INTRODUÇÃO
A adequada avaliação da dor constitui um procedimento essencial para o diagnóstico, planejamento e adequação do tratamento de pacientes, que deve levar em consideração o relato verbal, a intensidade da dor e ainda, a avaliação dos aspectos comportamentais e fisiológicos apresentados pelo paciente.1
No entanto, apesar dos avanços no conhecimento atual e tecnológico para o tratamento da dor, falhas na gestão e subtratamento de pacientes caracterizam esta situação como um problema de saúde pública e um desafio para os profissionais de saúde.2
A dor é altamente prevalente na população, presente de 10 % à 50 % das pessoas que buscam os serviços de saúde e estima-se que cerca de 85 % dos pacientes hospitalizados sentem dores.1,2
Dentre as possíveis razões para este problema, destaca-se a formação insatisfatória dos profissionais para a avaliação e tratamento da dor.3) Neste contexto, torna-se fundamental o desenvolvimento de novas estratégias educacionais, motivadoras e inovadoras, que facilitem a construção do conhecimento sobre a avaliação da dor.
Considerando que o processo de ensino-aprendizagem fundamenta a prática do cuidar em enfermagem; que enfermeiros desempenham papel fundamental no gerenciamento da dor; e ainda, que as tecnologias da informação e comunicação (TICs) aceleram cada vez mais este processo em diversas áreas do conhecimento,2,4) um Objeto Virtual de Aprendizagem (OVA) foi desenvolvido para a aprendizagem da avaliação da dor aguda.
Os OVAs são definidos como pequenas unidades que compõe um contexto educacional e que permite o reuso, uma estratégia ativa e construtiva de ensino-aprendizagem, considerada o centro de um novo paradigma de projetos instrucionais para aprendizagem baseada na web.5,6
Dentre as vantagens do uso de OVAs destaca-se a possibilidade de simulação de ambientes clínicos ou técnicas de cuidado, sem que haja a exposição da privacidade de pacientes reais durante o processo de ensino-aprendizagem. De forma segura e ética, podem contribuir para a formação de estudantes de enfermagem na avaliação da dor aguda.4,7
O desenvolvimento deste tipo de tecnologia é uma tendência crescente na enfermagem, e vem sendo relatada nas mais diferentes áreas da enfermagem, como estomas;8) raciocínio clínico e diagnóstico;9 segurança do paciente;10 administração de medicamentos;11 monitorização hemodinâmica,12 neonatologia,13,14) entre outros.
Quando incorporado à vida cotidiana dos estudantes, um OVA possui potencial para provocar mudanças significativas em atitudes e comportamentos, especialmente em relação ao modo como aprendem a aprender - uma tecnologia persuasiva.4,15
No entanto, para que um OVA atinja seus objetivos a avaliação de qualidade é fundamental, especialmente referente aos aspectos pedagógicos envolvidos, objetivos propostos, satisfação dos usuários, entre outros.16
Neste contexto, o objetivo do estudo foi analisar a qualidade de um OVA a partir do Learning Object Review Instrument.
MÉTODOS
Pesquisa metodológica, com abordagem quantitativa.
A coleta de dados ocorreu de 1o novembro/2013 à 15 fevereiro/2014, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (certificado 2456/2012).
Considerando uma população de 170 estudantes, de 2a à 8a fases de um curso de Graduação em Enfermagem em Santa Catarina, 120 aceitaram participar do estudo, e 62 concluíram as etapas. Participaram ainda 5 enfermeiros especialistas.
Critérios de inclusão de estudantes: estar regularmente matriculado da 2ª à 8ª fase de curso; e disponibilidade para participação online em período extra à carga horária curricular.
Critérios de inclusão de enfermeiros especialistas: formação acadêmica mínima de mestre; enfermeiros com experiência mínima de dois anos ou professors enfermeiros na área de terapia intensiva, neonatologia, pediatria, clínica médico-cirúrgica ou dor; e ter dispositivo móvel com acesso à internet (smarthphone, PDA, tablet, outros).
Critério de exclusão: desistência em alguma das etapas do estudo.
Para coleta dos dados foi utilizado um instrumento eletrônico contendo 9 questões referentes aos critérios para avaliação de softwares educacionais segundo o Learning Object Review Instrument 2.0.17
A rede social Facebook® foi utilizada para comunicação com os participantes (Grupo Privado) e a plataforma Google Drive® para coleta dos dados. Os resultados foram exportados para planilha Excel for Mac 2011® e analisados com o software SPSS 21.0®, considerando-se um nível de 95 % de confiança (p<0,05).
Desenvolvimento da tecnologia (m-OVADor®)
O m-OVADor® foi desenvolvido por equipe técnica (designer gráfico, programadores, conteudista, orientador do estudo) a partir de grant concedido pela International Association for Study of Pain em 2010.
