INTRODUÇÃO
Entendido como o ponto focal e a essência da prática do enfermeiro, o processo de enfermagem (PE) indica um trabalho específico e a adoção de um determinado modo de fazer - a sistematização da assistência de enfermagem (SAE) -, fundamentado em um sistema de valores e crenças e no conhecimento técnico-científico específico da enfermagem.1
A SAE demanda algumas ferramentas a serem utilizadas que, por sua vez, requerem métodos de trabalho previstos nas metodologias para a assistência de enfermagem. Assim, ela situa-se numa esfera institucional, onde a visão de organização interfere diretamente na implementação do PE e na metodologia subsidiada em uma teoria de enfermagem a ser utilizada na prática.2
Ao longo dos anos, a enfermagem assumiu vários paradigmas permeados por transformações políticas, econômicas e tecnológicas que engendraram diferentes concepções e ferramentas de intervenção.3
Observa-se, neste contexto, que a prática de cuidar da enfermagem tem, com frequência, foco em procedimentos técnicos emergentes da terapêutica e avaliação médica; de modo geral e pouco apurado, a prescrição baseada no conhecimento específico de enfermagem sequer é desenvolvida. Portanto, é preciso buscar caminhos diferenciados para delinear a identidade do profissional enfermeiro, incluindo sua autonomia no cuidar.4
O cuidado apoiado no modelo médico centrado tem priorizado a tutela em detrimento da autonomia dos sujeitos (incluindo quem recebe e quem oferta o cuidado), inserindo-se na lógica de abstração a favor de uma classe dominante. Esse cuidado fragmentado e extorquido de subjetividades reconstrutivas tem sustentado um modelo assistencial injusto e desigual.5
Ao passo que a capacitação estrutural tem demonstrado um impacto favorável sobre as atitudes profissionais dos enfermeiros, a segurança e a qualidade dos cuidados por eles prestados,6 suas ações devem ser conduzidas pelo ponto de vista de uma base firme de conhecimentos da enfermagem cuja educação deve focar-se nos principais elementos de sua prática.7
Na implementação da SAE algumas dificuldades têm sido relatadas por pesquisadores, dentre elas, destacam-se o não preenchimento dos impressos, a falta de envolvimento da equipe, a descontinuidade da assistência, a falta de comunicação entre os membros da equipe de enfermagem e multiprofissional, a falta de apoio de enfermeiros, a deficiência da educação permanente, o despreparo dos profissionais, o desinteresse das instituições e a insuficiência de pessoal.8
Ela tem esbarrado, também, na interdisciplinaridade, pois outros profissionais de saúde não entendem a enfermagem como uma profissão com autonomia e capacidade de cuidar baseada em princípios técnico-científicos próprios.9
O contrário poderá se concretizar em outro modelo assistencial que permita construir um campo de saber próprio que não seja subsidiário do modelo biomédico, que possibilite uma prática mais autônoma e consoante com o cuidado integral.10
O termo autonomia tem sido utilizado em diferentes contextos, porém, existem duas condições que são fundamentais para a sua expressão: a condição de liberdade (independência de terceiros) e a capacidade de o indivíduo agir intencionalmente (sem qualquer tipo de coação).11 Ela pressupõe que o enfermeiro e a equipe de enfermagem possam interferir no processo de definição das prioridades na assistência, articulando-se com os outros profissionais num exercício moderno de interdisciplinaridade.12
Articulando as reflexões sobre trabalho, disciplina e profissão entende-se que a enfermagem é uma profissão da saúde, uma disciplina do campo da ciência que estuda o cuidado humano e que se materializa como trabalho exercido em sociedades históricas.13
Contudo, os cenários político-institucionais e o paradigma biomédico delimitam as condições de trabalho, as possibilidades do exercício da autonomia e de aproximação do cuidar de pessoas considerando sua individualidade, complexidade e possibilidades de viver saudável.13
Desta forma, este artigo tem como objetivo identificar as contribuições do processo de enfermagem e da sistematização da assistência de enfermagem para a autonomia profissional do enfermeiro.
