INTRODUÇÃO
A saúde do trabalhador vem sendo amplamente discutida, principalmente no que diz respeito à saúde do profissional da área da saúde com vistas à exposição ocupacional em busca de garantia da qualidade de vida e preservação da saúde.1 O termo Saúde do Trabalhador refere-se a um campo do saber que visa compreender as relações entre o trabalho e o processo saúde/doença. A saúde e a doença são consideradas processos dinâmicos, estreitamente articulados com os modos de desenvolvimento produtivo da humanidade.2
O trabalho é muito mais do que mão de obra, é um engajamento do corpo, a mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de interpretar e de reagir às situações. É o poder de sentir, de pensar e de inventar. Nesse processo, há tal interação que ultrapassa o tempo estipulado de trabalho, podendo interferir na personalidade e no modo de viver do trabalhador.3
Sendo assim, o trabalho pode influenciar de forma direta ou indireta a saúde do trabalhador atingindo-o fisicamente, psiquicamente ou socialmente. Estudos mostram uma alta prevalência de adoecimentos por motivos como danos osteomusculares, problemas respiratórios, doenças infecciosas, doenças mentais entre outras. Dentre os resultados, a equipe de enfermagem foi a que teve os dados mais alarmantes, sobretudo os técnicos de enfermagem.4,5
A enfermagem atua em diversas áreas, cada uma com suas especificidades e riscos. Os trabalhadores de enfermagem da área cirúrgica são indispensáveis e seu trabalho é dotado de um alto grau de exigência desempenhado em unidade fechada e complexa, em que os mesmos na maioria das vezes, ficam expostos a condições inadequadas de trabalho. Questões como falta de pessoal, falta de materiais, desentendimentos entre componentes da equipe cirúrgica, cirurgias de emergência, falha no processo comunicação, danos ou defeitos de aparelhagem no transoperatório e dificuldades do trabalho em equipe acabam por sobrecarregar e expor a saúde desses profissionais aos mais variados riscos.6
A participação de profissionais em procedimentos cirúrgicos complexos pode ativar os mais variados sentimentos como apreensão, cobrança interna e externa, impotência, perplexidade, entre outros.7 Todas essas vivências acumuladas por um determinado período de tempo, sem um acompanhamento e suporte adequado, podem acabar expondo o trabalhador a riscos e danos psicossociais, gerando desde sentimentos de desânimo, insatisfação com o trabalho, sensação de cansaço extremo até o desenvolvimento de doenças mais sérias como ansiedade, depressão, entre outras.8
A preservação da saúde no ambiente de trabalho deve ser de interesse mútuo entre a empresa e o trabalhador, pois uma vez que há o atendimento das necessidades do trabalhador ocorre um aumento de sua satisfação e motivação, contribuindo para a proteção de sua saúde física e psicológica; para a empresa, garante a manutenção do quadro funcional e aumento da produtividade gerando seu fortalecimento.9
O trabalho em Centro Cirúrgico (CC) tem muitas especificidades, isso exige atualização constante dos trabalhadores de enfermagem. E nesse sentido, os avanços tecnológicos e terapêuticos, além de necessitarem conhecimento, expõem os profissionais a novos riscos ocupacionais, o que torna esse tema sempre atual e, que pode ocasionar agravos físicos e psicológicos ao trabalhador.
Diante do exposto, optou-se por buscar evidências científicas sobre o tema, pois, considera-se que, desse modo, será possível identificar as lacunas do conhecimento, identificar necessidade de futuras pesquisas e assim, fornecer subsídios para contribuir com a saúde do trabalhador da área do CC, minimizar os impactos à sua saúde, qualificar a assistência de enfermagem e garantir segurança ao paciente. Portanto, o presente estudo tem como objetivo identificar na literatura científica fatores que interferem na saúde dos trabalhadores de enfermagem do CC.
MÉTODOS
A pesquisa é do tipo revisão integrativa (RI), que tem por finalidade reunir os resultados de um conjunto de pesquisas sobre um determinado tema ou questão, sintetizando e analisando os resultados obtidos, com um aprofundamento sobre o fenômeno estudado. Assim, é possível apontar lacunas no conhecimento, o que evidencia a necessidade da realização de futuras pesquisas. Foram seguidas cinco etapas, sendo elas: formulação do problema, coleta de dados, avaliação dos dados, análise e interpretação dos dados e apresentação dos resultados.10,11
A busca pelos artigos ocorreu em julho de 2018 e visou responder a seguinte questão norteadora: quais os fatores que interferem na saúde dos trabalhadores do CC? A coleta foi realizada on line, nas bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Base de Dados de Enfermagem (BDENF), Literatura Internacional em Ciências da Saúde (MEDLINE), SCOPUS, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e PUBMED.
