Introdução
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o surto epidêmico decorrente de infecção por o novo coronavírus (Sars-Cov-2) como uma pandemia. Se bem que os primeiros casos foram diagnosticados em Wuhan, China, em dezembro de 2019, a doença, nomeada como COVID-19, se expandiu rapidamente para todas as regiões do mundo. Até 19 de julho de 2020, se reportaram à OMS mais de 14 milhões de casos globalmente e mais de 597 mil mortos.1 No Brasil, segundo a mesma fonte, se acumulam 2 milhões de casos e mais de 77 mil óbitos. Todavia, no Brasil os números podem ser ainda maiores devido à subnotificação de casos da doença.2
Com a disseminação exponencial da COVID-19 foi exposto um agravamento das desigualdades que nos conduzem novamente a repensar uma “sociologia das ausências”, em palavras de Boaventura de Sousa Santos,3 pois alguns grupos sociais sofrem tanto o peso da doença quanto a exclusão de políticas públicas (como a própria quarentena ou distanciamento social). A pandemia expõe também a fragilidade da razão em tempos de “pós-verdade”, com um aumento da desinformação (mensagens produzidas, deliberadamente, para enganar, manipular e causar danos por motivos políticos, financeiros e sociopsicológicos) relacionada, por exemplo, com a origem do vírus, os tratamentos e as medidas de controle da COVID-19.4
Como bem posto por Santos a atenção nas medidas de contenção da disseminação do vírus, a busca por uma solução mais definitiva, a vacina - que permitiria um caminho mais rápido de encontro com o “normal” vivido antes da pandemia da COVID-19 - ocorre em esfera global, justamente, porque os países ricos do Norte também foram atingidos. Diz o sociólogo, “por último, em situações de emergência as políticas de prevenção ou de contenção nunca são de aplicação universal. São, pelo contrário, seletivas. Por vezes, são abertas e intencionalmente adeptas do darwinismo social: propõem-se garantir a sobrevivência dos corpos socialmente mais valorizados, os mais aptos e os mais necessários para a economia. Outras vezes, limitam-se a esquecer ou negligenciar os corpos desvalorizados”.3 Nessa direção, vale ressaltar também o conceito de “necropolítica” de Achille Mbembe. Assim, a pandemia expõe, novamente, a desigualdade de quem deve viver ou morrer, afetando com mais força, ou melhor, sacrificando “sempre as mesmas raças, as mesmas classes sociais e os mesmos gêneros”.5
Localizado dentro dessa “Epistemologia do Sul” está o Brasil, um país marcado pela herança escravocrata e colonial, pela exploração capitalista, bem como pelas diversas formas e maneiras de desigualdades, discriminação, intolerância e preconceitos, sobretudo, de origem étnico-racial. Diante da complexa situação, o governo federal tem demonstrado despreparo no enfrentamento à COVID-19, evidenciado por meio das várias falas e dos silenciamentos do presidente da república, minimizando a importância da doença e seu real impacto em número de vidas perdidas, e pela defesa ferrenha de medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente. A substituição de ministros da saúde em um curto espaço de tempo em meio à crise da pandemia e o embate com autoridades de saúde e governadores que defendem a adoção da medida de distanciamento social acentuam a falta de um enfretamento efetivo no âmbito do governo federal.6,7,8,9 Nesse contexto, duas grandes instâncias constantemente atacadas nos últimos tempos pelos governos de direita e ultradireita, têm sido mais do que essenciais para o enfrentamento da COVID-19: o Sistema Único de Saúde (SUS) e as instituições públicas de ensino e pesquisa, como, por exemplo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e as próprias universidades estaduais e federais.
No Brasil, as universidades, apesar de instituídas tardiamente, consolidaram-se ao longo de sua trajetória como locus da produção científica nacional e da formação de recursos humanos especializados, com destaque para as universidades públicas, responsáveis por mais de 95 % da produção científica.10 O escopo de atuação das universidades inclui, além da pesquisa e o ensino, a extensão. Ao abranger também a extensão, as universidades não só estão orientadas para a comunidade acadêmica, mas também têm a missão de transferir conhecimentos e serviços para toda a sociedade. Neste contexto de enfrentamento à COVID-19, um levantamento divulgado pela Andifes (Associações Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior) aponta que essas instituições estão desenvolvendo, pelo menos, 823a pesquisas relacionadas com COVID-19. São trabalhos que vão da identificação do genoma do vírus para o desenvolvimento de medicamentos e criação de vacina contra a COVID-19 a estudos com sistemas informatizados sobre georreferenciamento para mapear o avanço da doença, além de produção de equipamentos de proteção individual e produtos sanitizantes, criação de campanhas educativas e outras ações.11
Dentro das universidades, são as bibliotecas as entidades capazes de articular a rede de troca de informações que servirá a membros da comunidade universitária e público externo. Elas são um reflexo das instituições de educação superior a qual estão vinculadas e têm como objetivo essencial apoiar as atividades de ensino, pesquisa e extensão por meio de seus acervos e serviços. Ao longo de sua trajetória histórica, as bibliotecas universitárias foram se adaptando às mudanças sociais, políticas, econômicas e tecnológicas. De centros de guarda e custódia de textos clássicos, restritos a eruditos, as bibliotecas universitárias têm se tornado em centros de convívio democrático, de inclusão, de interação, de troca de informações, seja em seus espaços físicos ou virtuais.12,13 Hodiernamente, estão chamadas a desempenhar um papel importantíssimo no desenvolvimento de capacidades de aprendizagem autônomo e de competências em informação, incluindo competências críticas, éticas e consciência política e cidadã. Nada disto último está dissociado de seu papel no apoio ao ensino especializado e à pesquisa, por meio de recursos e serviços de informação orientados a problemas complexos nas diferentes áreas da ciência e da tecnologia.