MÉTODOS
Trata-se de um artigo de revisão que, para garantir o rigor metodológico para a busca, seleção e inclusão de dados, se apropriou do método da revisão integrativa, que permite a identificação de evidências sobre uma temática para reunir e sintetizar resultados ordenadamente além de apontar lacunas para realização de estudos.14
A busca foi realizada em julho de 2016, a partir das seguintes etapas:
Identificação da temática e da questão norteadora: sobre autonomia profissional do enfermeiro, questionou-se: como o processo de cuidar e a SAE contribuem na promoção/sustentação da autonomia do enfermeiro?
Estabelecimento de critérios de inclusão/exclusão: foram incluídos artigos disponíveis na íntegra em português, inglês ou espanhol, publicados no período de 2005 a 2016, nas bases de dados U.S. National Library of Medicine (PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Directory of Open Access Journals (DOAJ), a partir do proxy do Portal Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando-se a expressão [(“professional autonomy”) AND (“nursing care” OR “nursing process” OR “systematization of nursing care”) AND NOT (“patient autonomy”)] e sua versão em português na LILACS e SciELO. Também foram definidos os seguintes critérios de exclusão: estudos que não respondessem à pergunta norteadora e/ou não versassem sobre a temática, que estivessem fora do intervalo temporal definido e as fontes secundárias (revisão e estudos teóricos). Os artigos foram selecionados quanto aos critérios de inclusão/exclusão conforme a figura.
Durante a modelagem das estratégias de busca observou-se o baixo número de estudos disponíveis nos últimos cinco anos; assim, adotou-se o intervalo temporal proposto.
Após leitura dos títulos e resumos dos artigos, foram excluídos os sem relação com a temática, que não atendiam aos critérios de inclusão, os redundantes e as fontes secundárias sendo selecionados 10 artigos.
Definição das informações extraídas: para identificação dos artigos (título, formação dos autores, periódico, ano, local, objetivos e método) e análise de resultados que evidenciaram as contribuições do processo de cuidar e da SAE para a autonomia do enfermeiro. Para caracterizar o perfil das publicações, os dados extraídos (exceto os objetivos) foram tabulados e analisados, por estatística descritiva, no Microsoft Excel.
Avaliação e interpretação: discussão dos resultados e comparação com o conhecimento sobre a temática. Nesta fase, é possível identificar fatores que interferem na política de saúde e lacunas que possibilitam o apontamento de sugestões pelo autor.14 Para análise da força das evidências dos estudos, esta revisão apropriou-se da The Johns Hopkins Nursing Evidence-Based Practice Rating Scale, que as estratifica em cinco níveis:15 (I) estudo experimental, ensaio clínico randomizado ou meta-análise de ensaio clínico randomizado; (II) estudo quase-experimental; (III) estudo não-experimental, estudo qualitativo ou meta-síntese; (IV) opinião de peritos reconhecidos nacionalmente com base em evidências de pesquisas ou consenso de peritos (revisão sistemática e/ou diretrizes clínicas) e; (V) opinião de perito individual não baseada em evidências de pesquisas, estudos de caso, revisão de literatura e experiência organizacional, clínica e/ou pessoal.
Apresentação da revisão: reunião sintética dos resultados evidenciados na revisão, congregando grande parte do conhecimento sobre a temática estudada.14
DESARROLLO
Na análise das referências selecionados observou-se predomínio dos artigos encontrados na base de dados LILACS (n=5), apesar das inúmeras repetições em outras plataformas visto que um periódico pode ser indexado em várias bases.
Sobre os periódicos utilizados para publicação dos trabalhos, predominou a Revista da Escola de Enfermagem da USP com quatro publicações, seguida pela Revista Brasileira de Enfermagem com duas. Outros periódicos utilizados foram Revista Latino-Americana de Enfermagem, Revista Enfermagem UERJ, Revista Eletrônica de Enfermagem e Acta Scientiarum Health Sciences, com uma publicação cada.