Os descritores utilizados, segundo os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), foram Enfermagem perioperatória, enfermagem, centro cirúrgico, saúde do trabalhador e trabalho, bem como suas traduções para o inglês perioperative nursing, nursing, surgicenter, occupational health e work e traduções para o espanhol enfermería perioperatoria, enfermería, centro quirúrgico, salud laboral, trabajo. Os mesmos foram utilizados nas seguintes formas de combinação: 1) (“enfermagem perioperatória”) AND (“saúde do trabalhador”) AND (trabalho), 2) ("enfermagem perioperatória”) AND (“saúde do trabalhador”) AND (“centro cirúrgico”), 3) (enfermagem) AND (“centro cirúrgico”) AND (trabalho) e 4) (“enfermagem perioperatória”) AND (“saúde do trabalhador”).
Os critérios de inclusão foram artigos científicos de abordagem qualitativa e quantitativa, reflexões, levantamentos bibliográficos e estudos teóricos indexados nas bases de dados pesquisadas que abordaram a temática em questão e responderam à questão norteadora ou aos objetivos da pesquisa nos idiomas português, inglês e espanhol, disponíveis online na íntegra, publicados no período de março de 2006 a março de 2018. O período de publicação foi definido para aumentar a oportunidade de encontrar uma amostra de artigos atualizados que abordem o tema em estudo. Foram excluídos editoriais, teses, dissertações, monografias, guias (“guidelines”), documentos e anais de eventos.
Por meio do cruzamento dos descritores encontrou-se um total de 242 artigos, sendo 93 na LILACS, 27 na SCIELO, 07 na BDENF, 22 na MEDLINE, 20 na SCOPUS, 33 na CINAHL e 40 na PUBMED. A seguir foi realizada a leitura dos títulos e resumos restando 87 artigos: 28 deles publicados na LILACS, 09 na SCIELO, 03 na BDENF, 12 na MEDLINE, 09 na SCOPUS, 14 na CINAHL e 12 na PUBMED. Nessa etapa foram excluídos 29 artigos por repetição e 126 por não atenderem os critérios de inclusão, totalizando 155 artigos excluídos. Após a leitura na íntegra dos 87 artigos, 45 foram excluídos por não responderem à questão norteadora restando 42 artigos que compuseram a amostra final da RI, sendo 21 da LILACS, 02 da SCIELO, 01 da BDENF, 07 da MEDLINE, 01 da SCOPUS, 08 da CINAHL e 02 da PUBMED (Fig.). Durante a pesquisa, optou-se por acionar os filtros das bases de dados, delimitando idiomas e data de interesse.
Os resultados foram organizados em fichas de leitura e quadro sinóptico geral para facilitar a comparação entre os artigos e a extração dos dados analisados.
Foram considerados os seguintes níveis de evidência: Nível 1- resultantes da meta-análise de múltiplos estudos clínicos controlados e randomizados; Nível 2: obtidas a partir de estudos individuais com delineamento experimental; Nível 3: estudos quase-experimentais; Nível 4: estudos descritivos (não-experimentais) ou com abordagem qualitativa; Nível 5: provenientes de relatos de caso ou de experiência; e Nível 6: baseadas em opiniões de especialistas.12
DESENVOLVIMENTO
Foram analisados 42 artigos e, ao avaliar os países de sua origem, o Brasil aparece em primeiro lugar com 23 (54,76 %) artigos, seguido dos EUA com oito (19,04 %), Canadá e Japão com dois (4,76 %) artigos cada. Os países Colômbia, Suécia, Grécia, Austrália, Uruguai, Turquia e África do Sul tiveram apenas um (2,28 %) artigo cada, totalizando sete (16,66 %) artigos. Quanto ao idioma, 22 (52,38 %) artigos apresentaram língua portuguesa, 18 (42,85 %) língua inglesa e dois (4,76 %) língua espanhola.