Por outro lado, as bibliotecas também cumprem missões importantes em circunstâncias de crises sanitárias e emergências globais, como mostram as evidências levantadas pelo HIFA Project on Library and Information Services b , desenvolvido entre 2017 e 2018. Além de prover informação, o projeto identificou outras funções alternativas para as bibliotecas servindo como abrigos, centros de acolhimento, ponto de conexão à internet, lugares de assistência espiritual ou psicológica. Novos papeis para os bibliotecários também foram identificados, entre eles como especialistas em informação de desastre ou em saúde global, apoiando às equipes de enfrentamento a emergências com informação oportuna, precisa e de qualidade. As evidências levantadas pelo projeto também apontaram para o uso das redes sociais como instrumentos de disseminação e monitoramento de informação, assim como para a comunicação com o público geral. Ademais, o projeto apontou para a importância de levar em consideração as inequidades com respeito à disponibilidade de tecnologias e competências informacionais entre os membros das comunidades afetadas.14 Outras discussões relacionadas com a atuação das bibliotecas ante desastres e emergências têm sido lideradas pelo Evidence for Global and Disaster Health (E4GDH) Special Interest Group15 da IFLA, assim como pela National Library of Medicine (NLM)dos Estados Unidos que promove um programa de treinamento para bibliotecários em Informação de Desastres, além da compilação de bibliografia sobre a temática.16
Contudo, as características extraordinárias da pandemia causada pela COVID-19, com seu ineditismo em diferentes aspectos clínicos e epidemiológicos, têm trazido afetações complexas em todos os âmbitos da vida cotidiana e nas possibilidades de atuação das instituições, incluindo as bibliotecas. A necessidade de conter os contágios por meio de distanciamento social impôs o fechamento de escolas e universidades, empresas, lojas e outra ampla gama de entidades, consideradas não essenciais. O teletrabalhoc foi adotado por muitas destas organizações como alternativa para manter alguns serviços e atividades. Grande parte das bibliotecas no Brasil e no mundo tudo, como mostra a página da IFLA “COVID-19 and the Global Library Field”,17 também suspenderam seus serviços presenciais por tempo indeterminado, passando a adotar mecanismos para continuar oferecendo alguns serviços de forma remota ou em outras variantes sem contato pessoal. Entretanto, a informação acerca dessas iniciativas é escassa e pouco sistematizadad. Se conhece que, nos Estados Unidos, a consultora Ithaka S+R vem monitorando a atuação das bibliotecas desse país, por meio de questionários que atualizam seus resultados em tempo real.18 Na França, o Ministério de Educação Superior mantém uma plataforma de monitoramento das ações das bibliotecas universitárias desse país.19 Até o momento de realização da presente pesquisa, não existia informação sistematizada sobre a atuação das bibliotecas no Brasil durante o período de fechamento de serviços presenciais que permitisse refletir sobre o papel e capacidade de resposta destas instituições durante situações de emergência.
Portanto, esta pesquisa se propõe como objetivo geral caracterizar como as bibliotecas universitárias brasileiras estão provendo serviços e produtos para a comunidade acadêmica e a sociedade em geral, durante esse período, e quais desafios enfrentam nessa situação, a partir das perspectivas das bibliotecárias e bibliotecários atuantes nestas instituições. Os resultados podem contribuir para fundamentar decisões em diferentes âmbitos (instituições, entidades de classe, cursos de Biblioteconomia) relacionados com dimensões como treinamento e competências, infraestrutura, manuais e protocolos de atuação, entre outras.
Métodos
Para ter uma aproximação à complexidade do fenômeno que pretendemos investigar, recorre-se à pesquisa descritiva, quanti-qualitativa. A pesquisa descritiva tem como finalidade “a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relação entre variáveis".20
Levando em conta a importância das universidades públicas na produção científica no país, e especialmente, a atuação das universidades federais no enfrentamento à COVID-19,11 se decidiu inicialmente focar o estudo no sistema de bibliotecas das universidades federais. Para isso, se realizou um levantamento exaustivo das bibliotecas diretamente nos sites de 69 universidades federais de todo o paíse. Se identificaram 604 bibliotecas, das quais 557 tinham e-mails de contato institucional.
Para cumprir o objetivo do estudo se definiram as seguintes variáveis: 1) nome da instituição 2) tipo de biblioteca (central ou setorial), 3) área de conhecimento, 4) data de fechamento, 5) situação laboral dos bibliotecários (teletrabalho, presencial), 6) serviços e produtos oferecidos durante a suspensão do atendimento presencial, 7) canais de comunicação com os usuários, 8) situação dos serviços de referência, 9) uso de tecnologias e redes sociais, 10) funcionamento dos setores técnicos, 11) serviços e produtos de apoio à pesquisa, 12) situação dos cursos e treinamentos, 13) serviços e produtos demandados, 14) principais desafios para o trabalho no contexto atual e 15) mudanças previstas para o futuro. Após a coleta de dados se adicionaram as variáveis estado, região geográfica e categoria administrativa da instituição para melhor caraterização das instituições respondentes.
