Introdução
O presente trabalho inscreve-se no contexto das mídias sociais em um momento de emergência sanitária provocada pelo novo coronavírus. Nesse cenário, o estudo buscou compreender e analisar, com base em entrevistas em profundidade com cientistas brasileiros, suas relações com as redes sociais e o seu papel informativo nesses espaços, o que transforma tais espaço em territórios de influência e capital simbólico.
O momento vigente de complexa conjuntura social em rede1 atrai os indivíduos a experimentações interacionais e comunicacionais em tempo real entre si, possibilitando conexões múltiplas nas denominadas plataformas digitais de mídias sociais. Com a disseminação do uso de tecnologias no ambiente virtual, não é exagero sugerir que a cultura contemporânea é permeada por uma cultura midiática. O poder dessa sociedade em rede consiste no poder da comunicação, o que gera um descontrole da gerência do fluxo de informação que, com a Era Digital, traz a sensação do fim de um monopólio dos meios de comunicação de massa e a ilusão de uma autoinformação sem precedentes.1
As redes sociais digitais estão representando um grande palco para que individualidades prevaleçam e se tornem figuras influentes enquanto atores comunicativos e informativos em diferentes áreas de interesse. Diante disso, é preciso compreender criticamente como essa realidade está afetando o modo como as informações estão chegando para a população em geral. Stearns,2 com o intuito de refletir sobre a liberdade de imprensa, analisa como o público em geral vem participando do meio informacional nas próprias redes sociais. Assim, o autor denomina essa prática “atos de jornalismo”, isto é, não se configura como jornalismo, uma vez que a profissão possui princípios, finalidades, ethos e razão de existir singulares. No entanto, não há como se desconsiderar que existem sujeitos que se aproximam do fazer jornalístico e contribuem e, por conseguinte, concorrem de modo relevante mediante a atos de jornalismo. É o caso dos profissionais do campo científico.
Exemplos como Atila Iamarino e Natália Pasternak -dentre uma lista numerosa- demonstram como divulgadores científicos, assumindo um perfil nas redes sociais, podem tornar-se atores protagonistas nas novas mídias com base em seus conhecimentos científicos. Esses atores constroem, com o tempo, uma proximidade com seus seguidores, o que contribui com a construção de sua credibilidade e confiabilidade.3 Em paralelo a isso, essa realidade faz com que o princípio que define o jornalista, como um mediador entre a informação e o público, esvazie-se, cada vez mais.
Método
O campo da Comunicação, inserido nas ciências sociais e humanas, trabalha, no âmbito da pesquisa científica, sua própria epistemologia: “[...] enquanto um campo de pesquisa e estudo científico ainda é muito recente e por esse motivo ainda passa por tentativas de redefinições ou reposicionamentos conceituais [...]”.4 As palavras episteme e logos advêm da língua grega e significam, respectivamente, ciência e estudo, dessa forma, epistemologia pode ser definida como uma reunião de conhecimentos teórico-metodológicos que possibilitam a investigação de um objeto.4
Em consequência, a pesquisa empírica no campo também está em um processo de amadurecimento, sendo exemplos importantes nesse sentido os estudos desenvolvidos no século passado por representantes da Escola de Chicago que continuam a influenciar pesquisas empíricas na área, com a técnica da entrevista, além dos estudos culturais que inovaram ao utilizarem a observação participante e a etnografia das audiências.5 A autora explica que uma das inferências reconhecidas para justificar esse menor volume de pesquisas empíricas está na herança positivista dos estudos do campo e nas ciências sociais como um todo, tendo ocasionado uma ideia de menor status à contribuição das pesquisas sob a ótica social, devido ao predomínio de métodos qualitativos de investigação.5 No campo da Comunicação, tal argumentação, na tentativa de desqualificar critérios de verificação e controle dos dados nas pesquisas empíricas, continua a atravessar discussões acadêmicas, entretanto essas críticas geram mais impedimentos e obstáculos entre os novos pesquisadores, no interesse de compreender o processo comunicacional, e menos avanço na pesquisa empírica do campo.5
Com base em conhecimentos adquiridos, as escolhas foram sendo guiadas na direção de uma abordagem qualitativa pelo fato de a finalidade da pesquisa percorrer passos que buscam um entendimento profundo de uma realidade nova e em transformação no contexto comunicacional e científico, que necessita, portanto, de técnicas que auxiliem na descrição, decodificação e tradução, com enfoque nos processos e nos significados que ocorrem durante o fenômeno. A abordagem qualitativa apropria-se das ideias de aprofundamento e complexidade de fenômenos e, para isso, aplica um trabalho com representações, opiniões, valores, crenças, atitudes e hábitos.6
O método qualitativo tem como uma de suas pioneiras e principais referências os estudos feitos pelo historiador Giambattista Vico, no século xviii, caracterizando-se pela ênfase em uma análise mais ampla, sujeita menos a números quantitativos e mais a uma análise sobre motivações, atitudes, sentimentos.7 Vico8 apreende que somente pessoas, por meio de compreensões intuitivas, podem entender outras pessoas, assim, a coleta de dados consiste em um processo não linear que exige do pesquisador capacidade de integração, criação e intuição.
