Introdução
O Puerpério é uma fase na qual ocorrem manifestações involutivas, locais ou sistêmicas, ao estado pré-gravídico. Pode ser classificado em três períodos: imediato (1º ao 10º dia após o parto), tardio (11º ao 45º dia após o parto) e remoto (a partir do 45º dia após o parto). É nessa fase que ocorre o efetivo exercício da maternidade, o qual a mulher irá passar por diversas alterações, fisiológicas e emocionais, as quais acarretam modificação de rotina e adaptação às necessidades da dupla mãe-bebê.1
Entre as modificações fisiológicas, destacam-se as alterações nas mamas, que atingem um elevado grau de desenvolvimento durante o puerpério. Nesse período, inicia-se a amamentação, momento que envolve diversos sentimentos, voltado não só para mãe e bebê, mas também relacionado a toda rotina familiar.2
A amamentação é muito mais do que um instinto biológico natural, é um ato em que se faz necessário superar dificuldades durante a fase inicial para que se tenha uma amamentação eficaz. Assim, se faz necessário que o enfermeiro realize uma assistência de enfermagem sistematizada voltada ao cuidado da dupla mãe-bebê, com vistas a promover uma amamentação efetiva.2,3
Embora no Brasil muitas campanhas reforcem a importância da amamentação, há ainda altas taxas de desmame precoce, o qual é associado ao nível de educação, conhecimento sobre amamentação, cansaço físico, isolamento materno, retorno ao trabalho, cultura, sobrecarga emocional, falta de apoio e, às vezes, às dificuldades econômicas.4,5
O processo de amamentação insatisfatório no puerpério pode levar ao desmame precoce. Nesse caso, pode-se identificar o diagnóstico de enfermagem Amamentação Ineficaz em puérperas, o que resulta na necessidade de uma assistência adequada ou de práticas educativas que venham a incentivar a amamentação satisfatória.4,5
A amamentação ineficaz consiste na insatisfação ou dificuldade que a mãe, bebê ou criança tem no processo de amamentação.6 Desse modo, o estudo tem como objetivo identificar o diagnóstico de enfermagem Amamentação Ineficaz e seus indicadores clínicos (características definidoras e fatores relacionados) em puérperas.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, realizado em seis Unidades Básicas de Saúde (UBS). A população do estudo foi composta por puérperas, em qualquer um dos três períodos do puerpério: imediato, tardio ou remoto.
A amostra foi de 30 puérperas cadastradas nas UBS selecionadas. Inicialmente, foi feito um levantamento das puérperas cadastradas, com auxílio da enfermeira e Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que compõem as UBS inclusas na pesquisa. Os critérios de inclusão foram: idade igual ou superior a 18 anos, estar no puerpério (imediato, tardio ou remoto) e ser acompanhada em uma das UBS inclusas na pesquisa. As puérperas que não apresentaram condições clínicas e/ou emocionais satisfatórias para responder à entrevista foram excluídas.
O instrumento de coleta de dados foi composto de duas partes, sendo a primeira relativa à caracterização sociodemográfica e clínica das puérperas, com as variáveis: idade; estado civil; escolaridade; renda familiar, tipo de moradia; ocupação; uso de drogas lícitas; antecedentes ginecológicos e obstétricos (número de gestações, via de nascimento, intercorrências na gestação, período do puerpério e número de consultas de pré-natal) e presença de comorbidades (hipertensão, diabetes, anemia e infecção urinária). A segunda parte foi composta pelos fatores relacionados e características definidoras do diagnóstico em análise “amamentação ineficaz” contidos na NANDA Internacional 2012-2014.7)
Assim, os dados utilizados na segunda parte do instrumento de coleta de dados foram as definições operacionais dos indicadores clínicos (fatores relacionados e características definidoras) do diagnóstico de enfermagem, as quais definem como o conceito de cada indicador é mensurado, com vistas à identificação da presença ou ausência dos mesmos na amostra.
Os dados foram coletados no período de janeiro a abril de 2016, por meio da técnica de entrevista, com uso de roteiro estruturado, com as puérperas nas UBS selecionadas, no dia em que elas compareceram à unidade para a consulta do puerpério ou de puericultura. Para as puérperas impossibilitadas de comparecer à unidade, a coleta foi realizada por meio de visitas domiciliares junto com o ACS responsável pela área onde a puérpera residia. A identificação dos fatores relacionados e das características definidoras foi realizada por meio de questões com respostas objetivas, no qual a participante relatou se estava presente ou ausente, apoiada nas definições operacionais.
