Introdução
A incidência global da Síndrome Metabólica (SM) tem aumentado anualmente. Estima-se que 20 % a 30 % da população mundial estejam afetadas pela condição1 e em 2013 no Brasil, identificou-se que o quantitativo de pessoas diagnosticadas correspondem a um percentual de 9 % da população.2) Trata-se de uma síndrome caracterizada pelo desenvolvimento de diversos distúrbios metabólicos que, quando apresentados por um paciente, eleva potencialmente o seu risco de desenvolver Doenças Cardiovasculares (DCV) e Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2).3,4,5
De acordo com os critérios estabelecidos pelo National Cholesterol Education Program (NCEP), o diagnóstico de SM é confirmado quando três ou mais dos seguintes critérios são apresentados por um indivíduo: glicemia de jejum ≥100 mg/dL ou uso de medicação para controle glicêmico; hipertensão arterial (sistólica ≥130 mmHg e/ou diastólica ≥85 mmHg) ou medicação anti-hipertensiva; triglicerídeos em jejum (≥150 mg/dL); lipoproteína de alta densidade (HDL-C) em jejum (<50 mg/dL para mulheres; <40 mg/dL para homens), ou obesidade central (circunferência da cintura >88 cm para mulheres; >102 cm para homens).4
O tratamento para SM configura-se nas ações de educação em saúde como dieta, atividade física, uso me medicações para controle das doenças e processo cirúrgico. A gastrectomia ou cirurgia bariátrica (CB) é indicada quando o tratamento clínico não controla a obesidade e principalmente o DM2, pois favorece as complicações como as cardiovasculares. A relevância desse relato sobre a assistência de enfermagem a pacientes com SM submetido a cirurgia ainda permanece pouco exploradas, visto que a cirurgia como tratamento da SM é relativamente recente. Aliado a isso, verificou-se escassa publicação da enfermagem sobre o assunto, com lacuna no conhecimento sobre os Diagnósticos de Enfermagem e os cuidados mais apropriados a esses pacientes.6
Nesse contexto, as pessoas precisam de acompanhamento e orientações da Enfermagem por longos anos, visto que a SM se constitui um conjunto de alterações metabólicas ocasionada pela obesidade no adulto. Nessa perspectiva, entra em ação a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), definida como uma abordagem metodológica que objetiva a organização do trabalho profissional, de modo que intensifique a qualidade da assistência prestada ao indivíduo, família e coletividade. Fundamenta-se em bases teórico-científico-filosóficos que aperfeiçoam as práticas profissionais, contribuindo para promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, além da prevenção de doenças e agravos. Organiza-se em cinco etapas interdependentes: coleta de dados, diagnósticos de enfermagem, planejamento, intervenção e avaliação.7,8
Inserido no contexto da SAE, encontra-se o Processo de Enfermagem (PE), caracterizado por ser um instrumento tecnológico do cuidado que possibilita a identificação, compreensão, descrição e explicação das necessidades humanas para implementar ações que as contemplem sob a ótica do cuidado profissional.9,10) Sendo assim, o objetivo desse trabalho foi identificar os diagnósticos de Enfermagem e intervenções realizadas nos cuidados a pessoa com síndrome metabólica submetida a gastrectomia.
Métodos
Trata-se de uma pesquisa descritiva do tipo intervenção desenvolvida no programa de hipertensão e Diabetes (HIPERDIA) de um Centro de Saúde da cidade de Jequié, Bahia/Brasil. Realizou-se a pesquisa no período de 2016 a 2018, com acompanhamento da enfermeira docente e seus discentes, durante a realização das práticas de campo da disciplina Enfermagem em Atenção à Saúde do Adulto I, do curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).
A produção dos dados foi realizada por anamnese e exame físico da paciente, em consultas de Enfermagem no serviço de HIPERDIA, além de consultas ao prontuário. Para desenvolver este relato, foram coletadas todas as informações clinico-laboratoriais disponíveis nos laudos de exames fornecidos pela paciente e prontuário clínico, reiterando que todo e qualquer dado coletado não provocou nenhuma exposição direta ou indireta da paciente, sendo que os pesquisadores asseguraram a confidencialidade das informações. Posteriormente, os dados coletadas foram armazenadas em tabela única do Microsoft Excel elaborada pelos próprios autores constando os dados antropométricos e os exames laboratoriais glicêmicos e lipídicos antes e após o procedimento cirúrgico. Ressalta-se que o presente estudo não adotou análise estatística para seu desenvolvimento. Adotou-se como parâmetro avaliativo a análise clínica descritiva das evidências constatadas no exame físico e nos resultados dos exames laboratoriais, como parte da rotina profissional.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia sob o Parecer nº 2.850.239 e CAAE: 92352818.9.0000.0055, conforme preconizado pela Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
Após análise criteriosa dos exames realizados pela paciente, os dados foram categorizados e separados de forma que fossem dispostos em tabelas as aferições de glicemia, o lipidograma e as pesagens antes e depois da CB.