A abordagem qualitativa elege, pois, um conjunto de técnicas interpretativas que buscam traduzir o significado de fenômenos decorrentes do meio social, com enfoque nos processos, nas ações e nos significados. Thompson9 reitera a necessidade de entendermos a Comunicação como uma atividade que estabelece e renova relações sociais entre os indivíduos, por isso a análise crítica deve incluir a ação dos processos comunicacionais interligados ao seu contexto social vigente. “Os pesquisadores qualitativos utilizam a análise semiótica, a análise da narrativa, do conteúdo, do discurso, de arquivos e a fonêmica e até mesmo as estatísticas, as tabelas, os gráficos e os números”.10 A perspectiva desta pesquisa se encontra na recolha de dados simbólicos de entrevistados, sendo esses dados de caráter observacional, descritivo e analítico.
A pesquisa qualitativa fornece ao pesquisador o estudo de realidades sociais concretas que permitem o cruzamento e a triangulação de informações de modo a, inclusive, contar as controvérsias naturais ao saber das relações sociais, demonstrando a sua intrínseca complexidade e seus significados rotineiros e problemáticos da vida em sociedade.5 A triangulação de métodos, portanto, ocorreu seguindo uma trajetória que dê sentido à interpretação dos dados simbólicos (narrativas dos entrevistados, análise dos contextos e teorias) que invariavelmente dialogam para que as conclusões do estudo possam compreender a unidade da problemática proposta: como os cientistas estão se relacionando por meio de circuitos comunicacionais nas redes sociais no contexto da pandemia.
Para isso, foram realizadas entrevistas com perguntas abertas semiestruturadas em um diálogo entre o pesquisador/entrevistador e o entrevistado e são previamente construídas por um roteiro-guia que objetiva responder as indagações da pesquisa. Nesse sentido, a posição do entrevistador se equipara à de um pesquisador aprendiz interessado,11 sem, no entanto, desconsiderar que o entrevistado também possui objetivos, por isso suas falas não são neutras ou desligadas de outros discursos e de seu contexto.
As entrevistas aconteceram entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. No geral, o estado de espírito dos entrevistados inspirava confiança, uma vez justificada por serem especialistas das áreas em que atuam. As conversas foram por intermédio tecnológico, via vídeo conferência na plataforma Zoom, por isso, a ambientação se deu em lugares distintos (o entrevistado em um local e a entrevistadora em outro). Embora não seja o ideal para uma entrevista em profundidade proporcionou uma atmosfera de relaxamento entre os indivíduos, já que todos estavam em seus ambientes próprios e de costume.
A escolha da amostra e a organização do corpus efetivou-se com base em uma netnografia, uma pesquisa exploratória e de observação, com a utilização da ferramenta de “busca avançada” disponibilizada pelo próprio Twitter, em que pode ser colocado o período da busca, que foi de 8 de julho de 2020 a 31 de julho de 2020, período em que uma campanha de divulgação científica no Twitter e nos jornais foi efetivada.