Como técnica de coleta de dados se utilizou um questionário elaborado no Google Forms, composto com quinze questões, entre abertas e fechadas, conforme disposto no anexo 1, que cobrem as 15 variáveis indicadas no parágrafo anterior. Algumas perguntas foram adaptadas do questionário elaborado por Ithaka S+R.18 Os convites para preenchimento do questionário foram enviados duas vezes para cada endereço institucional das 557 bibliotecas universitárias federais durante o período de 13 a 20 de abril de 2020. No dia 21 de abril, por meio da Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias (CBBU) da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, o convite foi enviado à lista de discussão da CBBU que inclui bibliotecas das categorias administrativas públicas federais (universidades e institutos federais), estaduais e privadas. Não houve forma de saber o quantitativo de bibliotecas que receberam esse convite. O questionário esteve disponível para preenchimento até 30 de abril de 2020. Ao final do prazo foram coletadas 188 respostas.
Após o fechamento do questionário, as respostas foram descarregadas numa planilha de Excel. Se normalizaram os dados, uniformizando as siglas das universidades e as tipologias de bibliotecas informadas pelos respondentes. O processamento, a análise e a visualização dos dados foram realizados em Microsoft Excel.
A partir dos dados coletados se realizou análise estatística de frequências para as respostas das perguntas fechadas e análise de conteúdo para as respostas das questões abertas. Seguindo Bardin,21 se estabeleceram três fases: 1) pré-análise; 2) exploração do material; 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. As categorias de análise das respostas de perguntas abertas não foram pré-definidas, mas foram emergindo durante a exploração do material, em um movimento de aproximação e agrupamento segundo afinidade das respostas. Se contabilizou também a frequência de aparição das respostas dentro das categorias para valorar sua importância durante a interpretação dos resultados. Se elaboraram quadros síntese com as categorias e os comentários narrativos.
Resultados
Bibliotecas participantes
A pesquisa obteve no total 188 respostas de bibliotecários vinculados a 64 instituições de ensino superior. A quantidade de respostas por instituição está disponível no (Anexo 2). Cento sessenta e oito (168) respostas procediam de bibliotecas de 47 universidades públicas federais, para um 68 % de cobertura do total de instituições desta categoria (69 universidades federais). As instituições com 5 ou mais respostas são: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG (23 respostas); Universidade Federal de Rio Grande do Sul-UFRGS (17); Universidade Federal de Rio Grande do Norte-UFRN (17); Universidade Federal de Paraíba-UFPB (8) e Universidade Federal de Campina Grande-UFCG (7); Universidade Federal do Ceará-UFC (6); Universidade Federal Fluminense-UFF (6) e Universidade Federal de Rio de Janeiro-UFRJ (5).
As 20 respostas restantes foram aportadas por instituições que responderam o convite via CBBU. Embora não estavam previstas no desenho original da pesquisa se decidiu incluir nas análises. Se obtiveram 10 respostas de 10 instituições de ensino privadas (1 cada); 7 respostas de 4 universidades estaduais (com destaque para a Universidade de São Paulo, com 4 respostas) e 3 respostas de 3 institutos federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológicaf.
As instituições se distribuíram em 22 estados, mais o Distrito Federal, de modo que não se obtiveram respostas apenas dos estados Acre, Amapá, Tocantins e Mato Grosso. Apesar dessa ausência, todas as cinco regiões brasileiras estão representadas, a saber: nordeste com 70 respostas (37 %); sudeste com 59 (31 %); sul com 37 (20 %); norte com 13 (7 %) e o centro-oeste com 9 (5 %).
Para classificar a organização administrativa das bibliotecas universitárias se utilizou a denominação de setorial e central. As bibliotecas setoriais atendem as unidades específicas as quais pertencem, geralmente, um departamento, instituto ou faculdade; isso implica em uma delimitação maior de usuários e áreas do conhecimento. No país é comum essa descentralização das bibliotecas por meio da institucionalização setorial seguindo uma estrutura de distribuição dos cursos de graduação e pós-graduação e áreas do conhecimento. Em contrapartida, as bibliotecas centrais podem ser únicas em um campus universitário como também podem ser aquelas que funcionam como núcleo técnico e de apoio às setoriais. As bibliotecas centrais estão vinculadas a uma maior quantidade de cursos e instituições dentro da universidade; por vezes é dentro de sua estrutura física que reside a administração do sistema de bibliotecas. Como meio de padronizar as respostas consideramos essas duas definições, as quais resultaram em 139 bibliotecas setoriais e 49 centrais, correspondendo respectivamente a 74 % e 26 % das respostas.
O questionário solicitava que os respondentes classificaram a qual área de conhecimento (segundo Tabela de área do conhecimento dos órgãos de financiamento de pesquisa como o CNPq e Capes) se encontrava vinculada sua biblioteca. Apesar das classificações serem em alguma medida excludentes e compreender que existem bibliotecas que atendem todas as áreas de conhecimento, foi subentendido que os participantes poderiam responder a partir da predominância temática contemplada pelo acervo ou pela própria comunidade acadêmica a que serve. Sendo assim, 173 respostas e auto localizaram suas bibliotecas dentro de alguma área do conhecimento (Fig. 1). Três áreas destacaram: "Ciências Exatas e da Terra" (com 39 respostas), “Ciências Sociais Aplicadas (38) e “Ciências da Saúde” (33).
Situação das bibliotecas em relação às medidas de distanciamento social e teletrabalho
Diante das medidas de distanciamento social recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e o Ministério de Saúde Pública do Brasil, as instituições de educação superior procederam à suspensão das atividades acadêmicas. Essas suspensões ocorreram em datas diferentes, geralmente, na segunda quinzena de março, porque cada instituição de ensino estava reagindo de modo autônomog. Segundo as respostas obtidas, a primeira data registrada de fechamento é 1 de março e a última, 26 de março. A concentração maior de fechamentos ocorreu entre os dias 16 e 23 de março, sendo o 18 de março o dia de fechamento de 24 % das bibliotecas.