O desenvolvimento da tecnologia considerou as etapas da metodologia de Design Instrucional Contextualizado (análise, design, desenvolvimento, implementação e avaliação), que consiste na ação intencional de planejar, desenvolver e aplicar situações didáticas específicas, incorporando mecanismos que favoreçam a contextualização do novo aprendizado.18
Como fundamentação teórica foi adotado o conceito de OVA e a metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Esta metodologia é composta por 7 etapas (identificar o problema; explorar o conhecimento pré-existente, gerar hipóteses e possíveis mecanismos de atuação; identificar problemas de aprendizagem; estudo individual; reavaliar e aplicar o novo conhecimento; e discutir e avaliar a aprendizagem. A metodologia propõe a promoção do aprendizado de modo autêntico e contextualizado, com problemas que se aproximem dos problemas da vida real.19
Assim, o m-OVADor® propõe um ambiente interativo, desenvolvido para aprendizagem da avaliação da dor aguda por meio de cenários clínicos simulados nas áreas de clínica cirúrgica adulto, terapia intensiva adulto e neonatologia, com acesso flexível em qualquer horário ou local.
As ferramentas disponíveis permitem a avaliação da dor quanto aos “Aspectos comportamentais e fisiológicos” da dor; “Conversar com paciente”; “Consultar prontuário”; “Aplicar escala de dor”; e determinar “Diagnóstico” e “Intervenções” de enfermagem, estes últimos baseados na terminologia CIPE 1.0 (figura 1).
As escalas de mensuração da avaliação da dor utilizadas incluíram: Escala Numérica (0 à 10 pontos), Neonatal Infant Pain Scale e Behavioral Pain Scale.20,21
Durante a simulação são apresentados questionamentos curtos e objetivos, sendo que após cada resposta selecionada, feedbacks imediatos são emitidos. Em complemento, foram disponibilizados ícones de “Ajuda”, para consulta de conceitos e instruções, estrategicamente inseridas para orientar e estimular o usuário durante o estudo.
A tecnologia pode ser acessada a partir de qualquer dispositivo móvel ou sistema operacional, por meio de conexão com internet.
Análise de qualidade da tecnologia
O instrumento LORI propõe a análise de qualidade de softwares educacionais a partir de 9 variáveis17 e foi aplicado a partir de protocolo específico (figura 2).
As variáveis foram avaliadas a partir de uma escala pontos de Likert (5-Ótimo, 4-Muito Bom, 3-Bom, 2-Ruim, 1-Péssimo), sendo considerados positivos resultados (3.
RESULTADOS
Os estudantes (n=62) tinham idade média de 22,65 anos; majoritariamente mulheres 98,38 % (61) e estudantes em tempo integral 95,16 % (59).
Todos os enfermeiros especialistas (n=5) eram mulheres, 80 % (4) com título mestre e 20 % (1) doutorado em enfermagem.
A maioria dos estudantes relatou acesso diário à internet 75,8 % (47), para uso pessoal e acadêmico. Os dispositivos mais usados (n=114) para o acesso incluem: 39,47 % (45) smartphones; 14,91 % (17) laptops; 14,91 % (17) desktops, e 7,89 % (9) tablets.
O teste ANOVA (two-way, medidas repetidas) foi realizado para análise de variância de médias entre estudantes e especialistas, considerando-se os instrumentos totalmente respondidos. A análise permitiu identificar que as médias atribuídas às variáveis estudadas não diferem ao nível de 5 % de significância entre estudantes e especialistas (p=0,894). No entanto, entre as variáveis foi identificada diferença significativa (p=0,006), assim como na interação entre o grupo (estudantes e especialistas) e as variáveis (p=0,005) (Tabela 1).
Legenda: SQ - Soma dos quadrados; DF - Graus de liberdade; MQ - Média dos
quadrados; F - Fator crítico
Para identificação das variáveis que apresentaram diferenças entre si, o teste post hoc Sidak foi aplicado, considerando-se um nível de 5 % de significância (Tabela 2).
*variáveis identificadas com ao menos uma letra minúscula comum não diferem em nível de significância de 5 %
Legenda: Méd - Média; DP - Desvio padrão; Mín - Mínima; Máx - Máxima.
A análise das médias atribuídas nas avaliações permitiu identificar que todas as variáveis obtiveram escores médios altos de avaliação, individualmente distribuídos entre estudantes (4,27) e especialistas (4,31), sendo que ambos alcançaram médias superiores à média alvo estabelecida (3-Bom).
Ainda, dentre as variáveis que compõe o instrumento LORI, a “Apresentação do projeto” (4,55±0,74) e a “Conformidade com normas” (4,47±0,88) e receberam maior destaque na avaliação de estudantes.
Entre os especialistas destacaram-se com as maiores médias as variáveis “Qualidade do conteúdo” (4,80±0,45) e “Reusabilidade” (4,80±0,45).