Em 1993, primeira vez em que estava sendo acompanhada para a realização da CB, a paciente foi diagnosticada pelo exame de ultrassom com colelitíase (cálculos vesiculares), sendo adiada a cirurgia em questão e realizada colecistectomia. Cerca de 20 anos depois, através da realização de um exame anatomo-patológico, os dados apontaram para colecistite crônica e colecistolitíase, sendo a paciente novamente submetida a retirada cirúrgica da vesicular biliar (colecistectomia).
Em junho de 2016, após resultado de ultrassonografia (US) de abdome total a paciente foi diagnosticada com esteatose hepática de primeiro grau. Em julho de 2016, a paciente realizou endoscopia cuja conclusão apontou para gastrite erosiva leve de antro, com pesquisa positiva para Helicobacter pylori através do teste de urease. Ao exame polissonográfico, dados foram compatíveis com síndrome da apneia/hipopneia obstrutiva do sono de grau leve.
Em consulta cerca de quatro meses antes da cirurgia, relatou diversas tentativas de dietas para emagrecer com prescrição da nutricionista, porém, todas com insucesso e novo ganho ponderal. Ela apresentou ainda histórico familiar de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), DM2 e obesidade. Em momentos de muita ansiedade, a paciente ingeria grande quantidade de alimentos de forma acelerada e, posteriormente se arrependia do total ingerido. No momento em questão, apresentava circunferência abdominal (CA) de 129 cm, com acentuada deposição de gordura abdominal, percentual de gordura corporal de 61 % e índice de massa corporal (IMC) de 43,19 kg/m2, caracterizando obesidade grau III. Associado a estes achados, a paciente possuía DM2, HAS e discreta insuficiência aórtica. Dois meses depois apresentou relatório médico, no qual apresentou, peso igual a 110 kg e IMC de 45,26 kg/m2. Além destes, foi constatado aumento do índice de apneia/hipopneia obstrutiva do sono, com dessaturação de oxi-hemoglobina e obesidade mórbida, sendo indicada a cirurgia. Os dados antropométricos ao longo dos anos estão apresentados no quadro 1.
Dentre os exames realizados em laboratório antes da cirurgia, constatou-se que os níveis glicêmicos, triglicéricos, e de LDL-C diminuíram no decorrer dos anos, conforme quadro 2. Além disso, percebeu-se aumento acentuado dos níveis de HDL-C.
A CB foi realizada no dia 29 de novembro de 2016, sendo do tipo gastroplastia vertical com derivação gastrojejunal sem anel. Assim sendo, após a realização do procedimento, a paciente apresentou melhora significativa nos resultados dos exames solicitados (quadro 3):
Após recebimento do laudo de vídeo endoscopia, um ano após a realização da CB, a paciente apresentou pós-operatório tardio (POT) de gastroplastia redutora em bom estado.
Histórico de Enfermagem
CS, sexo feminino, 53 anos, cor/raça negra, religião católica, em união estável, natural de Jequié, profissão agente comunitária de saúde há aproximadamente 18 anos, tem dois filhos, reside com seis pessoas, renda familiar superior a quatro salários mínimos, tem DM2 há 10 meses, hipertensa, obesa, e não sabe definir o que é SM. Há 30 anos começou a ganhar peso após a primeira gestação, sendo que esse aumento de peso acentuou a mais ou menos três anos. Apesar do amor à profissão, se sente um pouco angustiada e decepcionada com relação a situação vivida no trabalho que tem gerado muito estresse. Fazia caminhadas cinco vezes por semana e natação, entretanto, há aproximadamente um ano está sedentária. Parou com as atividades físicas desde a descoberta de um “caroço” no pé. Faz dieta há mais de 10 anos vivendo o efeito “sanfona”: perde peso, ganha peso. Está sendo acompanhada por nutricionista e pelo programa de hipertensão também há 10 anos. Foi cadastrada no programa de diabetes. A Pressão arterial (PA) já chegou a 220x100 mmHg. Já teve Acidente Vascular Cerebral (AVC) diagnosticada por Tomografia Computadorizada (TC), entretanto sem sintomatologia física. Está sendo acompanhada por uma equipe multiprofissional: endocrinologista, gastroenterologista, cirurgião, psicólogo, nutricionista para a realização de CB. Dados antropométricos em 01/09/2016: peso: 108 Kg, altura: 1.57m, IMC: 44 Kg/m², PA: 130X90 mmHg, CA: 123cm e glicemia capilar: 166 mg/dl. Declara-se católica praticante realizada e feliz, voluntária na pastoral da criança; como lazer gosta de viajar e ir a praia. Faz uso de metformina 850mg, glibenclamida 5mg, sinvastatina10mg, losartana 50mg e hidroclorotiazida 25mg, todos um comprimido uma vez ao dia.
