Introdução
O câncer de mama feminino em termos de incidência e mortalidade tem bastante relevância no Brasil e demais países. O câncer de mama traz consigo o sofrimento e o medo da morte, além da preocupação com a autoimagem e a possibilidade de perda das mamas, símbolo da sexualidade feminina, no tratamento cirúrgico. Apesar de todos os avanços em relação ao diagnóstico e tratamento da neoplasia mamária, o estigma da morte ainda se impõe. É necessária, assim, a comunicação clara com a família, sendo este um desafio no cuidado de enfermagem. O diagnóstico muda, não só a rotina da paciente, como também, a estrutura familiar, havendo reflexão do tratamento na família, trazendo, em consequência, repercussão negativa à mulher com câncer de mama. As cirurgias mutiladoras inerentes ao tratamento do câncer de mama podem comprometer a autoimagem das pacientes, sua qualidade de vida e sua relação com os familiares, incluindo os filhos.1
Justifica-se, com isso, a presente reflexão: o diagnóstico do câncer tem o potencial de desencadear desordens de ajustamento nos familiares, relevando os filhos nesta questão.2 Por vivenciarem a dor de suas mães, o prejuízo aos filhos pode se destacar. O sofrimento destes, em concomitância, causa sobrecarga adicional à mulher com câncer de mama, que já precisa lidar com a expectativa da morte, com a angústia do corpo mutilado e com efeitos colaterais severos da quimioterapia, quase sempre indicada no tratamento da enfermidade. O suporte psicossocial da família como rede de apoio da enferma, se fragilizado, impacta na mulher com câncer de mama. A paciente pode acabar se privando de elementos essenciais, como conforto, amor e suporte de seus familiares. Destaca-se o impacto sofrido, em especial, por filhos menores de idade, quando suas mães vivem com a patologia. Por vezes, o cuidado acaba se pondo de forma desumanizante, tamanho o avanço tecnológico que se presencia,3 havendo a perda do protagonismo dos atores da saúde, aqui considerando a equipe multidisciplinar, como também a mulher enferma alvo da reflexão. Analisar, então, a percepção, seja da mulher ou seu familiar, no que tange à neoplasia mamária, vem a diminuir os obstáculos que se interpõem no cuidado humanizado.
Compreender o mundo percebido de uma criança, cuja mãe tem câncer, levaria a equipe multiprofissional de saúde a amenizar parte de um sofrimento com possíveis desdobramentos psicossociais negativos na idade adulta. O sofrimento da mulher com câncer de mama também se amenizaria em consequência. O enfermeiro e outros membros da equipe multidisciplinar de saúde teriam centralidade nesta ação dentro da equipe multiprofissional, ao lidarem diretamente com a corporiedade da mulher, ao acompanhar um curativo de pós-operatório, ao orientar os familiares sobre uma nova rotina, a se impor com a descoberta do câncer de mama. Para Merleau-Ponty, a consciência é sentida num corpo vivido. Este “novo corpo” no câncer de mama se porá como questão para a usuária, o que é percebido pelos filhos com que convive. Sendo assim, neste espaço se reflete, a partir da Fenomenologia da Percepção, acerca do impacto do câncer de mama materno no cotidiano dos filhos e a vivência de suas mães neste sentido. A compreensão de uma criança em relação ao câncer de mama e seu tratamento, embora esteja conectada à realidade, à vivência de sua mãe, nem sempre é correta. Por isso, são necessários estudos futuros, no sentido de se compreender o entendimento do câncer de mama, abstraído por crianças de diferentes faixas etárias.4
O sofrimento dos filhos que mal compreendem a patologia materna pode minar, então, a paz espiritual de uma mulher com câncer, levando a mesma a experimentar pior qualidade de vida.4 Esta qualidade de vida já se encontra comprometida, face à expectativa da morte, dadas as cirurgias mutiladoras e graves efeitos colaterais da quimioterapia. Vive-se um tempo em que a sobrevida de uma mulher com câncer de mama é bem mais longa. Por vezes, o diagnóstico é recebido em vigência da infância, adolescência ou mesmo gestação dos filhos. Estes crescem, sofrem e acompanham o sofrimento de suas mães.