No dia 8 de julho 2020, o Dia Nacional da Ciência, em memória à fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso em Ciência (SBPC), em 1948, uma campanha no Twitter promovida pelo Instituto Serrapilheira, a qual objetiva fomentar a ciência e divulgá-la no Brasil, juntamente à Agência Bori, criada para proporcionar maior interlocução entre os cientistas brasileiros e a imprensa, incentivou cientistas brasileiros a utilizarem a tag “#cientistatrabalhando” a partir dessa data e em todo o mês de julho para divulgar seus trabalhos em meio à pandemia do novo coronavírus.12
Em seguida, foi feita a identificação e categorização dos cientistas. Todos os cientistas que apareceram na tag e aqui foram selecionados utilizam de suas redes sociais para informar sobre ciência e COVID-19. Abaixo, um quadro com seus respectivos nomes, a profissão e as redes sociais utilizadas por eles (quadro 1).
Cientistas | Profissão | Redes Sociais |
---|---|---|
Carlos Hotta | Bioquímico | |
Daniel Dourado | Médico sanitarista | Twitter e Instagram |
Marcio Bittencourt | Cardiologista | |
Mellanie Fontes-Dutra | Neurocientista | Twitter, Facebook e Instagram |
Natalia Pasternak | Microbiologista | Twitter, Facebook, Instagram, Tik Tok |
Stevens Rehen | Biólogo | Twiter |
Thomas Conti | Economista | Twitter, Facebook |
Fonte: elaboração dos autores.
Foram entrevistados, portanto, sete cientistas de diferentes áreas de conhecimento que escolheram informar sobre COVID-19 em seus canais de comunicação. Após a conclusão da etapa exploratória e a identificação e categorização dos atores a serem entrevistados, a próxima etapa se baseou na confecção dos elementos-chave a serem perguntados. Assim, um roteiro-base foi criado com os seguintes temas (quadro 2).
Organização | Temas abordados |
---|---|
Bloco 1 | Identificar o entrevistado |
Bloco 2 | Investigar a relação e o objetivo do cientista com as redes sociais |
Bloco 3 | Investigar a relação do cientista com os jornalistas/jornais |
Bloco 4 | Investigar a correlação entre o que se informa nas redes sociais e nos jornais |
Fonte: elaboração dos autores.
As entrevistas foram semiestruturadas, isto é, compostas de perguntas previamente pensadas e controladas pela teoria estudada e pelas pressuposições/hipóteses teóricas do pesquisador, direcionadas de acordo com a problemáticas do estudo. Os elementos narrativos coletados levaram a criação de três categorias de análise - (1) o ator científico e suas personas midiáticas; (2) a escolha pelo Twitter; (3) atos de jornalismo e a relação com os jornalistas -, as quais possibilitaram a discussão analítica. As entrevistas foram realizadas após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer de n. 4404859, de 24/11/2020. Todas as entrevistas foram transcritas sem apoio de nenhuma ferramenta de transcrição.
Resultados e discussão
O ator científico e suas personas midiáticas
As plataformas digitais criam uma realidade de personagens que possibilita aos usuários cientistas transitarem por diferentes categorias sociais, a depender de quem está interagindo com eles. Podem ser entendidos como fontes de notícias para jornalistas, como influenciadores digitais para o público em geral, como divulgadores científicos entre seus pares. As redes sociais geram protagonismos individuais, um ambiente de celebridades, em uma exacerbada fragmentação de personas em forma de perfis.
O relatório intitulado “Principais vozes da ciência no Twitter: Mapeando a conversa de cientistas e especialistas sobre a COVID-19 - uma análise da rede de interações no Twitter”, feito pelo pesquisador Pedro Meirelles com o objetivo de identificar cientistas, especialistas e organizações científicas mais influentes na conversa sobre a COVID-19 no Twitter em 2020, buscou mapear as redes de interação entre perfis monitorados da comunidade científica.13 O debate sobre influência e influenciadores nas mídias sociais permanece constante e intenso há pelo menos uma década, tanto na área acadêmica quanto no mercado de comunicação e publicidade. Três medidas principais foram adotadas na pesquisa: popularidade (quantidade de seguidores), autoridade (perfis centrais na difusão de informações na rede) e articulação (perfis que são ponte entre diferentes grupos).13 As entrevistas também mostraram essas nuances existentes entre o ser cientista e o ser midiático, que faz com que sua presença na rede social surpasse a persona cientista.
