Introdução
Na contemporaneidade, a Internet é a principal fonte de informação das diversas sociedades e, como tal, constitui morada dos mais variados temas e conteúdos produzidos e consumidos. Nesse cenário, surgiu um fenômeno conhecido como a “Cultura da Convergência”, o que designa não apenas uma mudança tecnológica, mas transformações nos processos culturais, sociais e mercadológicos que ocorrem tanto nas interações entre indivíduos como nas relações destes com as novas tecnologias e seu múltiplo fluxo midiático.1 Prova disso é o uso dos motores de busca, como o Google que permite conectar a um vasto repositório de dados e fornecer repostas rápidas, mas nem sempre confiáveis.2
A utilização desse recurso também vem sendo observado durante a pandemia do novo coronavírus (SARS.CoV.2), pelo comportamento de busca incessante de informações para subsidiar estratégias terapêuticas.3 No entanto, a inexistência de vacinas licenciadas e tratamentos medicamentosos comprovadamente eficazes e específicos,4,5 observou.se um aumento expressivo de publicações, com interpretações diversas, equivocadas e, muitas vezes subutilizadas,6 o que causou uma situação alarmante em saúde pública.7
Frente a isso, iniciou.se os procedimentos e ações governamentais na prevenção dessas práticas de comunicação questionáveis, a fim de fortalecer os planos para enfrentamento da doença.8 Apesar disso, cabe ressaltar, que a comunicação, principalmente por meio das mídias, foi responsável também pelo sucesso de algumas políticas públicas para minimizar os efeitos danosos da COVID-19.9 Esse foco nas políticas públicas foi visto por muitos meios de comunicação como um componente indispensável para a garantia do direito, dignidade e proteção dos cidadãos e uma oportunidade para o fortalecimento das práticas de educação à saúde.10
As estratégias de educação em saúde nesse momento pandêmico estão sendo essenciais, particularmente no combate das propagações de informações falsas (fake news) que colocam em risco a adesão e sustentação das medidas protetivas.11 As fake news, entre tantas desinformações, distanciou e desacreditou a população sobre as evidências científicas, gravidade e evolução da COVID-19.12) Assim, além da dificuldade em gerenciar a complexidade de cuidados durante a pandemia, o profissional de saúde tem enfrentado também desafios em educar a população sob essa forte influência midiática.13
Adicionalmente, muitas fake news tiveram importante papel para que medicamentos fossem utilizados, cogitados e especulados na prevenção ou tratamento da COVID-19.14) Em consequência, a ideia de uma cura milagrosa e as repercussões do uso inseguro e sem efetividade desses medicamentos puderam mascarar circunstâncias de melhora de quadros clínicos ou intensificar prejuízos a curto, médio ou longo prazo à saúde individual e coletiva, uma vez que, pesquisas científicas e longitudinais com humanos ainda estão em andamento.15,16,17
Dessa forma, ao considerar os possíveis riscos envolvidos na valorização e/ou aquisição de medicamentos não aprovados para a COVID-19, embasados muitas vezes apenas no acesso e disseminação de informações de diversas fontes não oficiais/institucionais, o objetivo do estudo foi mapear as buscas eletrônicas dos medicamentos mais populares na pandemia da COVID-19 no Brasil.
Métodos
Estudo exploratório, retrospectivo e misto. O estudo ocorreu em julho de 2020, diretamente no Google Trends® (GT). Para isso, realizou.se a filtragem de acessos, com delimitação geográfica para o Brasil; delimitação temporal, referente aos últimos 90 dias (periódico pandêmico com grande expansão de casos e óbitos no Brasil) e delimitação temática, para saúde (medicamentos).
Os medicamentos mais populares buscados eletronicamente durante a pandemia no Brasil foram: ivermectina, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e dexametasona. Estes medicamentos foram inclusos no GT, com as delimitações pré.estabelecidas. Para evitar interferências na busca, realizou.se a exclusão de todo histórico de dados de navegação e cookies.
