Introdução
A segurança do paciente tem sido uma temática debatida com grande repercussão mundial, causando reflexão por parte dos gestores, profissionais e usuários de instituições de saúde sobre o aumento da demanda assistencial nessas organizações e à magnitude da ocorrência de eventos adversos. Diante desta situação, as iniciativas para a promoção da segurança e da melhoria da qualidade na assistência à saúde têm aumentado.1,2
Em busca de melhorias para a segurança do paciente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou metas internacionais para aperfeiçoar a qualidade do cuidado proporcionando a segurança do paciente. Dentre estas, destaca-se a identificação correta dos pacientes.3
A identificação do paciente tem duplo propósito: primeiro, determinar com segurança o indivíduo como sendo o legítimo receptor do tratamento ou procedimento; segundo, assegurar que o procedimento a ser executado é efetivamente aquele que o paciente necessita.4
Autores apontam que o erro de identificação do paciente interfere nos cuidados de saúde de modo negativo, uma vez que potencializa a ocorrência de mortes desnecessárias, sofrimento, sequelas, diminuição da confiança do paciente/usuário no sistema de saúde e até mesmo a negligência.5,6
Ademais, estudos reforçam que falhas na identificação do paciente são a causa raiz de inúmeros erros, oriundos das falhas de comunicação ou dos sistemas de segurança, identificação ambígua, sendo alguns destes: ausência e inacessibilidade de pulseiras de identificação; homônimos e parônimos; rotatividade de leitos; entre outros.7,8
O uso da pulseira de identificação é apontado por vários autores como método eficiente de identificação do paciente e o mais recomendado por sua praticidade e aceitação por parte dos pacientes.5,6,7,8
A padronização da pulseira tem se mostrado ferramenta eficiente para assegurar a queda do número de eventos adversos derivados da assistência.8 Para isso, a criação de protocolos bem como ações de educação e sensibilização dos profissionais são importantes e necessárias para a adesão ao seu uso.9 Além disso, a sua verificação antes da realização de qualquer procedimento, independente do tempo de internamento do paciente e da sua condição clínica também é recomendada.10 No entanto, existem inúmeros desafios quanto a mudança de comportamento dos profissionais no que tange a pulseira de identificações de pacientes no decorrer da assistência prestada,3 justificando a realização do presente estudo.
Nesse sentido, o estudo é relevante, pois contribui com as discussões/reflexões acerca da identificação do paciente, o que pode colaborar com o fomento de estratégias que anteparem as fragilidades identificadas e fortaleçam a segurança do paciente.
Assim, o estudo teve como objetivo avaliar a conformidade de utilização de protocolo de identificação de pacientes em um hospital de doenças infectocontagiosas.
Métodos
Pesquisa de abordagem quantitativa, descritiva, com coleta prospectiva dos dados, realizada nas unidades de internação de um hospital referência de doenças infectocontagiosas no Nordeste do Brasil, entre outubro de 2017 e abril de 2018.
A população foi composta por 1920 pessoas internadas e a amostra correspondeu a 680 oportunidades de avaliação do protocolo de identificação, considerando para o cálculo, a significância de 5 % (z = 1,96, p = 0,50 e m = 5 %). O processo de seleção foi realizado, conforme a amostragem probabilística aleatória sistemática, com base no número total de leitos das unidades de internação. Adotou-se como critério de inclusão os pacientes com idade acima de 18 anos e admitidos no período de coleta de dados. Como critérios de exclusão foram selecionados os pacientes com problemas cognitivos avaliados mediante o teste mini mental.
Os dados foram coletados por meio de um formulário, validado por consenso, com cinco Enfermeiros Doutores, que atuam na instituição há mais de 10 anos, onde o estudo foi realizado. As variáveis do estudo foram: 1) presença de pulseira, plástica e na cor branca impressa ou manuscrita/etiqueta; 2) componentes de identificação do paciente: nome completo e correto, número de registro hospitalar e o código de barras; 3) condições da pulseira: legibilidade dos identificadores (letra de tamanho adequado à leitura, ausência de falhas na impressão, de rasuras, de sujidade ou secreções e material de confecção) e condições de uso (isento de rasgo, corte, dobradura ou problema no fecho/adesivo e tamanho adequado) seguindo o protocolo interno do local de pesquisa.
