Introdução
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma das principais causas de mortes e incapacidades no mundo.1 A prevalência de AVC aumenta com a idade.2 De acordo com investigação realizada no Brasil, acomete 15,3 % da população com 60 anos ou mais.3
O AVC é definido como a interrupção do transporte de oxigênio e nutrientes para o cérebro, ocasionando déficit neurológico.4 Cerca de 25 a 35 % dos sobreviventes tornam-se incapacitados3 dependendo de cuidados de outras pessoas.
Comumente, nos países em desenvolvimento, a família assume o cuidado do idoso no domicílio, tendo pouco conhecimento acerca da doença e capacidades para realizar as atividades de cuidado. Esse despreparo, somado à dependência funcional e cognitiva do indivíduo, interfere negativamente na qualidade de vida do cuidador.5
Estudos nacionais e internacionais abordam a percepção de ser cuidador de idoso e as necessidades enfrentadas ao cuidá-lo em situação de dependência.6,7 No entanto, poucos estudos analisam essas questões no que tange ao idoso após AVC.8,9
Além disso, no Brasil, a transição do cuidado, o preparo para a alta hospitalar e o acompanhamento após alta de forma sistemática ainda são processos de trabalho em estruturação. Neste contexto, a enfermagem exerce papel fundamental no preparo à alta hospitalar e retorno à comunidade, na medida em que auxilia e orienta o cuidador no desempenho das atividades de cuidado no domicílio.
Diante disso, evidencia-se a necessidade de investigar as experiências da família na tarefa de cuidar, visando contribuir na formulação de estratégias dos serviços de saúde para apoiar esses cuidadores e reduzir as reinternações. Este estudo contribui para a organização das Redes de Atenção à Saúde por meio da articulação da rede hospitalar e a Atenção Primária em Saúde, com vistas à integralidade do cuidado ao idoso, cuidador e família no domicílio. Traz subsídios para a gestão do cuidado junto à Linha de Cuidado em AVC, na medida em que possibilita ordenar as ações e os fluxos desta na rede entre os diversos elementos de atenção de diferentes configurações tecnológicas. Desta maneira, o estudo tem como objetivo conhecer as vivências e desafios enfrentados por cuidadores familiares de idosos dependentes de cuidados após AVC, sobre as atividades de cuidado realizadas no domicílio.
Métodos
Estudo qualitativo descritivo, realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre/RS. Este é um hospital geral, público, com 784 leitos, sendo referência para atendimento de pacientes com AVC. Os participantes foram cuidadores familiares de idosos dependentes de cuidados após AVC, selecionados por conveniência, captados por meio de lista de pacientes em acompanhamento na Linha de Cuidado do AVC e no Programa de Atenção Domiciliar (PAD) do hospital. O PAD faz parte do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) articulado a rede de Atenção à Saúde que realiza o acompanhamento domiciliar de usuários que, após a alta hospitalar, necessitam de cuidados especializados. Este serviço tem por objetivo realizar a transição do cuidado entre os serviços da rede de atenção, promover um cuidado integral e contínuo no domicílio preparando o cuidador familiar para a realização dos cuidados domiciliares, e integrando os profissionais dos serviços entre os diferentes elementos da rede, além de reduzir o tempo de internação hospitalar.10
Após a captação, foi realizado contato telefônico com os cuidadores, iniciando com os pacientes que tiveram AVC mais recentemente em relação à data da captação, estendendo-se até um ano. Os critérios de inclusão foram: possuir idade mínima de 18 anos e ser cuidador de um familiar com 60 anos ou mais de idade com sequela funcional após AVC (que no momento da alta tinham pontuação de 3 a 5 na Escala Modificada de Ranking - mRanking). A escala mRankin permite a avaliação funcional de pacientes com AVC e a pontuação varia de zero a 6, onde zero significa assintomático (regressão de sintomas) e 6 óbito.11) Foram excluídos os cuidadores de idoso residentes em Instituição de Longa Permanência e os que não foram localizados por telefone em três tentativas em dias e turnos diferentes.
