INTRODUÇÃO
O Transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) é um procedimento terapêutico utilizado para doenças de origens hematológicas, oncológicas, hereditárias e imunológicas, com o objetivo de restabelecer a normalidade funcional da medula óssea.1,2,3
As células-tronco hematopoiéticas são capazes de originar células progenitoras do sangue e do sistema imunológico, podendo ser coletadas da medula óssea, do sangue periférico e do sangue de cordão umbilical e placentário. Estas fontes caracterizam três tipos de transplante: autólogo, quando se utilizam células progenitoras do próprio paciente; singênico, realizado entre irmãos gêmeos univitelinos, já que possuem os mesmos sistemas HLA (Antígeno Leucocitário Humano); e alogênico, quando se utilizam células progenitoras de um doador geneticamente distinto, porém com compatibilidade para o sistema HLA.2,3
Apesar de ser considerado uma terapia eficaz, o TCTH é um procedimento agressivo, que acarreta severos efeitos colaterais devido ao regime de condicionamento que o indivíduo é submetido, resultando além do comprometimento de diversos órgãos e tecidos, fatores de tensão físicos e psicológicos que comprometem seu senso de autonomia e controle pessoal.4) Estes fatores fazem com que o transplante seja cercado de tensão e expectativas, já que “pela possibilidade de cura, os clientes veem nesse procedimento a oportunidade de não se submeterem a outros tratamentos e ficarem livres da doença. Para outros, o transplante é a única ou a última opção de tratamento” .4
Entretanto, mesmo que seja configurado como uma terapia definitiva pelo cliente e sua família, cabe destacar que o transplante faz parte da trajetória terapêutica de um indivíduo com uma doença crônica, neste caso o câncer, que requer uma atenção contínua. Isto implica dizer, que dificuldades fazem parte deste caminhar, sejam elas decorrentes pela própria doença ou do tratamento, e que requerem mecanismos de adaptação constantes para garantirem a sobrevivência.
Deste modo, tais reflexões contribuem para que a resiliência seja considerada um tema relevante de estudo no campo de atenção à saúde, com destaque para a oncológica, já que a interação entre fatores de risco e de proteção faz-se presente neste contexto e visam garantir/restaurar o equilíbrio.
Assim, a resiliência é apresentada como um fenômeno, um funcionamento, ou ainda, por vezes, uma arte de se adaptar às situações adversas (condições biológicas e sociopsicológicas) desenvolvendo capacidades ligadas aos recursos internos (intrapsíquicos) e externos (ambiente social e afetivo), que permitem aliar uma construção psíquica adequada à inserção social.5
Isto é, pode ser definida como a “capacidade de resistir à adversidade e de utilizá-la como fator de crescimento”,6) pois permitem que o sujeito se torne capaz de superar a si mesmo e às pressões do mundo, desenvolvendo o autoconceito, a autoconfiança e a autoproteção, sem desconsiderar o contato com novas experiências.7
De acordo com a visão da psicologia e da sociologia, “trata-se também de uma qualidade, e de uma capacidade das pessoas, individualmente ou em grupo, resistirem a situações adversas sem perderem o seu equilíbrio inicial, ou seja, a capacidade de se acomodar e reequilibrar constantemente”.7) No pós-transplante, a resiliência deve ser entendida a partir do adoecimento pelo câncer, situação que conduziu os indivíduos a se submeterem a este tipo de procedimento. Neste contexto, a consideramos como “a capacidade de um indivíduo lidar com a doença, aceitando suas limitações, colaborando com a aderência ao tratamento, readaptando-se e sobrevivendo de forma positiva”.8) O câncer representa um diagnóstico estigmatizado como uma doença terminal, que mesmo com os atuais avanços tecnológicos e científicos no campo do diagnóstico e tratamento, que garantem uma melhoria na qualidade de vida desses clientes, não consegue ser desmistificada.
