INTRODUÇÃO
Rosa Mosqueta (Rosa aff rubiginosa ou Rosa canina L.) é uma espécie vegetal selvagem originária da Europa Central e Oriental, que cresce espontaneamente na região Sul do Chile. O óleo extraído das sementes é bastante empregado na indústria alimentícia e cosmética por suas características organolépticas e sua composição rica em ácidos graxos essenciais à nutrição humana.1,2
Estudos científicos realizados entre 2002 e 2012 comprovaram seu potencial terapêutico como agente anti-inflamatório, imunomodulatório, cardioprotetor, antidiabético, antiulcerogênico, antimicrobiano e antioxidante.3,4,5,6,7) Apesar da diversidade de estudos farmacológicos, em revisão sistemática de literatura Chrubasik e colaboradores (2008), identificaram a necessidade de estudos clínicos para avaliar a aplicação tópica da Rosa Mosqueta em lesões cutâneas e doenças de pele.8
Os ensaios não clínicos e clínicos de segurança e eficácia constituem um dos critérios para solicitação de registro como medicamento fitoterápico pelo fabricante à Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA,9 possibilitando assim, sua comercialização como medicamento o que confere maior segurança do tratamento e aumenta a confiabilidade pelos profissionais de saúde e pacientes.
Atualmente no comércio brasileiro o óleo de Rosa Mosqueta é encontrado em produtos registrados como cosméticos e alimentos na forma de cápsulas, solução oleosa ou emulsões, enquanto na Europa, o óleo deste vegetal é catalogado na Farmacopéia e encontrado em dois medicamentos fitoterápicos amplamente prescritos para tratamento de osteoartrite.10
O óleo de Rosa Mosqueta possui altas concentrações de polifenóis, carotenoides, ácido ascórbico (Vitamina C), ácidos graxos insaturados (linoleico, linolênico e oleico) e, em menor proporção, ácidos graxos saturados (palmítico, palmitoléico, esteárico, láurico, mirístico e behênico). Apresenta o ácido transretinoico ou tretinoína natural com proporções variando entre 0,01 a 0,1 % e também os ácidos graxos insaturados araquidônico e gadoleico.11,12
Os ácidos graxos insaturados e o ácido transretinóico são os compostos relatados como responsáveis pela manutenção da integridade e regeneração cutânea. Os primeiros formam parte dos fosfolipídios das membranas celulares, sendo os precursores de prostaglandinas e leucotrienos a partir da síntese do ácido araquidônico.13) Estes fosfolipídios intervêm no processo de fosforilação, na mitose, organização celular e nos intercâmbios iônicos, o que confere ao óleo de Rosa Mosqueta um alto potencial no tratamento de feridas e cicatrização tecidual.14,15
O ácido transretinóico ou vitamina A tem como função regular a proliferação, diferenciação e queratinização das células dérmicas, ativando a mitose celular e estimulando a produção de matriz extracelular pelos fibroblastos da derme.16) Esse processo resulta em maior deposição de colágeno e aumento da vascularização, tornando a pele mais espessa e resistente.17
O interesse pelas propriedades cicatrizantes do óleo de Rosa Mosqueta é justificado pelo impacto que a ocorrência crônica de lesões na pele gera em seus portadores. As feridas crônicas são caracterizadas por atraso na cicatrização apesar do emprego de tratamento. Sua prevalência gira em torno de 15 % da população, implicando em consequências emocionais, físicas, sociais e econômicas.18) Por esse motivo, divulgação e desenvolvimento de tecnologias para o tratamento de feridas se fazem necessárias, preferentemente mais baratas e acessíveis, como por exemplo, com uso de produtos naturais.19
Diante do exposto, a presente revisão integrativa objetiva sumarizar as evidências que comprovaram a eficácia do óleo de Rosa Mosqueta na cicatrização de feridas.
MÉTODOS
Foi realizada revisão integrativa sobre o tema proposto empregando-se as seguintes etapas: elaboração da hipótese e definição dos objetivos da pesquisa; busca na literatura para definição dos descritores bem como delimitação dos critérios de inclusão e exclusão; coleta dos dados; análise crítica dos estudos incluídos; discussão dos resultados e finalmente a apresentação da revisão.20
Como pergunta norteadora desta revisão foi levantada a seguinte questão: que evidências existem na literatura científica que comprovem a eficácia do óleo de Rosa Mosqueta na cicatrização de feridas? Foram incluídos artigos publicados nas línguas inglesa, espanhola e portuguesa que apresentassem como tema de estudo unicamente a aplicação tópica do óleo de Rosa Mosqueta no processo de cicatrização cutânea.