Em consulta de Enfermagem em abril 2018 apresentou os seguintes dados antropométricos: peso: 73,5 Kg, altura: 1.57 m, IMC: 29,8 Kg/m², PA: 110X70 mmHg, CA: 98 cm e glicemia capilar 96 mg/dl. Informa que todas as medicações foram suspensas, mas continua seguindo dieta e fazendo atividades físicas: natação e caminhada, demonstrando os resultados da cirurgia.
Após a anamnese e exame físico foram estabelecidos os diagnósticos de Enfermagem em pré e pós-operatório atualizados conforme a NANDA 2018-2020 e os cuidados de Enfermagem prescritos foram embasados na Classificação das intervenções de Enfermagem,6,11 conforme Quadro 4.
Pré-cirurgia | Intervenções |
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Ansiedade (00146) | *Preparar a paciente para cirurgia através da educação em saúde quanto aos procedimentos, possíveis complicações e alimentação. *Ouvir atentamente o paciente. *Oferecer atividades de diversão voltadas para reduzir a tensão *Ajudar o paciente a identificar as situações precipitadoras de ansiedade. |
Medo (00148) | *Encorajar a verbalização dos sentimentos, percepções e medo |
Conhecimento deficiente sobre a SM e cirurgia bariátrica. (00126) | *Preparar a paciente para cirurgia através da educação em saúde sobre a SM e cirurgia. |
Risco de glicemia instável (00179) | *Mensurar a glicemia e realizar rodizio de locais |
Obesidade IMC > 30 kg/m2 30kg/m2 (00232) | *Orientar sobre alimentação saudável. *Verificar peso do paciente *Medir circunferência abdominal *Realizar educação para saúde e encaminhamentos |
Risco de síndrome do desequilíbrio metabólico (00263) | *Verificar sinais vitais *Estimular deambulação *Orientar paciente e família sobre mudança no estilo de vida |
Risco de baixa autoestima situacional (00153) | *Orientar paciente e encaminhar ao psicólogo |
Pós-cirurgia | Intervenções |
Disposição para nutrição melhorada (00163) | *Realizar educação para saúde e encaminhamentos |
Risco de infecção relacionado a defesas primárias inadequadas (cirurgia) e doença crônica (diabetes e hipertensão (00004); Risco de infecção no sítio cirúrgico (00266) | *Verificar sinais vitais *Realizar curativos *Observar sinais de infecção *Implementar cuidados para prevenção de infecção *conforme orientações da CCIH** *Implementar cuidados com sondagem vesical de demora *Observar pertuito e locais de inserção de cateteres *Registrar aspecto da lesão *Implementar cuidados com dreno *Observar condições de suturas *Orientar paciente/ família *Tranquilizar paciente |
Dor aguda (00132) | *Avaliar dor utilizando escala de intensidade e registrar. *Administrar medicação prescrita para a dor, antes da realização do curativo. *Identificar com o paciente fatores de melhora e piora da dor. *Realizar monitorização dos sinais vitais. *Tranquilizar paciente *Solicitar presença de familiar |
Integridade da pele prejudicada associada a cirurgia e procedimentos (00047) | *Orientar importância da higiene e hidratação corporal *Orientar para autocuidado *Implementar cuidados com soroterapia e local da punção venosa central/periférica |
Hipotermia (00253) | *Mensurar a temperatura e aquecer o paciente |
Hipertermia (00007) | *Mensurar a temperatura e administrar antitérmico conforme prescrição. |
Risco de hipertermia perioperatória (00254) | *Mensurar e avaliar a temperatura. |
Disposição para nutrição melhorada (00016) | *Orientar sobre alimentação saudável. *Orientar e motivar paciente/ família a mudança no estilo de vida |
Discussão
Existe amplamente na literatura resultados de estudos que evidenciam os efeitos da CB na SM. A cura da síndrome apresenta associação direta com o restabelecimento da sensibilidade insulínica, em virtude da perda ponderal.12 Ressalta-se que os benefícios cirúrgicos não se restringem apenas à redução de peso, mas há influência do novo estilo de vida facilitado pela perda ponderal, além das modificações dietéticas motivadas pela reeducação alimentar.13