O protocolo de identificação do paciente na instituição cenário do estudo é composto por três etapas: a presença de pulseira; os componentes de identificação (a presença do nome completo do paciente na pulseira, o número de internação no código de barras); e as condições da pulseira (nome legível na pulseira, confecção correta da pulseira - uso de etiqueta e pulseira plástica adequada para o tamanho do paciente). Para os pacientes que apresentam edema nos membros superiores e/ou inferiores ou com alergia ao material da pulseira, estas são fixadas no leito. Destaca-se que esse protocolo também foi validado pelos cinco Enfermeiros descritos acima. Para tanto realizou-se três grupos focais, ocorrendo o consenso no terceiro encontro.
Todas as etapas de identificação do paciente são realizadas pela equipe de enfermagem, assim como a checagem das pulseiras, diariamente, e em todos os plantões. Cabe ainda à equipe realizar a troca e/ou substituição dessas pulseiras sempre que estiverem fora do protocolo descrito acima.
Ressalta-se que os identificadores preconizados foram comparados aos registrados no prontuário ou no censo hospitalar. Neste estudo, a conformidade foi definida, como o atendimento aos requisitos determinados no protocolo institucional frente aos itens avaliados e a não conformidade, seu contrário.
Os dados obtidos foram organizados em planilha eletrônica e analisados com base na estatística descritiva e inferencial, empregando-se o teste do Qui-quadrado para a comparação dos índices de conformidade com o nível de significância de 5 % (p-valor < 0,05). O intervalo de confiança adotado foi de 95 %. Os índices de conformidade dos protocolos estabelecidos pelos autores foram de 90 % na conformidade geral e nas três etapas do protocolo: presença de pulseira, componentes de identificação e condições da pulseira.
Também se calculou a estimativa de risco por meio da ferramenta Failure Mode and Effect Analysis - FMEA (Análise dos Modos ou Efeitos das Falhas), mediante sua gravidade, respeitando as seguintes situações: 1. ligeiramente clínico/não clínico; 2. grave clínico/não clínico; 3. muito grave clínico/não clínico e 4. morte/extrema multiplicado pela probabilidade (1. muito improvável; 2. improvável; 3. provável e 4. Muito provável). Isso significa que se se multiplicar a gravidade pela probabilidade, ter-se-á um valor final sinalizando que quanto maior o valor maior será a chance de o evento ocorrer. O nível máximo possível, na estimativa acima descrita, corresponde ao valor 16.11
A FMEA é um método analítico e proativo para identificar e documentar sistematicamente as falhas potenciais ou possíveis problemas de maneira a eliminá-las ou reduzir sua ocorrência, que talvez não tenham sido previstos no delinear de dado processo. O FMEA permite diagnosticar problemas, desenvolver e executar projetos, processos ou serviços considerando em cada etapa, as vantagens e desvantagens pautadas na relação custo/benefício, e na medida em que é utilizada por uma equipe de profissionais, adquire maior eficácia na identificação e prevenção das possíveis falhas.11
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte com C.A.A.E. nº 1.293.741.844.
Resultados
Durante o período de estudo, foram observadas 680 oportunidades envolvendo o protocolo de identificação do paciente. Pode-se observar que a identificação dos pacientes nas unidades de internação obteve percentual de conformidade geral de 88,88 %. A seguir encontram-se as conformidades e não conformidades envolvendo as três fases do protocolo de identificação do paciente.
Na Tabela 1, evidenciou-se que, das três variáveis do protocolo de identificação do paciente, o maior percentual de conformidade concentrou-se na primeira etapa, registrando 658 (94 %) e o menor percentual encontrado foi de 557 (82 %), correspondendo às condições das pulseiras de identificação. Vale ressaltar que a variável condições das pulseiras de identificação não apresentou índice de conformidade com o protocolo estabelecido, pois foi inferior a 90 %.
Os dados encontrados na Tabela 1 demonstraram que, após cálculo entre gravidade e probabilidade para ocorrer falha nesse evento, a ausência de uma pulseira de identificação foi estimada com um risco de 6 numa escala de 0 a 16, enquanto que a legibilidade da pulseira foi estimada, em risco 4 e ausência do nome completo do paciente na pulseira ou do número de internação no código de barras foi estimada, em risco 11.
O quadro 1 apresenta a distribuição das estimativas de risco do processo verificado. As análises propiciaram a identificação dos riscos, as probabilidades ou falhas potenciais antes da ocorrência de erro e as estimativas de risco, o que aponta para sugestões de medidas corretivas e melhorias que visam a prevenir e eliminar as falhas e assim, proporcionar segurança e qualidade.