DISCUSSÃO
A avaliação de qualidade de tecnologias educacionais digitais por meio do instrumento LORI permite a comparação de resultados com outros estudos onde os usuários selecionam, dentre diversas tecnologias disponíveis, aquelas que apresentam maior qualidade e adequação à proposta de aprendizagem.22
Todas as variáveis obtiveram escores médios altos de avaliação tanto por estudantes (4,27) quanto por especialistas (4,31), com médias acima da média alvo estabelecida (3-Bom).
Entre estudantes, as variáveis maiores médias foram: “Conformidade com normas” (4,47±0,88) e “Apresentação do projeto” (4,55±0,74). Os resultados evidenciam o reconhecimento das adequações técnicas necessárias para implementação do m-OVADor® em propostas educacionais na formação em enfermagem, especificamente quanto a confiabilidade e segurança no acesso privativo a informação em diferentes tipos de dispositivos e plataformas utilizadas durante o acesso.
Ainda é possível observar a percepção dos estudantes quanto a adequação do layout do OVA, observando-se correlação entre as características de design estabelecidos para uma tecnologia e a satisfação dos usuários.23) O resultado pode estar relacionado ao uso de cores suaves nas telas, a presença de animações, textos curtos, links de ajuda, janelas de alerta e exercícios interativos em cada cenário clínico, proporcionando boas condições para uma experiência agradável de aprendizagem.
Os achados confirmam a recomendação de que, para que possa ser usada como boa ferramenta de ensino, deve apresentar uma interface adequadamente diagramada, de fácil manejo, interativa e atraente, além de fornecer ao usuário dados que possam enriquecer o seu conhecimento.24
Entre os especialistas as variáveis com maiores médias foram: “Qualidade do conteúdo” e “Reusabilidade”, ambas com a mesma média de avaliação (4,80±0,45).
Tais resultados podem relacionar-se à percepção diferenciada destes profissionais, que possuem maior experiência em relação ao cuidado do paciente com dor e provavelmente preocupam-se mais com o que vai ser ensinado, e em analisar se este material poderia ser utilizado em diferentes contextos de aprendizagem.
Os achados revelam que os especialistas reconhecem que a escolha dos nós de aprendizagem sobre avaliação da dor aguda propostos no m-OVADor® encontram-se adequados para o processo de ensino-aprendizagem em enfermagem.
Ao destacar a possibilidade de reusabilidade da tecnologia (4,80±0,45), reconheceram o potencial do m-OVADor® quando a mais importantes características dos OVAs, devido a possibilidade de aplicação em diversos contextos de aprendizagem.13,14
Acredita-se ainda que a possibilidade de acesso à tecnologia a partir de dispositivos móveis, por proporcionar liberdade de acesso independente de lugar ou horário, também pode ter contribuído para a valorização da reusabilidade em contextos educacionais.
Os resultados indicam que a tecnologia educacional é adequada sob o ponto de vista da qualidade de um software educacional, podendo assim ser disponibilizada no processo de ensino-aprendizagem online sobre avaliação da dor aguda entre estudantes de graduação em enfermagem.
Em conclusão, o estudo se propôs analisar a qualidade de um OVA a partir dos critérios para avaliação de softwares educacionais LORI. O m-OVADor® foi criado com o objetivo de subsidiar o aprendizado da avaliação segura e ética da dor aguda, por meio de um ambiente simulado, evitando que o aprendizado ocorra durante a experiência real de dor do paciente.
Considerando que o objetivo da avaliação de qualidade de produtos tecnológicos educacionais propõe o entendimento dos aspectos específicos que definem seu potencial para aprendizagem, a avaliação de sua efetividade pode trazer subsídios para aperfeiçoamento da qualidade da tecnologia produzida, considerando que o m-OVADor® atende as características de qualidade necessárias para um OVA. Assim, a tecnologia possui potencial para promover a aprendizagem de estudantes de graduação em enfermagem sobre a avaliação da dor aguda, de modo dinâmico, interativo e inovador.
A introdução dos OVAs nas diversas áreas do ensino superior em enfermagem apresenta-se como um desafio para novos estudos.
Como limitações, considera-se a perda amostral de estudantes em diferentes etapas do estudo, possivelmente relacionada ao final do ano letivo. Destaca-se ainda, a escassez de estudos que utilizaram o instrumento LORI na área de enfermagem e ainda, o que dificulta comparação de resultados.
O m-OVADor® foi incorporado no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes de graduação em enfermagem participantes, a partir do acesso por dispositivos móveis, gradualmente incorporado ao cotidiano dos estudantes, promovendo um novo espaço para a aprendizagem, com maior flexibilidade de acesso, transformando-se em um processo de aprendizagem e não apenas uma ferramenta de acesso ao conhecimento.
Recomenda-se o desenvolvimento de outros estudos a fim de compreender melhor o impacto da qualidade de tecnologias educacionais móveis online, e também, sobre os resultados na aprendizagem e mudanças no comportamento e atitudes dos futuros enfermeiros frente à dor.