Quanto ao recorte temporal não houve oscilações relevantes na quantidade de artigos durante os anos, com exceção de 2008 (n=4) e 2011 (n=2). É importante destacar a dificuldade no levantamento de publicações mais recentes sobre a temática estudada, pois a última que contemplava a questão norteadora desta revisão data do ano de 2012; por isso, o intervalo delimitou-se em dez anos.
Ao todo as publicações reuniram um conjunto de 43 autores, com média de 4,3 autores por publicação, sendo o mínimo dois e o máximo, sete. Deste total, 42 são enfermeiros e um antropólogo. Quanto à formação acadêmica, 16 possuem doutorado (37,2 %); um pós-doutor (2,4 %), nove mestres (20,9 %), oito especialistas (18,6 %) e nove graduados (20,9 %) completam o conjunto de autores.
Geograficamente, predominaram as publicações brasileiras originadas nas regiões Sudeste e Sul (n=3), seguidas do Nordeste com duas e Centro-Oeste com uma. Outra publicação foi originária da Bolívia. Tal divisão pode ser explicada pela maior concentração, nas regiões Sudeste e Sul, de instituições de ensino (em especial, os programas de pós-graduação stricto sensu) e grupos de pesquisa.
Metodologicamente, dos estudos incluídos na amostra, oito declararam a abordagem qualitativa. Estudos quantitativo e quali-quantitativo completaram a amostra, com um de cada. Análise temático-categorial, estudo de caso e Grounded Theory, com dois estudos cada, foram os métodos de pesquisa mais frequentes. Oito estudos foram realizados no âmbito hospitalar; um na Saúde Coletiva e outro abordou este campo e o hospitalar.
No quadro 1 estão distribuídos os 10 artigos incluídos neste estudo de revisão.
De acordo com os objetivos dos estudos analisados, adotou-se a separação em duas categorias temáticas que abordam as contribuições do PE e da SAE para a autonomia profissional do enfermeiro, sintetizando (quadro 2) e discutindo os resultados e conclusões obtidos pelos autores.
Contribuições do processo de enfermagem
Os estudos incluídos nessa categoria demonstram a autonomia profissional do enfermeiro sustentada pelo PE enquanto método que organiza o processo de tomada de decisão no trabalho de enfermagem.12,17,19,21,22)
A autonomia é expressa na capacidade de avaliação da realidade e na criação de estratégias inovadoras para atendimento de situações problemáticas, compreendendo o enfrentamento das dificuldades e a reorganização das novas ações, a participação ativa dos enfermeiros no ato de cuidar e o trabalho em equipe estabelecidos pelo PE.17
Ela, que circunda o processo de evolução histórica da enfermagem tanto na definição de seus papéis como na forma como os enfermeiros se relacionam e se apresentam para os diversos atores sociais, pode ainda ser compreendida como liberdade, independência e bom senso que torna o profissional capaz de tomar decisões e realizar tarefas para alcançar resultados satisfatórios no seu trabalho.17
O PE, ao colocar o cuidado como centro de sua prática, possibilita à enfermagem adquirir plena autonomia e ser vista como uma esfera privilegiada na área da saúde.17
Por outro lado, a autonomia deve ser encorajada quando o enfermeiro for tecnicamente competente e possuir habilidades de alto padrão ao que se propõe a realizar. Desta maneira, autonomia e independência nas atividades práticas estão diretamente ligadas ao conhecimento que possui e reconhecimento de suas limitações e consequentemente na sua competência clínica.25
Tal fato se confronta à busca de auxílio de outros saberes pelos enfermeiros, reinventando práticas na tentativa de enfrentar situações problemas atribuídas a sua responsabilidade. Por esses aspectos, a conquista da autonomia no processo de cuidar tem se apoiado na coletividade, estando expresso de forma relativa ou absoluta em cada situação.17
Para o enfermeiro prestar uma assistência autônoma, então, é preciso objetivar, otimizar e reconhecer os conhecimentos específicos da disciplina da enfermagem. Isto deve ser feito perante processos, métodos e sistemas que garantam respaldo legal, técnico e científico ao profissional, a fim de melhorar a assistência prestada aos seus clientes.25 Em um estudo, 37,3 % dos enfermeiros entrevistados reconheceram a necessidade de ampliação do nível de conhecimento, inclusive para justificar um grau maior de autonomia.12