Diante desse “fechamento das portas” das bibliotecas, perguntamos acerca da situação laboral dos bibliotecários. Se registraram 188 respostas. A maior parte respondeu que “A todos os trabalhadores da biblioteca foi requerido aderir ao teletrabalho” (155 respostas, 82 %), seguido de “O teletrabalho é permitido para alguns setores” (21 respostas, 11 %), e “O trabalho presencial encontra-se em andamento com revezamento de turnos” (7 respostas, 4 %). O “teletrabalho não é permitido” obteve (1) uma resposta; contudo, sabemos que, no período de envio do questionário, essa instituição já estava em regime de teletrabalho. O “home office” também foi sinalizado por quatro respondentes (2 %), mas há uma diferença entre teletrabalho e aquela modalidade de trabalho também a distância que é a não exigência de formalização em contrato de trabalho. Diante das instituições pesquisadas, sabemos, contudo, que são trabalhadores com as devidas formalizações laborais. A dispensa do “home office” foi ainda aqui registrada uma vez em razão de: “Apenas uma bibliotecária não está atuando em home office por fazer parte do grupo de risco e não ter familiaridade com as novas tecnologias”.
Como as bibliotecas fecharam em momentos diferentes, certamente, retornarão em momentos também diferentes, portanto, os respondentes foram convidados a oferecer comentários ou explicações maiores dadas as peculiaridades de cada instituição. Podemos perceber por meio dos comentários acerca do regime de trabalho o registro de algumas situações: férias coletivas em casos de terceirizados e bibliotecários, trabalho semipresencial e revezamento do atendimento presencial ou ida à biblioteca conforme demanda específica e necessidade. Dentre algumas falas que ilustram essa situação de atendimento:
“Há trabalho presencial para dar andamento a algumas demandas que só podem ser resolvidas presencialmente, como acompanhar algumas pequenas reformas que estavam programadas; o empréstimo de notebooks para servidores em trabalho remoto e que não possuem computador em casa; dentre outras atividades”.
“Conforme demanda é permitido um funcionário que não pertence ao grupo de risco entrar na biblioteca para digitalização ou empréstimos de livros”
“Algumas pessoas exercem trabalho presencial, se necessário”;
“Estamos flexibilizando de alguns funcionários trabalharem no período da tarde, mas sem atendimento externo”.
Atuação das bibliotecas durante o contexto de pandemia
Uma pergunta de múltiplas respostas indagou sobre os produtos e serviços ofertados pelas bibliotecas (Fig. 2). Como se observa das 188 respostas à pergunta, os serviços oferecidos pela imensa maioria das bibliotecas foram atendimento de dúvidas e solicitações pelo e-mail (185 respostas, 98 %) e acesso à repositórios e bases de dados online (181 respostas, 96 %). Segue, com 85 % (161 respostas), a elaboração de fichas catalográficas para trabalhos de conclusão de curso.
Além desses serviços e produtos comumente realizados pelas bibliotecas, o que chama atenção é justamente a inversão do empréstimo de materiais impressos, em razão das bibliotecas estarem fechadas diante desse contexto, com algumas exceções de empréstimos mediante demanda, agendamento ou por meio da criativa implantação do "Drive Thru"h de livros. A predominância dos serviços baseados em recursos eletrônicos assume um espaço e intensidade predominante nas bibliotecas, talvez como jamais visto.
Outras opções de serviços foram sinalizadas ainda dentro dessa questão, a saber: “projeto de extensão”; “o agendamento de devolução de obras aos concluinte”; “emissão de nada consta”; “depósito de TCC, dissertações e teses no Repositório Institucional”; “pedido de ISBN para obras publicadas pela universidade”; “normalização de artigos de periódicos” e “serviços internos, administrativos” e “capacitações”.
Os canais de comunicação são essenciais diante da manutenção dos serviços e do próprio trabalho. Para verificar quais canais de comunicação eram utilizados se realizou uma pergunta de múltiplas respostas (Fig. 3). Se observa que todas as bibliotecas respondentes mantêm o e-mail como uma forma de comunicação (188 respostas, 100 %), seguido do Facebook (147 respostas, 78 %) e Instagram (103 respostas, 55 %). O uso do WhatsApp tem ganhado mais espaço institucionalmente, sobrepassando inclusive ao telefone, podendo se configurar como uma nova tendência de comunicação institucional. Destacamos aqui uma baixa aderência ao chat da biblioteca e o site da biblioteca e/ou da instituição, o que poderia sinalizar uma ausência dessas ferramentas como apoio/recurso ao serviço de referência virtual.
Para compreender com mais detalhe sobre o serviço de referência neste período foi solicitado indicar sua situação, entre várias alternativas (Fig. 4). Esta pergunta foi respondida por 185 participantes. Como esperado, a maior parte dos serviços de referência estão funcionando de modo remoto, online ou por telefone (169 respostas, 83 %). Um 10 % (20 respostas) registrou que não está funcionando, mas sem indicar os motivos. Houve também em menor número do registro híbrido do serviço de referência (presencial e online); tais casos se aplicam aqueles agendamentos e demandas específicas.