A formação dos autores dos artigos da amostra foi prevalentemente enfermeiros, 39 (92,85 %), apenas três (7,14 %) autores possuíam formação em outras profissões, como: administração, engenharia elétrica e medicina. A base de dados que mais se destacou pelo número de artigos foi a LILACS, com 21 (50 %) artigos, seguida pela CINAHL com oito (19,04 %) e MEDLINE com sete (16,66 %).
Os artigos da amostra foram encontrados em 24 periódicos diferentes. Desses periódicos, 14(58,33 %) eram nacionais, dentre eles o que mais obteve artigos foi a Revista Texto Contexto Enfermagem. Os outros 10(41,66 %) periódicos eram internacionais e o que mais apresentou artigos foi o AORN Journal. O Qualis CAPES dos periódicos que compuseram a RI variou de A1 a B3 quanto ao seu fator de impacto. Quanto aos tipos de estudos encontrados na pesquisa, 22 (52,38 %) foram quantitativos, 12(28,57 %) agregaram outros tipos de estudos previstos nos critérios de inclusão do presente trabalho, sete (16,66 %) apresentaram metodologia qualitativa e apenas um (2,38 %) seguiu a metodologia qualitativa/quantitativa.
A análise do ano de publicação nos permitiu evidenciar que o ano de 2015 apresentou o maior número de publicações, totalizando seis (14,28 %) artigos. Os anos de 2006, 2011, 2012, 2016 e 2017 vêm em segundo lugar, com quatro (9,52 %) publicações somando um total de 47,6 % de artigos. Nos anos 2008, 2010 e 2013 houveram três (9,37 %) publicações em cada ano, equivalente a 21,42 % do total da amostra. Em 2007, 2009 e 2018 foram encontrados dois (4,76 %) artigos em cada ano, somando 14,28 % da amostra. Em 2014, houve apenas uma (2,38 %) publicação e em 2016 não foi encontrado nenhum registro.
O Quadro 1 apresenta as principais informações referente aos artigos da amostra, organizado de acordo com as bases de dados que foram extraídos e a indicação do nível de evidência.
Base de Dados | Tipo de estudo | Ano de Publicação | País | Nível de evidência |
---|---|---|---|---|
LILACS31 | Descritivo | 2006 | Brasil | 4 |
LILACS37 | Descritivo | 2006 | Brasil | 4 |
LILACS42 | Descritivo | 2006 | Brasil | 4 |
MEDLINE36 | Opinião especialista | 2006 | Estados Unidos | 6 |
MEDLINE38 | Descritivo | 2007 | Estados Unidos | 4 |
LILACS22 | Descritivo | 2007 | Brasil | 4 |
CINAHL21 | Descritivo | 2008 | Estados Unidos | 4 |
CINAHL46 | Descritivo | 2008 | Japão | 4 |
LILACS23 | Descritivo | 2008 | Brasil | 5 |
MEDLINE41 | Descritivo | 2009 | Canadá | 4 |
LILACS43 | Descritivo | 2009 | Brasil | 4 |
SCIELO28 | Descritivo | 2010 | Brasil | 4 |
BDENF45 | Descritivo | 2010 | Brasil | 4 |
SCIELO17 | Descritivo | 2011 | Colômbia | 4 |
LILACS16 | Descritivo | 2011 | Brasil | 4 |
LILACS20 | Descritivo | 2011 | Brasil | 4 |
CINAHL40 | Descritivo | 2011 | Estados Unidos | 4 |
LILACS30 | Descritivo | 2012 | Brasil | 4 |
CINAHL54 | Descritivo | 2012 | Canadá | 4 |
CINAHL39 | Descritivo | 2012 | Estados unidos | 4 |
CINAHL14 | Descritivo | 2012 | África do Sul | 4 |
MEDLINE15 | Opinião especialista | 2012 | Estados Unidos | 6 |
LILACS29 | Descritivo | 2013 | Brasil | 4 |
LILACS13 | Descritivo | 2013 | Brasil | 4 |
MEDLINE50 | Quase experimental | 2013 | Suécia | 3 |
MEDLINE27 | Descritivo | 2014 | Estados Unidos | 4 |
LILACS51 | Descritivo | 2015 | Brasil | 4 |
LILACS35 | Descritivo | 2015 | Brasil | 4 |
LILACS53 | Descritivo | 2015 | Brasil | 4 |
LILACS44 | Descritivo | 2015 | Brasil | 4 |
LILACS34 | Descritivo | 2015 | Brasil | 4 |
MEDLINE26 | Opinião especialista | 2015 | Estados Unidos | 6 |
LILACS24 | Descritivo | 2016 | Brasil | 4 |
LILACS49 | Descritivo | 2016 | Uruguai | 4 |
SCOPUS33 | Descritivo | 2016 | Grécia | 4 |
CINAHL25 | Descritivo | 2016 | Turquia | 4 |
PUBMED19 | Descritivo | 2017 | Estados Unidos | 4 |
LILACS18 | Descritivo | 2017 | Brasil | 4 |
LILACS52 | Descritivo | 2017 | Brasil | 4 |
CINAHL47 | Descritivo | 2017 | Brasil | 4 |
PUBMED32 | Quase experimental | 2018 | Brasil | 3 |
LILACS48 | Descritivo | 2018 | Japão | 4 |
Fonte: Autores da RI, 2018.