Para a seleção dos noticiários, utilizou.se o Google News® (GN) com os mesmos termos de busca (medicamentos), sendo incluídos os cinco primeiros apresentados (Top 5) referente à semana de realização do estudo (06/07 a 12/07). Utilizou.se esse recorte temporal para o GN por conta do fenômeno da infodemia, que aumentou consideravelmente a alimentação das mídias digitais, logo, a atualização constante dos noticiários.
Os dados foram analisados a partir da geração de figuras, conforme a metodologia do GT, em que os algoritmos normalizam dados a partir de um número total de buscas em determinada região/período em uma escala que oscila entre 0 (volume de buscas menor que 1% em relação ao pico de popularidade) e 100 (pico de acessos) apresentados como Volumes Relativos de Busca/s (VRB). Os VRB são, por definição, sempre menores que 100 (eixos Y dos gráficos) retratando buscas em valores relativos, comparáveis a volumes de acessos mais altos ao longo de um período.18 De forma complementar, pautou.se nos critérios de noticiabilidade de Erbolato,19) para organizar os noticiários selecionados em seis critérios: interesse, proeminência, progresso, consequências, apelo e expectativa.
A escolha do Google para este estudo, deve.se à sua vasta utilização pelo mundo e por ser considerado um dos principais meios para realizar buscas eletrônicas e acessar noticiários.20 Além disso, lidera mais de 90% das atividades de busca Web, mostrando potencial de estimar, prever e monitorar epidemias.21
Foram respeitados todos os aspectos éticos desse tipo de pesquisa, de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), com apreciação do CEP da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e parecer de aprovação n. 4.183.874/2020.
Resultados
As buscas eletrônicas durante o período do estudo no Brasil revelaram comportamento similar entre os medicamentos, mas com destaque para as oscilações referente a ivermectina, cloroquina e dexametasona. Todas as medicações possuíram crescimento de acessos em períodos distintos, com ascendência da ivermectina (Fig. 1).
Especificamente em relação a ivermectina entre os Estados brasileiros, observou maior concentração em Mato Grosso e Rio Grande do Norte, com 80 e 100 VRB, respectivamente (Fig. 2).
Os noticiários mais visitados, apresentam conteúdos que contrapõe o uso de alguns desses medicamentos, como a ivermectina e ressaltam o comportamento de grupos, figuras públicas ou lideranças políticas, no caso da cloroquina principalmente, em que enfatizam o uso mesmo sem comprovação científica. Outros noticiários, sobre hidroxicloroquina e azitromicina dão ênfase às pesquisas que estão sendo desenvolvidas e aos riscos dessas medicações. Os conteúdos sobre dexametasona foram inespecíficos, estando associados ao contexto geral de medicações durante a pandemia da COVID-19 (Quadro).
