INTRODUÇÃO
Atualmente, estima-se que no mundo tenha 34,0 milhões de pacientes com o HIV. Na América Latina, 1,6 milhões de pessoas vivem com o vírus.1 No Brasil, em 2014 aproximadamente 734 mil pessoas tem o HIV e, destes, cerca de 400 mil estão em tratamento com antirretroviral (ARV). O país tem se destacado no cenário mundial frente à política de distribuição gratuita e universal dos antirretrovirais às pessoas que necessitam do tratamento, contribuindo para a redução da mortalidade, internações e progressão da doença, transformando uma doença altamente letal em crônica.1
Diante desse cenário o cuidado a pessoas vivendo com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) requer da equipe multiprofissional habilidades e competências. É consenso que a enfermagem é a ciência que mais implica as ações e intervenções de modo integral a pessoas vivendo com Aids. Para isso, o enfermeiro tem em posse diversas ferramentas, dentre elas, destaca-se a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), caracterizada, por ser, uma ferramenta tecnológica que proporciona autonomia profissional, organiza o gerenciamento do cuidado, corrobora na adoção de tomadas de decisão baseadas em evidências científicas e no pensamento crítico do enfermeiro. Assim, vários são os métodos sistemáticos, que pode ser implementados nos serviços de saúde por meio de planos de cuidados, protocolos, padronização de procedimentos e Processo de Enfermagem (PE).3,4,5
O PE é considerado um instrumento que favorece o cuidado e organiza-se em etapas didáticas de forma inter-relacionadas e interdependentes, sendo estas: histórico, diagnósticos, planejamento, implementação e avaliação. Essa ferramenta tecnológica de enfermagem corrobora para a identificação das necessidades prioritárias, e assim implementar ações e intervenções cientificas, integrais e humanas.6,7
A elaboração do diagnóstico de enfermagem torna-se uma etapa vital, por ser considerada a atividade intelectual que o profissional de enfermagem desenvolve no seu cotidiano, a fim de julgar as respostas humanas que exigem intervenções de enfermagem. Para sua compilação, o enfermeiro deve utilizar de seu conhecimento, suas habilidades cognitivas, interpessoais e suas atitudes profissionais que determinam o conteúdo e a qualidade dos resultados da sua utilização, desenhando o raciocínio clínico, mecanismo de articulação do processo de enfermagem.3,4
Para complementar a elaboração dos diagnósticos de enfermagem, os sistemas de classificação auxiliam na descrição, comunicação e o registro das atividades práticas de enfermagem. Entre as mais utilizadas destaca-se a NANDA Internacional, dividida em domínios e classes. O domínio autopercepção é conceituado como um estado de melhoramento das percepções pessoais e ideais do sujeito, que é composto pelas classes autoconceito, autoestima e imagem corporal.7
Em pessoas vivendo com Aids o auto conceito, a autoestima e a imagem corporal encontra-se fragilizadas, decorrente da sua nova condição de saúde, e as mudanças corpóreas, com isso aflora sentimentos de culpa, tristeza, e solidão, que leva ao abandono do tratamento antirretroviral.8 Com isso, torna-se essencial o enfermeiro planejar uma assistência com objetos científicos, e sociais.
Para tanto, o conhecimento dos diagnósticos desse domínio o enfermeiro poderá realizar um plano de cuidado direcionado às pessoas que vivem com Aids, considerando-se que é uma doença que provoca alterações na imagem corporal e autoestima relacionado ao preconceito, estigma, descriminação e alterações metabólicas provocadas pela doença.4
Em face a isso, analisou-se o campo da produção cientifica sobre a temática, realizando uma busca por produção cientifica sobre o domínio autopercepção da NANDA-I nas bases de dados informatizadas da Biblioteca Virtual em Saúde: Literatura Latino-Americana e do Caribe (Lilacs) e Literatura Internacional em Ciências da Saúde e Biomédica (Medline); Scopus, CINAHL, utilizando os descritores “Diagnóstico de Enfermagem”; “Cuidados de Enfermagem”; “Síndrome da Imunodeficiência Adquirida”. Constatou-se com a busca, que os estudos que utilizaram a NANDA I abrangem as mais diversas clientelas, como criança, adolescente, idoso e mulher. Além disso, notou-se que o uso da NANDA- I seja por domínio, ou todos, são insuficientes no campo da infectologia.9,10,11,12
Nesse sentido, a relevância do estudo volta-se em identificar as necessidades prioritárias dessa clientela, no respectivo domínio, para que assim, seja estruturado um modelo de assistência acolhedora e humanizada, que não considere só os aspectos biológicos, mas os psicossociais, visando à atenção integral e interdisciplinar na área de Infectologia. Com isso, emergiram-se alguns questionamentos: Quais os diagnósticos de enfermagem identificados no domínio autopercepção da NANDA - I para pessoas vivendo com Aids? Quais os mais frequentes? Existe associação entre esses Diagnósticos de enfermagem e suas respectivas características definidoras, fatores relacionados e/ou de risco?