A partir da análise dos artigos, as ideias dos autores foram agrupadas por semelhança e organizadas em duas categorias: Fatores que interferem na saúde física do trabalhador de enfermagem do CC e Fatores que interferem na saúde mental do trabalhador de enfermagem do CC.
O Quadro 2 esquematiza as duas categorias da RI e seus respectivos fatores junto dos artigos e do percentual de representação da amostra. A discussão do quadro segue na apresentação das categorias.
Fatores | Artigos | % | |
---|---|---|---|
Físicos | Sobrecarga de trabalho | 13,14,15,16,17,18,19,20,21 e 22 | 23,80 |
Contaminação biológica | 13,16,17,23,24,25,26,27,28 e 29 | 23,80 | |
Agravos ergonômicos | 18,22,30,31,32,33,34,35,36 e 37 | 23,80 | |
Exposição a agentes físicos | 34,35,38 e 39 | 9,52 | |
Exposição a agentes químicos | 40 e 41 | 4,76 | |
Mentais | Estresse | 14,17,18,20,26,37,42,43,44,45,46,47,48,49,50,51 e 52 | 40,47 |
Sobrecarga de trabalho | 13,14,15,18,20,21,26,32,42,49,51 e 53 | 28,57 | |
Abuso psicológico | 26,48,52 e 54 | 9,52 |
Fonte: Autores da RI, 2018.
Fatores que interferem na saúde física do trabalhador de enfermagemdo CC
Os cinco principais fatores encontrados no estudo que interferem na saúde física do trabalhador foram: sobrecarga de trabalho, contaminação biológica, agravos ergonômicos e exposição a agentes físicos e químicos.
A sobrecarga de trabalho foi citada por autores de 10 (23,80 %) artigos, como o principal fator ligado tanto ao adoecimento físico quanto psicológico dos trabalhadores do CC.13,14,15,16,17,18,19,20,21,22
Tendo em vista a expressividade que o fator sobrecarga de trabalho apresentou na amostra de artigos e considerando que foi evidenciada em ambas categorias, ou seja, interfere tanto na saúde física quanto mental do trabalhador do CC, optou-se por discutir esse fator nas duas categorias.
A sobrecarga de trabalho é gerada por um conjunto de questões que envolvem o processo de trabalho. Uma delas, é a falta de um quadro funcional que atenda às necessidades do setor. A grande demanda de tarefas e a escassez de tempo para realizá-las faz o trabalhador desempenhar as atividades em ritmo acelerado, o que lhe exige maior esforço físico e predispõe a acidentes ocupacionais e erros assistenciais.13,14,15,16,17,18,19
Outra questão que resulta na sobrecarga de trabalho é a duração da jornada de trabalho. Autores afirmam que, jornadas de trabalho superiores a 12 horas por dia diminuem a vigilância e expõem o trabalhador ao aumento de riscos de erros assistenciais ao paciente e acidentes ocupacionais, entre outros.14,15,19,20,21 Dois fatores ligados ao excesso de carga horária, são a necessidade da instituição de trabalho, principalmente as que sofrem com um quadro funcional defasado, em reter o funcionário para cobertura em turnos inversos e, por trabalhadores de enfermagem que optam por trabalhar em dois empregos a fim de aumentar sua renda mensal.19,20,21
A sobrecarga de trabalho no processo laboral pode provocar danos ao trabalhador, tais como: diminuição da motivação, concentração e rendimento no trabalho, prejuízos na tomada de decisão, bem como alterações fisiológicas que elevam a pressão arterial e níveis glicêmicos no sangue. Pode também ocorrer o agravamento de problemas osteomusculares, resultando na diminuição da qualidade de vida do trabalhador e aumento das taxas de absenteísmo e pedidos de demissão, acometendo o funcionamento da unidade hospitalar.14,15,18,20,22
A contaminação biológica foi citada por autores de 10 (23,80 %) artigos.13,15,17,23,24,25,26,27,28,29 O CC é um local com altos índices de exposição a material biológico16,23-25) o que indica que o trabalhador do CC está mais vulnerável à contaminação com agentes infecciosos graves13,17,24,26,27) como o HIV e as Hepatites B e C, as quais implicam em sérias repercussões à saúde do trabalhador.21,25) Destas, a única doença que tem proteção disponível por meio de vacina é a hepatite B, que é recomendada para todos os profissionais da saúde, embora uma parcela de trabalhadores atuem sem vacinação ou com o esquema incompleto.24