As consultas médicas ambulatoriais, com frequência se restringem a exame dos seios, exames de imagem, mas juntos, existem fatores da história social dos filhos, que perturbam a mulher com câncer de mama de forma relevante. Há ocasiões em que os filhos podem adquirir transtornos mentais, uso de drogas, como cocaína de forma excessiva, alcoolismo, ou os filhos podem se engajar na criminalidade, durante toda a caminhada contra o câncer de mama e esta mãe, assim, sofre mental e espiritualmente. Há mães com câncer de mama, que criam filhos que delas sempre dependerão, como filhos autistas ou com síndrome de Down, e por isso, o fardo se torna muito maior para estas mulheres, que somado a tudo isto, também têm câncer no seio e assumem não poder morrer.
Contudo, a atenção às famílias deve ser considerada no cuidado em câncer de mama. Intervenções para as necessidades da família são importantes, impactando no melhor enfrentamento da mulher com relação ao câncer de mama. Conhecer, então, a dinâmica familiar e identificar aspectos de interação entre os membros da família, que ficam comprometidos com o surgimento da doença, e que prejudicam o ajustamento e a qualidade de vida das mulheres e de suas famílias 5 são etapas importantes na assistência integral em oncologia.
Em relação ao câncer de mama e face à exposição prévia, demonstra-se tamanho estresse frente ao diagnóstico, por parte da própria mulher enferma, como por sua família. As incertezas são muitas, a própria identidade feminina passa por questionamentos, tais como autoestima, imagem corporal e relacionamentos passam por transformações. A maioria das mulheres, entretanto, consegue se ajustar bem ao câncer de mama e tratamentos, em especial nos casos em que não há recorrência. As experiências desgastantes relacionadas ao câncer carecem de compreensão, incluindo o relacionamento desta mulher com a família, para que os impactos sociais aos filhos não se coloquem como transtornos adicionais.6 A compreensão da mulher e seu relacionamento com os filhos como rede de apoio, fazendo analogia ao ser e o outrem em Merleau- Ponty, configurar-se-á como adjuvante no cuidado em oncologia, que extrapola o ser biológico.
A investigação é realizada com o objetivo de refletir vivências de mulheres com câncer mamário, em relação ao impacto de sua doença na vida dos filhos.
Métodos
A reflexão em curso se baseia em revisão de literatura em base de dados por meio de descritores e assim, estudo da percepção da mulher com câncer de mama em relação ao sofrimento dos filhos, devido à sua enfermidade. A experiência dos autores também é relevante no estudo, embora de forma meramente reflexiva. Após a busca a seguir, com os descritores assinalados foi possível, assim, a seleção de seis estudos, incluindo a influência sobre as crianças do diagnóstico de câncer de mama materno e a vivência das mulheres com câncer de seio neste aspecto. Observa-se a lacuna neste conhecimento, tendo em vista que poucos estudos pertinentes se selecionam, o que justifica a presente reflexão. Indaga-se, por isso, o impacto sobre uma mulher com câncer de mama que assiste a seus filhos sofrendo em razão de sua doença. Dos 125 estudos resultantes da busca na Biblioteca Virtual em Saúde, MEDLINE, LILACS, BDENF, Index Psicologia, IBECS e LIS, apenas 6 textos tiveram alguma relação com o presente texto.
Abaixo, encontram-se os detalhes da busca: https://bvsalud.org/
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= 125 resultados distribuídos em: MEDLINE (92), LILACS (21), BDENF - Enfermagem (9), Index Psicologia - Periódicos técnico-científicos (2), IBECS (1), LIS - Localizador de Informação em Saúde (1)
Pesquisa | Portal Regional da BVS | (tw:(cancer de mama)) AND (tw:(filhos))
Detalhes da pesquisa: tw:((tw:(cancer de mama)) AND (tw:(filhos))) AND ( mj:("Neoplasias da Mama" OR "Adaptação Psicológica" OR "Mães" OR "Estresse Psicológico" OR "Família" OR "Emoções" OR "Relações Interpessoais") AND la:("en" OR "pt"))
Desenvolvimento
De acordo com os estudos encontrados, corrobora-se a presença de lacuna de conhecimento na temática. Observa-se que as crianças se põem sob risco de problemas psicossociais, quando do adoecimento materno por câncer de mama, em especial se esta mãe vem a sofrer com depressão ou passe por intercorrências clínicas maiores.7 A avaliação individual de cada criança, de acordo com grupos etários, a fim de se dispensar ajuda adequada, é relevante; porém, estudos com maiores amostras são necessários, a fim de se entender a percepção do filho em relação à doença materna.8 O estudo presente contempla, é bem verdade, a percepção materna em relação à criança. Entretanto, a percepção materna influenciará diretamente as vivências de uma criança.