P r o e m i nên ci a | Medicamentos pesquisados | ||||
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Ivermectina* | Cloroquina* | Hidrox* | Dexam* | Azitromicina* | |
. | Goodman J, Giles C. O que se sabe até agora sobre cloroquina, droga defendida por Bolsonaro. Disponível em: |
Carvalho P. Remédios que Bolsonaro tomou contra COVID-19 não têm eficácia comprovada. Disponível em: |
Carvalho P. Remédios que Bolsonaro tomou contra COVID-19 não têm eficácia comprovada. Disponível em: |
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Pr o g r e s s o | Goodman J, Giles C. O que se sabe até agora sobre cloroquina, droga defendida por Bolsonaro. Disponível em: |
Valor Econômico. Drogas contra hepatite C ajudam a combater a COVID-19, mostram testes no Irã. Disponível em: |
Mídia Bahia. Kits COVID-19, com ivermectina e azitromicina, não têm comprovação de eficácia contra o coronavírus. Disponível em: |
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Co n s e q u ê n c i a s | Guimarães E. Médico diz que uso de ivermectina no combate à COVID-19 é 'delírio’. Disponível em: |
Prata P. Estudos falharam em provar benefícios da cloroquina para tratamento da COVID-19. Disponível em: |
Istoé. Hidroxicloroquina a longo prazo não protege das formas graves da COVID-19, afirma estudo. Disponível em: |
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Ap e l o | GAUCHAZH Política. O que dizem os prefeitos que pretendem distribuir ivermectina e outros remédios para prevenir a COVID-19. Disponível em: |
Bottrel F. Cloroquina funciona contra coronavírus? Vídeo explica o método científico. Disponível em: |
Gaglioni C. 10 pontos.chave para entender a cloroquina e a hidroxicloroquina. Disponível em: |
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Ex p e c t a t i v a | GAUCHAZH Política. O que dizem os prefeitos que pretendem distribuir ivermectina e outros remédios para prevenir a COVID-19. Disponível em: |
Henrique A. Prefeitura de Unaí distribui kits com Azitromicina; Nitazoxanida; Dexametasona e Cloroquina. Disponível em: http://patosagora.net/coluna/prefeitura.de.unai.distribui.kits.com.azitromicina.nitazoxanida.dexametasona.e.cloroquina Acesso em: 12 jul. 2020. | Araújo F. Prefeitura de Boa Vista compra 700 mil comprimidos de Ivermectina e Azitromicina para tratar COVID-19. Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/07/07/prefeitura.de.boa.vista.compra.ivermectina.e.azitromicina.por.r.22.milhoes.sem.licitacao.ghtml Acesso em: 12 jul. 2020. |
Hidrox: hidroxicloroquina, Dexam: dexametasona. *Todas as notícias apresentaram o critério de interesse.
Discussão
A busca por potenciais medicamentos eficazes no tratamento da COVID-19 é intensa em todo o mundo.22 No Brasil, as buscas eletrônicas estão ocorrendo de forma exacerbada tanto em estudos científicos como em pesquisas informais,23,24 com maior destaque aos fármacos cloroquina, hidroxicloroquina, dexametasona e ivermectina. Exemplo disso, são os picos de buscas eletrônicas pela cloroquina entre a segunda e terceira semana de maio de 2020 pelo GT, sendo esse comportamento relacionado com o maior volume de publicações sobre os resultados benéficos da cloroquina nos testes in vitro25,26 e resultados preliminares promissores quanto ao uso para casos não graves.27,28
Outros motivos, porém, vinculam.se ao baixo custo e a forte propaganda da cloroquina no Brasil e Estados Unidos, além da recomendação elaborada junto aos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), Centro de Controle de Doenças (CDC) e National Health Commission of the People's Republic of China e Food and Drug Administration (FDA) com a implementação em alguns países asiáticos e norte americano.29,30,31,32,33,34
Os resultados também evidenciam que a cloroquina apareceu em 10 das 25 notícias reveladas pelo GN. Esses dados indicam alguns critérios de noticiabilidade,19) que para este medicamento identificou a proeminência, em virtude do envolvimento do Presidente que afirmou melhoras de pacientes e, posteriormente, o uso do próprio fármaco em seu tratamento da COVID-19. Por conseguinte, o critério apelo está diretamente ligado ao de proeminência, visto que quanto maior a notoriedade das pessoas envolvidas no acontecimento, maior curiosidade este acontecimento gerará, logo, maior será a sua noticiabilidade. O critério progresso esteve presente, ao fazer referência às descobertas e certames em torno do medicamento, enquanto o critério consequência, relacionou.se à repercussão e resultados até o momento.