Os acidentes geralmente ocorrem durante a realização de procedimentos ou após, devido ao descarte inadequado ou manuseio incorreto de materiais perfuro cortantes. Os autores elencaram como principais causas de acidentes com material biológico as más condições de trabalho incluindo material inadequado, o desgaste físico gerado pela sobrecarga de trabalho, a falta de atenção dos trabalhadores e a baixa adesão aos equipamentos de segurança.16,24,25
Ao ocorrer um acidente com potencial exposição biológica, o trabalhador segue o protocolo padronizado na instituição de trabalho e passa por exames, consulta médica entre outros. O risco de contaminação gera preocupação, medo e insegurança ao trabalhador acidentado, além de fazê-lo sentir os efeitos colaterais de algumas medicações profiláticas utilizadas após o acidente. Se houver contaminação, seja por qualquer agente biológico, terá sérias repercussões em sua saúde e passará a fazer acompanhamento e tratamento contínuo ao longo de sua vida.17,23,24,25
Uma questão preocupante apontada pelos autores nos artigos foi a presença da subnotificação dos acidentes ocupacionais, o que mostra que muitos dos trabalhadores não recebem atendimento e acompanhamento após o acidente. A subnotificação dificulta também, o estabelecimento de estatísticas fidedignas e levantamentos do número de acidentados bem como os que tiveram impacto real à saúde pela exposição.28,29
Os agravos ergonômicos foram representados por autores de 10 (23,80 %) artigos da amostra, considerados como um dos fatores prejudiciais à saúde do trabalhador.18,22,30,31,32,33,34,35,36,37 A ergonomia é responsável por estudar e integrar as condições de trabalho, a capacidade e os limites do trabalhador de modo que se evitem desfechos negativos à sua saúde. O Bloco Cirúrgico (BC) e o Centro de Materiais e Esterilização (CME) possuem altos índices de trabalhadores com acometimento osteomuscular. Essas lesões são caracterizadas por dores musculares e articulares, artrite, artrose e cefaleia, sendo as localizações de queixas de dor mais frequente é a região lombar, cervical, ombros, punhos e membros inferiores.18,30,31,32,33 Não houve estudos que contemplassem o dano osteomuscular na Sala de Recuperação Pós Anestésica (SRPA).
As principais causas elencadas aos sintomas osteomusculares foram os movimentos de repetição, erros posturais, longos períodos em pé, elevação de peso sem auxílio de equipamentos, mobiliários inadequados, sobrecarga de trabalho e utilização prolongada de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) plumbíferos para profissionais que trabalham em meio à radiação no BC.22,34,35,36,37 As salas cirúrgicas têm uma temperatura baixa, visando o bem estar da equipe cirúrgica. Tanto o frio quanto o estresse constante geram uma sobrecarga muscular, principalmente na região cervical, aumentando assim a tensão e dor muscular.33 Como consequência da sobrecarga de segmentos corporais do trabalhador, ao longo do tempo, ocorre o surgimento de tendinites, bursites, desgastes articulares, entre outros, que culminam na redução da qualidade de vida e da assistência e aumento dos afastamentos do trabalho por doença.18,33,37
A exposição a agentes físicos foi citada por autores de quatro (9,52 %) artigos da amostra.34,35,38,39) O principal fator atribuído foi a utilização de radiação ionizante e aos ruídos produzidos por equipamentos do BC. O CME e a SRPA não foram mencionados nos estudos envolvendo os agentes físicos, sendo que na SRPA eventualmente há o uso da tecnologia do raio-X, porém com finalidade diferente em relação ao BC.