A busca foi realizada entre julho e setembro de 2015 nas bases dados eletrônicas Literatura Latino-Americana de Ciências da Saúde (Lilacs), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrieval System on Line (Medline), Biblioteca Cochrane, Scientific Eletronic Library Online (Scielo), National Library of Medicine (PubMed) e Proquest, por meio dos descritores “Rosa Mosqueta”, “wound”, “Rosa aff rubiginosa”, “healing” ou “Rosa canina”. Não foi estabelecido recorte de tempo para esta revisão. Publicações repetidas em diferentes bases foram contabilizadas apenas uma vez, e aquelas não indexadas nas bases de dados digitais, porém consideradas importantes para essa pesquisa foram resgatadas por meio do Programa de Comutação Bibliográfica - COMUT.
As publicações listadas nas bases de dados com os descritores acima foram pré-selecionadas a partir dos títulos e submetidos à avaliação de seus resumos quanto aos objetivos e resultados. A leitura completa da publicação foi realizada apenas para os trabalhos que apresentaram informações incoerentes.
Para coleta de dados dos artigos incluídos nessa revisão foi utilizado instrumento validado por Ursi et al (2006) cujos itens contemplam a identificação do artigo original, características metodológicas do estudo, avaliação do rigor metodológico, das intervenções mensuradas e dos resultados encontrados.21Os níveis de evidência dos trabalhos foram avaliados segundo a classificação do Oxford Centre for Evidence-Based Medicine.22) e a qualidade metodológica dos ensaios clínicos foi avaliada utilizando-se a escala de Jadad.23) Os dados coletados foram então analisados e a síntese dos trabalhos foi feita por meio de quadro sinóptico.
DESARROLLO
A busca eletrônica, ilustrada na Tabela 1, permitiu o agrupamento de 43 publicações.
A pré-seleção excluiu 37 trabalhos disponibilizados por meio eletrônico, restando apenas 6 que contemplaram os critérios de inclusão. Uma publicação foi posteriormente adicionada à amostra, solicitada por meio do COMUT, por não estar disponível nas bases de dados on-line. A figura 1 ilustra o processo de seleção e inclusão dos trabalhos selecionados.
A Biblioteca Virtual em Saúde foi a base de dados mais sensível aos descritores utilizados, apresentando o maior número de publicações selecionadas (Tabela I). A amostra foi constituída por cinco artigos (71,4 %), uma dissertação (14,3 %) e uma carta enviada à redação (14,3 %). A origem das publicações foi predominantemente brasileira (N=5; 71,4 %), seguida pela espanhola (N= 2; 28,6 %). Quando avaliado o idioma de publicação, entretanto, essa diferença torna-se menor, já que quatro trabalhos foram publicados em Português (57,15 %) e três publicados em Espanhol (42,85 %). Todos os trabalhos analisados estavam ligados à área de pesquisa de Universidades brasileiras ou espanholas, apenas dois artigos foram desenvolvidos em unidades hospitalares e um artigo apresentou a participação de mais de uma instituição.
Em relação à área de formação dos pesquisadores, quatro dos artigos analisados foram publicados por médicos (57,1 %), um não especificava a área de formação (14,3 %) e outros dois foram publicados por enfermeiros (14,3 %) e médicos veterinários (14,3 %) cada. Em relação ao tipo de periódico, dois trabalhos foram publicados em revistas médicas (28,6 %), um trabalho em revista de enfermagem geral (14,3 %) e outro em revista de medicina veterinária (14,3 %). Um dos trabalhos não foi publicado em revista e outros dois foram publicados em revistas de outras áreas da saúde (28,6 %).
Quanto ao tipo de delineamento dos estudos avaliados evidenciou-se uma revisão de literatura, três estudos experimentais não clínicos, um estudo clínico de delineamento não-experimental, um estudo com delineamento quase-experimental e outro com delineamento experimental, porém de baixa qualidade metodológica. A qualidade metodológica dos estudos clínicos foi avaliada como baixa segundo a escala de Jadad. A tabela 2 apresenta a síntese dos trabalhos incluídos nesta revisão e a tabela 3, mostra a avaliação dos estudos segundo nível de evidência e qualidade metodológica para estudos clínicos.