A hidroxicloroquina apresentou um menor número de buscas, pois é recomendada como segunda opção nos casos de indisponibilidade da cloroquina devido a comprovação de maior risco cardíaco.35 Não obstante, sua combinação com a cloroquina nos principais estudos clínicos randomizados não demonstraram benefício no tratamento de pacientes hospitalizados com diagnóstico de COVID-19 grave tampouco como forma profilática pós exposição.36 O recente estudo da Randomised Evaluation of COVID-19 Therapy (Recovery) publicado em junho concluiu que além de não conseguir identificar nenhum benefício clínico com os pacientes hospitalizados com COVID-19, associou o uso da hidroxicloroquina com o aumento do tempo de internação e maior risco de progredir para ventilação invasiva mecânica ou morte.37
Outros estudos ainda encontraram que o uso combinado desses fármacos com antibióticos foi amplamente desencorajado pela Food and Drug Administration (FDA), devido aos riscos de complicações cardiovasculares.16,27 Essas evidências possivelmente também refletiram na queda sequencial das buscas eletrônicas por cloroquina e hidroxicloroquina em junho, bem como nos noticiários que realçaram esse impasse da ciência versus a defesa pela utilização desses medicamentos por figuras públicas, ou seja, o confronto entre evidências científicas e senso comum.
Na hidroxicloroquina, a adoção da proeminência, consequências e apelo como critérios de noticiabilidade,19 associou.se à proximidade para o resultado da cloroquina, que combinados entre si, contemplam o panorama atual de especulação e/ou uso.
Já com a dexametasona, o pico ocorreu a partir da publicação de uma nota pela Nature em 16 de junho, com a descrição que esta era a primeira medicação comprovadamente viável para a COVID-19.38) Contudo, o relatório preliminar deixou claro a redução do número de mortes em um terço dos pacientes em ventilação e em um quinto entre aqueles que estavam apenas com oxigênio, ou seja, a sua indicação seria somente para os casos sintomáticos moderado a grave de COVID-19.39,40) Logo, o que pareceu ser um recurso para mitigação do cenário de crescimento exponencial da pandemia no Brasil, perdeu o interesse de buscas eletrônicas com menos de três dias de divulgação da descoberta, reflexo da sua indicação restrita a perfis específicos e sem benefícios profiláticos.
Dessa forma, o pico de busca da dexametasona nesse curto intervalo, pode também ter seguido a hipótese apontada na Itália, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, França, Irã e Países Baixos, em que a pesquisa nos motores de busca foi motivada por um aspecto que anteriormente não era reconhecido no tratamento da COVID-19,40 mesmo não configurando a descoberta de um novo medicamento.
As notícias sobre dexametasona se embasaram nos critérios de progresso e expectativa.19) Apesar do medicamento aparecer em menor número de resultados em comparação aos demais, os critérios adotados pela mídia são de gênese positiva e explicitam os avanços científicos das pesquisas com o medicamento no tratamento da COVID-19, como também geraram no público anseio e convicção por melhores resultados com o medicamento.