Os dados foram organizados e consolidados em uma planilha do software Microsoft Excel. Os dados de caracterização sociodemográfica e clínica das puérperas foram analisados de modo descritivo, com apresentação das frequências. Para os indicadores clínicos do diagnóstico, foram calculadas as frequências e seus Intervalos de Confiança (IC). Foi aplicado o teste exato de Fisher para verificar a associação entre as variáveis (características definidoras e fatores relacionados) com o diagnóstico em estudo.
O estudo seguiu os preceitos da bioética dispostos na Resolução Nº 466/2012, e recebeu a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (CAAE: 44942315.7.0000.5208).
Resultados
Foram entrevistadas 30 puérperas, das quais 22 (73,30 %) estavam no puerpério tardio, oito (26,60 %) no imediato e nenhuma no remoto. A idade das puérperas variou de 18 a 49 anos, média de 25,6 anos, com porcentagem maior na faixa etária de 20 a 29 anos (53,30 %). Quanto ao estado civil, 13 (43,30 %) participantes eram solteiras.
A maioria das puérperas estava desempregada (50,00 %) e tinha ensino fundamental e médio incompleto (53,20 %). Além disso, 28 puérperas (93,30 %) relataram não estudar atualmente, 20 (66,60 %) não possuíam residência própria e 12 (40,00 %) tinham renda familiar de um salário mínimo. Todas consumiam água tratada.
Em relação ao número de consultas de pré-natal, 16 puérperas (53,30 %) relataram ter realizado entre quatro a seis consultas, 26 (86,60 %) não apresentaram gestação de alto risco, ademais, a cesariana mostrou-se como a via de nascimento mais frequente com 17 (56,60 %) recorrências. Quanto ao tipo sanguíneo, 10 puérperas informaram ter tipo sanguíneo O e a mesma quantidade não soube informar, bem como, 50,00 % relataram ter fator Rh positivo.
O uso de vitamina A após o parto e de sulfato ferroso durante a gestação foi de 40,00 % e 93,30 %, respectivamente. A maioria das mulheres informou não ter feito uso de cigarro e nem de bebida alcoólica durante a gestação, com 96,60 % e 83,30 %, respectivamente. Em relação aos problemas clínicos durante e antes a gestação como, por exemplo, hipertensão, infecção urinária e anemia, um maior número de entrevistadas informou a ausência.
O diagnóstico de enfermagem Amamentação ineficaz esteve presente em 40,00 % das puérperas. Dentre os 11 fatores relacionados identificados, os que tiveram maior prevalência foram: Ansiedade materna e Lactente recebe alimentação suplementar com mamadeiras, ambos com o mesmo percentual (40,00 %), seguido por Interrupção na amamentação (33,30 %), como mostra a Tabela 1. Dentre os 13 fatores relacionados que constam na Taxonomia da NANDA-I, dois não estiveram presentes: Ambivalência materna e Anomalia do lactente.
Fatores relacionados | F | % | IC | |
---|---|---|---|---|
Ansiedade materna | 12 | 40,00 | 0,225 | 0,575 |
Lactente recebe alimentação suplementar com mamadeiras | 12 | 40,00 | 0,225 | 0,575 |
Interrupção na amamentação | 10 | 33,30 | 0,164 | 0,502 |
Anomalia do peito materno | 4 | 13,30 | 0,011 | 0,255 |
Déficit de conhecimento | 4 | 13,30 | 0,011 | 0,255 |
História prévia de fracasso na amamentação | 4 | 13,30 | 0,011 | 0,255 |
Prematuridade | 3 | 10,00 | -0,007 | 0,207 |
Parceiro não oferece apoio | 2 | 6,60 | -0,023 | 0,155 |
Cirurgia prévia de mama | 1 | 3,30 | -0,031 | 0,097 |
Família não oferece apoio | 1 | 3,30 | -0,031 | 0,097 |
Reflexo de sucção do lactente insatisfatório | 1 | 3,30 | -0,031 | 0,097 |
Entre as 16 características definidoras do diagnóstico, as mais frequentes entre as puérperas foram: Persistência de mamilos doloridos após a primeira semana de amamentação (56,60 %), seguida por Esvaziamento insuficiente de cada mama por amamentação e Processo de amamentação insatisfatório, ambas com o mesmo percentual (43,30 %), como mostra a Tabela 2. A característica definidora Ausência de resposta a outras medidas de conforto não foi identificada entre as entrevistadas.