Para a coleta de dados, foi utilizada a técnica de grupo focal com moderação não diretiva, em que a primeira autora atuou como moderadora e a segunda autora como observadora, ambas possuíam conhecimento sobre a técnica de grupo focal. Foi proposto grupo focal constituído de quatro a oito participantes. Prevendo-se perdas, planejou-se obter a confirmação de participação de 12 cuidadores. Para tanto, foram contatados 25 cuidadores. Destes, quatro foram excluídos, 12 aceitaram participar do estudo, e cinco compareceram aos encontros. Os cuidadores que não compareceram justificaram a ausência por não terem com quem deixar o idoso durante os encontros.
Os encontros aconteceram em uma sala do hospital, livre de interrupções e interferências sonoras. Ainda, foi oferecido aos participantes lanche e refresco, proporcionando uma atmosfera relaxada, estimulando a participação e interação entre os cuidadores. Antes de iniciar o primeiro encontro, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e foram pactuadas algumas combinações para o bom desenvolvimento dos encontros. Após, os participantes preencheram um questionário referente à sua condição sociodemográfica (idade, escolaridade, situação conjugal e ocupação), e sua situação como cuidador (parentesco, se residia com o idoso, há quanto tempo cuida do familiar, horas semanais de cuidado, auxílio de outra pessoa nos cuidados com o familiar).
Realizaram-se três encontros, com duração de uma hora e trinta minutos cada, em abril de 2018, numa sala do hospital. As discussões foram guiadas por duas questões: “Como foi para você tornar-se cuidador de um idoso com AVC?” e “Quais as dificuldades e as dúvidas que surgiram ao cuidar do seu familiar com AVC?”. No último encontro, foi realizada avaliação do grupo focal pelos participantes e decisão de encerramento dos encontros. As discussões foram gravadas, com autorização dos participantes, e transcritas na íntegra. Os participantes foram identificados como C1, C2, C3, C4 e C5. A análise das informações foi feita por duas pessoas, de forma independente, e cruzada no final, baseando-se na análise temática. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição (nº 18007).
Resultados
Caracterização dos participantes
Entre os participantes quatro eram mulheres, havia três casados, com idade entre 51 e 78 anos e escolaridade de 2 a 15 anos de estudo. Quanto à ocupação, três eram empregados; um, aposentado; e um, do lar. Três participantes eram filhos(as) do idoso, e todos residiam com o mesmo. O tempo despendido no cuidado do familiar foi de 168 horas semanais, aproximadamente. Todos contavam com auxílio de outra pessoa no cuidado. A idade do idoso foi de 71 a 85 anos. Após a análise das discussões, emergiram quatro categorias: Tornar-se cuidador de um familiar após AVC; Dificuldades vivenciadas; Despreparo para lidar com o familiar dependente; e Estratégias de enfrentamento.
Tornar-se cuidador de um familiar após AVC
Tornar-se cuidador de um idoso que sofreu AVC abrange responsabilidade, algo repentino, empatia e convívio social prejudicado. Evidenciou-se que o cuidado era encarado como uma missão que faz parte do ciclo de vida, uma responsabilidade adquirida em função da dependência do familiar:
“Temos que ir levando, não adianta, faz parte da vida. Não adianta a gente querer se revoltar”. (C5)
“Ela depende da gente, né. E, se não for a gente, quem vai cuidar, né?” (C4)
Todos os participantes expressaram que, ao se tornarem cuidadores, os sentimentos acometidos eram de impacto, temor e incerteza pela nova situação:
“Um susto, posso te dizer assim, né, um choque. De uma hora pra outra, tu tem uma vida toda estruturada de um jeito e aí... vira tudo.” (C1)
“Aí tu chega em casa: Tá, mas como é que eu vou fazer isso? Como é que eu vou trazer ele pra casa nessas condições?” (C4)
Ainda, o impacto que o AVC causa, tornando o indivíduo dependente para a realização das suas atividades, faz com que os cuidadores tenham empatia pelo familiar:
“Eu acho que a primeira coisa pra ti conseguir lidar, tu tem que conseguir te colocar no lugar do outro, né. (...)” (C1)
Outro destaque diz respeito ao convívio social prejudicado como consequência do cuidar do outro, além da dificuldade em cuidar de si:
