudos independentes.10) Esse tipo de estudo viabiliza a análise de pesquisas científicas de modo sistemático e amplo, favorecendo a caracterização e divulgação do conhecimento produzido.
Este método de pesquisa inclui seis fases: identificação do tema ou questão norteadora; amostragem ou procura na literatura; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados e síntese do conhecimento evidenciado nos artigos analisados.11
A revisão partiu da questão: “Como se caracterizam os acidentes de trabalho ocorridos na equipe de enfermagem no Brasil”? Definiu-se como critérios de inclusão: artigos completos eletronicamente nas bases de dados ScientificElectronic Library Online (SCIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e da Base de Dados de Enfermagem (BDENF). Como estratégia de pesquisa utilizou-se os descritores “acidentes de trabalho”, AND “equipe de enfermagem” AND “enfermagem do Trabalho” com coleta realizada nos meses de maio e junho de 2015. Foram excluídos os artigos que não abordaram a temática proposta, em duplicidade localizados através dos descritores selecionados e a partir da leitura prévia de título e resumo (Fig.).
Os dados dos estudos foram analisados após preenchimento de um instrumento de coleta de dados acerca da identificação do estudo: (título do artigo, base de dados, ano de publicação, título do periódico, qualis, classificação do estudo segundo objetivos), características metodológicas (população, local e região de realização do estudo) e resultados em análise (circunstância que ocorreu o acidente de trabalho).
DESARROLLO
As fontes pesquisadas foram consideradas diversificadas, haja vista a temática abordada pelo estudo evidenciar 16 artigos científicos publicados em 10 periódicos diferentes, com boa expressividade no cenário científico segundo avaliação do Qualis da Capes 2014.
No Quadro1, pode-se verificar os artigos selecionados para este estudo, apresentando o título do artigo, bases de dados, ano de publicação, título do periódico e qualis.
Através dos títulos dos artigos selecionados neste estudo, observa-se no Quadro 1 que todos os estudos caracterizam-se como acidentes típicos.
Os acidentes típicos são os mais enfatizados na literatura por serem decorrentes da característica da atividade laboral desempenhada pelo acidentado. As Evidências científicas revelam que na área da saúde a categoria de enfermagem está exposta aos acidentes típicos pelo cuidado direto que realiza com os pacientes.12
Ademais, existem outros fatores que predispõe a categoria a uma maior incidência de acidentes de trabalho típico, como a falta de treinamento e capacitação, desconhecimento dos riscos, inadequação do ambiente físico, escassez de materiais em quantidade e qualidade, e número de trabalhadores insuficientes, gerando sobrecarga excessiva aos existentes.
Em se tratando do período de publicações dos artigos, o Quadro 1 destaca que o ano de 2011 teve o maior número de artigos publicados entre o período estudado 18,7 % (03). Verifica-se ainda que nos últimos cinco anos ocorreram 37,5 % (06), levando em consideração ao ano de coleta de dados deste estudo.
As pesquisas de enfermagem realizadas na área de saúde do trabalhador começaram a ter mais destaque e interesse a partir dos anos 90, quando muitos indicadores apontaram uma razoável expansão do quantitativo de profissionais e instituições vinculados à saúde do trabalhador.13
Quanto a fonte de publicação, 93,8 % (15) artigos foram publicados em periódicos específicos da enfermagem, destes, 66,7 % (10) periódicos são nacionais e 33,3 % (05) são internacionais. O periódico que teve o maior número de estudos publicados foi a Revista Latino Americana de Enfermagem com 44,4 % (04) das publicações, seguidos pela Revista de Enfermagem da UERJ 33,3 % (03), Revista Brasileira de Enfermagem e Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental 22,2 % (02), e 11,1 (01) publicação para cada um dos periódicos: Revistas Ciência Enfermagem, Revista Escola de Enfermagem-USP, Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, Cogitare Enfermagem, Online Brazilian Jurnal of Nursing (01 publicação em cada periódico). Em relação ao Qualis do periódico, 50 % dos artigos (08) foram publicados em periódicos com Qualis A1, 37,5 % (06) com Qualis B1 e 12,5 % (02) com Qualis B2.