O câncer de mama em mãe de família influenciará a saúde dos filhos, no que concerne à constituição da identidade,9 e depreende-se a relação da enfermidade na família interferindo em relações interpessoais, graduação, casamento. A mãe com câncer de mama pode se sentir incomodada, ao ver que o filho não teve êxito em sua vida profissional, ao se sentir inseguro com a possibilidade de a mãe falecer brevemente. O sonho de se casar e constituir família pode ser postergado, em razão da doença materna. Sendo assim, a percepção da mulher em relação à sua família e em especial, aos filhos se reveste de tanta importância. A mulher com câncer de mama está com sobrevida cada vez maior e necessita do suporte psicológico da equipe de saúde.10 A reflexão de sua percepção, de sua corporeidade após o câncer de mama, de sua relação com o outrem em Merleau- Ponty permitirá ao profissional de saúde dispensar um cuidado diferenciado.
Merleau-ponty e a fenomenologia da percepção
A fenomenologia é o estudo das essências e de todos os problemas; segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Husserl dava à fenomenologia iniciante de ser uma psicologia descritiva ou de “retornar às coisas mesmas” é antes de tudo uma desaprovação da ciência. Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão da segunda. A ciência não tem e não terá jamais o mesmo sentido de ser que o mundo percebido, pela simples razão de que ela é uma determinação ou uma explicação dele.11
Maurice Merleau-Ponty foi um dos principais filósofos franceses da Segunda Guerra Mundial. Tornou-se o mais jovem professor de filosofia em 1952 do Collège de France. Foi “fenomenólogo comprometido, procurando demonstrar que o empirismo e o racionalismo como tradicionais abordagens da filosofia são fundamentalmente falhos.” Apenas a percepção fenomenológica, argumenta Merleau-Ponty, pode fornecer meio de sondar e analisar a natureza da existência humana. A consciência é perceptiva e o mundo percebido é a base sempre presumida de toda a racionalidade, todo o valor e toda a existência. 11
A verdade não habita apenas o homem interior, ou mais precisamente, não há homem interior, o homem está no mundo e só no mundo que conhece a si mesmo. E o corpo não é simplesmente máquina manipulada pelo cérebro, nem a consciência apenas algo que se passa na cabeça. Em vez disso, é sentida no corpo vivido e através dele. Toda experiência se baseia em diálogo sujeito-objeto, havendo interdependência entre ambos.11
A vivência do câncer de mama: a corporiedade e o ser-no-mundo
O impacto do câncer de mama na mulher se estabelece numa linha de tempo, abrangendo diagnóstico, tratamento cirúrgico, quimioterapia e hormonioterapia. Tantos procedimentos do arsenal terapêutico do câncer de mama afetam a autoestima feminina, trazem medo, traumas para a vida destas mulheres e para seus entes queridos. No que tange à mastectomia (cirurgia de retirada de toda a glândula mamária), por exemplo, a mulher acaba por sentir a perda de parte de sua sensualidade, devido ao fato de a mama ser considerada culturalmente um dos principais símbolos inerentes à sexualidade feminina. Morbidades inerentes ao pós-operatório em mastologia, como a redução de amplitude do movimento do ombro homolateral à mama operada, a sensação de peso nos braços e as cirurgias de reconstrução da mama comprometem a qualidade de vida da mulher. Porém, percepções negativas da mulher de cunho subjetivo podem da mesma forma comprometer sua qualidade de vida.12
O câncer de mama, assim, é experiência amedrontadora para a maioria das mulheres. Despertando sentimentos de medo, raiva e negação, a doença pode levar a mulher a passar por situações que ameaçam sua integridade psicossocial. Incertezas quanto ao sucesso do tratamento e a possibilidade de recorrência dos sintomas e morte são questões recorrentes e que impactam a saúde mental da paciente. Entretanto, a maioria das mulheres enfrenta a doença com garra e determinação, apesar do medo da morte e da própria discriminação.