A utilização do raio-X na medicina se faz necessária para a visualização de estruturas anatômicas internas do paciente, auxiliando no diagnóstico e no tratamento cirúrgico. Os raios emitidos no momento da cirurgia geram exposição ocupacional, pois podem danificar tecidos vivos e aumentar os riscos de danos a saúde em longo prazo. Os principais agravos a saúde, descritos pelos autores, são as mutações celulares, predispondo ao surgimento do câncer e má formação congênita fetal que pode evoluir para o abortamento em gestantes.37
Para minimizar os efeitos da radiação ao trabalhador do CC são preconizados alguns cuidados como: diminuir o tempo e exposição à radiação, a proximidade da fonte emissora de raio-X e utilizar a blindagem de forma correta.34,35 A blindagem consiste na utilização de avental, protetor de tireoide e óculos plumbífero. A paramentação de chumbo impede que a radiação atinja órgãos vitais e diminui o risco de o trabalhador do CC desenvolver os impactos indesejáveis da exposição à radiação.35
Outro fator físico encontrado foi o dano auditivo por ruídos. A avaliação se deu através da mensuração dos decibéis no ambiente do BC. Os decibéis são a unidade de medida do som e da frequência das ondas sonoras. De acordo com a legislação, o som não pode ultrapassar 80 decibéis em ambiente fechado. As ondas sonoras podem gerar danos neurossensoriais capazes de provocar perda auditiva gradual e irreversível nos trabalhadores expostos a ruídos excessivos. Segundo o autor do estudo, o principal equipamento utilizado no BC, que ultrapassa os 80 decibéis permitidos é a serra óssea, usada principalmente em cirurgias traumatológicas. Os demais equipamentos do CC não atingiram o limite máximo permitido.39
Não houve artigos com relatos referentes à verificação de ruídos no CME e SRPA. Deve-se considerar que os profissionais do CME trabalham em meio a máquinas de desinfecção e esterilização, que mesmo com a evolução tecnológica e a tentativa de redução da emissão sonora, passam parte do dia em ambiente fechado com presença de ruídos, um exemplo de produção de ruído intenso no CME são as máquinas de pressão de ar, utilizadas na secagem de materiais tubulares e delicados.
Os agentes químicos foram citados por autores de dois (4,76 %) artigos.40,41 Os quimioterápicos foram os agentes mais citados pelos autores. Os quimioterápicos são definidos como um conjunto de medicamentos utilizados no tratamento do câncer e de algumas doenças autoimunes. São conhecidos como medicamentos potencialmente perigosos por possuir características de teratogenicidade, mutagenicidade e citotoxicidade. Trabalhadores que entram em contato com quimioterápicos sem a devida proteção inalam pequenas doses por tempo prolongado e acabam ficando expostos ao surgimento de mutações celulares que podem evoluir para câncer, reações cutâneas, má formação congênita e abortamento em gestantes, entre outros.40,41
Alguns procedimentos realizados no CC exigem a utilização de agentes quimioterápicos, como cirurgias oncológicas, para citorredução de células tumorais; em urologia, com a instilação de quimioterápico intravesical para tratamento de tumor de bexiga; e em oftalmologia, com a injeção de quimioterápico no olho acometido como forma de tratamento do glaucoma.40
A manipulação dos quimioterápicos exige precauções especiais a fim de evitar a exposição ocupacional. O uso de EPI’s e o manuseio seguro dos quimioterápicos reduzem o risco ocupacional.40,41
Os fatores físicos que interferem na saúde do trabalhador prejudicam seu bem-estar, pois implicam em mudanças em sua rotina pessoal. Os trabalhadores que sofreram danos no seu processo de trabalho necessitam de tratamento e acompanhamento multiprofissional para o restabelecimento de sua saúde. Os prejuízos podem atingir sua vida social uma vez que precisa abdicar de atividades rotineiras e enfrentar a diminuição de renda para o sustento familiar.
Fatores que interferem na saúde mental do trabalhador de enfermagem do CC
Os três fatores encontrados que interferem na saúde mental do trabalhador foram: estresse, sobrecarga de trabalho e o abuso psicológico.