No sentido de explorar a produção científica brasilei ra sobre saúde do trabalhador, nota-se uma evolução em qualidade na produção dos artigos sobre acidentes de trabalho na equipe de enfermagem, uma vez que, há um aumento significativo na divulgação dos mesmos nos periódicos com mais visibilidade e com classificação internacional pelo sistema Qualis.14
Vale ressaltar que, a profissão de enfermagem precisa projetar no mundo os resultados das produções de seus periódicos brasileiros, dessa forma cabe aos pesquisadores desenvolverem pesquisas de qualidade; aos programas de pós-graduação adotar políticas de incentivo e apoio à produção de publicações mais qualificadas; e aos editores dos periódicos, maior rigor no processo de avaliação com vistas à indexação do periódico em bases internacionais.15
O Quadro 2, apresenta a classificação dos estudos baseado nos objetivos, abordagem do estudo, população, local e região de realização do estudo e circunstância do acidente de trabalho.
No Quadro 2, a classificação dos estudos está baseada nos objetivos, 50 % (08) dos estudos são exploratório-descritivo, 37,5 % (06) são apenas descritivos e 12,5 % (2) das publicações são exploratórios. Quanto à abordagem do estudo, 100 % (16) apresentam abordagem quantitativa.
As pesquisas descritivas apresentam a descrição de características relevantes de uma população ou fenômeno estudado e fazem estabelecimentos de relações entre variáveis, enquanto que as pesquisas exploratórias tem sua relevância pelo fato de poder identificar os fatores que determinam ou contribuem para ocorrência de um fenômeno, além de aprofundar o conhecimento da realidade, explicando a razão e o porquê das coisas.16
Tratando-se da abordagem quantitativa, o seu uso tanto na coleta quanto no tratamento das informações evidenciam estatísticas que testam, de forma precisa, hipóteses levantadas para a pesquisa e fornecem índices que podem ser comparados com outros.17
No que se refere aos locais da realização dos estudos, o hospital foi o local onde foram realizados todos os estudos 100 % (16) foram realizados em unidades hospitalares da rede pública. Em relação à Região do país 56,2 % (09) foram realizados na região sudeste, 18,8 % (03) na região nordeste, 12,5 % (02) na região norte e 12,5 % (02) na região centro oeste.
Na área da saúde, o hospital surge como o lócus de maior investigação para acidentes de trabalho, tendo em vista o número de trabalhadores de diversas áreas que atuam na instituição realizando ações e procedimentos de maior complexidade, estando assim expostos a diversos riscos ocupacionais de acidentes de trabalho.18
É reconhecido que os profissionais, que atuam nesta área, dependendo do seu processo de trabalho, podem estar sujeitos aos riscos ocupacionais relacionados às atividades laborais. Portanto, expostos aos acidentes de trabalho, às doenças profissionais e às doenças do trabalho.19
Verifica-se que a população estudada é a equipe de enfermagem, 93,8 % (15) dos estudos foram realizados com enfermeiro, técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem, enquanto apenas 6,2 % (1) foi realizado com enfermeiro e técnico de enfermagem.
Entre os diversos profissionais que atuam em unidades de saúde, a equipe de enfermagem é a que apresenta o maior número de acidentes de trabalho, o que pode estar relacionado às especificidades do trabalho inerentes a cada categoria de enfermagem, como também as condições e situações inadequadas no seu processo de trabalho.20,21,22
Além disso, o trabalho da enfermagem, em instituição hospitalar, é realizado durante as 24 horas do dia, o que implica em permanecer grande parte da jornada de trabalho em contato direto com o paciente e em executar procedimentos de variados graus de complexidade, aumentando assim a possibilidade da ocorrência de acidentes de trabalho.23
A produção em saúde do trabalhador concentra-se em sua grande maioria na região sudeste do Brasil. Isso pode ser explicado porque há a maior quantidade de grupos de estudos e o consequente número de pesquisadores, além dos programas de pós-graduação e periódicos voltados à publicação de artigos relacionados à saúde coletiva nessa região, particularmente em São Paulo e Rio de Janeiro.24
Ao analisarmos as circunstâncias que ocasionaram os acidentes de trabalho nos estudos que compõem essa revisão verifica-se que 43,75 % (7) foram ocasionados por perfurocortantes, 37,50 % (6) por material biológico como: sangue, líquor, secreção e fluídos corporais, 6,25 % (1) por medicamentos antineoplásicos, 6,25 % (1) por realização de punção venosa/arterial, administração de medicamentos e reencape de agulhas utilizadas, 6,25 % (1) acidentes com substância química, com medicações, por trauma mecânico, escalpe e urina.
