Introdução
O trabalho é fundamental ao homem e exerce um papel significante para sua autorrealização, contribui com a construção da identidade do trabalhador, proporciona renda, sustento e possibilita a conquista de objetivos de vida.1
No entanto, no momento em que o homem ingressa no mundo do trabalho, está sujeito a riscos ocupacionais que, atualmente, são considerados como um problema de saúde pública por interferir na qualidade de vida dos trabalhadores. Entre os riscos a que os trabalhadores estão expostos destaca-se o ergonômico.2
O risco ergonômico é compreendido como tudo aquilo que pode causar disfunções psicológicas e fisiológicas no trabalhador, podendo gerar graves problemas de saúde.3
Nesse sentido, através da ergonomia é possível promover alterações nas condições e no ambiente de trabalho, por meio de adaptações nas ferramentas e no processo de trabalho para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores.4
Na enfermagem, os riscos ergonômicos são recorrentes e se apresentam na forma de sobrecarga de trabalho, jornadas exaustivas, postura inadequada e sobrecarga emocional.2 Pelo fato de os profissionais de enfermagem terem grande contato com os pacientes, tendem a apresentar maior exposição a esses riscos.5
A movimentação e remoção de pacientes, postura inadequada, repetição na execução de tarefas, não utilização de materiais e acessórios adequados, falta de materiais, infraestrutura inadequada e o número de trabalhadores reduzidos desmotivam os profissionais de enfermagem que se mostram exaustos fisicamente e emocionalmente.6,7,8
Nesse sentido, a Norma Regulamentadora (NR17) visa estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente do trabalhador em seu ambiente de trabalho.9
No entanto, o risco ergonômico parece subestimado durante a formação do enfermeiro ou não compreendido pelo profissional, visto que os enfermeiros se expõem a situações que podem desencadear problemas de saúde, resultados da exposição a riscos ergonômicos presentes no ambiente de trabalho. Neste sentido, o estudo buscou identificar estratégias de obtenção de conhecimento sobre ergonomia e a percepção do risco ergonômico na perspectiva de enfermeiros da rede pública de saúde.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa etnográfica, realizado com seis enfermeiros atuantes na rede pública de saúde do município de Mato Verde, Minas Gerais, Brasil.
Participaram do estudo os enfermeiros em atuação há no mínimo seis meses na rede pública de saúde, inscritos no Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (COREN-MG) e que aparentavam plena capacidade cognitiva para submeter à entrevista.
A coleta de dados ocorreu no mês de agosto de 2019, a partir de uma entrevista semiestruturada aplicada individualmente ao profissional. As entrevistas foram realizadas nos locais de trabalho dos profissionais em dia e horário agendado previamente e gravadas em áudio por um aplicativo de voz. Na sequência foram transcritas na íntegra, categorizadas e analisadas mediante a Análise do Conteúdo de Bardin.10
O roteiro de entrevista buscou verificar o conhecimento e a percepção dos profissionais enfermeiros sobre ergonomia e o risco ergonômico a partir de questões disparadoras: O que você entende ser ergonomia? De que modo você obtêm conhecimentos sobre ergonomia? Como você percebe os riscos ergonômicos em seu trabalho? O tempo médio de duração das entrevistas foi de 16 minutos.
A identidade dos participantes foi preservada com a substituição de seus nomes pela expressão “Enfermeiro” e um número cardinal que indica a ordem da realização da entrevista até que se nomearam todos os informantes.
Os procedimentos metodológicos foram guiados à luz da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros pelo Parecer Consubstanciado n. 3.453.325, CAAE: 16782919.8.0000.5146. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para manifestar seu interesse em participar do estudo.
Resultado e Discussão
Participaram do estudo profissionais do gênero masculino (01) e feminino (05) com idade entre 33 e 36 anos, atuantes em Estratégias de Saúde da Família (ESF) e no Ambulatório da rede pública, vinculados ao serviço entre oito meses até sete anos.
Os trabalhadores das ESF cumprem carga horária de 40 horas semanais e do Ambulatório trabalham em regime de plantões de 24 horas. Todos profissionais mantêm vínculo com a administração do serviço por meio de contrato de prestação de serviços. Entre os participantes quatro conciliam o trabalho na rede pública de saúde com atividades de docência e estética.