Estas ideias se apoiam na prática e no saber específico da enfermagem, mesmo estes tendo sofrido, ao longo do tempo, influências pela medicalização do trabalho do enfermeiro e pelas características dos profissionais, que geram menor ou maior autonomia, respectivamente, visto que a ela é atribuído um sentido de processo de permanente e constante fragilidade.19
Esta fragilidade pode estar associada à formação profissional baseada no modelo biomédico centrado na doença e nas intervenções médicas que considera e estimula essas ações como essenciais para o funcionamento dos serviços de atendimento em saúde.19
A autonomia profissional do enfermeiro é considerada como uma importante questão que deve ser renovada por um novo paradigma científico, que leve em consideração o aspecto humano do cuidado comprometido com a produção de saúde e sua dimensão social.12
Uma contextualização mais concreta e real acerca da autonomia e do papel próprio do enfermeiro aparece quando ela se relaciona à educação em saúde, ganhando esta ação um caráter específico da prática profissional do enfermeiro especialmente pelo desenvolvimento da tecnologia da consulta de enfermagem.19
Constatou-se ainda que o processo de trabalho tem se organizado com a finalidade de tratar a queixa principal, tendo como ação nuclear a abordagem médica, colocando este profissional como detentor de poder, seguido do enfermeiro, nos seus espaços de poder e autonomia.21
O desrespeito à autonomia do enfermeiro é percebido com maior magnitude por parte dos médicos, tornando o relacionamento conflituoso, especialmente nas situações em que não leem as anotações de enfermagem e/ou não aceitam o exame físico feito por enfermeiros.22 Contudo, no trabalho profissional pautado no PE, as anotações de enfermagem e o exame físico realizados por enfermeiros adotam nova função; deixam de ser direcionados para o apoio à prática médica e passam a oferecer subsídios para a definição de prioridades e linhas de cuidados a serem estabelecidos pelos enfermeiros e executados pela equipe de enfermagem, cliente, família e/ou comunidade para atendimento das necessidades de cuidado às quais o enfermeiro é capaz e legalmente habilitado para tratar.
A enfermagem é, nesta perspectiva fragilizada, submetida à hierarquia hospitalar, ao paradigma mecanicista (que organiza esta hierarquia) e ao modo de produção capitalista (que forja e reforça este paradigma). A consequência dessa submissão (que traz a desvalorização tanto do cuidar como do papel social do enfermeiro) valoriza a competência técnica, porém restringe a institucionalização da autonomia do saber da enfermagem, que é relacionado à ampla dimensão do processo de cuidar.12
O trabalho da enfermagem, na perspectiva do PE, torna-se fundamental, perpassando todos os espaços de atendimento e interligando as ações do enfermeiro dotando-o de uma identidade profissional e um papel claramente definido dentro da equipe multiprofissional e nos regimes terapêuticos instituídos. A autonomia tem, assim, caráter processual e é algo em construção que tem relação com as conquistas tecnológicas da profissão.21
Os enfermeiros utilizam com melhor qualidade o seu saber/fazer para defender ideias argumentativas ou propostas quando o PE é instituído, o que lhes garante maior autonomia perante a interdisciplinaridade característica da equipe de saúde.21 A autonomia profissional é, na vigência do PE, um atributo e também uma conquista, favorecida pelo conhecimento.22
Os enfermeiros consideram como atividades mais específicas da profissão, a coordenação de equipe, em detrimento dos cuidados diretos e planejamento da assistência de enfermagem, que, aparentemente, seriam atividades inerentes e prioritárias. Em um estudo, 56,9 % dos enfermeiros entrevistados consideram o gerenciamento da assistência como a atividade mais importante que caracteriza sua autonomia profissional. Isso indica que as atividades administrativas têm um impacto importante no cotidiano do enfermeiro, apesar da responsabilização pelo cuidado estar presente como atividade autônoma, porém, não como prioridade.12