Durante a execução dos cuidados no ambiente hospitalar o enfermeiro e o técnico de enfermagem enfrentam um trabalho árduo ao exercerem continuamente assistência e vigilância de enfermagem, por vezes agem com rapidez em razão do número acentuado de pacientes e das intercorrências clínicas e emergenciais provocadas pela alteração do estado de saúde dessa clientela, e isso facilita a ocorrência de acidentes de trabalho com materiais perfurocortantes.
Diversos estudos25,26,27,28) relatam que grande parte das atividades realizadas pela equipe de enfermagem concentra-se em assistência direta ao paciente com natureza invasiva, que podem aumentar o risco de acidentes, como, por exemplo, durante punção venosa, diluição e administração de medicamentos, as quais envolvem agulhas, ou objetos perfurocortantes.
Os estudos captados apontaram que, dentre os ambientes de trabalho dos profissionais, o hospitalar se destaca. Por isso, para a análise crítica dos estudos selecionados foi realizada a categorização dos artigos por similaridade de conteúdo e construída duas categorias para a análise: A ocorrência de acidentes por perfurocortantes entre profissionais de enfermagem em unidade hospitalar e as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem nos hospitais.
A ocorrência de acidentes por perfurocortantes entre profissionais de enfermagem em unidade hospitalar
No contexto hospitalar o profissional de enfermagem tem se mostrado mais susceptível à vitimização por acidentes com perfurocortantes, devido ao grande número de tarefas que executam utilizando agulhas, cateteres e muitas vezes não utilizando Equipamentos de Proteção Individual (EPI), principalmente luvas, as quais não impedem o acidente, mas resguardam que grande volume de sangue entre em contato direto com a pele.29
Para fins de notificação e análise os materiais perfurocortantes são responsáveis por graves acidentes com material biológico no ambiente hospitalar gerando, então, várias consequências, visto que, torna o indivíduo favorável ao risco de doenças. Devido a isso, dados apontam altos índices de acidentes.30
A notificação de acidente de exposição a material biológico tem grande importância tanto para o profissional acidentado que fica respaldado legalmente, quanto para as instituições, uma vez que apenas com o conhecimento desses acidentes, de suas causas e consequências é que se pode elaborar medidas preventivas de acordo com a realidade de cada local.31
Pesquisa realizada em unidade de emergência de um hospital público de Belo Horizonte evidenciou taxa de subnotificação de acidentes com material biológico de 68,3 %, que variou de acordo com cada categoria de profissional.32
Dentro de todo contexto que envolve a ocorrência e o conhecimento formal dos acidentes de trabalho no Brasil, a subnotificação desses acidentes é reconhecidamente um empecilho para o planejamento das ações de vigilância em saúde do trabalhador. Estudos33,34,35) evidenciam que as estatísticas divulgadas não correspondem ao total de acidentes e óbitos ocorridos, e mesmo o Ministério da Previdência Social declara que os números reais estão subestimados.
Condições de Trabalho dos profissionais de enfermagem nos hospitais
As condições de trabalho oferecidas por muitos hospitais é um fator determinante para o aumento dos casos de acidentes de trabalho. Durante a execução dos cuidados no ambiente hospitalar o enfermeiro e o técnico de enfermagem enfrentam um trabalho árduo ao exercerem continuamente assistência e vigilância de enfermagem, por vezes agem com rapidez em razão do número acentuado de pacientes e das intercorrências clínicas e emergenciais provocadas pela alteração do estado de saúde dessa clientela, e isso facilita a ocorrência de acidentes de trabalho.36,37,38
CONCLUSÕES
O presente estudo verificou as seguintes evidências: os acidentes com material perfurocortante representam uma parcela importante das exposições, as quais os profissionais de enfermagem estão expostos. Os acidentes identificados envolveram situações cotidianas da assistência de enfermagem: como punção vascular e administração de medicamentos.
Considerando-se que a implementação de estratégias para promover o aumento da segurança dos profissionais depende do conhecimento das situações que representam risco, acredita-se que os resultados apresentados neste estudo revelam ser importante a revisão do processo de trabalho, com destaque para o uso de EPI e adoção de práticas seguras. Sugere-se a implementação de um programa de educação permanente no ambiente de trabalho dos profissionais de enfermagem para fomentar a aquisição de conhecimento, e incentivá-los a refletir sobre sua prática e responsabilidade social.