A eficácia do óleo de Rosa Mosqueta no processo de cicatrização vem sendo estudada nas últimas três décadas, com destaque para a produção brasileira. Apesar disso, poucos estudos sobre o tema foram publicados.12,14,24,25,26,27,28
O interesse pelo óleo de Rosa mosqueta surgiu em 1988, com o primeiro estudo experimental não clínico realizado por Marchini, que a partir de então, seguiu nesta mesma linha para avaliar a eficácia deste insumo no processo de cicatrização de feridas em ratos Wistar.12,24
A avaliação histológica das lesões tratadas com o óleo mostrou um tecido cicatricial com maior deposição de colágeno, menor número de macrófagos e maior quantidade de fibroblastos aos 7, 14 e 21 dias de regeneração. Além disso, observou também que as lesões apresentavam tecido de cicatrização mais avançado com tecido de granulação mais organizado que o grupo controle.12
Eurides et al (2011) obteve resultados semelhantes ao observar que as lesões tratadas com óleo de Rosa Mosqueta apresentaram redução do edema, menor área de lesão a partir do sétimo dia pós-operatório (DPO), maior deposição de colágeno e completa epitelização no 13º dia quando comparado ao grupo controle tratado com solução de soro fisiológico a 0,9 %.27
Apesar de não oferecerem níveis de evidência suficientes para uma recomendação clínica, os estudos em animais permitem investigar eficácia e segurança de um produto novo antes de ser testado em humanos. Nos estudos dessa natureza levantados nesta revisão, o achado mais importante foi a redução de infiltrado inflamatório e boa organização de colágeno das lesões tratadas com óleo de Rosa Mosqueta quando comparado ao grupo controle. Apesar dos resultados satisfatórios desses estudos, a comparação do grupo experimento se deu apenas com o tratamento placebo com soro fisiológico, sendo interessante a inclusão de um controle positivo para avaliação da eficácia do óleo de Rosa Mosqueta na cicatrização de feridas.
A capacidade anti-inflamatória do óleo de Rosa Mosqueta pode ser de interesse clínico no tratamento de feridas, especialmente naquelas de difícil tratamento. A cicatrização envolve uma sequência de eventos complexos e sobrepostos que devem se equilibrar para um adequado reparo tecidual. Após o dano celular, o primeiro evento a ser desencadeado é a hemostasia por meio da cascata de coagulação. Nesse processo, o fibrinogênio é convertido em fibrina, que, ao ser polimerizada, forma uma capa que recobre a lesão e que servirá de matriz provisória para a invasão de vários tipos celulares.29) Cerca de 24h - 48h depois, células inflamatórias começam a infiltrar na ferida, degradando a camada de fibrina que será substituída por colágeno.29 Esse processo inflamatório permite a limpeza do tecido lesionado para substituição de tecido novo. Entretanto, se a inflamação local se mantém além do esperado, o período de fechamento da lesão é prolongado, favorecendo a ocorrência de infecções, exsudatos, necroses e a formação de um tecido de má qualidade.
Em revisão de literatura, Santos et al (2009), reuniram informações sobre a composição bioquímica do óleo de forma a levantar evidências sobre seu uso na cicatrização de feridas. As informações reunidas indicam que a Rosa Mosqueta tem propriedades cicatrizantes pela combinação de ácido oléico, linoléico e linolênico.15) Tais compostos, conhecidos como ácidos graxos são importantes componentes estruturais das membranas biológicas, além de atuarem como precursores de mensageiros intracelulares, pois quando oxidados, geram adenosina trifosfato (ATP) .15) Ressalta-se também a grande quantidade de fenóis e carotenóides encontrados no óleo de Rosa Mosqueta, cujas propriedades antioxidativas podem favorecer a regeneração tecidual.30
Foram encontrados três estudos clínicos com o óleo de Rosa Mosqueta no tratamento de feridas ou relacionado ao modelamento cicatricial. O primeiro deles, relatado por Gimenez et al (1990), foi um estudo experimental que avaliou o efeito do óleo a 26 % na cicatrização de feridas de etiologia variada. Os pesquisadores incluíram 10 pacientes portadores de úlceras venosas ou pós-cirúrgicas de difícil cicatrização e avaliaram o tempo de cura e a recidiva de lesões comparados com grupo controle de amostra pareada. Foram avaliados pacientes com úlceras varicozas, úlceras postraumáticas, eczemas de contato e deiscências pós-cirúrgicas. Os autores verificaram que o grupo tratado com o óleo apresentou processo de cicatrização mais avançado, com tecido de granulação mais organizado e maior deposição de colágeno que o grupo controle. Observou-se uma diferença de até 29 dias no tempo de cicatrização entre o grupo tratado e o grupo controle (23,25 dias para o grupo terapêutico contra 52,2 dias para o grupo controle).