Eles estão, portanto, começando a reconhecer a necessidade de se reorganizarem para assumir uma dimensão maior no trabalho em saúde, através da implementação de estratégias para intervir de forma fundamentada no processo de cuidar, rompendo com aquela identidade historicamente instituída, expressando, assim, seu significado na equipe de saúde, afastando-se de ações submissas, de apoio a outros profissionais e pouco expressivas.12
Fica evidenciado que a autonomia do profissional enfermeiro se concretiza a partir do ser profissional (a ação como eixo norteador da vontade do indivíduo). Este, através de seu conhecimento, pode compreender o paradigma vigente, porém de forma ampliada, habilitando-o a responder às questões: o que faço, para que faço, como faço e para quem.12
Contribuições da sistematização da assistência de enfermagem
Nesta categoria estão sintetizadas as evidências das contribuições da SAE e suas ferramentas para a autonomia do enfermeiro em diversos campos de prática.16,18,20,23,24
Em um estudo que desenvolveu um instrumento para avaliação de enfermagem, foi evidenciada a contribuição para a melhora da qualidade dos registros, o favorecimento do julgamento clínico e a aplicação efetiva do PE, reforçando o papel do enfermeiro e contribuindo para a sistematização da sua prática profissional - o cuidar.16
As ferramentas aplicadas na SAE se constituem como uma base fundamental para sua implantação e institucionalização do papel dos enfermeiros na atenção à saúde, contribuindo para a definição de uma identidade singular, a uniformização de sua prática e o desenvolvimento de uma linguagem própria para expressar os fenômenos aos quais o enfermeiro é responsável para tratar, demarcando, assim, sua área de atuação e promovendo autonomia profissional.16
A SAE é, neste contexto, parte de um processo que vem sendo desenvolvido por grupos de enfermeiros comprometidos em melhorar o processo de trabalho, pois vislumbram a necessidade do cuidar interativo, complementar e multiprofissional.20
Enquanto processo organizacional, ela é capaz de subsidiar o desenvolvimento de metodologias interdisciplinares e humanizadas de cuidado. Essas metodologias de cuidado representam, atualmente, importantes conquistas no campo assistencial da enfermagem. O profissional imbuído nesse processo necessita, entretanto, ampliar e aprofundar continuamente os saberes específicos de sua área de atuação, sem esquecer o enfoque interdisciplinar e multidimensional do processo de trabalho da enfermagem.20
Nesta perspectiva, ela proporciona maior autonomia para o enfermeiro, o respaldo seguro através do registro eficiente, que garante a continuidade e complementaridade das ações multiprofissionais, além de promover aproximação e articulação entre enfermeiros, clientes e a equipe de saúde.20
Por outro lado, a autonomia apresenta-se no agir com liberdade e responsabilidade, na tomada de decisão com base científica e na conquista do valor de seu trabalho social, sendo sua vulnerabilidade expressa pelas relações interpessoais, no desgaste gerado pelo estresse profissional e no risco inerente à assistência.(26)
A prática da SAE possibilita aos enfermeiros, a aplicação de seus conhecimentos e a conquista de reconhecimento pela qualidade do cuidado prestado, tanto na instituição como junto à família, refletindo seu papel na sociedade e na responsabilidade profissional.26
A autonomia do enfermeiro, nestes aspectos, está no seu papel social, no cuidado que realiza ao paciente, nas orientações que faz para a equipe de enfermagem ao realizar a assistência, no atendimento à integralidade e individualidade do ser humano e nos resultados verificados pela instituição sobre o seu trabalho.26
Por representar uma metodologia de assistência reconhecida pelos enfermeiros, por permitir uma aproximação do enfermeiro junto ao cliente, tanto no momento da sua elaboração quanto na prestação do cuidado, por exigir conhecimento científico, responsabilidade profissional e compromisso com o exercício profissional, a SAE é um caminho efetivo de autonomia para a profissão.26
