INTRODUÇÃO
O olho seco (Ceratoconjuntivite Sicca) caracteriza-se como uma deficiência na produção lacrimal ou excesso da evaporação, que ocasiona uma instabilidade do filme lacrimal com dano potencial à superfície ocular. Assim, proporciona o ressecamento ocular devido à umidade e lubrificação inadequadas do olho. Os sinais e sintomas que acompanham este evento incluem ardência; sensação de corpo estranho; fotofobia; hiperemia e distúrbios da acuidade visual.1,2
Porquanto, pode ocasionar como consequências complicações na córnea, como ulceração ou perfuração, que acarreta prejuízo ao paciente, com subsequente redução da qualidade de vida.3) Estudo demonstra que a razão de chances da secura ocular evoluir para uma abrasão corneana é de 19,5.4
Neste contexto, ao relacionar a problemática do olho seco e das doenças da córnea, pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) apresentam risco elevado para o desenvolvimento destes eventos. Estudo retrospectivo realizado na UTI descreveu que dentre os distúrbios oculares identificados, a secura ocular foi o mais frequente (72,2 %).5
Além disso, uma pesquisa relacionada de auditoria em quatro UTIs para examinar secura ocular e abrasão corneal, identificou que 32,2 % dos pacientes apresentaram olho seco e 13,8 % desenvolveram abrasão corneal no quinto dia de internação.4 Outro estudo de coorte realizado no Brasil demonstrou que dos 254 pacientes analisados, 55,1 % apresentaram lesões do tipo puntacta e 11,8 % lesões do tipo úlceras da córnea.3
Em relação ao tipo de lesão mais frequente em pacientes internados em UTI, destacam-se as lesões traumáticas, do tipo abrasão corneana e as lesões superficiais que incluem o tipo olho seco, ceratite puntacta superficial e ceratite de exposição, provavelmente causadas pela exposição ocular, fechamento palpebral ineficaz e qualidade lacrimal inadequada.6,7
Das doenças da córnea, a úlcera é um tipo de lesão ocular de alta gravidade, principalmente em virtude do impacto na vida social e econômica do paciente, já que pode ocasionar diversas sequelas, desde um acometimento parcial da visão até a perda total.3
Os pacientes críticos admitidos nas UTIs estão predispostos a perderem seus mecanismos naturais de proteção ocular, por apresentarem condições clínicas graves que requerem suporte ventilatório mecânico e sedação como métodos para garantir a manutenção de parâmetros vitais, e promoverem o conforto e auxílio terapêutico. Desta forma, o tempo de internação é fator de risco para alterações oculares.8,9
Assim, destaca-se a premência em caracterizar os estudos produzidos neste tema, no intuito de conhecer suas peculiaridades, o tempo estimado para aparecimento de desordens oculares e, quiçá, contribuir para a realização de uma prática clínica adequada fundamentada em evidências para prevenção do olho seco e doenças da córnea.
Frente ao exposto, este estudo objetiva integrar a partir da literatura os estudos produzidos sobre pacientes com olho seco e/ou doenças da córnea internados em unidade de terapia intensiva e conhecer o tempo para aparecimento de alterações oculares nestes estudos.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão integrativa, método com a finalidade de integrar e sintetizar da literatura resultados e evidências de estudos direcionados a determinado tema ou problema de pesquisa, a partir de estudos independentes.10,11,12
Para operacionalização desta revisão, foram seguidas as seguintes etapas: seleção do problema ou questão de pesquisa; busca na literatura, que compreendeu a definição dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos; avaliação dos dados para estabelecer as informações a serem extraídas dos artigos selecionados; interpretação dos resultados; síntese dos dados e apresentação da revisão.12,13
As questões norteadoras para esta pesquisa foram: Quais as características dos estudos produzidos sobre pacientes com olho seco e/ou doenças da córnea internados em unidade de terapia intensiva? Qual o tempo para aparecimento de alterações oculares nestes estudos?
A busca na literatura ocorreu no mês de julho de 2015, por meio do uso do proxy licenciado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (www.capes.ufrn.br/ porta 3128), acessado via portal do periódicos capes (http://www-periodicos-capes-gov-br.ez18.periodicos.capes.gov.br/) mediante as seguintes bases de dados: SCOPUS (Elsevier), National Library of Medicine - PUBMED, Cochrane Library, ScienceDirect (Elsevier), Web of Science (Coleção Principal - Thomson Reuters Scientific), Cumulative Index to Nursisng and Allied Heath Literature -CINAHL e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online - MEDLINE Complete (EBSCO).