Características definidoras | F | % | IC | |
---|---|---|---|---|
Persistência de mamilos doloridos após a primeira semana de amamentação | 17 | 56,60 | 0,389 | 0,743 |
Esvaziamento insuficiente de cada mama por amamentação | 13 | 43,30 | 0,256 | 0,610 |
Processo de amamentação insatisfatório | 13 | 43,30 | 0,256 | 0,610 |
Suprimento de leite inadequado percebido | 8 | 26,60 | 0,108 | 0,424 |
Descontinuidade da sucção na mama | 6 | 20,00 | 0,057 | 0,343 |
Lactente chora ao ser posto na mama | 6 | 20,00 | 0,057 | 0,343 |
Incapacidade do lactente de aprender a região aureolo-mamilar corretamente | 5 | 16,60 | 0,033 | 0,299 |
Oportunidade insuficiente de sugar a mama | 5 | 16,60 | 0,033 | 0,299 |
Ausência de ganho de peso do lactente | 3 | 10,00 | -0,007 | 0,207 |
Lactente exibe agitação na primeira hora após a amamentação | 3 | 10,00 | -0,007 | 0,207 |
Resistência do lactente em aprender a região areolar-mamilar com a boca | 2 | 6,60 | -0,023 | 0,155 |
Ausência de sinais observáveis de liberação de ocitocina | 1 | 3,30 | -0,031 | 0,097 |
Lactente chora na primeira hora após a amamentação | 1 | 3,30 | -0,031 | 0,097 |
Lactente se arqueia na mama | 1 | 3,30 | -0,031 | 0,097 |
Perda de peso do lactente sustentada | 1 | 3,30 | -0,031 | 0,097 |
Foi aplicado o teste exato de Fisher para verificar a associação entre as variáveis das características definidoras com a presença do diagnóstico em estudo. Desta forma, observa-se que, entre as 16 características definidoras, quatro apresentaram significância com o diagnóstico, como mostra a Tabela 3.
Características Definidoras | DE | Valor p* | ||
---|---|---|---|---|
- | Presente | Ausente | ||
Descontinuidade da sucção na mama | Presente | 5 | 1 | 0,026 |
Ausente | 7 | 17 | ||
Esvaziamento insuficiente de cada mama por amamentação | Presente | 8 | 5 | 0,042 |
Ausente | 4 | 13 | ||
Processo de amamentação insatisfatório | Presente | 12 | 1 | 0,000 |
Ausente | 0 | 17 | ||
Suprimento de leite inadequado percebido | Presente | 8 | 0 | 0,000 |
Ausente | 4 | 18 |
*Teste Exato de Fisher
Verificou-se também a associação entre as variáveis dos fatores relacionados com a presença do diagnóstico. Observa-se que, entre os 13 fatores relacionados, três apresentaram significância com o diagnóstico, como mostra a Tabela 4.
Discussão
O aleitamento materno (AM) de forma eficaz continua sendo um desafio, visto que o índice de desmame precoce no Brasil continua acima do estipulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O Ministério da Saúde (MS) preconiza o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida.8
A amamentação favorece o vínculo efetivo entre a dupla mãe-bebê e carrega uma importância nas relações familiares, interferindo na qualidade de vida das famílias. Dentre os inúmeros benefícios da amamentação, estão: diminuição de hospitalizações gerando uma menor abstinência dos pais ao trabalho, diminuição da mortalidade infantil, menor custo financeiro e diminuição de situações estressantes.9,10
Um dado relevante na presente pesquisa foi o índice da presença do diagnóstico entre as entrevistadas, pois a minoria (40,00 %) apresentou o diagnóstico de amamentação ineficaz, que consiste nas dificuldades ou insatisfações que a mãe ou a criança experimentam no processo de amamentação.11
O diagnóstico Amamentação ineficaz é um dos mais frequentes encontrados nas puérperas.12 As características definidoras mais frequentes para esse diagnóstico foram: persistência de mamilos doloridos após a primeira semana de amamentação (56,60 %); esvaziamento insuficiente de cada mama por amamentação (43,30 %) e processo de amamentação insatisfatória (43,30 %).