O principal motivo de dano psicológico citado foi o estresse, descrito por autores de 17 (40,47 %) artigos da amostra.14,17,18,20,26,37,42,43,44,45,46,47,48,49,50,51,52 A implicação do estresse sobre a saúde do trabalhador vai além do trabalho, pois pode implicar em sua vida pessoal e social. O trabalhador que convive com o estresse ativa em seu corpo uma cascata de fatores que ocasionam o surgimento dos sintomas. O estímulo do estressor gera o aumento da liberação de um glicocorticoide envolvido com o estresse, o cortisol, o que faz o trabalhador sentir-se irritado, angustiado e com a concentração diminuída. Estudos realizados mostraram que 53 % dos profissionais de enfermagem do CC apresentaram um padrão atípico de secreção de cortisol. Foi evidenciado que quanto maior o tempo na profissão, maiores eram os níveis deste glicocorticoide no sangue.42,43,45
Um ambiente de trabalho baseado no estresse e no conflito estimula o trabalhador a desenvolver mecanismos de defesa como forma de proteção. O uso constante destes mecanismos protetivos, geram desequilíbrio emocional, resultam com o passar do tempo, em distúrbios mentais como ansiedade, depressão, Síndrome de Burnout, entre outros.45
Alguns autores dos artigos analisados, citaram distúrbios gerados pelo estresse que interferem também na saúde física dos profissionais, distúrbios esses que propiciam o desenvolvimento de doenças gastrointestinais, cardiovasculares, endócrinas, imunológicas, entre outras.26,32,37,45,46,47 Além disso, o estresse afeta o desempenho técnico, a comunicação, o julgamento e a tomada de decisão do profissional, atributos importantes no exercício diário de suas funções, principalmente em casos de emergência.48
O CC apresenta altos índices de ansiedade e depressão. A ansiedade é caracterizada por um sentimento de antecipação de medo e apreensão que pode tornar-se patológica de acordo com a intensidade e grau de acometimento da pessoa afetada. Já a depressão é caracterizada pela lentificação dos processos psíquicos, incapacidade de sentir prazer, perda de energia, dificuldade de concentração, entre outros. É uma doença complexa e de origem multifatorial, que exige acompanhamento e tratamento.20,43,46,49
A Síndrome de Burnout é um agravamento à saúde do trabalhador que corresponde a uma resposta emocional a situações de estresse crônico, caracterizada pela tríade: esgotamento emocional, despersonalização e falta de realização profissional e pessoal. Trabalhadores acometidos apresentam sintomas de sofrimento psíquico, semelhantes aos da depressão. O número de casos de acometidos por essa síndrome é crescente, o que indica que os processos laborais necessitam de uma reestruturação com um olhar mais atento para a saúde do trabalhador, garantindo-lhes melhores condições de trabalho.14,42,45,46,49,50
A falta de planejamento das atividades, de recursos humanos e de materiais e equipamentos é decisiva para o surgimento do estresse no trabalho,17,18,48,50,52 bem como a sobrecarga de trabalho, jornadas duplas47, perplexidade em frente a questões existenciais17,50, agilidade e simultaneidade do processo de trabalho, imprevisibilidade das situações, responsabilidade profissional, atrasos cirúrgicos,17 relacionamento interpessoal,48,52 falta de comunicação,48,52 trabalho administrativo e excessivamente burocrático exercido pelos enfermeiros.31 O trabalho exercido em ambiente fechado como no CC, com ausência da luz externa e pouca interação com outras áreas hospitalares colabora com o surgimento de sentimentos de exclusão e alienação dos trabalhadores facilitando a instalação dos sintomas do estresse e seus agravos.51
A sobrecarga de trabalho, como agravante psicológico foi descrita por autores de 12 (28,57 %) artigos.13,14,15,18,20,21,26,32,42,49,51,53 Além dos riscos à saúde física, os trabalhadores que sofrem com a sobrecarga de trabalho, ficam expostos a riscos aumentados de desenvolver doenças psiquiátricas.14,20,21,42,51 A sobrecarga de trabalho contribui para o desenvolvimento de doenças como ansiedade e depressão e aumenta a chance do trabalhador desenvolver a Síndrome de Burnout.13,14,15,16,17,18,21,49,51
Os hábitos de vida dos trabalhadores podem influenciar ou não, na proteção contra vivências negativas no trabalho. Profissionais que cuidam da alimentação, praticam exercícios físicos regularmente, mantém o período de descanso e lazer adequado tem mais condições de se restabelecer após períodos conturbados no ambiente de trabalho.26,32 O investimento em promoção de saúde no trabalho diminui o absenteísmo e melhora a disposição para o trabalho e a autoestima.32