As redes sociais têm muitas oportunidades, mas tem coisas que a gente tem que seguir, se a gente não quer perder totalmente a relevância e interação. A gente depende do assunto do momento. Diria que a maior parte tanto de divulgadores quando de influencers só seguem o tema do momento. Então, é uma pressão enorme para você falar sobre isso também (informação verbal concedida por Conti, Thomas em 2020). É um trabalho de divulgação científica que acaba se misturando com hobby, porque acho que a parte da graça do Twitter é a pessoa se aproximar do especialista. Então não acho que a pessoa que usa só profissionalmente aproveita ao máximo a experiência da rede. As pessoas gostam de saber o que você está assistindo, sua opinião sobre algum seriado e isso ajuda na propagação de informação porque cria uma conexão emocional com você e isso facilita, ainda mais quando você quer, por exemplo, desmentir uma fake news ou mesmo uma concepção alternativa. Eu acho que a gente ganha mais misturando (informação verbal concedida por Hotta, Carlos em 2020).
As redes sociais são um espaço de experimentações, engajamentos, interações, tentativas de visibilidades por meio de criação de circuitos14 entre usuários nessa nova dimensão de espaço-tempo:15
No mundo atual, a busca pelo instantâneo é uma tendência cada vez mais efetiva. O homem vive no limiar do atemporal em que tudo deve acontecer o mais rápido possível e essa aceleração contínua dos processos leva a uma compressão da passagem temporal até o limite do instantâneo. Chega ao limiar do não tempo, impulsionado pela imediatez dos processos tecnológicos. (...) No campo da comunicação social, a aceleração temporal é evidente em diversos processos: aplicativos como o WhatsApp, transmissão ao vivo via redes sociais, tradução simultânea automática, troca de informações pelo Twitter, imagens instantâneas do Instagram, respostas imediatas às mensagens recebidas, o uso de múltiplas telas simultâneas. O tempo na contemporaneidade tornou-se um não tempo.
As mídias digitais sugestionaram ao discurso desses profissionais um novo espaço que torna mais fluido e menos enrijecido seu papel no meio informacional, fazendo com que esses atores possam ser vistos de diferentes formas, infiltrando-se nos espaços jornalísticos, mas também em espaços menos jornalísticos. Essa nova realidade faz com que o próprio campo jornalístico tenha de adicionar outras formas de relações com esses atores e suas narrativas. A popularidade desse tipo de comunicação via redes sociais e sua capacidade de interação cria novas reflexões para o jornalismo, influenciando iniciativas e estratégias menos impessoais e mais participativas com o público, uma vez que os leitores desempenham papel fundamental na sobrevivência dos jornais16. Entretanto, é importante entender que o jornalista não depende de tais redes para cumprir seu papel, sendo assim, é menos propenso a cair nas armadilhas das novas mídias, no que tange, por exemplo, à pressão de número de seguidores.
Dito isso, a pesquisadora e microbiologista, Natalia Pasternak, percebe o atual momento com mais receio e criticidade, em relação a ideia de cientista-influenciador.
Eu acho muito legal que tenha gente divulgando ciência nas redes sociais, o meu medo é a ilusão de relevância. A pessoa começa a ganhar seguidores e começa a focar em ganhar mais seguidores e não em divulgar ciência. A gente não pode se preocupar em agradar as pessoas, a popularidade não pode ser nossa medida, não é sinônimo de trabalho bem feito (informação verbal concedida por PARTERNAK, Natalia em 2020).