Além disso, os clientes sofrem com os transtornos psicológicos resultantes dos próprios sintomas da doença e do processo de hospitalização, promovendo uma ruptura do ambiente familiar e seguro a que estão familiarizados. Sendo assim, “as condições emocionais é que determinarão uma parcela bastante significativa no processo de sua recuperação, não apenas pelo desejo de cura e superação da hospitalização em si, mas principalmente pela maneira como a doença foi configurada e sedimentada em seu imaginário”.8
Deste modo, estudar a resiliência se justifica pela maneira como cada cliente vivencia o momento de pós-transplante, já que apesar de ser um procedimento comum a um grupo de indivíduos, promove reações singulares e distintas, exigindo que os mesmos desenvolvam aptidões para superarem estas adversidades. Com isso, podemos nos remeter a ideia de que “Ser resiliente é agir, no presente, motivado por um projeto de vida e, não pelas perdas e danos resultantes dos traumas e dos reveses do passado”.6) A partir do exposto, este estudo tem como objetivo identificar o nível de resiliência dos clientes no pós-transplante e analisar os fatores de risco e de proteção, e expectativas presentes no cotidiano do pós-transplante.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa de caráter descritivo, desenvolvido no ambulatório da unidade de Transplante de Medula Óssea de um hospital universitário situado no município do Rio de Janeiro, que atende clientes oncológicos e realiza transplantes autólogos para os casos de linfomas e mieloma múltiplo.
A abordagem dos participantes ocorreu durante as consultas ambulatoriais de acompanhamento. Desta forma, 15 participantes fizeram parte deste estudo, ao atenderem os critérios de inclusão (idade mínima de 18 anos; ter se submetido ao TCTH; e estar no pós-transplante em acompanhamento ambulatorial por um período igual ou superior a um mês, em razão do tempo médio de permanência hospitalar necessário até que ocorra a “pega medular” e se inicie o acompanhamento ambulatorial).
Os dados foram coletados entre julho e agosto de 2011, através da escala de resiliência desenvolvida por Wagnild & Young (1993), validada no Brasil,9) e um roteiro de entrevista semiestruturada composto por perguntas orientadoras quanto às dificuldades (fatores de risco), às estratégias (fatores de proteção) e às expectativas presentes no pós-transplante, além de itens para caracterização dos participantes. As entrevistas foram gravadas com auxílio de um aparelho de MP3, a fim de viabilizar a sua posterior transcrição e análise, e realizadas em local privativo do ambulatório da citada unidade.
A justificativa para o término da coleta com o citado número de participantes, deve-se a constatação de escassez de novos enunciados ao longo da realização das entrevistas, permitindo que a saturação teórica fosse alcançada com base nos dados coletados e nos recursos analíticos empregados pelos pesquisadores.10
A Escala de Resiliência é um dos instrumentos utilizados para mensuração da resiliência, sendo avaliada por níveis de adaptação psicossocial positiva frente a eventos de vida importantes.9) É uma escala tipo likert composta por 25 itens com respostas positivas que variam de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente), e com um escore final de 25 a 175 pontos.11) Assim, estabelecem-se níveis para a sua classificação em baixa (inferior a 125 pontos), moderada (125-145), e elevada (maiores ou igual a 146),12) ou seja, quanto maior o valor, mais elevada é a resiliência.
A análise dos dados da referida escala foi realizada através da soma das respostas e classificação segundo o escore. Quanto aos dados da entrevista, estes foram analisados à luz da técnica de análise temática proposta por Minayo (pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e a interpretação).13
Desta forma, o material transcrito foi submetido à leitura exaustiva a fim de gerar intimidade com o conteúdo, permitindo a identificação de temas, que foram posteriormente agrupados e reagrupados por complementaridade temática, originando uma unidade temática, sendo por fim, articulada aos referenciais teóricos deste estudo.
Assim, foi possível estabelecer o nível de resiliência do grupo estudado e, com base na classificação temática, constituir uma unidade temática composta por três subunidades: 1- O tratamento que adoece e que faz perder a potência; 2 - Os suportes interno e externo: fortalecendo as estratégias de enfrentamento; e 3 - A superação como um processo.
O estudo atendeu aos critérios éticos da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes após receberem as informações referentes ao estudo e optarem pela participação. A garantia de anonimato foi preservada através da livre escolha de codinomes para suas identificações e apresentação dos dados. O estudo teve seu registro no Comitê de Ética em Pesquisa da referida instituição sob o número 2924/2011.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Características dos Clientes no Pós-TCTH e Apresentação do nível de resiliência
A caracterização compreendeu: codinome, idade, estado civil, escolaridade, ocupação, diagnóstico, data de diagnóstico e tipo de transplante. Neste aspecto, o predominou-se o transplante autólogo em razão da unidade realizar apenas este tipo de procedimento. Além disso, um dos participantes realizou um transplante autólogo duplo, dois dias de infusão das células, em outra unidade hospitalar (tabla).