Os enfermeiros possuem conhecimentos sobre ergonomia obtidos em diversas fontes, alguns vindos da graduação, de capacitações realizadas no trabalho atual ou em outras empresas onde prestaram serviços. Esses dados têm um valor importante, pois mostram que todos os enfermeiros de alguma forma possuem algum conhecimento sobre a ergonomia que permeia a formação ou ambientes de trabalho.
[...] da faculdade e também do trabalho, porque a gente acaba tendo que fazer algumas capacitações de vez em quando (Enfermeiro 3).
[...] muito do meu conhecimento veio na prática de trabalho, na empresa anterior onde eu trabalhei tinha as orientações de ergonomia, quadros explicando quais os riscos em cada ambiente [...] (Enfermeiro 6).
É indispensável que os profissionais estejam sempre atentos às mudanças, para isso devem estar atentos em adquirir novos conhecimentos com a intenção de amenizar os riscos aos quais estão expostos no ambiente de trabalho.11
A prevenção dos riscos ergonômicos é um aliado importante para amenizar os agravos a saúde do trabalhador derivados do processo de trabalho, desta forma se vê a necessidade de adquirir conhecimentos desde a formação ou em capacitações para o profissional de saúde ter um suporte para o autocuidado.12
As instituições tendem a oferecer capacitações para seus colaboradores de forma que associem melhor os aspectos teóricos e o ambiente de trabalho para facilitar a realização de tarefas no dia a dia, porém constatou-se que entre os entrevistados somente enfermeiros atuantes em ESF passaram por capacitações relacionadas à ergonomia no trabalho atual e tiveram como facilitadores os próprios enfermeiros, colegas de trabalho.
Aqui no Posto teve duas vezes que eu mesma fiz palestras de ergonomia para os funcionários, principalmente para as meninas que ficam muito tempo escrevendo que pode acarretar o problema de dor muscular, pode provocar a LER que é de movimentos repetitivos, aí eu ensinei algumas coisas como posturas e como a gente deve levantar e abaixar corretamente, usar a mesa corretamente, usar o computador de forma adequada [...] (Enfermeiro 1).
A redução ou eliminação dos agravos à saúde do trabalhador está ligada à capacidade do trabalhador de entender as medidas de proteção tomadas no ambiente de trabalho, para isso a NR-32 propõe que o trabalhador passe por efetivas capacitações para diminuir esses riscos, e direciona essa responsabilidade ao empregador.13
O uso da própria força de trabalho, o capital humano disponível, pode ser interessante para a Instituição, porém também é importante que os profissionais que disseminam conhecimentos na Instituição tenham acceso: a outras capacitações, realizadas externamente, a fim de ter contato e discussão dos temas com profissionais de outros contextos, com outras vivências e visões. Contudo não foi percebido este tipo de capacitação para os profissionais.
No Pronto Atendimento não foi relatado à realização de nenhuma capacitação com abordagem ao tema ergonomia: “em meu trabalho não foi realizado nenhuma capacitação sobre ergonomia” (Enfermeiro 2).
A execução eficiente de práticas ergonômicas no trabalho requer acceso: a conhecimento e aprimoramento de técnicas vindas de outras fontes de conhecimentos para então ser disseminada aos demais profissionais de uma organização.13
A partir de seus conhecimentos e experiências no trabalho, os enfermeiros entendem que ergonomia é a interação do trabalhador com seu ambiente de trabalho e os riscos que o mesmo está exposto durante a realização das atividades laborais. Assim sendo, na visão destes profissionais, a ergonomia, na perspectiva do trabalho, é um processo que está diretamente ligada às condições presentes no ambiente de trabalho e a relação dessas condições com os sujeitos.
Ergonomia para mim é a forma que a gente interage no dia a dia no local de trabalho [...] (Enfermeiro 1).
Em meu entendimento a ergonomia está associada às condições que o profissional trabalhando pode sofrer, [...] riscos que podem estar associados né, ao seu trabalho como questões físicas, mentais [...] (Enfermeiro 6).
A ergonomia estuda a relação do homem com seu ambiente de trabalho, neste conceito o ambiente não se restringe apenas ao lugar onde o trabalhador desenvolve atividades, mas, também, aos materiais e recursos utilizados para estes fins.14 A discussão sobre a ergonomia vai além das questões posturais, envolvendo, também, os esforços físicos, arranjos dos ambientes de trabalho e os movimentos repetitivos.12
Ela é uma ciência ampla que abrange várias técnicas fundamentais para favorecer a relação entre o homem e o ambiente de trabalho, no sentido de proporcionar-lhe maior conforto, proteção e bem-estar ao trabalhador.15
O Enfermeiro 2 menciona que o objetivo da ergonomia é estudar a relação entre o trabalhador e o trabalho em seu ambiente laboral, de modo que a empresa possa oferecer um ambiente adequado e livre de riscos.