“Teve um dia eu voltei pra casa e ela disse que deu vontade de fazer xixi e levantou e tava caída, daí eu tive que chamar o SAMU (...) aí eu acabei largando a natação naquele ano (...)” (C1)
“Aí eu vou sair e ela: ‘Tu vai deixar a mãe sozinha?’.” (C2)
“E a gente vai indo, a gente se anula.” (C4)
Dificuldades vivenciadas
As dificuldades enfrentadas pelos cuidadores englobam: problemas financeiros, demora para acesso a materiais fornecidos pelo Estado, complexidade no acesso e qualidade dos serviços, e apoio informal e formal insuficientes. Dentre os relatos, destacaram-se os problemas financeiros, decorrentes do alto custo para adquirir materiais necessários para o cuidado, e deslocamento do idoso, bem como com profissionais que o atendam:
“Aí tu tem que tirar recurso não sei de onde pra pagar uma fisioterapeuta, que, se não tivesse sido pago, ela não teria conseguido controlar o esfíncter (...) E ainda colocando gente para cuidar de noite e eu cuidando durante o dia, e mais pagar fonoaudióloga..., e não tinha dinheiro que chegasse.” (C1)
“É complicado… Porque não é uma coisa barata. É quase trinta reais um litro de dieta.” (C4)
“Só de fralda ela gasta um pacote e meio por dia, uma base de dez ou doze fraldas né, e o que sobra no fim do mês?” (C2)
A dificuldade no acesso ao material dispensado pelo governo também foi mencionada:
“E isso tudo eu tô custeando desde que ele saiu do hospital, porque até agora eu não consegui pegar pelo Estado.” (C4)
Quanto à dificuldade de acesso à rede de serviços, os participantes referiram sobre a limitação física do paciente, que impossibilita a utilização dos recursos disponíveis:
“Como é que eu vou carregar uma pessoa que não senta, que não se mexe praticamente nada até lá, pra fazer fisioterapia?” (C1)
Alguns cuidadores destacaram a ausência de apoio formal e informal:
“Às vezes eu fico até pensando: Ai, tomara que venha alguém aqui visitar (...). Na hora que tu precisa de alguém ali, sabe, pra buscar uma coisa, dar um apoio, né?” (C3)
“Mas só que os meus irmãos não ajudavam. Tinha que sair todo dia do serviço pra olhar ela, daí eu peguei ela e levei pra minha casa.” (C2)
“Eu senti muita falta disso, assim de ser abraçada naquele momento junto com ela, de ser orientada no que eu deveria fazer. Eu tive que descobrir como é que as coisas iriam funcionar melhor.” (C1)
Além da insuficiência de apoio formal, dois cuidadores citaram a dificuldade dos profissionais em considerar o conhecimento e experiências do cuidador:
“Eu fui, chamei a enfermeira do posto e disse pra ela: Olha, se puder, essa mangueira da minha esposa tá com problema. Ela disse: ‘Não, tem que esperar romper pra trocar.’. Mas como é que vai esperar romper?!” (C5)
“Eu cheguei na emergência com ela, e o médico disse assim: ‘Aplica uma injeção de Fenergan.’ - pro técnico. Eu disse para ele: Não aplica, por favor, que ela é alérgica ao Fenergan.’, e o médico disse: ‘A senhora por favor se retire, que o médico aqui sou eu!’.” (C1)
Despreparo para lidar com o familiar dependente
Identificou-se que o despreparo no cuidado ao familiar dependente envolve inaptidão para realizar cuidados diários, para enfrentar situações de urgência, para lidar com os sentimentos gerados com a situação, além do aprendizado adquirido a partir de suas vivências. Entende-se o despreparo como uma dificuldade enfrentada pelos cuidadores, mas, considerando a quantidade e intensidade das falas quanto a este ponto, optou-se por manter em uma categoria à parte. Destaca-se o relato sobre o pouco tempo, durante a hospitalização, para se preparar para realizar as atividades de cuidado no domicílio:
“(...)um técnico de enfermagem não sonda um paciente, só a enfermeira. Aí eu tenho que em duas horas fazer um curso e levar minha mãe pra casa e sondar ela (...)” (C1)
As complicações de saúde do idoso, bem como situações inesperadas e de urgência, também demonstram o despreparo do cuidador:
“Nunca tinha visto [epilepsia]. Puxei a língua pra fora, né. Dizem que nem precisa fazer isso, né? Eu fiz, eu não sabia, ela tava se engasgando.” (C2)
“Como teve uma vez que teve alguma coisa no nariz que escapou (...) Eu não sabia como agir com aquela sonda, o que fazer.” (C3)
A falta de habilidade para realizar as atividades de cuidado gera sentimento de insegurança e temor:
“Tu tá sempre com medo de fazer alguma coisa errada, porque é uma coisa que tu não tem prática, não é o teu dia a dia.” (C4)