No que concerne às características dos clientes, identificou-se que a maioria era do sexo masculino (10), casados (10), com segundo grau completo (7), com diagnóstico de mieloma múltiplo (9) e, se encontravam aposentados por idade ou invalidez (9) devido à doença.
Em relação ao nível de resiliência, do total de 14 participantes que a responderam, 8 apresentaram uma resiliência moderada no momento de aplicação da escala, permitindo inferir que apesar de terem vivenciado a experiência do transplante, os mesmos ainda se encontram em processo de superação, ou seja, permanecem sujeitos às influências e modificações ao longo do pós-transplante. Com isso, percebemos que a mesma não se apresenta de forma estanque e nem é linear, visto que um indivíduo pode se apresentar como resiliente diante de determinada situação, mas, posteriormente, não o ser frente à outra.14
Cabe destacar, que os dados referentes ao nível de resiliência, apresentam os resultados de 14 clientes, visto que um destes respondeu a escala em sua residência e não retornou na data de entrega programada.
Unidade Temática
A Resiliência e o Tratamento: mediando o risco e a proteção
Subunidade - O tratamento que adoece e que faz perder a potência
Embora todo o processo que permeia o transplante seja considerado fundamental para a qualidade de vida dos clientes em questão, o mesmo não é isento de riscos. Ou seja, algumas complicações estão presentes e são o reflexo da intensidade desta modalidade de tratamento.
Neste sentido, tais momentos refletem as dificuldades enfrentadas pelos clientes no pós-transplante e, estão relacionadas à ideia de ideia de obstáculos, situações críticas, impedimentos, complicações e impossibilidades.
Assim, observou-se que as principais dificuldades estavam relacionadas aos efeitos colaterais do tratamento, principalmente do regime de condicionamento, como falta de apetite, diarreia, náusea, vômitos e fadiga.
...é como se você fosse sumir. Entendeu? Como se você fosse sumir... seu corpo. Uma sensação horrível, muito ruim. E isso é dias, dias... até que você passa por um processo de diarréia... é vômito, muita coisa que você sente... E fraqueza, muita fraqueza. Fraqueza assim de você levantar para ir no banheiro e sentir a perna bambear. Nesse período eu fiquei deitada... (Lúcia).
Não comi nada. Passei quase todos os dias sem comer [...] porque não descia nada. Quando via a comida dava vontade de correr [...] (Bezerra).
Além disso, o impacto na vida pessoal e social como restrições alimentares e evitar lugares fechados e/ou aglomerados, e o prejuízo na capacidade de realizar as atividades diárias e de trabalho refletem o paradoxo entre um tratamento que objetiva a melhora na qualidade de vida, mas que também adoece.15
Comer aquelas comida que pediam pra fazer né? ... Tudo cozido né? Nada de casa cheia de poeira. Nada dessas coisas. Sair o mínimo possível. Não ficar no meio de muita gente (Violeta).
[...] ficar restrito dentro de casa, sem contato com quase ninguém, devido à imunidade baixa. Então, ter que evitar o contato [...] (Natalino).
Agora não posso caminhar um quarteirão. Me dói a perna, muita fraca a perna. Ando só de carro, mas tem que me ajudar a entrar, a sair e aqui (hospital) entro de cadeira de rodas. Não caminho. Não posso. Dentro de casa sim, mas com alguém ao lado porque às vezes perco o equilíbrio (Eduardo).
Muita fraqueza. Dor. A gente não consegue fazer nada sozinho. Nem ir ao banheiro sozinho. Tudo é muito difícil... Trabalhava aos pouquinhos porque eu não aguentava não é? Eu trabalhava 10, 12 horas. Aí quando eu voltei, eu não aguentava... Começo a me cansar e vou pra casa [...] (Pedro).