“A experiência do corpo está no final de uma cadeia de eventos fisiológicos”, segundo Merleau-Ponty. A mulher com câncer de mama acabará se submetendo a amputação parcial ou total da mama, podendo sofrer as resultantes dores neuropáticas da “mama fantasma”. A relação com a “mama fantasma” poderá depender da história pessoal da mulher com câncer, de suas recordações, emoções e vontades. A “mama fantasma” implica as sensações de dor, calor, frio na mama amputada, como se a mesma ainda existisse. O encontro do fisiológico e psicológico destoa nesta vertente das perspectivas do ser-no-mundo. “O corpo é o veículo do ser no mundo e ter um corpo, para um ser vivo, é se juntar ao meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles.”
A mulher com câncer de mama, ao se deparar com o mundo de costume e aí implica a sexualidade, a incapacidade de amamentar com a mama amputada, verá o que não mais é capaz de fazer. Analisando a corporiedade em Merleau-Ponty, depreende-se que no câncer de mama a mulher sabe de sua perda, enquanto a ignora. A mulher também ignora suas perdas, enquanto as conhece. As perdas podem não se restringir a mama, agora um fantasma. Sobrevêm outras perdas, fantasmas de outras conformações, o luto, a relação com o presente. Ela questiona o futuro, dado o estigma da morte inerente a sua situação e conflitos desta corporiedade podem alterar o funcionamento e os papéis dentro do seio familiar. Perceber o sofrimento dos familiares pode lhe aumentar o fardo. Sofrer com o sofrimento do outro pode até ser mais angustiante. Pois a consciência não estará no corpo vivido e sim, no de outrem. A consciência do outrem e, aí se incluem os filhos, destoa do corpo e consciência da mulher com câncer. Porque é a sua relação com o mundo que se inicia. A ansiedade, a raiva, a agressividade estarão velando também a relação de um ser enfermo com o outrem e o mundo vivido, sendo fundamental o entendimento da vivência da mulher com câncer em relação ao tratamento. A vivência em relação ao tratamento repercutirá nos elos familiares e na própria mulher, que por vezes se sente culpada por se ausentar da vida dos filhos, em função dos tratamentos oncológicos.
Os filhos e o câncer de mama: a mulher e o outrem em merleau-ponty
A família é o primeiro grupo a que pertence um ser humano. Em seu seio se mantém a saúde, com a produção e o desencadear da enfermidade, tendo lugar a cura e reabilitação, e até a morte.13 Por definição de família, tem-se também abordagem mais ampla: “ ...um grupo que se identifica como tal, composto por pessoas que, unidas por vínculos biológicos, afetivos ou por afinidade, tem senso de pertencimento, comprometem-se umas com as outras e compartilham valores, crenças, conhecimentos e práticas”.14
O encontro da mulher com câncer de mama e sua família é carregado de subjetividade e se faz com seres dotados de uma historicidade. Para Merleau-ponty, “os objetos estão dentro de mim, eles desenham em minha retina certa projeção deles mesmos e eu os percebo. A outra consciência só pode ser deduzida se as expressões emocionais de outrem e as minhas são comparadas e identificadas.” Sendo assim, torna-se fundamental refletir junto a mulher com câncer de mama, acerca de “suas perdas”, mutilações, conflitos, insegurança em relação ao futuro. O trabalho da equipe multidisciplinar com suas percepções, por mais que isto cause dor tanto à equipe de saúde, quanto à usuária, auxiliará a relação da portadora de câncer com o outrem. Segundo o filósofo, depreende-se que a não compreensão das emoções e objetos internos pode dificultar a relação com o outro; quiçá, a percepção e o enfrentamento dos filhos em relação ao câncer materno podem ser dificultados, em razão da falta de alinhamento e comparação de minhas emoções às de outrem.
A dificuldade de enfrentamento dos filhos em relação ao câncer mamário materno traz a esta muitos desajustes, angústia e ansiedade. Observa-se em muitos casos o câncer de mama emergir em mulheres de idade fértil: amiúde com filhos ainda infantes, ou adolescentes em tenra maturidade. E neste momento esta jovem mulher se pergunta; “Até quando vou viver?”; “Verei meus filhos crescerem?” ; “E o meu(s) filho(s)?”. O filho se angústia em todo este contexto, o que é vivenciado pela mulher com câncer de mama, impactando um sofrimento já evidente. Em relação aos filhos que vivenciam o câncer de mama materno, a aceitação pode não ser imediata. Podem ocorrer situações de depressão ou revolta com desajustes no campo social, em função de o filho negar o corpo atual da mãe, que é o corpo com neoplasia. Trata-se de luto antecipatório, que almeja o corpo habitual sem câncer e desdenha do corpo doente atual. Até haver a aceitação dos filhos, as vivências podem ser sofridas e a mulher com câncer de mama se percebe culpada por estar com câncer.