“Aquela sonda que apavora a gente, né. Daí, quando chegou com aquilo, assim, meu irmão nem chegava perto.” (C2)
A experiência como cuidador, muitas vezes, acontece através do aprendizado adquirido na prática diária, por meio de tentativa e erro:
“A vida faz a gente aprender. Claro que nos primeiros dias a gente apanha um pouco mais, e depois já vai pegando um pouco mais o jeito, né (...)” (C4)
“Tu vai aprendendo as coisas com o dia a dia, né.” (C1)
Estratégias de enfrentamento
As estratégias de enfrentamento da situação envolvem a estruturação do domicílio, a reorganização pessoal, e contar com o apoio informal e o apoio formal. Esta categoria evidencia um processo de transição do cuidador, de um indivíduo impactado pela situação a um indivíduo confrontando as dificuldades e aprendendo no cotidiano do cuidado, trazendo mudanças na forma de ele se compreender como pessoa.
Evidenciou-se a necessidade de adaptar-se à nova realidade, reestruturando o domicílio e adquirindo equipamentos para cuidar do familiar que sofreu AVC:
“Adapta apartamento, adapta banheiro, monta um mini-hospital dentro de casa, porque daí tem que ter cama hospitalar, cadeira de banho, cadeira de rodas (...)” (C4)
Uma cuidadora referiu-se ao trabalho como uma forma de suporte emocional. Outras cuidadoras relataram que receberam apoio informal, que foi fundamental no processo de adaptação:
“Por isso eu não parei de trabalhar, porque eu acho que o trabalho, no meu caso, é a maneira que eu consigo auxiliar ele melhor, não só pela parte financeira, mas até pela parte emocional (...)” (C4)
“Foi uma amiga minha que tinha cuidado da sogra ou da mãe dela, que aí ela foi lá me ensinar como é que se dava banho.” (C1)
O apoio formal mostrou-se importante no enfrentamento das dificuldades encontradas no cuidado diário:
“Fazíamos força pra carregar ela, não sabia que tinha jeito, né. Depois o PAD [Programa de Atenção Domiciliar] ensinou.” (C2)
“(...) foi o fisioterapeuta que me ensinou tudo. A tirar ela da cama pra botar na cadeira, pra levar no banheiro.” (C1)
Discussão
O perfil dos cuidadores assemelha-se com outras investigações brasileiras e internacionais de abordagem quantitativa com cuidadores familiares de idosos.5,12,13 Identificou-se que os cuidadores despendiam grande quantidade de horas semanais no cuidado do familiar, e que as horas de descanso eram contabilizadas como prestação de cuidado, evidenciando a vigilância constante ao familiar. Ainda, todos recebiam auxílio de outra pessoa, sugerindo que este apoio se dava de forma incipiente. Assumir a responsabilidade de cuidar, sem apoio de outras pessoas, ou com auxílio insuficiente, pode favorecer o aparecimento e/ou aumento da sobrecarga do cuidador familiar.14 Nesse sentido, o enfermeiro pode estimular o autocuidado do cuidador familiar, para que este mantenha sua saúde preservada e consiga prestar um cuidado adequado às necessidades do idoso.
Tornar-se cuidador de uma pessoa dependente repentinamente, como é o caso do AVC, exige habilidades imediatas do cuidador familiar15, visto que este cuidador não possuía conhecimento e habilidades na realização das atividades de cuidado, necessitando desenvolvê-las imediatamente a partir do momento em que o seu familiar torna-se dependente. Os participantes deste estudo demonstraram sentimento de incerteza diante da nova realidade, necessitando reorganizar-se às demandas de cuidado do familiar. Corroborando com investigação quantitativa realizada na Filadélfia, que verificou que os cuidadores de idosos que sofreram o primeiro AVC enfrentaram altos níveis de incerteza logo após o AVC, e que isto não se alterou um mês após a primeira avaliação.16
Em relação à empatia do cuidador pelo familiar, os relatos assemelham-se à investigação qualitativa desenvolvida em Sri Lanka. Os cuidadores eram afetuosos e realizavam essa tarefa com empatia, apesar das dificuldades que envolvem o cuidado a um sobrevivente de AVC.17 A empatia pelo familiar pode se dar, também, pelo tempo de convivência com o mesmo, e pode ser influenciada pelo contexto cultural. No entanto, apesar de importante, apenas a empatia do cuidador pelo familiar não repercute na prestação de um cuidado qualificado. É necessário que o mesmo possua habilidades para desempenhar o cuidado de maneira adequada.