Em relação a ivermectina, estudo apontou resultados de amplo espectro in vitro, sendo aprovada e indicada nos casos iniciais da infecção (24.48 h).17) Diferentemente do estreito índice terapêutico da hidroxicloroquina e da cloroquina, a ivermectina apresentou margem de segurança maior, porém, a dose aprovada nos testes de monoterapia foi considerada baixa para o tratamento da COVID-19.41 Alguns pesquisadores concluíram que as dosagens clinicamente inibitórias do SARS.CoV.2 provavelmente não são atingíveis em humanos.42
Apesar da inexistência de publicação de ensaio clínico randomizado robusto até o momento sobre a ivermectina, há o aumento da procura no Brasil e em vários países do mundo, para fins terapêuticos e preventivos.24,43 Em contrapartida, houve picos de busca eletrônica na primeira semana de maio, momento que foi divulgado bons resultados in vitro da ivermectina.43 A progressiva procura a partir de junho coincide com o aumento dos números de casos confirmados da doença no país.44
Outras razões para o interesse nessa busca se apoiam na característica do medicamento, sem restrição de uso, sem necessidade de prescrição médica, facilidade na administração, baixo preço e poucos efeitos colaterais.24 Isso também é apontado por pesquisa mundial que se baseou no método GT e identificou um aumento significativo de buscas eletrônicas sobre automedicação durante a pandemia,45 prática facilitada em relação ao uso da ivermectina.24
É importante salientar, conforme observado nos Estados Unidos, que informações sobre automedicação e medicamentos de venda livre, não ocorreram no início dos primeiros casos de COVID-19 no país, onde as buscas eletrônicas se concentraram no conhecimento sobre a doença e seus sintomas e pouco relacionado com as estratégias pessoais de saúde.46
A ivermectina apareceu em nove dos 25 resultados noticiosos deste estudo, tendo como critérios de noticiabilidade, apelo, expectativa e consequências.19 Esses critérios correlacionados correspondem ao interesse, curiosidade e esperança do público em torno do uso e suas aplicações. É compreensível que as pessoas recorram aos noticiários para obter informações mais detalhadas e com linguagem menos técnica para formar uma opinião sobre o medicamento. Contudo, esses noticiários também se valorizam no critério consequências, no qual retratam as preocupações de especialistas com o uso indiscriminado do medicamento, como o fato de provocar uma mudança cultural e fortalecimento da medicalização, a ponto de reduzir as estratégias de prevenção e transmissão da COVID-19.
Embora todos os Estados brasileiros tenham realizado buscas eletrônicas sobre a ivermectina, Mato Grosso e Rio Grande do Norte possivelmente tiveram volume maior pelas suas condições epidemiológicas, com ascensão no número de casos infectados e óbitos nesse período,47 ou seja, o avanço e gravidade da doença foram fatores que influenciaram nas buscas eletrônicas.
Ainda que Mato Grosso possua uma oferta elevada de leitos de UTI por 10 mil habitantes, com o aumento da disseminação da doença, rapidamente o sistema de saúde entraria em colapso.48 Essa tendência se confirmou com o crescimento acelerado dos casos no Estado, principalmente com afrouxamento das medidas de controle e nas formas de enfrentamento e entendimento das diversas informações disponibilizadas.44,49 O Rio Grande do Norte pode ter apresentado busca eletrônica excedente à Mato Grosso, pois segundo pesquisa de âmbito nacional, possuía maior risco de mortalidade por COVID-19 no período analisado.50
Para além dos aspectos clínicos e científicos que determinaram as buscas eletrônicas desses medicamentos investigados, a expansão do SARS.CoV.2 pelo país somado às medidas de isolamento social, quarentena e adesão ao home office, permitiram o acesso maior às fontes de informação na mesma proporção da necessidade de conhecimentos e aspectos epidemiológicos.10 Pesquisas que utilizaram o GT, reforçam que esse interesse público indicado pelos índices de VRB pode ajudar a monitorar a progressão da COVID-19, apresentando.se como um método de vigilância e monitoramento do comportamento em saúde da população.51
Estudo em Taiwan utilizando o GT também ressalta a possibilidade de recorrer ao mapeamento de buscas eletrônicas durante a pandemia para apontar os momentos e locais adequados para estratégias de intervenção, com comunicação em saúde adequada para a população afetada.52 Por outro lado, a exemplo do que ocorreu na China, a desinformação sobre a crise na saúde e suas particularidades em relação à COVID-19 foi obtida pelos usuários da Internet, 7) que abastecidos com múltiplas fontes de informações, sofreram interferência na aquisição de saberes voltados a preservação da saúde.53,54