O abuso psicológico foi citado por autores de quatro (9,52 %) artigos da amostra.26,48,52,54 A análise dos artigos evidenciou que a violência psicológica é a mais comum no BC, ocorrendo em meio a um ambiente com ritmo de trabalho acelerado, com falta de comunicação e com presença do assédio moral.26,48,52,54
As relações de abuso ocorrem geralmente quando alguma pessoa se sente em posição de poder sobre outra, um olhar fragmentado e verticalizado do individuo.54 Elas podem existir em todos lugares e entre quaisquer profissionais, sendo mais comum no CC, entre equipe de enfermagem e médica. O abuso é uma forma de desrespeito, de agressão que pode ser física ou psicológica. A agressão física é menos frequente no ambiente hospitalar diferentemente da agressão psicológica verbal, caracterizada por gritar, ridicularizar, constranger, ameaçar, intimidar, praticar bulling, entre outros.26,54
A ocorrência do abuso tem impacto direto na saúde física e psicológica do trabalhador, expondo-os a desmotivação, estresse, vergonha, sentimento de incapacidade, sintomas de depressão além de contribuir com o desenvolvimento da Síndrome de Burnout. E, sintomas físicos: queixas gastrointestinais, perda de peso, cefaleia, alterações na pressão arterial e esgotamento físico e mental.26
A manutenção da saúde de física e mental do trabalhador do CC pode ser concretizada através do investimento da instituição em materiais e equipamentos de qualidade e mudanças nas rotinas assistenciais tornando-as mais seguras, como também, a conscientização do trabalhador de enfermagem sobre sua parcela de responsabilidade no cuidado a sua saúde. Isso deve ser estimulado, pois os resultados apenas serão plenos quando as duas frentes, instituição de trabalho e trabalhador, estiverem unidos em busca de resultados melhores.
CONCLUSÕES
O presente estudo permite afirmar que há fatores que interferem na saúde física e mental do trabalhador de enfermagem do CC. Foram encontrados como fatores mais relevantes que interferem na saúde física: a sobrecarga de trabalho, contaminação biológica, lesão osteomuscular e a exposição a agentes físicos e químicos. Os fatores causadores de agravamentos mentais foram o estresse, a sobrecarga de trabalho e o abuso psicológico.
Ressalta-se que os fatores que interferem na saúde física e mental estão entrelaçados, considerando que um colabora para o surgimento do outro. A sobrecarga de trabalho teve destaque tanto para a saúde física quanto mental dos trabalhadores de enfermagem de centro cirúrgico, portanto, nos leva a concluir que merece atenção especial das instituições de saúde. Desse modo, sugere-se possibilitar a flexibilização da organização do trabalho de modo que evite o estabelecimento da sobrecarga entre os profissionais do CC, conferindo-lhes mais saúde.
O trabalho em CC tem muitas especificidades, avanços tecnológicos e terapêuticos, tornando esse tema sempre atual. Nesse sentido, atribui-se como limitações do estudo lacunas de conhecimento sobre diversos fatores que podem interferir na saúde dos trabalhadores do CME e SRPA, sugerindo futuros estudos. Foi constatada ainda, a necessidade de estudos sobre consequências e impactos à saúde quanto ao uso de quimioterápicos no transoperatório, bem como, medidas utilizadas para a proteção à saúde do trabalhador nesses procedimentos. Essa dinâmica pode ocasionar agravos físicos e psicológicos ao trabalhador, traduzindo que estudos nessas áreas não estão esgotados, necessitando investigações mais aprofundadas e elaboração de novas pesquisas sobre o tema. Conhecer esses agravos, intervir na minimização dos riscos, proporciona melhor qualidade de vida ao trabalhador, qualifica a assistência e contribui na segurança do paciente.
Acredita-se que fatores que atingem a saúde do trabalhador podem ser modificados através da qualificação do processo de trabalho do CC, possibilitando uma maior qualidade de vida ao trabalhador, reduzindo o sofrimento gerado pelas doenças ocupacionais. E, consequentemente, reduzindo o absenteísmo e rotatividade de trabalhadores gerando benefícios para instituição, comunicação efetiva entre os profissionais em consonância com gestores e segurança no cuidado ao paciente.