Existem famílias que se desestruturam tão somente em face ao câncer de mama ou talvez, este se some a estrutura familiar já fragilizada por outras questões. A mulher com câncer de mama e o outrem talvez nem entendam o que e o porquê sentem, sofrem. Daí, a relevância do profissional de saúde, seja enfermeiro, médico ou psicólogo, cada qual em sua historicidade pessoal ou profissional terá sua habilidade de diminuir o sofrimento da mulher com câncer de mama.
O profissional e, aqui se pode destacar o enfermeiro, poderá desvelar a culpa que se impõe. O enfermeiro, entre um cuidado e outro do curativo desta mulher com câncer, por exemplo, seja na retirada de um dreno, poderá argumentar que o impacto do câncer de mama nos filhos não faz da mulher uma culpada. Culpa em psicanálise é consequência de um erro que se sente. Não há erros, entretanto, nem mesmo regras para se agir em contextos de uma família enfrentando o câncer. A revolta pode sobrevir sem haver responsáveis. São vivências. São todas percepções. É a consciência num corpo mutilado. Por isso, tão relevante é o contato, o olhar no olho de um profissional mestre na arte de cuidar tal qual o enfermeiro. A experiência do corpo é campo criador de sentidos. E a percepção é acontecimento da corporeidade e em consequência, da existência.15
Em termos de saúde pública, na empreitada de auxiliar a família do paciente que padece com o câncer, brilhante será a atuação do enfermeiro. Contribuirá com seu olhar sensível, para que menos adultos futuros venham a sofrer com transtornos mentais, o que repercutirá na saúde da mulher. A criança, cuja mãe tem câncer, tem no estresse um companheiro diário. Se inadequadamente acompanhada, será um adulto ansioso, com possíveis transtornos da afetividade, ou por abuso de substâncias psicoativas por exemplo. São estes relatos que algumas mães com câncer de mama podem fazer acerca da saúde mental de seus filhos. Reflete-se, então, acerca da ação fundamental do enfermeiro, com o propósito de amenizar o sofrimento da alma infantil com impacto em seu desenvolvimento psicológico. Na mesma proporção, atuará em saúde coletiva, reduzindo futuramente a prevalência de transtornos mentais, que em muito impactam em morbidade, qualidade de vida e desempenho socioeconômico do adulto de amanhã.
Conclusões
Dada a exposição acima, o câncer de mama pode alterar o papel social do sujeito enfermo e a dinâmica de sua família. A presença da família durante o enfrentamento do câncer é de suma importância, devido a todas as redes de apoio que pode prover à paciente. O diagnóstico do câncer será vivenciado, de acordo com o significado que a pessoa enferma e seus familiares atribuem-no, a partir de experiências anteriores de perdas. Medos, angústias e fantasias permeiam a vivência da doença e influenciarão o modo particular como a família enfrentará o tratamento.
O suporte psico- oncológico pode melhorar a adaptação de uma criança ao câncer materno e o desenvolvimento de sua personalidade. O conhecimento das percepções de cada sujeito, assumindo centralidade aquelas da mulher com câncer, é fundamental para que a equipe multidisciplinar em saúde possa oferecer suporte adequado ao familiar, ao infante e à cliente com câncer de mama. A noção de que existem fenômenos, que se escondem em transtornos de ansiedade e conflitos familiares, advindos do câncer como uma questão, parece essencial na integralidade da atenção em saúde.
A ansiedade desta mulher e toda sua família pode ser resultado da corporeidade que se modifica, em decorrência dos tratamentos. A consciência junto ao corpo mutilado é vivência peculiar à mulher no enfrentamento da terapêutica para o câncer de mama. É sensação singular, sendo, porém, o relato da mulher com câncer de mama, em termos de ansiedade e culpa, quando de danos sociais nos filhos deste contexto advindos. Compreender as vivências da mulher com câncer de mama é forma de ajudá-la a suportar o sofrimento. É forma de proporcionar um suporte para a família, de onde possivelmente virá seu apoio. Sendo assim, o adoecimento psicológico e seus desdobramentos sociais, tanto por parte da enferma como de seus filhos, seria menor. A compreensão dos fenômenos, conforme Merleau-Ponty, pode ser ferramenta para seguir a mulher com câncer de mama e seus filhos.