Quanto ao lazer e ao autocuidado, os cuidadores relataram dificuldade pela demanda de cuidado, além da preocupação constante com o idoso. Investigação brasileira qualitativa, com cuidadores de indivíduos dependentes, identificou que as necessidades de cuidado e a vigilância constante ao familiar são fatores que prejudicam o autocuidado do cuidador e proporcionam o aparecimento de sobrecarga.18 A falta de tempo para cuidar de si e da saúde também foi identificada em outro estudo brasileiro com cuidadores familiares de idosos dependentes,7 e em estudo internacional com cuidadores familiares de sobreviventes de AVC,17 em que os mesmos reservavam tempo para si apenas quando algum agravo já estava estabelecido.
Estudo brasileiro com cuidadores de sobreviventes de AVC verificou que estes apresentaram pior qualidade de vida, quando comparados a outros estudos com cuidadores de indivíduos que não tiveram AVC.5 Os autores afirmam que o impacto negativo causado pelo AVC, na vida do indivíduo dependente e de seu cuidador familiar, pode estar relacionado ao comprometimento funcional e cognitivo após o AVC. Diante disso, quando o enfermeiro auxilia o cuidador familiar a adquirir conhecimentos sobre a patologia e habilidades na realização dos cuidados no domicílio, pode contribuir na melhora da qualidade de vida do idoso e do cuidador.
Dentre as dificuldades enfrentadas, a sobrecarga financeira foi frequentemente sinalizada, devido à aquisição de materiais e à contratação de profissionais para continuar o tratamento no domicílio. Ainda, pode ocorrer diminuição do provimento de recursos financeiros, visto que muitos cuidadores param de trabalhar em consequência da demanda de cuidado contínuos. A limitação financeira, como fator que dificulta a prestação de cuidado ao familiar sobrevivente de AVC, é concordante com a evidência internacional.17
No que tange ao acesso à rede de serviços, os relatos desta investigação corroboram com estudo indiano, com sobreviventes de AVC e seus cuidadores familiares, identificando a insuficiência de serviços de reabilitação para sobreviventes de AVC.19 Em contrapartida, pesquisa quantitativa, realizada com cuidadores familiares de idosos dependentes brasileiros, identificou que 96 % dos participantes se sentiram acolhidos por serviços de Atenção Primária à Saúde;8 entretanto, esse estudo não se concentrou em cuidadores de idosos após AVC, os quais apresentam necessidades de cuidado profissional, provavelmente, mais frequentes que idosos dependentes de forma geral.
No presente estudo, os participantes contavam com apoio dos serviços ambulatorial ou de atenção domiciliar disponibilizados pelo hospital. No ambulatorial, o sobrevivente de AVC deve se locomover até o serviço de saúde, o que pode interferir negativamente na percepção de acesso aos serviços. Ainda, a transição do cuidado, poderia influenciar positivamente na percepção dos cuidadores quanto ao acesso aos serviços de saúde, promovendo o acompanhamento da Atenção Primária à Saúde após a alta hospitalar.
Alguns cuidadores relataram a importância de contar com o apoio informal e outros salientaram a falta deste apoio. Esse achado corrobora com os resultados de estudo onde os pesquisadores constataram sobrecarga emocional nos cuidadores, concebida por cobrança, desconfiança e julgamentos dos outros membros da família, além de escassez de apoio financeiro para realização dos cuidados.18 Entretanto, identificou-se que o apoio físico, emocional ou financeiro, fornecido por outros familiares ou pessoas significativas da família, proporciona estímulo fundamental ao autocuidado.18 Ademais, os familiares que não fornecem apoio também devem ser alvo da atuação dos profissionais da saúde, engajando-os nas atividades de cuidado.