Percebe-se que o transplante é um processo complexo, longo e agressivo, onde os pacientes vivenciam dolorosas experiências física e psicológicas, fazendo com que o transplante não esteja isento de complicações que, por vezes, deixam lesões ou têm consequências fatais.16) Assim, frente a estes eventos estressores, a promoção de mecanismos de resiliência pode incentivar melhores processos de adaptação durante e após o tratamento.17
Deste modo, o impacto na potência de vida, definida como a aptidão ou capacidade para se realizar algo, esteve presente no cotidiano destes clientes nas tentativas de retorno ao trabalho e as atividades de vida diárias, além de situações de dependência para o autocuidado e para a locomoção. Isto retrata que a retomada do cotidiano ocorre de forma lenta e penosa, permeada por avanços e recuos, já que o novo contexto de vida exige adaptações na forma de executar as tarefas habituais, e a adoção de cuidados de saúde específicos deste momento. Além disso, o mesmo também pode ser limitado por complicações clínicas que nem sempre podem ser prevenidas e controladas.1,18
Subunidade - Os suportes interno e externo: fortalecendo as estratégias de enfrentamento
Frente às adversidades apontadas, os clientes utilizaram mecanismos de superação para garantirem o seu equilíbrio. Estes representam o modo como os clientes lidam com os aspectos relativos à doença e ao tratamento, compreendem suas limitações e aceitam apoio.
Deste modo, as estratégias utilizadas no cotidiano do pós-transplante se configuram como uma subunidade deste estudo, e se referem à ideia de habilidade, jeito, maneira ou modo de enfrentar as dificuldades apontadas. Assim, identificou-se a existência de um suporte interno e externo, que se influenciam entre si e são capazes de minimizar efeitos negativos de certas experiências devido seu caráter de proteção.19
O suporte interno está relacionado à forma em que os clientes se posicionam frente à doença e ao tratamento, compreendendo a importância de tal processo para sua saúde, e demonstrando posturas de confiança e motivação para o enfrentamento das dificuldades.
Eu simplesmente encaro, sempre encarei. Mas encarava porque é meu problema. O problema é meu e tenho que vencer esse problema. Não vou ficar chorando embaixo da cama, nem escondido. Botei a cara no mundo mesmo [...] (Marcelo).
A fé é em você, a fé é nos médicos, a fé nos remédios que você está tomando e a fé de que aquilo que você está tomando vai te fazer bem [...] (Eduardo).
Eu entendi que se eu não posso, eu não posso. Para mim não voltar para o hospital... (Rosa).
Já que Deus me deu para viver, vamos viver não é? O passado ficou pra trás. (Violeta).
A busca pela espiritualidade, representada através da fé, da crença em Deus e a importância da religião, demonstrou-se de forma mais íntima e evidente neste período. Com isso, permitiu-se inferir que além das crenças individuais, a espiritualidade se apresentou como forma de minimizar o sofrimento atual ou de obter esperança de cura durante o tratamento.
... E confiar em Deus. Segurar nas mãos de Deus e nas mãos dos médicos. Fazer o tratamento direitinho, tomar os remédios direitinho, tudo isso (Violeta).
Me apeguei na igreja (Roni).
Aí aquilo, me apeguei naquele lá de cima... aí isso me ajudou. Na verdade Deus me ajudou. Deus é o primeiro médico. Depois eu confiei no debaixo, né? (Rui).
Neste sentido, a espiritualidade se apresenta como um movimento interno de busca de significado para a atual situação e propósito na vida, capaz de promover sentido e confiança no enfrentamento dos problemas. Juntamente com a religião, está relacionada a diversos aspectos de adaptação e ao diagnóstico e tratamento do câncer, sendo elemento importante para a saúde e recuperação dos clientes em questão.20,21
Além da busca dos fatores de proteção em si mesmos, os clientes destacaram a existência de um suporte externo através do apoio dos amigos e familiares, e da própria equipe multiprofissional de saúde da unidade.
Eles tem ajudado (família), tanto antes quando eu estava internado... ajudando em casa, outros ajudaram orando, outros ajudaram vindo visitar, conversando e está até hoje assim... (Paulo).
[...] acho que minha melhor estratégia é vir às consultas da psicóloga e do psiquiatra. São eles que me dão suporte assim também quando eu estou chateada, estou triste... (Maia).
[...] o pessoal da enfermagem que ajudava quando a gente precisava de alguma coisa, quando ele (familiar) ia almoçar. A enfermagem do transplante é muito bacana... médicos e enfermagem não tenho nada do que falar, só agradecer... (Lúcia).
Percebe-se que estes clientes possuem rede e apoio sociais, onde a rede representa um grupo de pessoas ou instituições com quem possui algum tipo de vínculo social e estabelece teias de relacionamentos. Enquanto o apoio social envolve o ajudar nas dimensões material e emocional. Ambos são importantes para a melhoria da qualidade de vida, já que possuem efeitos positivos no enfrentamento de situações adversas.