Um dos serviços que usualmente se oferecem dentro do âmbito dos serviços de referência das bibliotecas universitárias são os cursos e os treinamentos orientados a desenvolver habilidades nos usuários para uso de bases de dados e outros recursos, normalização de trabalhos acadêmicos, depósito em repositórios, dentre outros. Por isso, se considerou interessante indagar na situação dos cursos e treinamentos (Fig. 5). A pergunta oferecia 5 alternativas de resposta. Dos 180 respondentes, 41 % (75 respostas) respondeu que os cursos tinham cessado, ao que se somam algumas poucas respostas (4) que indicaram que não se aplica ou não há oferta para esse momento. Aproximadamente 38 % dos respondentes indicaram que os cursos estavam sendo oferecidos virtualmente (67 respostas). A partir dos comentários foi possível perceber também que as bibliotecas não se sentem diretamente responsáveis pela oferta dos cursos, mas pela sua divulgação. Por exemplo: “O Portal Capes oferece treinamento online”, “os cursos e treinamentos oferecidos virtualmente são acordados com os representantes de editoras e/ou cursos disponíveis gratuitamente”. Quanto a realização dos cursos e treinamentos virtualmente algumas bibliotecas disseram que: “por meio de tutoriais divulgados em redes sociais” e “tutoriais do sistema de biblioteca e site da biblioteca”, o que nos leva a entender que tais materiais estão prontos e não são realizados em tempo real nem foram criados durante esse momento específico.
As tecnologias de informação constituem um dos caminhos para a manutenção dos serviços e produtos das bibliotecas, portanto, buscamos compreender, por meio de uma pergunta aberta, como as redes sociais e outras tecnologias vêm sendo utilizadas para apoiar os usuários nesse contexto. Se obtiveram 171 respostas. Da análise de conteúdo delas se chegou a quatro categorias: “Divulgação e comunicação”; “Atendimento de demandas específicas”; “Respostas imprecisas”; e, “Se estão utilizando pouco ou nada”. A categoria “Divulgação e comunicação” concentrou a maior parte das respostas (115 respostas, equivalente a 67 %). Nela se agruparam respostas que mencionaram frequentemente as redes sociais (Facebook, Instagram, as mais citadas), para a divulgação de informações aos usuários, e outras ferramentas (site e e-mail) como canais de prestação de serviços (fichas catalográficas, “nada consta” e dúvidas sobre o funcionamento dos serviços da biblioteca).
Dentre os conteúdos que se divulgam estão: serviços em funcionamento; tutoriais; fontes de informação online (e-books, audio-books, bases de dados, bibliotecas digitais); serviços de normalização; dicas de leitura e músicas; sugestão de filmes e documentários; informações sobre entretenimento e cultura; cursos e webinars; notícias institucionais e da atualidade, em especial, sobre o isolamento, pandemia e COVID-19. Acerca da pandemia de COVID-19, dezessete (17) bibliotecas explicitaram a divulgação de diversas informações, incluindo informações sobre apoio psicológico, por exemplo, dicas “para auxiliar a lidar com o estresse e dificuldades de organização da vida no contexto atual de isolamento social”. Contudo, consideramos se tratar de um número pouco expressivo de informações, diante da importância da biblioteca em veicular informação segura e confiável sobre um tema que tem sido alvo de fake news e desinformação.
Por outro lado, apesar do número significativo de respostas dentro dessa categoria “Divulgação e comunicação”, não fica claro qual a frequência das postagens, se há uma política de disseminação, quem são os responsáveis por esse serviço e se existe interação efetiva com os usuários. Podemos perceber que a produção de conteúdos e materiais informacionais próprios também não apareceu como uma preocupação predominante, limitando-se geralmente à reprodução e a disseminação de conteúdos e informações criadas por terceiros. Destacamos a resposta da biblioteca que melhor expôs o uso das redes sociais:
"Estamos dando uma atenção especial para as redes sociais, com dois enfoques:1) Compartilhar informações confiáveis, principalmente sobre o vírus, mas também disseminação da informação do que a Universidade está fazendo para auxiliar a comunidade neste momento; 2) Produção de material para apoio a nossa comunidade, seja apoio à pesquisa, ou até mesmo emocional. Procurando postar diariamente, ao menos 3 vezes, publicações originais, para que os alunos mantenham o vínculo conosco".
Na segunda categoria “Atendimento de demandas específicas”, que concentrou 26 respostas (15 %), localizamos o uso pontual das tecnologias para responder dúvidas, atender demandas de serviço e informes institucionais gerais e da biblioteca, como, por exemplo: “Estamos atendendo as demandas dos usuários que nos chegam através dos canais de comunicação da biblioteca”, “Atendemos as demandas que aparecem” e “Para responder às dúvidas dos usuários e orientá-los”.
A terceira categoria, “Respostas imprecisas”, foi criada para englobar 22 respostas (13 %) vagas, como, por exemplo: “estão funcionando normalmente”, “ativamente”, “periodicamente”, “bem usadas”, mas sem nenhuma especificação sobre como estão sendo utilizadas. Foi frequente também a menção de recursos informacionais sem explicação. E, por fim, na quarta categoria “Se estão utilizando pouco ou nada” se agruparam 8 respostas (5 %), incluindo as que declararam que “não estão”, “não estão sendo usadas” ou “estamos estruturando serviços via redes sociais, mas ainda não implementadas”. Foi interessante observar que a divulgação de informação via redes sociais aos usuários se percebe como sendo uma atribuição quase que exclusivamente do serviço de referência, mesmo que a pergunta tenha sido aberta ao contemplar o funcionamento de outros serviços por meio das tecnologias de informação e comunicação.