Discussão
A identificação correta na assistência representa uma das ações de absoluta prioridade para que os serviços em saúde possam direcionar as condutas relacionadas a segurança do paciente. Diante disso, é recomendando que todas as organizações de cuidado à saúde utilizem-se de sistemas ou protocolos que visem a garantia da identificação apropriada, da mesma forma que busque garantir aptidão a toda equipe em utilizá-los.9
Os resultados dessa pesquisa trouxeram que, das três etapas do protocolo de identificação do paciente, o maior percentual de conformidade concentrou-se na primeira etapa, registrando 94 % de conformidade, entretanto o menor percentual encontrado foi o de 82 % que corresponde às condições das pulseiras de identificação. Estes dados corroboraram, em partes, com uma pesquisa realizada em um hospital universitário de atenção terciária no Município de São Paulo, que apresentou nos seus resultados que das três etapas do protocolo de identificação, o maior percentual de conformidade ocorreu na segunda etapa - componentes de identificação - e o menor, na terceira - condições da pulseira- ressaltando-se que apenas a segunda etapa atingiu os índices estimados pelas autoras em 90 % de conformidade.7
Apesar disso, uma pesquisa realizada com neonatos apresentou 99,83 % de conformidade na segunda etapa que é relacionada às condições da pulseira e que ainda nessa etapa, no item de legibilidade, constatou-se que houve 6,96 % de não conformidade.10
No referido estudo foi possível observar que o número de pacientes internados na instituição e que permaneceram sem pulseira de identificação ou ainda, que a pulseira não estivesse em condições ideais de informações ou estado, mostrou-se relativamente baixo, mesmo tendo sido apontado pelo próprio estudo com uma estimativa de risco alta quando comparada a gravidade e a probabilidade do evento.
Deste modo, se comparado a outras pesquisas, a efetividade de uso das pulseiras de identificação do paciente é comprovadamente capaz de reduzir as taxas de erros.12) Para alguns autores12,13 a pulseira de identificação constitui-se no melhor recurso para a identificação do paciente quando instituída por meio de protocolos e, efetivamente executados pelos profissionais de saúde.
Se comparado os percentuais de não conformidade quanto à presença da pulseira, pode-se observar que a unidade em pesquisa apresenta índices menores (6 %) que outras unidades hospitalares (45 %).14 Tal fator nos permite identificar um risco reduzido quando avaliada a variável isoladamente.
Notadamente, em relação a identificação de pacientes, a Organização Mundial da Saúde propõe que as instituições de saúde avancem e efetivem programas e protocolos com notoriedade no comprometimento dos trabalhadores de saúde para a identificação correta do paciente, além de normalizarem o uso de pulseiras de identificação com o propósito de que estas contenham ao menos dois elementos qualificadores. Da mesma forma que incentiva a incorporação de educação continuada dos profissionais de saúde na conferência no processo de identificação dos pacientes e a participação efetiva dos usuários.11
Com relação a variável Componentes de Identificação, avaliando a figura 1, é possível observar que esta supera as demais variáveis na estimativa de risco, embora sua não conformidade se mostre relativamente baixa (9 %) quando comparada a outras instituições (17 %; 20,46 %; 9,21 %)15,16) o que induz a hipótese de que os profissionais executam com regularidade as normas estabelecidas pelo protocolos de identificação em questão.
É possível afirmar que os elementos que representam maiores índices de erros são os mesmos que os profissionais supervalorizam, uma vez que é de fácil reconhecimento que as falhas decorrentes da identificação do paciente induzem o profissional à falha de forma inconsciente, mas que não exclui a necessidade de se rediscutir o item com os profissionais da instituição e reforçar a necessidade de maior vigilância. Embora os percentuais sejam relativamente baixos, a falha ainda existe e possui a maior estimativa de risco.
Entre os achados, é possível reafirmar a importância de se traçar estratégias junto à equipe com a finalidade de sensibilizar e educá-la acerca da necessidade de vigilância sobre os componentes de identificação através de metas colaborativas e construtivas. A equipe de enfermagem é de fundamental importância na redução destas falhas, o que permite consolidar um atendimento com qualidade e segurança.17
A terceira variável, sobre as condições da pulseira, apresentou por sua vez o menor índice de conformidade (82 %) estando, portanto abaixo do padrão de aceitabilidade, o que sugere a hipótese de displicência por parte dos profissionais quanto à necessidade de troca e manutenção da mesma. Embora sua estimativa de risco seja evidentemente baixa (4 escores) se comparado aos dois demais.