Com vistas a responder as questões de pesquisa, o estudo teve como objetivo identificar os diagnósticos de enfermagem, do domínio autopercepção da NANDA-Internacional e analisar a associação entre os diagnósticos mais frequentes com suas características definidoras, fatores relacionados ou de risco em pessoas vivendo com Aids.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa, realizado em um hospital de referência em tratamento de doenças infectocontagiosas, no Nordeste do Brasil. A população do estudo foi constituída por pessoas vivendo com Aids. A amostra do estudo baseou-se na media aritmética de atendimento dos últimos cinco anos, sendo 300,3 pacientes. A partir desse número foi calculada a amostra para populações finitas, atribuído um erro amostral de 5 %.13
A amostragem dos 113 participantes foi por conveniência de forma consecutiva, adotando-se os seguintes critérios de inclusão: ter sido diagnosticado clinicamente com Aids, apresentar idade acima de 18 anos, estar internado no hospital no período de coleta de dados. Utilizaram-se como critérios de exclusão: estar em situação avançada da síndrome que afete a coleta de dados e com condições psíquicas e emocionais prejudicadas. O estudo teve como base a NANDA - Internacional (NANDA-I).14
Os dados foram coletados no período de março a setembro de 2014, por meio de um roteiro de anamnese e exame físico que contemplava os aspectos sociodemográficos, clínicos e comportamentais. O presente instrumento foi submetido à validação do conteúdo e aparência por dez docentes que desenvolvem estudos na área da SAE, posteriormente as sugestões propostas foram contempladas no instrumento.
Logo em seguida foi realizado um treinamento teórico e prático para padronizar a coleta de dados com dois alunos de Iniciação Científica e três alunos de pós-graduação em nível de Mestrado com carga horária de 12 horas semanais, desenvolvido por meio de aulas expositivas e dialogadas e discussões de casos clínicos com ênfase na abordagem aos pacientes com Aids. Após a etapa teórica do curso, realizou-se uma atividade prática de simulação de exame físico em pares, com o intuito de capacitar os pesquisadores e uniformizar a coleta de dados. Assim, após essa etapa, foi realizado sob a forma de pré-teste, a aplicação do instrumento em dez pessoas com Aids.
A elaboração dos diagnósticos foi processual, ou seja, após a coleta de dados os pesquisadores identificavam as necessidades prioritárias, analisava, por meio do julgamento clinico de Risner15) e elaboraram os diagnósticos de enfermagem. Além disso, buscava identificar as características definidoras e os fatores relacionados/de risco de acordo com a NANDA-I, versão 2012-2014.
Após essa etapa, os resultados obtidos passaram por processo de revisão de forma pareada entre os autores, para assegurar um julgamento consensual, objetivando, assim, maior acurácia. Em seguida, construiu-se um banco de dados utilizando o programa Excel for Windows, registrando todas as variáveis dos instrumentos da pesquisa, como os respectivos diagnósticos de enfermagem, características definidoras e os fatores relacionados e os de risco identificados.
Para a análise inferencial, foram utilizados dois testes estatísticos, o teste de Qui-Quadrado de Pearson e o Teste Exato de Fisher, para verificar a associação estatística entre o diagnóstico de enfermagem e as suas respectivas características definidoras, fatores relacionados e fatores de risco (p< 0,05). A análise foi baseada na leitura das estatísticas descritivas, bem como na análise do valor p encontrado, com seus respectivos comentários. Para significância estatística adotou-se um nível de 5 %.