Se anteriormente buscamos compreender a oferta de serviços e produtos para os usuários sem especificá-los, a próxima questão focou no apoio aos pesquisadores que trabalham no enfrentamento à COVID-19 (Fig. 6). A pergunta, de múltipla escolha, obteve 186 respostas. O 32 % (61 respostas) indicou que “não se aplica”, pelo que se infere que essas bibliotecas não estão atuando nesse sentido, o que chama atenção em razão da COVID-19 não ser um tema ou problema de uma área em específico. As bibliotecas que deram essa resposta estão associadas às seguintes áreas: Ciências Sociais Aplicadas (20 respostas); Ciências Exatas e da Terra (14 respostas); Engenharias (8); Ciências Humanas (7); Ciências da Saúde (4); Linguística, Letras e Artes (4); Biológicas (1). Outras 3 bibliotecas que não se localizaram em uma área do conhecimento específica também deram essa resposta.
Contudo, o resto das respostas (68 %) indicaram apoio ao enfrentamento à COVID-19 por meio de diversos serviços e produtos. Os três mais recorrentes foram a disseminação seletiva da informação, a busca de informação e as bibliotecas virtuais.
Na Fig. 6 se representou também a categoria “Outros” com 25 respostas. Nesta categoria se agruparam os seguintes serviços: normalização; clipping de notícias; capacitação em bases de dados (Proquest e outras disponíveis no Portal da Capes); criação de comunidade específica no repositório; divulgação de repositórios e base de dados com acesso livre aos materiais; e pesquisa online. Também, esse espaço foi destinado a alguns comentários que, porventura, não foram contemplados nas outras categorias como, por exemplo: “empréstimo, devolução, renovação, sala de leitura”; “divulgação das ações desenvolvidas na Instituição” e “não atendemos nenhuma demanda de pesquisador no tema COVID-19". Dentre os comentários interessantes, uma biblioteca da área de Ciências Sociais Aplicadas sinalizou: "estamos divulgando cursos ofertados por bases de dados na área para que os bibliotecários possam se capacitar e auxiliar nas pesquisas baseadas em evidências".
Levando em consideração que as bibliotecas da área da saúde estão vinculadas às escolas, às faculdades e os cursos de Medicina, Enfermagem e de outras profissões diretamente ligadas ao enfrentamento da COVID-19, buscamos olhar detidamente para as 33 bibliotecas respondentes (Fig. 7). Como se observa, essas bibliotecas da área da saúde têm realizado ações em três grandes frentes: disseminação seletiva da informação, busca de informação e pesquisa bibliográfica. Contudo, não existe uma diferença muito expressiva em tipos e frequência de serviços com respeito às outras bibliotecas associadas às outras áreas do conhecimento.
É interessante observar que nenhum bibliotecário(a) nas bibliotecas da área da saúde respondentes comentou sobre as pesquisas comumente utilizadas na Medicina Baseada em Evidência (MBE). Um dos respondentes apontou que: "ainda não nos foi solicitado, porém estamos desenvolvendo um projeto para o enfrentamento da COVID-19 e pretendemos dar suporte nas informações para a comunidade acadêmica". A capacitação, normalização (“normalização de Nota Técnica sobre a COVID-19 e a saúde dos idosos” e “normalização para qualificação de doutorado”) e a divulgação de base de dados, explicitados na Fig. 7, apareceram dentro da categoria “Outros”.
Se indagou também sobre o funcionamento de outros setores da biblioteca (por exemplo, desenvolvimento de coleções e processos técnicos) durante o período de fechamento das bibliotecas. A pergunta obteve 178 respostas. Delas, 72 (40 %) indicaram que, com as bibliotecas fechadas, esses setores não estavam funcionando. Algumas poucas respostas traziam como justificativa que se estava dando prioridade ao atendimento e aos serviços de referência, a inexistência de pessoal disponível por estar em grupos de risco, ou a impossibilidade de trabalhar remotamente com documentos em suporte físico.
No entanto, 60 % dos respondentes indicou que esses setores sim estão trabalhando, maioritariamente sob o regime de teletrabalho, utilizando os sistemas de gerenciamento bibliotecário (foram mencionados Pergamum e SIGAA), com atividades de catalogação de livros digitais, correção de registros e a “pré-catalogação” de outros materiais, que será finalizada quando do retorno às instalações da biblioteca. Uma biblioteca mencionou também o uso do WebDewey para consulta à CDD.
Apenas cinco respondentes explicaram que em alguns setores, sobretudo, processamento técnico, funcionários que não estão em grupos de risco estavam trabalhando presencialmente por turnos ou com horários flexibilizados e carga horária reduzida. Uma das bibliotecas tinha fechado só por 22 dias e no momento de responder o questionário já tinha aberto, em escala de revezamento presencial e alguns serviços por teletrabalho. Também, em cinco bibliotecas os bibliotecários levaram livros e CDs para sua casa para catalogar (ou restaurar), que seriam logo levados de volta para o acervo físico da instituição.
A categorização das respostas que se representa no Quadro 1 permitiu observar como se estão desenvolvimento três grandes grupos de atividades: desenvolvimento de acervo, processamento técnico e outras atividades relacionadas com a gestão administrativa e a informática que serão sintetizadas sob a categoria “Outras”. Pelas respostas é possível perceber que as bibliotecas estão também aproveitando o período para revisar e atualizar políticas, norma e manuais tanto no desenvolvimento de acervo como nas áreas de processamento técnico.
Desafios para a atuação bibliotecária no contexto atual e mudanças avistadas no futuro
Dos 188 participantes no questionário, 163 ofereceram respostas para a pergunta que indagava os principais desafios da manutenção dos serviços e produtos de informação no contexto atual. As principais categorias criadas a partir da análise de conteúdo se apresenta no Quadro 2. A grande maioria dos respondentes manifestou desafios relacionados com a mudança brusca do atendimento e trabalho presencial a teletrabalho e atendimento virtual, sem uma preparação prévia (protocolos de atuação, infraestrutura, competências profissionais). Uma parte dos respondentes (21 %) apontaram como principais obstáculos as dificuldades da infraestrutura tecnológica (equipamentos, conexão à internet) dos funcionários das bibliotecas para realizar suas tarefas e dos próprios usuários para aceder aos serviços e produtos online oferecidos pelas instituições.