Alguns cuidadores contavam com o auxílio de profissionais de saúde e outros salientaram a falta deste apoio. Do mesmo modo, em investigação qualitativa sobre a percepção do cuidador familiar de idosos dependentes sobre o papel do profissional de saúde em suas atividades, a maioria dos participantes relatou não possuir informações suficientes para desempenhar o cuidado de forma adequada.20
Além da insuficiência de apoio formal, destaca-se a dificuldade do profissional em considerar o conhecimento e experiências do cuidador. Este, por conviver com o familiar, conhece seu comportamento e suas reações diante das situações. Assim, o conhecimento empírico do familiar deve ser valorizado perante as decisões no tratamento. Ainda, faz-se importante que os profissionais tenham empatia com o cuidador e compreendam os sentimentos que envolvem a dedicação ao familiar dependente.
Quanto ao despreparo para lidar com o idoso após AVC, percebeu-se o pouco tempo que a equipe de saúde destina ao preparo do cuidador familiar. Estudos sobre transição do cuidado e preparo para alta hospitalar demonstraram a importância desta ação e identificaram melhora nas atividades de vida diária e diminuição da mortalidade,21 além de diminuição das taxas de readmissão em serviços de saúde.22
O cuidador, quando não orientado por equipe de saúde, procura sozinho por alternativas que facilitem o desempenho das atividades de cuidado. A fala dos participantes reitera que o cuidado, muitas vezes, se dá no dia a dia, num processo de tentativa e erro. Diante disso, o enfermeiro pode desenvolver intervenções, preparando o cuidador familiar na aquisição de habilidades para desempenhar os cuidados ao idoso de forma segura e com maior facilidade, apoiando-o nestas mudanças.
Quanto à necessidade de reestruturação do domicílio, estudo qualitativo com cuidadores familiares de idosos dependentes após AVC também identificou a indispensabilidade de adaptação do ambiente domiciliar, proporcionando conforto e comodidade ao idoso, em vista das limitações ocasionadas pela doença.8
Dentre as estratégias para lidar com a situação, uma das cuidadoras considerou que trabalhar fora de casa era uma maneira de suporte emocional. De modo diverso, estudo quantitativo com cuidadores familiares de idosos em geral descreve que assumir os cuidados a um familiar e trabalhar fora de casa repercute em maior limitação de tempo livre, prejudicando o cuidado a si.23 Acredita-se que esta atitude em relação ao trabalho varia de indivíduo para indivíduo, e o enfermeiro pode apoiar o cuidador na busca por estratégias para lidar com a situação.
A maioria dos achados deste estudo assemelha-se com outros estudos internacionais com cuidadores familiares de sobreviventes de AVC e com estudos brasileiros com cuidadores de idosos dependentes em geral. A presente investigação mostra nuances e aspectos que não foram identificados em outros estudos com essas populações: o trabalho como suporte emocional e a dificuldade do profissional em considerar o conhecimento e experiências do cuidador.
Este estudo apresenta avaliação de uma pequena amostra intencional com características de uma determinada região do Brasil, impedindo a generalização dos achados. Ainda, os participantes integravam um programa específico no atendimento ao AVC, o que não é a realidade de toda população. Sugere-se que novos estudos sejam realizados em diferentes contextos de serviços de saúde do país.
Em conclusão, a técnica grupo focal permitiu abordar diferentes aspectos que envolvem tornar-se cuidador de um familiar com AVC, favorecendo a compreensão das experiências de vida dos cuidadores. Ainda, promoveu reflexão quanto aos aspectos abordados e apoio mútuo, bem como a busca por estratégias de enfrentamento.
Apesar de a temática ser estudada no contexto brasileiro com cuidadores de pessoas dependentes, entende-se que o estudo contribuirá para compreender o fenômeno em uma área específica, como os idosos vítimas de AVC. Os achados podem ser utilizados para direcionar a prática de profissionais de saúde que atuam na atenção ao idoso com AVC e seu cuidador, bem como por gestores de serviços de saúde na elaboração de estratégias a esta população. Fornecem suporte ao enfermeiro para realizar intervenções educativas, visando garantir uma transição do cuidado segura e reduzir a sobrecarga de cuidado.