Para busca nas bases de dados foram utilizados os seguintes descritores e suas respectivas sinonímias, identificados no Medical Subject Headings (MeSH): 1# (“Dry Eye Syndromes” OR “Dry Eye Syndrome” OR “Syndrome, Dry Eye” OR “Syndromes, Dry Eye”), 2# (“Keratoconjunctivitis Sicca” OR “Sicca, Keratoconjunctivitis”), 3# ("Corneal Diseases" OR "Corneal Disease" OR "Disease, Corneal" OR "Diseases, Corneal"), 4# (“Intensive Care Units” OR “Care Unit, Intensive” OR “Care Units, Intensive” OR “Intensive Care Unit” OR “Unit, Intensive Care” OR “Units, Intensive Care”). Os cruzamentos foram realizados com o uso do operador booleano AND, a saber: 1# AND 4#, 2# AND 4# e 3# AND 4#.
Em cada base de dados realizou-se uma busca não controlada, no intuito de identificar um maior número de estudos que não seriam localizados com o uso do descritor controlado. Além disso, foram utilizadas as aspas como recurso de busca, com a finalidade de limitar os estudos que apresentassem os termos compostos no texto.
Definiu-se como critérios de inclusão: artigos completos disponíveis nas bases de dados selecionadas e artigos que abordem pacientes com olho seco e/ou doenças da córnea em unidade de terapia intensiva. Foram excluídos os editoriais, cartas ao editor, resumos, opinião de especialistas, estudos de revisões, correspondências, resenhas, capítulos de livros, teses e dissertações.
Os estudos foram pré-selecionados com uma leitura minuciosa dos títulos e dos resumos para identificar se tinham relação com as questões norteadoras da revisão, e com os critérios de inclusão e exclusão adotados. Em seguida, foram excluídos os artigos repetidos nas bases de dados e foi realizada a leitura do texto na íntegra. Para a análise e extração dos dados das publicações, elaborou-se um roteiro com os seguintes dados: identificação da publicação, local de realização do estudo, objetivo, aspectos metodológicos, resultados, tempo para aparecimentos das alterações oculares, conclusões/limitações. Para avaliação crítica dos estudos, identificou-se o nível de evidência e grau de recomendação.
Assim, os artigos foram classificados em relação ao nível de evidência (NE), ao considerar o delineamento de pesquisa de cada estudo. Desta forma, foram classificados da seguinte maneira: I - evidências oriundas de revisões sistemáticas ou meta-análise de relevantes ensaios clínicos; II - evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; III - ensaios clínicos bem delineados sem randomização; IV - estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; V - revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; VI - evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; VII - opinião de autoridades ou relatório de comitês de especialistas.14
Os graus de recomendação foram classificados a partir dos níveis de evidência, a saber: Níveis I e II - evidências fortes; Níveis III a V - evidências moderadas; VI e VII - evidências fracas.14
A estratégia de busca resultou em um total de 481 artigos. Destes, 13 foram selecionados para compor a amostra final da revisão, conforme observado na figura seguinte. Após a leitura dos artigos, os dados foram descritos e apresentados em forma de quadro.
DESENVOLVIMENTO
Dos 481 artigos identificados, 29 (6,03 %) foram incluídos na primeira seleção (leitura de título e resumo). Destes selecionados, 15 (51,72 %) foram excluídos por se repetirem nas bases de dados, assim, 14 (48, 28 %) foram eleitos para leitura do texto completo, dos quais um (7,14 %) foi excluído por não responder uma das questões norteadoras adotadas. Desta forma, a amostra final da revisão foi composta por 13 (92,86 %) selecionados para leitura na íntegra.
O Quadro 1 abaixo apresenta o consolidado dos estudos incluídos na revisão. Em relação ao país de realização dos estudos, verificou-se que três (23,07 %) deles foram desenvolvidos na Turquia, seguido por dois (15,38 %) na Inglaterra, dois (15,38 %) no Brasil, dois (15,38 %) no Reino Unido, um (7,70 %) na Índia, um (7,70 %) nos Estados Unidos da América (EUA), um (7,70 %) no Japão e um (7,70 %) no Irã. De acordo com o idioma, constatou-se que 12 (92,30 %) estavam no idioma inglês e apenas 1 em português (7,70 %). Em relação ao ano de publicação, os artigos datam de 1996 a 2015, destes, seis (46,15 %) foram publicados nos últimos cinco anos.