Em um estudo, 92 % dos enfermeiros entrevistados concordavam com a necessidade da SAE para organização do seu processo de trabalho sob as justificativas de que ela melhora a qualidade da assistência (44 %) e promove autonomia profissional (18 %). Contudo, 52 % apresentaram respostas incompletas e apenas 31,5 % reconheciam as etapas do PE corretamente.18 Esta realidade apoia, portanto, a urgência da qualificação e definição de um corpo específico de conhecimento para a enfermagem que fuja do atual modelo médico-centrado, o que requer um processo permanente e gradual de reflexão-ação e a inserção dos profissionais na realidade por meio do esforço compartilhado e participativo.23
A SAE traria autonomia ao enfermeiro, porém esta ideia, por outro lado, quando confrontada com a realidade do sistema de saúde, torna-se discordante, em decorrência de questões como mercado de trabalho, relação com outros profissionais de saúde, estrutura e organização política da saúde e educação, bem como as relações sociais e econômicas envolvidas no processo, que também interferem na almejada autonomia.18
Em outro estudo, foram identificadas as dificuldades vivenciadas na implementação do diagnóstico de enfermagem no processo de trabalho de enfermeiros em terapia intensiva: adequação à rotina da unidade, tempo disponível do enfermeiro para a execução das etapas do processo, impressos/instrumentos indisponíveis, resistência do enfermeiro à SAE e desvalorização do método. Ainda assim, os resultados demonstraram a viabilidade SAE com superação do modelo técnico-burocrático dominante, objetivando melhor qualidade da assistência prestada ao ser humano e consequente aprimoramento das habilidades do enfermeiro, agilidade e eficiência na documentação, crescimento profissional, valorização e autonomia para a enfermagem.23
Outra pesquisa evidenciou que a SAE é uma forma de valorização do papel do enfermeiro na instituição e que, para 87 % dos participantes, além de proporcionar maior qualidade à assistência, ela propicia, também, maior eficiência, autonomia e cientificidade à profissão, garantindo, dessa forma, maior valorização e reconhecimento enquanto um espaço de novas conquistas e uma mudança cultural no papel do enfermeiro.24
CONCLUSÕES
Neste estudo alguns pontos importantes foram evidenciados quanto às contribuições do PE e da SAE para a promoção e manutenção da autonomia profissional do enfermeiro.
Ambos os elementos, em diversos estudos, foram apontados como contribuintes significativos para delineamento do papel social e da identidade profissional do enfermeiro nos seus campos de prática, para clientes, família e comunidade, como agente ativo do processo interdisciplinar de atenção à saúde.
Contudo, essa identidade profissional tende a redesenhar-se ao passo que o corpo de conhecimentos específicos da disciplina de enfermagem toma forma e a profissão deixe de se fundamentar em ciências biomédicas, o que tem resultado em atuação, muitas vezes, à sombra de outros atores da equipe multidisciplinar.
A autonomia profissional é, então, uma conquista que, mantendo-se o modelo técnico-burocrático vigente em parcela considerável dos serviços de saúde, está fadada a sucumbir às fragilidades e vulnerabilidades colocadas aos enfermeiros nas relações entre seus pares, os demais agentes da equipe multiprofissional e os indivíduos objetos de suas ações de cuidado.
É preciso ainda, que o processo de trabalho do enfermeiro esteja centrado no cuidado, que o PE determine os mecanismos e movimentos para definição do seu fazer e que a SAE seja a metodologia que se aproprie de ferramentas adequadas para o desenvolvimento do cuidar.
As limitações identificadas neste estudo incluem (a) a baixa produção científica sobre a autonomia profissional e suas interfaces com o processo e a SAE, em especial, nos últimos quatro anos, bem como (b) a carência de estudos que ocupem estratos mais elevados de força de evidência.
Espera-se, assim, (a) contribuir para a realização de novos estudos que se debrucem sobre esta relevante temática e (b) proporcionar uma base de conhecimentos sintetizados que possa facilitar processos gerenciais e assistenciais para implementação do processo e da SAE.