Outros contratempos importantes estão relacionados ao empréstimo de documentos. Muitas vezes não existem substitutos digitais para materiais impressos, não é possível digitalizar livros completos, ou a biblioteca não tem autorização para oferecer acesso remoto aos seus materiais digitais. A reorganização do empréstimo e devolução dos documentos impressos é também um desafio para algumas bibliotecas que têm implantado ou desejam implantar esses serviços sob a modalidade de Drive Thru, pois algumas não possuem locais e equipamentos apropriados. É um desafio também o cuidado e a conservação dos materiais e a preocupação com a possibilidade de contaminação no processo de empréstimo/devolução, assim como a escassez (ou ausência) de equipamento de proteção pessoal para os funcionários da biblioteca.
Finalmente, conciliar o teletrabalho, as tarefas e seus prazos, no espaço residencial, com labores como cuidado dos filhos e labores domésticos, foi um problema mencionado por vários respondentes. A preocupação é mais aguda porque em alguns casos não existe uma clara delimitação dos horários que permitam separar vida laboral de vida privada e, portanto, existe risco de entrecruzamento destes espaços, com uma sobrecarga de stress e ameaças à qualidade do trabalho.
A última pergunta do questionário, aberta, visava indagar nas mudanças que os bibliotecários vislumbravam no funcionamento da biblioteca após a pandemia, quando à reabertura ao público. A pergunta foi respondida por 165 participantes. Deles, 18 indicaram não saber dizer se haveria mudanças, enquanto 11 manifestaram que não haveria mudanças e que tudo voltaria ao “normal”. Contudo, a maioria dos respondentes (136) sim vislumbrava alterações, tanto nas rotinas e serviços da biblioteca como na sociedade em geral.
As respostas, sintetizadas no Quadro 3, refletem um amplo leque de preocupações e transformações avistadas pelos participantes. Entre as principais mudanças se enxerga a reorganização dos espaços e as rotinas de trabalho na biblioteca para garantir a proteção dos funcionários, os usuários e os materiais bibliográficos, ante a perspectiva de que a contaminação pelo vírus possa continuar de maneira latente pelos próximos anos. Também, se prevê a atuação à distância para uma maior quantidade de atividades, sejam de atendimento a usuários como de gestão. O uso frequente dos serviços de referência não presenciais (via telefone ou redes sociais) na situação atual, faz pensar a alguns participantes que essa forma possa ficar no futuro (talvez, com a implantação de serviços de referência virtuais), inclusive com a diversificação de outros serviços virtuais e maior uso dos cursos e treinamentos à distância.
Outras mudanças que se enxergam têm a ver com a necessidade de investimento em tecnologias para garantir a qualidade dos serviços bibliotecários e em equipamentos de proteção pessoal para os bibliotecários e outros funcionários da biblioteca. Com relação aos bibliotecários, os participantes vislumbram mudanças, tanto nas competências e habilidades profissionais (por exemplo, com relação às tecnologias) quanto nas atitudes (proatividade, colaboração, criatividade).
Discussão
Da Biblioteconomia, como ciência social aplicada, espera-se uma atuação na sociedade a partir da compreensão desta. Nesse campo, o trabalho com a informação envolve um saber teórico e prático alicerçado no conhecimento da realidade social e na consciência de sua atuação crítica e ética; assim, a prática profissional não pode estar distanciada da reflexão sobre os problemas contemporâneos. Almejamos, portanto, “uma Biblioteconomia realizada por profissionais conscientes de suas ações, dotados de intencionalidades e efeitos de poder, bibliotecários que não se coloquem como neutros, imparciais ou objetivos"22 diante dos problemas sociais.
Ante desastres, emergências e crises sociais e econômicas, como as que vivemos atualmente, a atuação bibliotecária é imprescindível. A pandemia de COVID-19 vem acompanhada também por uma “pandemia de informações”, que coloca em evidência as assimetrias informacionais e as carências, tanto em termos de competências em informação quanto de acesso real a fontes de informação genuínas, de uma camada importante da sociedade. As bibliotecas universitárias têm aqui uma oportunidade para mostrar que são instituições essenciais para o acesso a fontes de informação confiáveis e verdadeiras, tanto para a comunidade acadêmica, quanto para a sociedade em geral, apesar de suas portas estarem fechadas. O engajamento de bibliotecários(as) é crucial para a continuidade de prestação de serviços e produtos, pois são esses sujeitos/cidadãos, também inseridos socialmente em um tempo e espaço, que vão “facilitar a criação de conhecimento, o acesso às informações e o desenvolvimento das comunidades”.23
Os resultados da pesquisa demonstram que, pese a ausência de planos e protocolos para a funcionamento das bibliotecas em situações “extremas” (e isso aqui é uma debilidade sentida), as bibliotecas universitárias brasileiras respondentes se reorganizaram rapidamente para manter sua atuação em apoio à comunidade acadêmica. Embora todas fecharam suas portas a partir da segunda quinzena de março, e até finais de maio a maioria ainda estava fechada, foi adotado regime de teletrabalho e as bibliotecas continuaram a oferecer serviços de informação, baseados fundamentalmente nas tecnologias da informação. Portanto, ganhou protagonismo o uso das bases de dados, dos repositórios institucionais, dos acervos de livros eletrônicos e das fontes em acesso aberto. Igualmente, ganhou relevância o uso das redes sociais como meios de comunicação com os usuários (Facebook, WhatsApp, Instagram, Twitter). A divulgação da informação também apareceu como uma questão central, desde a divulgação dos serviços das bibliotecas, passando por informações sobre cultura, entretenimento, utilidades públicas, chegando às informações especializadas da área da saúde. Também aumentou a valorização de cursos e treinamentos virtuais tanto por parte de bibliotecários quanto dos usuários. Portanto, as iniciativas e a atuação das bibliotecas universitárias brasileiras não ficam detrás das empreendidas por outros países, como relatado na página da IFLA dedicada à COVID-19.17
Contudo, dos resultados dos questionários percebe-se que há espaços ainda para ações mais proativas, antecipando demandas explícitas, sobretudo para apoiar aos pesquisadores que estão trabalhando no enfrentamento à COVID-19, assim como para apoiar à sociedade em sentido geral. Há uma grande necessidade de informação verdadeira, confiável, que substitua a avalanche de desinformação que hoje polui as redes sociais, que são os canais pelos quais uma grande parcela da população se informa. Destarte, a criação de conteúdos próprios, assim como de canais em YouTube, podcasts, webinars, cursos virtuais e outros, com foco na população, poderiam ser novas formas de contribuição à sociedade.