Quanto ao método utilizado pelos estudos que compuseram a amostra final, nove (69,23 %) fundamentaram-se em estudos de coorte, outros dois (15,38 %) em ensaios clínicos randomizados, um (7,70 %) em ensaio clínico sem randomização, e um transversal (7,70 %). Sobre o nível de evidência/grau de recomendação, dois (15,38 %) estudos apresentaram nível de evidência II e grau de recomendação forte, dez (76,92 %) nível de evidência entre III e IV e grau de recomendação moderado e um (7,70 %) com nível de evidência VI e grau de recomendação fraco.
Os resultados demonstraram que em relação aos objetivos, os estudos variam entre determinantes de incidência, prevalência e ou frequência de alterações oculares, educação entre os profissionais para avaliar incidência destas alterações, além de ensaios clínicos para verificar eficácia de intervenções preventivas.
Em relação ao tempo para aparecimento das alterações oculares, este foi variado entre os estudos, ocorreram entre 1 (24 horas - NE IV) a 8,9 dias (NE IV), a depender do tipo de acometimento ocular e especificidades da população de cada pesquisa.
NE/GR | Ano/ Bases de dados | Autores | Objetivo | Método | Tempo para aparecimento das alterações oculares |
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II/ forte | 2011/ CINAHL MEDLINE SCOPUS WEB OF SCIENCE | Güler, Eser, Egrilmez15 | Comparar a efetividade da cobertura de polietileno versus colírio carbómero para prevenção da síndrome do olho seco em pacientes de uma unidade de cuidado intensivo | Ensaio clínico randomizado | Não houve danos à córnea nos 18 olhos cobertos com cobertura de polietileno durante os cinco dias do período de acompanhamento, mas colírio carbómero foi eficaz para 2,94 dias em média. |
II/ forte | 2009/ MEDLINE SCOPUS | Ezra, Chan, Solebo,. Malik, Coombes, Healy16 | Comparar o custo e efetividade de duas formas populares de cuidado ocular em cuidados intensivos, lubrificante ocular (Lacrilube) e hidrogel de poliacrilamida (Geliperm); para a prevenção da ceratopatia de exposição em pacientes críticos. | Ensaio clínico randomizado | Nenhum dos olhos que receberam Lacrilube desenvolveram ceratopatia de exposição de grau 3 ou superior. Em contraste, no grupo Geliperm defeito macroepitelial (ceratopatia grau 3) foi apresentado no 3º dia. |
IV/ moderado | 2015/ CINAHL | Kuruvilla; Peter; David; Premkumar; Ramakrishna; Thomas, et al17 | Determinar a incidência da ceratopatia de exposição em pacientes admitidos na UTI. | Coorte | Dentro das primeiras 24 horas de internação na UTI, 49 pacientes (16,3 %) tinham evidência de ceratopatia de exposição. |
IV/ moderado | 2014/ MEDLINE SCOPUS | Demirel, Cumurcu, Fırat, Aydogan, Doganay18 | Avaliar o impacto da educação em cuidados oculares sobre a incidência da exposição da córnea em unidades de terapia intensiva (UTI). | Coorte | Não especifica |
IV/ moderado | 2013/ MEDLINE SCOPUS PUBMED | Saritas, Bozkurt, Simsek, Cakmak, Ozdemir, Yosunkaya19 | Avaliar os problemas da superfície ocular em pacientes que permaneceram na UTI mais de 7 dias e foram consultados por um oftalmologista. | Coorte | Não especifica. Avaliaram pacientes que permaneceram na UTI por mais de 7 dias. |
IV/ moderado | 2013/ CINAHL MEDLINE SCOPUS | Alavi, Sharifitabar, Shaeri, Hajbagher.(4 | Determinar a incidência de secura ocular e abrasão corneal no 5º dia após admissão, em pacientes comatosos em UTI. | Coorte | No 5º dia, 28 pacientes (32,2 %) tinham os olhos secos e 12 pacientes foram diagnosticados com abrasão corneana (13,8 %). |
IV/ moderado | 2011/ WEB OF SCIENCE | Werli-Alvarenga, Ercole, Botoni, Oliveira, Chianca3 | Estimar a incidência de lesões na córnea, identificar os fatores de risco e propor modelo de predição de risco de desenvolvimento de lesão na córnea. | Coorte | O tempo médio de aparecimento de lesão na córnea foi de 8,9 dias. |