Apesar do bom resultado descrito, alguns vieses devem ser destacados: a amostra de apenas 10 pacientes restringe os achados do estudo. Além disso, não fica claro a forma de aleatorização da amostra e o tipo de produto utilizado para o grupo controle. Há que se destacar também que a inclusão de diferentes tipos de feridas dificulta a comparação dos resultados. O estudo não confere clareza metodológica, os dados são pouco objetivos e o tratamento estatístico se restringiu à descrição das proporções, não permitindo confirmar se as diferenças encontradas são estatisticamente significativas.
Um estudo clínico experimental, realizado por Cañellas et al (2008), testou o óleo de Rosa Mosqueta bruto e refinado em ferida operatória de cirurgias podológicas em 50 pacientes, comparando-as com grupo controle por 12 dias. Eles não encontraram diferenças no tempo de cicatrização, porém concluíram que o óleo refinado melhora o processo de cicatrização, produzindo uma cicatriz mínima. O óleo bruto não deve ser utilizado por não apresentar estabilidade com o tempo. Destacaram também que o uso do óleo em feridas pós-cirúrgicas, cicatrizando por primeira intenção, deve ser utilizado 48h após o procedimento para evitar o excesso de maceração do tecido. O estudo, entretanto, não esclarece como foi realizada a randomização da amostra nem especifica o tipo de produto utilizado no grupo controle. Quanto ao tratamento dos dados, foi aplicado apenas estatística descritiva, o que não permite afirmar se as diferenças encontradas são significantes.
Estudo proposto por Madjarof e Linarelli (2011), investigou o efeito de um produto comercial (Rinopel®) em 23 pacientes de 18 a 60 anos com cicatriz hipertrófica formada há no máximo quatro meses. Foi avaliada textura, elasticidade e aparência geral da cicatriz tanto pelos pacientes quanto pelos pesquisadores utilizando o Standard Guide for Sensory Claim Substantiation. Após 28 dias de uso do produto 87,0 %, 82,6 % e 95,7 % dos voluntários/julgadores referiram melhora da textura, elasticidade e aparência geral da cicatriz, respectivamente. O estudo, porém, utiliza amostra de conveniência, não possui grupo controle e não padronizou dose e quantidade de aplicações. Ademais, o produto utilizado é uma combinação de óleo de Rosa Mosqueta, óleo de Centella Asiática e de vitamina E, não sendo possível afirmar se os efeitos observados são atribuídos à Rosa Mosqueta. A análise estatística é apenas descritiva e o estudo não fornece protocolo do Comitê de ética.
Partindo do objetivo desta revisão, é possível observar que nas últimas três décadas pouco se avançou na avaliação da eficácia da Rosa Mosqueta no processo de cicatrização. Os estudos clínicos levantados nesta pesquisa possuem vieses metodológicos que reduzem o nível de evidência e não são suficientes para uma recomendação. Entretanto, os resultados de estudos não clínicos mostram que o óleo de Rosa Mosqueta pode ter atividade imunomodulatória no leito da ferida e favorecer a deposição de colágeno e organização tecidual.
Em feridas pós-operatórias, um estudo sugere que o óleo deve ser utilizado após 48h do procedimento cirúrgico a fim de evitar maceração do tecido. Ressalta-se também que o óleo refinado apresentou melhores resultados que o óleo bruto. Outro estudo mostra evidências de que o óleo pode ter efeitos terapêuticos mesmo em uma concentração mais baixa, a 26 %.
CONCLUSÕES
A presente revisão traz uma nova perspectiva para o tratamento de feridas abertas e apresenta lacunas de investigação que poderão culminar em pesquisas futuras. O potencial cicatrizante da Rosa Mosqueta não deve ser descartado apesar dos estudos inconclusivos. O trabalho permitiu observar que pouco se sabe sobre a atividade terapêutica do óleo de Rosa Mosqueta no processo de cicatrização. Os estudos disponíveis não possuem nível de evidência suficiente para sua recomendação segura. Apesar disso, a composição bioquímica do óleo fornece subsídios para inferir que essa planta pode trazer benefícios no tratamento de lesões, especialmente as de difícil cicatrização, pela sua atividade imunomodulatória.
A avaliação dos artigos destacou o Brasil como principal País investigador do tema com estudos não clínicos. Entretanto, estudos clínicos bem conduzidos se fazem necessários para verificar a eficácia do óleo de Rosa Mosqueta no tratamento de feridas abertas, já que os estudos disponíveis são pouco conclusivos e de nível de evidência baixo. Em adição, a necessidade de elaboração de um produto farmacêutico à base do óleo de Rosa Mosqueta se faz de particular interesse para a prática clínica, pois permitirá maior estabilidade deste insumo, que permanecerá maior tempo em contato com o leito da ferida e provavelmente reduzirá o incômodo do paciente e custos do tratamento.