Diante das experiências relatadas pelos cientistas, é possível concluir que o espaço da rede social, ao ser significado pela presença do usuário, transforma-se em território constituído de territorialidades que geram um capital simbólico de influência midiática para esses atores através da visibilidade que esse meio proporciona. Pelo lado da informação científica de qualidade, tais conquistas midiáticas podem significar para o cientista uma maior dificuldade na tomada de decisões. O ganhar ainda mais visibilidade pode não necessariamente caminhar no mesmo sentido do papel informativo de qualidade, gerando complexidades subjetivas para esses atores em relação às diferenças entre o binômio ser uma fonte de informação versus ser um influenciador digital. Esse espaço ocupado, todavia, contribui para a geração de um capital social para esses atores. “A função identificada pelo conceito de ‘capital social’ é o valor desses aspectos da estrutura social para os atores como recursos que eles podem usar para atingir seus interesses”.17 Como aponta um dos entrevistados:
O meu perfil, não ganho nada por ele, mas é um ativo, você ter 35 mil pessoas que estão te seguindo é um ativo econômico que dá para você tentar ganhar alguma coisa em cima disso, oferecer alguma coisa, clicks, as interações que gera (informação verbal concedida por Conti, Thomas em 2020).
Haesbaert18 explica que espaço transformado em território pode ser compreendido como um conceito polissêmico, não somente como território material, mas também simbólico, assim, o geógrafo afirma que os territórios não estão se dissipando, mas se deslocando de lugar constantemente. Tal processo resulta em uma multiplicação de territórios, o que altera o sentido relacional, suas significações e territorialidades, desenvolvendo um processo complexo e convergente à ideia de rede. Ademais, Haesbaert19 prossegue suas reflexões ao explorar a questão argumentando que o deslocamento entre territórios não significa abrir mão das referências territoriais já estabelecidas, mas formar outras. Os especialistas em ciência, por sua vez, não deixam de estar como fontes de notícias em jornais pelo fato de se apropriarem de um território virtual e se tornarem fontes de informação por lá, apenas adiciona-se mais um lugar para se relacionarem, mais um lugar de acúmulo de capital que pode reverberar para além das redes sociais.
A escolha pelo Twitter
Os entrevistados evidenciaram sua preferência unânime pela divulgação de informações pelo Twitter, em detrimento das demais por aparentar ter um aspecto mais informativo. Essa percepção pode ser explicada devido à criação de bolhas nessas redes sociais. “Essas bolhas tendem a isolar os atores dentro de grupos onde apenas alguns tipos de informação circulam, criando uma percepção falsa de esfera pública (onde ‘todos’ falam) e de opinião pública (onde a ‘maioria’ concorda)”.20
Existe o desafio de trabalhar as redes sociais fora das suas bolhas, trazer uma reflexão mais ampla. É mais difícil, está uma polarização imensa, então por mais que a gente perceba vários exemplos de excelente divulgação científica nem todo mundo quer, digamos, abrir o pacote por já colocar um rótulo na pessoa que está falando, por motivos de posicionamentos políticos. É um desafio da maneira que a gente tem que comunicar para atingir essas pessoas com a informação (informação verbal concedida por Fontes-Dutra, Mellanie em 2020). Eu só uso o Twitter. A interação no Facebook é pouquíssima, me parece muito mais distante que o Twitter, para discussão, resposta em cima de resposta. O Twitter as pessoas entram lá para ler notícia, gente que só segue órgão de imprensa e pessoas de referência. E ela quer interagir com essas informações. Parece ser uma rede mais informativa, enquanto que Facebook e Instagram mais de vida pessoal (informação verbal concedida por Bittencourt, Marcio em 2021).
Embora haja limitações no Twitter, foi nessa plataforma que os cientistas mais se adaptaram para divulgar ciência e, principalmente, para criar circuitos entre si e com os jornalistas, devido às interações e à repercussão percebida. Além disso, o Twitter exige um domínio mais simples do usuário, por ser notadamente utilizada em forma de texto, enquanto Facebook e Instagram demandam outros tipos de preparos audiovisuais, mediante suas diversas ferramentas e estruturas.
Do meu ponto de vista, a melhor rede seria o Facebook, em termo de capacidade da rede seria melhor. Mas o que eu vi com essa situação da COVID é que não repercute. A rede que acabou sendo a rede que eu preferi é o Twitter. Tem a vantagem de ser uma rede veloz, mas para mim tem muitas desvantagens: o texto tem que ser enxuto, você tem que simplificar muito os raciocínios, ele descaracteriza as imagens e a maior parte das pessoas acessa pelo celular e a qualidade da imagem fica ruim. Os vídeos tem que ser muito curtos, então para mim é uma rede limitada, mas pelo menos ela é rápida. E tem muitos jornalistas então a coisa simplesmente repercute (informação verbal concedida por Conti, Thomas em 2020).