IV/ moderado | 2009/ CINAHL MEDLINE | Germano; Mello; Sena; Correia; Amorim20 | Determinar a incidência de defeitos corneais e os maiores fatores de risco em crianças expostas a ventilação mecânica (MV) em uma unidade de cuidados intensivos pediátrica entre 28 de março e 4 de novembro, 2001. | Coorte | Em seis crianças (46 %) foram detectados os defeitos nas primeiras 48 horas de ventilação mecânica (VM), e em nove crianças (70 %) os defeitos ocorridos em menos de 7 dias de VM. |
IV/ moderado | 2008/ MEDLINE | McHugh, Alexande, Kalhoro, Ionides.(1 | Determinar se os profissionais de cuidados intensivos, sem experiência anterior oftálmica seriam capazes de rastrear de maneira confiável doenças da superfície ocular em pacientes ventilados, utilizando fluoresceína e uma lanterna caneta com um filtro azul cobalto. | Coorte | Não especifica |
IV/ moderado | 1999/ MEDLINE | Mercieca, Suresh, Morton, Tullo22 | Avaliar a prevalência e a história natural da doença da superfície ocular em pacientes em uma unidade de terapia intensiva (UTI) e identificar quaisquer fatores predisponentes, a fim de melhorar os protocolos de gestão de cuidados oculares. | Coorte | Nove dos 11 pacientes (82 %) que desenvolveram ceratopatia tiveram os sinais em sua primeira semana de estadia. |
IV/ moderado | 1997/ MEDLINE | Imanaka, Taenaka, Nakamura, Aoyama, Hosotani23 | Determinar a frequência com que ocorrem distúrbios na superfície ocular em pacientes de UTI e determinar os fatores causais. | Coorte | Em todos os casos, a erosão da córnea foi desenvolvida dentro de um ou dois dias após o início da sedação contínua ou imobilização. |
III/ moderado | 1996/ SCIENCE DIRECT | Laight24 | Investigar a eficácia do cuidado ocular dado a ventilação mecânica e pacientes inconscientes em uma unidade de terapia intensiva. | Ensaio clínico | Não especifica |
VI/ fraco | 1997/ MEDLINE | Hernandez, Mannis25 | Determinar a prevalência de ceratopatia em um grupo de pacientes hospitalizados selecionados randomicamente em uma unidade de cuidados intensivos e identificar fatores associados com o aumento da incidência de anormalidade corneais. | Transversal | Não especifica, devido ao próprio delineamento do estudo. |
Legenda: NE/GR - Nível de Evidência/Grau de Recomendação.
De acordo com as características de cada estudo, 30,77 % (NE II e IV) demonstraram não existir associação estatística ou correlação entre a idade e o sexo com o aparecimento de alterações oculares. 7,70 % (NE IV) demonstrou que o tempo de permanência na UTI não apresentou associação estatística com a presença de alterações oculares. Em contraste, 7,70 % (NE IV) apresentou associação estatística (p<0,05) entre tempo de internação e idade com o aparecimento de lesões oculares.
No concernente à causa principal de secura/lesão, 38,46 % (NE IV) estudos identificaram presença de associação estatística (p<0,05) ou correlação entre o reflexo de piscar prejudicado e/ou olhos abertos e/ou má posicionamento palpebral como fatores de risco para alterações oculares. 7,70 % (NE VI) dos estudos referiu que a maioria dos pacientes com alterações da córnea tinha escores da Escala de Coma de Glasgow, de sete ou menos. 7,70 % (NE IV) relatou que Escala de coma de Glasgow, com pontuação entre 11-15, foi uma variável relacionada à lesão na córnea. 30,77 % (NE IV) relataram que o uso de relaxantes musculares e ou sedação estão relacionados com o aparecimento de desordens da superfície ocular. 7,70 % (NE IV) relatou que o diagnóstico de sepse aumentou o risco de defeitos da córnea por nove vezes.
Dos estudos que demonstraram a influência das intervenções para prevenção de alterações oculares, 7,70 % (NE IV) referiu melhor efeito do uso de lubrificante ocular em relação à fita adesiva. 7,70 % (NE II) demonstrou que em termos de eficácia, os dados sugerem que hidrogel de poliacrilamida (Geliperm) é tão eficaz quanto lubrificante ocular (Lacrilube) na prevenção de alterações oculares. No entanto, fatores farmacoeconômicos também devem ser considerados na escolha do tratamento, e o custo do lubrificante ocular é significativamente mais barato do que o do Geliperm. 7,70 % (NE II) descreveu que o uso de cobertura de polietileno oferece proteção mais eficaz do que a lubrificação ocular para pacientes inconscientes internados em UTI.