Atendeu-se, assim, aos preceitos éticos de pesquisa envolvendo seres humanos segundo normas nacionais e internacionais, com parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), conforme o Parecer: nº 508.445/2014, e com Certificado de apresentação para apreciação ética número 23008113.8.0000.5537.
RESULTADOS
Participaram do estudo 113 pacientes. A maioria tinha idade mínima de 30 e máxima de 39 anos, do sexo masculino (72,6 %), solteiros (as) (66,4 %), com ensino fundamental incompleto (55,7 %), renda familiar de até um salário mínimo (57,8 %). No domínio de autopercepção, foram identificados 11 diagnósticos de enfermagem, conforme mostra a tabela 1.
Devido ao quantitativo de diagnósticos de enfermagem, a tabela 2, revela a associação entre as afirmativas que obtiveram uma frequência relativa acima de 50 % e as respectivas características definidoras e fatores relacionados.
Os resultados na tabela acima demostraram associação entre o diagnóstico de enfermagem (DE) distúrbio da imagem corporal e as características definidoras (CDs) mudanças percebidas no corpo, visão alterada do corpo e os fatores relacionados (FRs) doença e a mudanças desenvolvidas; o DE risco de dignidade humana comprometida e o risco de humilhação percebida e invasão percebida da privacidade; o DE baixa autoestima situacional e as CDs verbalização autonegativas e sentimento de inutilidade e os FRs rejeições e mudanças no papel social; o DE desesperança e as CDs alterações no padrão de sono e falta de iniciativa e os FRs estresse prolongado e isolamento social; os DEs baixa autoestima crônica e sentimento de vergonha e os FRs falta de afeto e reforço negativo repetido.
DISCUSSÃO
Observou-se no estudo o predomínio dos diagnósticos: distúrbio da imagem corporal; risco de dignidade humana comprometida; baixa autoestima situacional; desesperança; baixa autoestima crônica.
O distúrbio da imagem corporal esteve caracterizado pela visão alterada do corpo e as mudanças percebidas, e relacionada ao processo crônico da doença. Em pessoas com Aids as mudanças corpóreas decorrem de um processo degenerativo da massa corporal total, pois apresentam um alto índice de citocinas pró-inflamatórias levando ao desenvolvimento da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), Síndrome Consumptiva e de má absorção gastrointestinal.16
A SIRS acarreta o aumento excessivo de citocinas que gera um balanço energético negativo, ocorrendo mais perdas do que ganhos. Além disso, algumas interleucinas, como o fator de necrose tumoral-alfa e o fator de transcrição nuclear, estão entre as substâncias responsáveis por estimular a proteólise, inibir hormônios e fatores regulatórios miogênicos, que sintetizam proteínas e reparam danos no tecido muscular.9,16
Além desses fatores outras causas são prevalente como o uso de antirretrovirais, que proporciona a perda de proteínas úteis no equilíbrio biometabólico, levando ao acúmulo de lipídios em regiões, como cervicais e abdominais. Dessa forma, observa-se a importância do enfermeiro na detecção precoce do quadro, o qual implica cuidados como: modificações nutricionais, mudanças do estilo de vida e outras ações voltadas para a estética, saúde e beleza que podem ser adotadas no ambiente clínico visando ao reforço da adesão.10,11,14
Assim, percebe-se que em pessoas com Aids o distúrbio da imagem acarreta prejuízos na vida pessoal, dificuldades nas relações afetivas e sexuais, sociais e profissionais, além de sofrimentos intensos referentes à autoestima, à autoaceitação diante da sua condição de saúde, e à percepção da própria imagem corporal.10
O diagnóstico de risco de dignidade humana comprometida teve como fatores de risco humilhação percebida e a invasão percebida da privacidade, convergentes em uma perda de respeito e honra na sociedade.17
A humilhação é uma modalidade de angústia que se dispara a partir do preconceito social. Estudos discutem que o impacto psicossocial do estigma em familiares, amigos, vizinhos e parceiros amorosos implica em encobrimento, isolamento e depressão. Com medo dos maus-tratos, da rejeição e da discriminação.12,13,14,15,16,17
No cenário atual, as políticas de saúde assistenciais para pessoas com Aids têm conseguido ganhos significativos, como atendimento médico específico, direito a medicação, ou seja, a oferta de forma gratuita dos antirretrovirais, o acesso ao diagnóstico de forma rápida. Porém, a reinserção e aceitação dessa clientela no mercado de trabalho, e a contemplação dos seus direitos civis como cidadão ainda são fragmentados e heterogêneos.11,12,13,14