Esse fenômeno se desdobrou em divulgação de canais que estimularam práticas que sobrepuseram ao conhecimento científico e intensificaram o comércio medicamentoso, com crescimento da demanda por medicamentos sem indicação comprovada (off.label). Tais medicamentos levantam importantes preocupações, em relação ao risco de toxicidade e principalmente ao esgotar estoques e prejudicar pessoas que realmente necessitam, como ocorreu em vários países do mundo, inclusive no Brasil.24,55,56
Esse comportamento social que intensificou a busca por medicamentos e adesão as formas distintas de viver a pandemia se fundamentou em informações pouco precisas tanto no âmbito terapêutico como preventivo, inclusive nutrindo discursos de autoridades na saúde. Isso colocou a população consumidora dessas notícias em maior vulnerabilidade, distante de práticas de cuidado seguro e da consciência dos riscos.57 Pesquisadores indianos reforçam que essa consciência é a melhor maneira de prevenir e retardar a transmissão do SARS.CoV.2, mas para alcançá.la é necessário informação em saúde que permitam a avaliação de riscos.58
Nesse sentido, além de dialogar e verificar as fontes das notícias, a população deve compreender que muitas informações que tem acesso podem corresponder a fake news59 e tornarem armas poderosas para alavancar a disseminação do SARS.CoV.2. Isso porque, ainda não é possível estimar as repercussões da pandemia no contexto social do país, especialmente em relação à conscientização da população na identificação de quais notícias são reais ou não, e quais os riscos dessa utilização.2
Ademais, o acesso a essas informações e publicações pode causar sérios impactos no bem.estar da população, quanto aos aspectos psicoemocionais e ao conduzir ao uso de práticas e medicamentos inseguros ou inapropriados. Em compensação, estudo60 aponta que durante a pandemia da COVID-19 no Brasil, as discussões sobre esses medicamentos, principalmente cloroquina e hidroxicloroquina se concentraram nos possíveis efeitos colaterais e suas associações; informação que poderia ser utilizada para planejamento pelos gestores das ações de comunicação em saúde.61,62,63
Como limitação do estudo, destaca.se o comportamento de busca eletrônica via google, onde os algoritmos permitem que os usuários administrem as informações de modo a sustentar suas crenças e/ou que também possam ordenar como menos importante a informação que é mais necessária, as chamadas hard.news, notícias centradas nos acontecimentos do cotidiano e de interesse social como saúde, educação, política, violência, minorias, entre outros. Além disso, não foi investigado as buscas eletrônicas em outros mecanismos de pesquisa.
Conclusão
Os achados do estudo indicaram que a população brasileira durante esse período pandêmico, embora tenha realizado buscas eletrônicas entre os cinco medicamentos investigados, a frequência maior foi sobre cloroquina e ivermectina, sendo que a evolução da COVID-19 no país, as publicações científicas, direcionamentos do governo e perfil de noticiabilidade de conteúdos divulgados influenciaram as oscilações espaciais na busca pelos medicamentos. Esse comportamento indicou que parte dos interesses da população para essas buscas são influenciados não somente por motivações individuais e pessoais, mas pela popularidade ou importância dada aos medicamentos em discursos de autoridades e formas de veiculação da mídia.
Esse cenário da pandemia modificou os hábitos de saúde da população, principalmente em decorrência da facilidade de acesso e diversidade de informações e conflitos gerados pelo negacionismo e incertezas da própria evolução da COVID-19, nos diversos ciclos de vida, e que de alguma forma contribuiu para o descuido e/ou adesão de práticas questionáveis.
Para tanto, sabe.se que os motores de busca, como o google, e as mídias sociais embora tenham contribuído para o fenômeno da infodemia, assumem importantes papéis na comunicação ao estreitar as distâncias entre as fontes de informação e a população, porém devem ser utilizados de forma prudente, na medida que o acesso à informação garanta a sustentação de comportamentos, com consciência de riscos e cautela na reprodução e aplicabilidade. Pensando nisso, surge o desafio em repensar novas estratégias de comunicação durante a pandemia, utilizando as ferramentas digitais disponíveis, mas baseadas na responsabilidade social e no empoderamento da população quanto à conhecimentos que promovam saúde e saberes para o autocuidado, quer seja sobre medicamentos como outros recursos terapêuticos.