O olho seco e as doenças da córnea são condições que causam danos aos pacientes e ocasionam consequente redução da qualidade de vida, uma vez que podem levar a perda total da visão. A análise dos estudos que compuseram os resultados permitiu a identificação de evidências que demonstrassem as características desta população, tempo para aparecimento de alterações oculares, alguns fatores de risco e intervenções preventivas estudadas nestes casos.
Sabe-se que o tempo de internação na UTI é fundamental para o aparecimento de distúrbios oculares, uma vez que são pacientes graves e que na maioria das vezes necessitam do uso de múltiplos medicamentos, sedação e assistência ventilatória para manutenção da vida. Além disso, o ar condicionado da UTI pode afetar a eficiência do filme lacrimal, assim, quanto mais grave o paciente estiver, maior será o seu tempo de internação, e como consequência, terá risco aumentado para o desenvolvimento de distúrbios oculares.1,3,8,26
No entanto, de acordo com os resultados encontrados, o tempo de internação até o aparecimento de alguma alteração ocular variou bastante. Isto se deve ao fato de se tratarem de artigos realizados em locais distintos, com desenhos metodológicos, populações e anos diferentes. Além disso, dos dois artigos que avaliaram a presença de associação entre este tempo de internação com o aparecimento de alterações oculares, ambos com nível de evidência IV e grau de recomendação moderado, os resultados foram distintos, a coorte3) que avaliou a incidência de lesões de córnea, observou associação positiva, já a coorte21 que determinou se o pessoal de cuidados intensivos, sem experiência anterior oftálmica seria capaz de rastrear de maneira confiável doenças da superfície ocular em pacientes ventilados, referiu que não houve associação estatística. Acredita-se que este dado pode ter sido ocasionado pelo pequeno número amostral.
Em relação à idade dos participantes de cada estudo, esta obteve uma grande variação, isto ocorreu em virtude de existir um estudo realizado especificamente em uma UTI pediátrica, fato que resultou na alta discrepância entre as idades. Quatro (30,77 %) estudos da amostra relataram não existir associação estatística ou correlação entre a idade e o sexo com o aparecimento de alterações oculares. No entanto, a literatura aborda que são fatores de risco para o olho seco e consequentes alterações na córnea.
Durante o envelhecimento ocorrem diversas variações fisiológicas, e algumas destas estão envolvidas na causa de deficiências quantitativas e/ou qualitativas do filme lacrimal, que incluem a diminuição de volume e fluxo lacrimal, aumento da osmolaridade e mudanças na composição lipídica das glândulas de Meibômio, com consequente perda da estabilidade do filme lacrimal.1,2
Em relação ao sexo, mulheres apresentam uma maior predisposição no aparecimento de alterações oculares, em especial quando estão na menopausa, devido ocorrer uma diminuição na produção de andrógeno e estrógeno, de forma a ocasionar disfunção das glândulas de Meibômio.2
Ademais, além dos fatores ambientais, do envelhecimento e do gênero feminino, doenças autoimunes, lentes de contato, história de alergias, mudanças hormonais, estilo de vida, terapia com ventilação mecânica, lesões neurológicas com perda sensorial reflexa motora, dano à superfície ocular, regime de tratamento e deficiência de vitamina A são apontado na literatura como fatores de risco para o olho seco e consequentes alterações na córnea.27
Além destes, diversos outros locais e características dos pacientes podem propiciar o desenvolvimento de distúrbios oculares. Porquanto, estes se diferenciam em internos e externos. Os internos caracterizam-se por redução da frequência do piscar; abertura palpebral extensa; posição do olhar; diminuída oferta de androgênio e regime de tratamento sistêmico, como o uso de anti-histamínicos, betabloqueadores, antiespasmódicos, diuréticos e alguns psicotrópicos. Os externos compreendem: baixa umidade do ar, alta velocidade dos ventos e ambiente ocupacional.2
Em consonância com os fatores de risco apontados na literatura, cinco (38,46 %) dos estudos identificaram presença de associação estatística ou correlação entre o reflexo de piscar prejudicado e/ou olhos abertos e/ou má posicionamento palpebral como fatores de risco para alterações oculares.