[...] ergonomia tem como objetivo estudar a relação do funcionário em seu ambiente de trabalho, de maneira que a instituição com essas informações possa oferecer um local mais adequado e adaptado, seguro, evitando doenças ocupacionais que possam vim a existir (Enfermeiro 2).
A ergonomia tem como objetivo aperfeiçoar as técnicas de trabalho e adaptar estas ao ambiente de trabalho conforme as necessidades psicofisiológicas do trabalhador. Como ciência ajuda a entender o comportamento das pessoas diante às condições impostas.16 Nesse sentido, a ergonomia é um componente do ambiente laboral e do processo de trabalho capaz de promover proteção e bem-estar ao trabalhador.17
Os entrevistados entendem que os riscos ergonômicos referem às condições das atividades realizadas durante a rotina de trabalho e que configuram uma situação que pode provocar adoecimento no trabalhador: [...] riscos ergonômicos são [...] os riscos que a gente corre no dia a dia no trabalho [...] que pode ta adquirindo uma doença por causa de uma coisa, algum objeto de trabalho [...] (Enfermeiro 5).
Esses riscos prejudicam a saúde do trabalhador e interferem em suas características psicofiosiológicas.18 Para evitar o adoecimento provocado pelas condições ergonômicas é essencial avaliar, identificar os riscos e propor soluções adequadas.2
As condições de trabalho que, na perspectiva dos entrevistados, configuram riscos ergonômicos estão relacionadas às posturas inadequadas e ao esforço físico empregado na realização de tarefas, às jornadas de trabalho e ao mobiliário como, por exemplo, a maca que não se ajusta à necessidade do trabalhador.
[...] a cadeira é muito inclinada, não da para atender o paciente assim, as macas são altas para o meu tamanho [...] (Enfermeiro 4).
[...] questões de escalas, demanda de trabalho, jornadas prolongadas, questões de turno noturno, horas exaustivas e o esforço físico demasiado [...] (Enfermeiro 2).
Segundo a NR 17, o mobiliário dos postos de trabalho deve fornecer ao trabalhador uma boa desenvoltura, regulagem compatível com a atividade desenvolvida, e em caso de sobrecargas ou movimentos que sejam repetitivos deve haver períodos de descanso durante as horas de trabalho.18
Conforme os entrevistados, os riscos ergonômicos se manifestam na medida em que o trabalho é realizado em espaços inadequados, o que potencializa o surgimento de doenças e redução da segurança e da produtividade no trabalho.
[...] os riscos ergonômicos vão surgindo a partir do momento que não há adequação do ambiente de trabalho do profissional, que vai está gerando graves problemas psicológicos ao trabalhador, assim como a redução da sua segurança e produtividade (Enfermeiro 2).
O surgimento de doenças ergonômicas na enfermagem está diretamente ligado ao seu ambiente de trabalho, por se tratar de um espaço que gera estresse e outros riscos durante o desenvolver de suas atividades.13 O enfermeiro ao cuidar da saúde dos pacientes se expõe a riscos e torna-se propenso a também adoecer.19
Frente ao contexto estudado percebe-se que os enfermeiros têm conhecimento adequado sobre o conceito e aplicação da ergonomia, no entanto vale destacar a importância de investir na implementação de estratégias de obtenção e aprimoramento do conhecimento para que sejam constantes nos ambientes de trabalho.
Notou-se haver uma contradição na aplicação prática do conceito de ergonomia, visto a permanência de condições antiergonômicas no ambiente de trabalho. Nesse sentido é importante avaliar o conhecimento e a importância que os gestores atribuem à prevenção do risco ergonômico, visto que não é suficiente o profissional ter conhecimento e saber identificar o risco se não houver ação prática no sentido de reduzi-los ou eliminá-los.
Em conclusão, certamente a necessidade de manutenção do emprego e a rotina de trabalho colaboram para que, muitas vezes, os profissionais negligenciem os riscos ergonômicos percebidos nos locais de trabalho, assim os gestores devem ser parceiros para promover uma cultura de prevenção do risco ergonômico no trabalho.