Desta forma, a rede e apoio sociais representam extensões dos recursos individuais e estão “correlacionados à prevenção de efeitos negativos sobre a saúde, além de potencializar o enfrentamento de situações adversas, resultando em efeitos emocionais e comportamentais”.22
Portanto, em razão das dificuldades enfrentadas por todo o pós-transplante, são nessas relações que os clientes ganharão a ajuda e a força necessária para conseguir se restabelecer e dar continuidade à vida.
Subunidade - A superação como um processo
Os planos, os desejos, as perspectivas e as aspirações, representam as expectativas futuras dos clientes no pós-transplante. Sendo assim, o emprego do termo superação deve-se ao fato desses clientes ainda vivenciarem este momento de pós-transplante, estando sujeitos às limitações e necessitando de adaptações em seu cotidiano. Este fato se justifica pelos seus próprios discursos, que almejam o retorno à vida e a cura de suas doenças.
Eu espero ficar curada mesmo, de não precisar fazer mais esse negócio de quimioterapia... E poder fazer tudo que eu não estou fazendo agora... sair, ir pro shopping, fazer compras... (Rosa).
Eu quero casar, terminar minha faculdade, quero continuar dando minhas aulas e... eu quero viver... (Maia).
Que eu fique curado. É minha única expectativa: eu quero ser curado. E eu tenho certeza que eu já fui curado... (Roni).
Eu espero ficar ótimo. Voltar a fazer tudo. Voltar a jogar bola. Ficar com os meus amigos. Me curar e voltar as atividades... (Rui).
Devido ao longo período de privações a que foram submetidos, mesmo sendo necessário para o sucesso do processo terapêutico, é justificável o desejo de aproveitar o tempo perdido e realizar as atividades que lhes dão prazer e satisfação, pois este momento pode ser considerado como um retorno à vida.
A almejada cura se apresenta como fator crucial de sucesso para essa fase de pós-transplante, já que é vista como a oportunidade de se encontrarem “livres do câncer”, ou seja, sem as preocupações com a doença e com suas consequências em seus aspectos físico, mental e social. Sendo assim, tais expectativas os impulsionam para o retorno gradual dos seus projetos de vida e consequente enfrentamento do adoecimento e do tratamento, visto que surge como uma possibilidade redentora, uma esperança de cura e de retomada dessa qualidade de vida tão comprometida.2,23
Este desejo indica uma qualidade de sobrevivência destes clientes, já que buscam ir além da condição estagnada de sobreviventes de câncer, esforçando-se para não permanecer aprisionados pelo presente, mas sim de se projetar no futuro, elaborando ou reelaborando seus projetos de vida.1
Em conclusão, a resiliência pode ser compreendida como a capacidade de superar adversidades, sendo um importante tema de estudo no cotidiano do pós-transplante, já que permite conhecer como se estrutura o processo de adaptação frente aos problemas vivenciados por esses clientes durante este período.
Nesse grupo de clientes, a resiliência expressou-se como moderada, resultado atribuído ao fato de ainda vivenciarem as repercussões e experiências do pós-transplante como complicações oriundas do processo de tratamento e seus reflexos no cotidiano, situações que demandavam a adoção de mecanismos de adaptação e superação para darem continuidade à vida.
Este estudo também permitiu conhecer que os fatores de risco se direcionavam para o comprometimento físico do corpo, que exigia mudanças em seus hábitos de vida, assim como o reflexo em sua potência de vida. Para proteger-se destas situações, a autoconfiança e o apoio social da família, amigos e equipe de saúde foram considerados como fatores de proteção essenciais para este momento. As expectativas permearam a interação destes fatores e representam o anseio de vencer esta fase complexa e dolorosa através do desejo da cura e da vontade de viver.
A lacuna existente nas publicações sobre o transplante, sobretudo na área da enfermagem, seu impacto na vida dos clientes e o número reduzido da amostra apresentaram-se como limitações para o estudo. Além disso, a resiliência moderada demonstra o momento presente de aplicação do estudo, não nos permitindo inferir como a mesma se expressou ao longo de todo o processo de transplante, já que não possuímos momentos anteriores para comparação.
Portanto, o estudo pretendeu oferecer subsídios para o conhecimento do universo dos clientes no pós-transplante, a fim de promover o fortalecimento dos clientes na prática assistencial do enfermeiro, além de despertar habilidades teórico-práticas nos profissionais envolvidos no processo de cuidar.