A redução do piscar de olhos para menos que cinco vezes por minuto, quando comparado aos que piscam mais de cinco vezes, aumenta a chance de o paciente vir a desenvolver um distúrbio ocular, uma vez que aumenta a tempo de contato da superfície ocular e o ambiente, o que leva à evaporação, assim como a presença de olhos abertos e má posicionamento palpebral, de maneira a ocasionar um comprometimento no filme lacrimal.3,28
Além do mais, sabe-se que geralmente as pálpebras, controladas pela contração do músculo orbicular, são mantidas fechadas durante o sono. No entanto, em casos de sedação, coma ou o uso de relaxantes musculares, existe o relaxamento deste músculo, fato que reduz sua contração, assim, existe um prejuízo no fechamento ocular passivo e redução o reflexo do piscar. Desta maneira, apresentam-se como fatores de risco para instabilidade do filme lacrimal e subsequentes alterações oculares.3,29) Corroboram com isto, quatro (30,77 %) estudos que demonstraram uma relação entre o uso de relaxantes musculares e ou sedação com o aparecimento de desordens da superfície ocular.
A escala de coma de Glasgow é uma escala neurológica que avalia o nível de consciência. Pacientes com valores iguais ou menores que 11, estão em estado de coma, assim, apresentam relaxamento do músculo orbicular e subsequente comprometimento do filme lacrimal.3,26,29 Sobre isto, os resultados demonstraram que dois (15,8 %) dos estudos referiram que a maioria dos pacientes com alterações da córnea tinha valores da Escala de Coma de Glasgow iguais ou menores que sete. Outro (7,70 %) relatou que Escala de coma de Glasgow apresenta relação com a lesão na córnea.
Ainda, os resultados de um estudo (7,70 %) evidenciaram que pacientes sépticos tiveram o risco de defeitos da córnea aumentado por nove vezes. Autores deste estudo relatam que a presença de sepse aumenta o risco de infecções oculares. Além disso, muitas vezes a sepse causa alteração na consciência. Este fato poderia levar à diminuição do reflexo de piscar e assim, causar comprometimento do filme lacrimal e alterações oculares.20
Os três estudos que relataram intervenções para prevenção das desordens oculares, um com nível de evidência IV e dois com nível de evidência II e graus de recomendação moderado e forte, respectivamente, demonstraram a eficácia do uso de lubrificante ocular, fita adesiva, hidrogel de poliacrilamida e cobertura de polietileno.4,15,16
Neste sentido, a literatura aborda que para prevenção do olho seco existem diversas estratégias, que incluem fechamento ocular passivo, uso de fita hipoalergênica, uso de cobertura de polietileno e hidrogel de poliacrilamida, lubrificantes oculares, câmara úmida, gaze úmida e tarsorrafia.1,2,5 No entanto, não existe um consenso claro para definir a melhor forma de intervenção para o cuidado com os olhos.30
CONCLUSÕES
Destarte, a realização desta revisão proporcionou o conhecimento sobre as características clínicas dos pacientes com olho seco e/ou doenças da córnea internados em UTI, bem como o nível de evidência e o grau de recomendação, tempo para surgimento das alterações oculares, fatores de risco e associações estatísticas comuns/divergentes entre os estudos, além de intervenções para reabilitação ocular.
O estudo contribuiu para enfatizar que o tempo para aparecimentos das alterações oculares em pacientes internados em UTI variou bastante, mas, foi possível concluir que em 1 dia (24 horas - NE IV) de internação, a depender das características do paciente é possível observar sinais de distúrbios oculares. A maioria dos estudos que demonstraram fatores de risco para as alterações oculares tinham NE IV e os que evidenciaram influências de intervenções para prevenção de alterações oculares tinham NE II e IV.
Com o conhecimento originado pelos estudos incluídos nesta revisão, torna-se essencial destacar que a educação da equipe de profissionais que prestam cuidados aos pacientes é de fundamental importância para a prevenção de alterações oculares, com destaque para a enfermagem, por estar presente por mais tempo durante o processo de assistência.
Desta maneira, sugere-se a realização de outros estudos que enfatizem a importância da educação e treinamento da equipe de saúde para prevenção dos distúrbios oculares, além de pesquisas com NE mais elevados, para proporcionar uma assistência de qualidade aos pacientes fundamentada em evidências com graus de recomendação forte.