No início do aleitamento materno, a maioria das mulheres sente desconforto ou dor no início das mamadas, sendo a característica definidora que mais sobressai entre as entrevistadas. A persistência de mamilos doloridos após a primeira semana de amamentação demonstra que a dor para amamentar é uma causa importante que desencadeia o desmame.13 Dessa forma, sua prevenção é fundamental, uma vez que quando a dor está presente durante o processo de amamentação, a mulher tende a não querer amamentar, o que pode acarretar outra característica, o processo de amamentação insatisfatório.
O processo de amamentação insatisfatório tem como fatores: crença na produção insuficiente de leite, dificuldade de pega de mama, contexto sociocultural, intercorrências com o neonato e intercorrências mamárias.14
Quanto ao esvaziamento insuficiente da mama, essa característica pode estar relacionada ao posicionamento e pega incorreta, obstrução de ductos, dificuldades de ejeção láctea, mamilos traumatizados ou malformados, prematuridade, fatores emocionais e uso de complementos.13
Os resultados deste estudo apontaram que os fatores relacionados do diagnóstico do diagnóstico em estudo que tiveram maior prevalência foram: “ansiedade materna” e “lactente recebe alimentação suplementar com mamadeiras”, ambos com o mesmo percentual (40,00 %), seguido por interrupção na amamentação (33,30 %).
A utilização de chupetas e bicos artificiais, bem como o posicionamento incorreto da criança, que levam a criança a não manter a sucção na mama. Isso dificulta a pega contínua durante a amamentação.13,14 Nesta pesquisa, a alimentação suplementar com mamadeiras foi um dos principais fatores relacionados da amamentação ineficaz.
Durante esta fase de transição e de adaptação da rotina familiar com a chegada do bebê, a mãe pode apresentar respostas como a ansiedade principalmente relacionada com o processo de amamentação e de cuidados diários com o recém-nascido. A ansiedade provoca a inibição de ocitocina, o que impede a ejeção de leite, consequentemente diminuindo o suprimento de leite para o bebê.15
O início da alimentação suplementar precoce, realizada antes dos seis meses de vida, geralmente está relacionada à necessidade da puérpera em retornar ao trabalho, ao déficit de conhecimento e ao não apoio da família. Esses aspectos também contribuem para desencadear a interrupção na amamentação.4,5,15
Salienta-se que as puérperas que recebem apoio no processo de amamentação, apresentam menores chances de desmamarem precocemente, obtendo assim uma amamentação satisfatória, uma vez que há estímulo do vínculo com o recém-nascido e auxilio na manutenção do aleitamento materno.
Em conclusão, o estudo mostrou que o uso de alimentação suplementar com mamadeira é uma das principais causas da amamentação ineficaz, com maior frequência e associação com o diagnóstico. E as características mais relevantes foram esvaziamento insuficiente de cada mama por amamentação e processo de amamentação insatisfatório.
Conhecer as principais causas e manifestações da amamentação ineficaz permite subsidiar as ações de enfermagem de forma mais direcionada. Nesse contexto, a presença de uma enfermagem participativa é imprescindível para o alcance da amamentação eficaz. O processo de amamentação requer efetiva participação do enfermeiro, com vistas a proporcionar mais autonomia, empoderamento e segurança à mãe, por meio de orientações precisas sobre as etapas do aleitamento materno, dificuldades e benefícios que envolvem esta prática.
O enfermeiro deve respeitar as crenças, culturas, experiências, medos e anseios da puérpera, de modo a estabelecer uma relação terapêutica e um cuidado satisfatório. Isso contribui para uma assistência holística e ao mesmo tempo individualizada, de qualidade e resolutiva, que faz com que a mulher enfrente de forma natural esta nova fase da vida.
Como limitação da pesquisa, tem-se o fato do estudo ter sido realizado em seis unidades básicas de saúde. Desse modo, é importante a realização de novos estudos sobre a amamentação ineficaz em puérperas, a fim de explanar os fenômenos presentes relativos à temática e, assim, buscar meios que contribuam para a prevenção e resolução do problema.