Nesse sentido, percebe-se que os diagnósticos baixa autoestima situacional e crônica apresentam uma relação de proximidade. A autoestima é um aspecto essencial na criação e manutenção da saúde, esperança e qualidade de vida. Assim, a baixa autoestima é caracterizada por ser sentimento de melancolia que leva comportamentos diferentes, como a não socialização, o embotamento afetivo e as comunicações relacionais prejudicadas.(18 Por isso, estratégias de enfrentamento em pessoas vivendo com Aids com baixa autoestima devem analisar positivamente a participação da família e da equipe assistencial, as quais são consideradas como meios de suporte diante das situações difíceis. Além disso, a fé, e a religião podem ser utilizadas como recursos para lidar e compreender os agentes estressores.11,12,19
Estudos pontuam que a implementação de práticas integrativas e complementares, como roda de conversas, troca de experiências, assistência acolhedora, embasada na escuta humanizada, proporciona a (re) significação da vida e o resgate de papéis e do desempenho ocupacional, explorando as habilidades e os potenciais, a fim de manter a autonomia do indivíduo nas decisões referentes a si mesmo e ao ambiente em que vive, promovendo e preservando sentimentos de autoestima, reconhecimento e valorização, a partir de uma melhor adaptação pessoal e social.10,15,16
Outro diagnóstico, risco de desesperança, presente em pessoas com Aids, foi identificado a partir das alterações no padrão do sono e relacionado ao estresse prolongado. A desesperança é um conjunto de esquemas cognitivos em que as expectativas negativas criadas sobre o futuro prevalecem. Essa negação também decorre do fato de ser difícil para o indivíduo assumir que, de alguma forma, contribuiu para o seu adoecimento e por ter sido acometido por uma doença que ainda remete à ideia de morte, inércia e estigmas sociais.19,20
Sendo assim, o estresse se faz presente, já que é um distúrbio fisiológico e/ou psicossocial decorrente de mudança de um ambiente para outro, e prevalece nos pacientes com Aids; o mesmo está ligado à modificação brusca no estilo de vida, juntamente com o medo da morte, tendo em vista que a doença ainda não tem cura. Nesse sentido, o indivíduo sente-se impotente e sem expectativas de vida. Além das mudanças na rotina da vida diária, causadas por internações frequentes, se abstendo do lazer, sexualidade, trabalho e relacionamentos.16-19
Essa série de mudanças psíquicas e emocionais funciona como uma fonte de desesperança e exige um ajuste psicológico, tanto para os pacientes com Aids quanto para sua família, até uma melhor adaptação à nova realidade. Esta adaptação demanda esforço dos próprios pacientes e com o auxílio dos enfermeiros que o acompanham, no intuito de ajudar a gerenciar melhor suas expectativas, medos e dificuldades, estruturando modelos de enfrentamento (coping).20,21
Em conclusão, o estudo permitiu identificar que os diagnósticos de enfermagem mais prevalentes no domínio autopercepção foram: distúrbio da imagem corporal; risco de dignidade humana comprometida; baixa autoestima situacional; desesperança; baixa autoestima crônica. Estes, de forma geral apresentaram associação estatisticamente significativa com suas características definidoras e os fatores relacionados/risco.
Dentre as limitações encontradas, destaca-se o fato que a elaboração dos diagnósticos de enfermagem é uma ação subjetiva e interpessoal, a qual pode sofrer interferências. Entretanto, espera-se que os resultados do estudo contribuam para a padronização da linguagem específica de enfermagem e estimulem outras pesquisas na área, para que, assim, instiguem o enfermeiro ao pensamento crítico frente aos cuidados para os pacientes com Aids.
Diante disso, reflexões são necessárias acerca da assistência de enfermagem oferecida aos pacientes com Aids, pois acredita-se que a evidência científica proporcionada pelo estudo possibilite um aprimoramento tanto aos enfermeiros assistenciais, como para campos da pesquisa, extensão e ensino. E, assim, espera-se que o resultado encontrado seja um difusor de conhecimentos em diversos âmbitos, nacional e internacional.