A obesidade, principalmente o acúmulo de adipócitos na região abdominal constitui-se como fator essencial para o desenvolvimento da resistência à insulina, substrato fisiopatológico de muitos eventos que integram a SM.13 Essa associação é explicada devido a capacidade do tecido adiposo em receber diversos estímulos da insulina, cortisol e de catecolaminas, que por sua vez, secreta substâncias como a leptina, adiponectina, Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNF-a), dentre outras. Tais substâncias apresentam participação direta na resistência insulínica.14
Recentemente, pesquisadores reconheceram a influência das incretinas na fisiopatologia do DM2. Trata-se de substâncias peptídicas produzidas no intestino que são liberadas a partir do contato do bolo alimentar na porção delgada, que por sua vez, desempenhará sua ação no pâncreas, estimulando a secreção insulínica, inibição do glucagon, retardo do esvaziamento gástrico, dentre outros mecanismos antidiabetogênicos.13,15,16,17,18 No entanto, ressalta-se que a CB não está indicada para tratamento de pessoas com DM2 e IMC entre 30 e 34,9kg/m² em virtude das poucas informações científicas consolidadas nessa população.19 Já em relação à redução da PA, destaca-se a atenuação dos seguintes fatores: hiperinsulinemia, resistência insulínica, leptina e da pressão intra-abdominal.20
Nessa perspectiva, alguns estudos já evidenciaram aumento significativo e precoce da secreção de incretinas após a CB, relatando, também, a necessidade de maior profundidade em estudos futuros.21,22 Outros estudos já referem controle glicêmico e até mesmo a cura do DM2.13 Torna-se evidente, portanto, que a bariátrica consiste em uma terapêutica eficaz para o alcance da perda ponderal, da normalidade dos valores bioquímicos e consequentemente, na redução de comorbidades.18,20,23
Quando as terapêuticas clínicas não demonstram eficácia para o controle ponderal, há indicação da CB para indivíduos com obesidade mórbida e/ou na presença de comorbidades, inclusive o DM2.24 Dentre as modalidades bariátricas, destaca-se a gastrectomia vertical (GV), utilizada para o tratamento da obesidade em virtude da perda de peso e melhora do DM2 e outras enfermidades associadas.25,26
Há pesquisas que defendem pequenas perdas ponderais, em torno de 5 % a 10 %, como sinal clínico significante, visto que já existe a possibilidade de redução da PA e dos níveis glicêmicos. Não obstante, em médio prazo nesse mesmo estudo, a perda de peso alcançou 36,7 %, o que evidenciou redução significativa da SM, de acordo com os valores padronizados pelo NCEP.13
Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2013, evidenciaram elevadas prevalências de fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) na população adulta.27 Aliado a isso, fundamentando-se nos resultados desse estudo, reforça-se que os fatores comportamentais contribuem no desenvolvimento de comorbidades e que a adoção de um estilo de vida saudável garante a manutenção do peso, controle metabólico e consequentemente, a redução de DCNT.
O estilo de vida saudável é definido como um conjunto de ações conscientes e cotidianas que diz respeito aos valores individuais, que reduzam e/ou não promovam riscos à saúde de quem o adota. Dentre algumas ações pertencentes ao estilo de vida saudável, destacam-se o equilíbrio dietético e a adoção de atividades físicas regulares que reduzem a adiposidade visceral com consequente ataque a base fisiopatológica da SM.28
Nessa perspectiva, não se pode adotar a CB como estratégia absoluta, pois, diferentemente do estilo de vida saudável, há complicações significativas para a vida do indivíduo que pode gerar repercussões na sua saúde e qualidade de vida. Dentre elas, destacam-se a síndrome de dumping, anemia, desnutrição proteica, avitaminoses, hiperproliferação bacteriana, doenças osteometabólicas, dentre outras. Em decorrência disso, há a necessidade constante da adesão farmacológica no intuito de garantir a homeostase orgânica e consequentemente, a manutenção da vida.19
Em conclusão, a cliente foi submetida à CB e após a cirurgia houve redução dos índices que a classificava como portadora da SM. Os dados antropométricos e metabólicos demonstram que a paciente não tem mais a síndrome porque a obesidade, a alteração glicêmica e da PA foram revertidas e as medicações suspensas.