Os desafios que esta situação extraordinária coloca para as bibliotecas universitárias, tal como mencionados pelos participantes deste estúdio, abrangem uma ampla gama de questões que vão desde a infraestrutura necessária para o teletrabalho e o acesso dos usuários, passando pela reorganização de rotinas (domésticas e laborais) e de serviços bibliotecários, até o desenvolvimento de novas competências (em usuários e bibliotecários) para aproveitar as ferramentas digitais.
Um desafio importante é como organizar os espaços da biblioteca e os serviços para evitar a contaminação do material bibliográfico com o vírus, uma vez que se comecem a reabrir os espaços físicos, ou quando da criação de serviços de drive thru, delivery ou as variantes de levar materiais para catalogar e restaurar em casa. Embora não existam resultados científicos conclusivos sobre o tempo de sobrevivência do vírus nas superfícies, as recomendações gerais de diversas instituições indicam a “quarentena” dos materiais bibliográficos e práticas de higienização. Essas medidas devem formar parte do planejamento da reabertura de serviços que estão sendo estudados e adotados por bibliotecas e outras instituições de informação em diferentes países e regiões.24,25 No Brasil, antecipando uma preocupação dos gestores e equipes das bibliotecas, a Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias (CBBU) disponibilizou um documento com “Recomendações para elaboração de planejamento de reabertura das bibliotecas universitárias” que contém cinco dimensões: equipes de trabalho; acesso físico à biblioteca; acervo; outros serviços técnicos e oferta de serviços online. O documento ressalta que "cada biblioteca é um universo distinto, com realidades assimétricas neste nosso país de proporções continentais".26
Esse momento ímpar na vida expôs tanto as fragilidades quanto os desafios das bibliotecas e de seus profissionais, mas também, as transformações e mudanças que se vislumbram no futuro próximo. Embora alguns bibliotecários acreditam que tudo voltará à “normalidade”, grande parte dos respondentes avista mudanças importantes na sociedade e no trabalho das bibliotecas, suas rotinas, seus serviços, nas percepções dos usuários e até na maneira em que os bibliotecários vão interagir a partir de agora com os usuários e com seus colegas da biblioteca. Das respostas emerge uma aposta grande na virtualidade, nas tecnologias da informação. Acreditamos, contudo, que não devemos cair numa nova armadilha tecnocêntrica. O momento atual também demonstra que necessitamos repensar, justamente, a questão do acesso à informação, que não está livre de impedimentos e assimetrias. Falar das tecnologias de informação e comunicação nos ambientes sociais convoca à reflexão de uma ética da informação e da tecnologia em nossas sociedades (local e global), notadamente desiguais. Como coloca a IFLA,27, Librarianship is, in its very essence, an ethical activity embodying a value-rich approach to professional work with informationi. É um convite também a refletir sobre a responsabilidade social da biblioteca e seu papel na garantia da inclusão e da sustentabilidade.
Junto com Boaventura de Souza Santos poderíamos dizer que “a pandemia e a quarentena estão a revelar que são possíveis alternativas, que as sociedades se adaptam a novos modos de viver quando tal é necessário e sentido como correspondendo ao bem comum”.3 Também, junto com o Consejo Latinoamericano de Investigación para la Paz (CLAIP), consideramos que necessitamos “uma nova normalidade”, que varra com a normalidade que naturaliza a desigualdade, a ignorância, o egoísmo, “que privatiza os benefícios e socializa as perdas”.28 O manifesto “Para uma nova normalidade” do CLAIP, entre outros reclamos diz: “uma nova normalidade que reconheça as diferentes formas de conhecimento e promova seu florescimento a partir do desenvolvimento de uma educação pública e gratuita de qualidade, e não de quotas e estatísticas, baseada na corresponsabilidade dos que integram o processo de construção do conhecimento e em estratégias educativas dialógicas, senti-pensantes, participativas e emancipatórias. Um paradigma educativo que fomente a reflexão crítica, os afetos e a solidariedade entre os povos”.28 Acreditamos que a atuação e os desafios das bibliotecas universitárias brasileiras nesses tempos de COVID-19 devem ir no caminho de contribuir com a construção dessa nova sociedade.