Deste modo, quando realizada uma análise comparativa às demais pesquisas, podemos evidenciar um quesito negativo, enquanto que outras instituições obtiveram níveis de conformidade acima de 90 % e com índices de não conformidade relativamente insignificantes (inferior a 0,21 %).18
O P-valor das três variáveis apontam para alto nível de confiabilidade por apresentarem escores abaixo de 0,05 o que torna a hipótese levantada confiável, enfatizando o fato de que o índice de conformidade geral (88,88 %) reflete a necessidade de melhorias quanto aos critérios abordados pelo protocolo de identificação do paciente da unidade do referido estudo.
É necessário introduzir a cultura de segurança no ambiente hospitalar a fim de garantir um ambiente mais seguro e confiável ao paciente, para isto, é necessário rastrear e intervir preventivamente nos fatores predisponentes no intuito de erradicar as práticas de risco.
A existência de efeitos adversos na assistência é evidente e com ela, o receio dos profissionais de sofrer atos administrativos e retaliações diante de um provável erro, o que induz a subnotificação dos efeitos adversos derivados da assistência. Tal fato impossibilita a quantificação dos eventos adversos, ou mesmo de mensurar um valor aproximado.19
Em um hospital universitário de Porto Alegre foi verificado o crescimento das taxas de adesão à verificação de identificação do paciente logo depois da realização de algumas estratégias educativas, as quais integraram a produção e distribuição de um vídeo, folder e cartazes, da mesma forma que cursos em modalidade de ensino a distância. Essas ações colaboraram com a intensificação da rotina e fortalecimento de práticas, possibilitando a consolidação da segurança dos pacientes na instituição.20
A educação permanente em saúde impulsiona a diversidade na inovação de estratégias que tornam compartilhados os conhecimentos e experiências pelo mundo do trabalho. O profissional da saúde que fomenta, articula e aceita a possibilidade da ocorrência de eventos adversos está evoluindo para uma cultura de segurança do paciente. Dessa forma, sugere-se que, a inclusão dessa temática seja uma vertente utilizada pelos profissionais da saúde para uma reflexão sobre as suas práticas.12
Como exemplo de risco, em uma outra investigação os autores constataram que 2,72 % dos erros de medicação foram relacionados à falta de confirmação prévia da identificação do paciente, para a administração do medicamento.13
Com base nisso e nos protocolos vigentes, todos os incidentes envolvendo identificação incorreta do paciente devem ser notificados e investigados pelo serviço, de acordo com a legislação. Destarte, a implementação das recomendações geradas pelas investigações deve ser monitorada pelo próprio serviço de saúde.14
Nessa perspectiva, garantir a inequívoca identificação do paciente é o ponto principal na prevenção de erros ou não conformidades na atenção à saúde; porém, ainda, é algo desafiador, necessitando de protocolos bem definidos e de envolvimento dos profissionais.9
Diante dos resultados da pesquisa, é evidente a necessidade de frente às falhas identificadas, estimular o exercício da educação continuada juntos aos profissionais quanto à relevância da pulseira como instrumento de prevenção, e da necessidade de fiscalização e rastreamento de possíveis falhas quanto ao uso da mesma.
A educação permanente é necessária para o desenvolvimento e aprimoramento do indivíduo. Ela consiste no desenvolvimento pessoal com o intuito de promover capacitação técnica, aquisição de novos conceitos e atitudes. Trata-se de uma competência a ser desenvolvida em todas as relações do indivíduo.12
Em conclusão, o estudo permitiu estabelecer um diagnóstico situacional frente à implantação do protocolo de identificação, reconhecendo os aspectos vulneráveis que merecem ser revistos para a melhoria contínua da qualidade e segurança dos pacientes no serviço investigado.
As limitações dos resultados do estudo são inerentes ao fato da pesquisa ser realizada em apenas um hospital de atenção terciária, o que restringe suas generalizações. No entanto, os achados demonstram a importância da implementação de estratégias de educação permanente dos profissionais de saúde, no sentido de valorizarem a inequívoca identificação do paciente.
Nesse sentido, traz indicativo para que o protocolo seja discutido e revisto no Comitê de Gerenciamento de Risco e de Qualidade da instituição, para implantar ações de melhoria, sobretudo as educativas, relativas à presença da pulseira.