Jarvis,21 em sua curadoria sobre especialistas no Twitter, argumenta sobre a quantidade de cientistas e médicos fazendo relatos e questionando sobre este momento pandêmico na rede social, ressaltando que muitos deles reservam seu tempo para isso e respondem seus seguidores. Assim como mencionado pelos entrevistados, os jornalistas também utilizam a plataforma Twitter para trabalho e criam conexões. Formam-se circuitos na lógica de seguir perfis.14
O Twitter é a minha rede favorita, como alguém que está usufruindo da rede para buscar conteúdo. Sigo uma série de pesquisadores da minha área e mais do que ver artigo a gente pega o autor do artigo tuitando o artigo dele e fazendo comentários extras. Então dá uma dimensão que é completamente diferente (informação verbal concedida por Rehen, Stevens em 2021). De todas as mídias sociais a que eu mais uso é o Twitter, porque comparado com as outras que são muito voltadas para entretenimento o Twitter não, é mais voltado para troca de informação entre cientistas e jornalistas (informação verbal concedida por Pasternak, Natalia em 2020).
O Twitter consiste em um site de rede social definido como um espaço da web que permite aos seus usuários construir perfis públicos, articular suas redes de contatos e tornar visíveis essas conexões.22 No entanto, é preciso perceber as limitações da rede social nessa visibilidade, uma vez que pensando no serviço público de uma informação científica, o Twitter não permite alcançar diferentes públicos de diversas classes sociais no Brasil. Percebe-se, no entanto, que a interação com os jornalistas é a principal justificativa pela preferência dos cientistas pelo Twitter.
Atos de jornalismo e a relação com os jornalistas
Existem finalidades jornalísticas que os atores da ciência conseguem se apropriar, no sentido de comunicar seu conhecimento para um público geral, gerando semelhança entre os seus atos de jornalismo2 e o jornalismo das redações. Uma das finalidades mais evidentes do jornalismo é informar.23,24 A informação jornalística é entendida como de interesse público, valor onipresente e mencionado amplamente pelos códigos de ética jornalísticos, sendo o conceito que legitima as práticas e ações do jornalismo.25 Informações sobre a COVID-19, por exemplo, doença que se tornou um problema sanitário mundial, explicam por si só a onipresença que carrega a expressão “interesse público”. Cientistas nas redes sociais, com base em evidências científicas, pautados por conhecimentos adquiridos, podem informar em seus perfis sobre COVID-19, gerando interesse público em suas publicações devido ao valor-notícia que a saúde carrega.
As falas dos entrevistados apontam na direção das finalidades jornalísticas em âmbito social. Uma delas, apesar de tensões no exercício da profissão, condiz com a capacidade de mobilizar a população e alertar24 sobre os riscos e como se prevenir da doença nessa pandemia, evidenciando, também, o papel essencial da ciência no combate à COVID-19. Esses atores nas redes sociais, muitas vezes, informam junto a uma interpretação e análise, outra característica jornalística. Schudson23 considera a análise uma função importante do jornalismo, uma espécie de sabedoria pedagógica.
Integrar e mobilizar as pessoas também aparece para Schudson23 como uma função do jornalismo na democracia, a capacidade de mobilização; no entanto, o autor foca somente em como essa finalidade repercute nas questões políticas. A mobilização de pessoas sobre determinado tema relevante para a vida em coletivo que precise desse estímulo e integralização aparece como uma função que faz com que a reflexão seja exercida e se tenha discussão entre as pessoas. Neste século, com as redes sociais, exemplos de integralização e mobilização já foram constatados, possibilitando a leitura de que as redes também são capazes desse feito. A própria lógica dos trend topics demonstra essa característica no Twitter, por exemplo, e os grupos criados no Facebook também. Ao divulgar seus conhecimentos nas redes, os cientistas, até inconscientemente, trabalham atos e finalidades de jornalismo, devido, principalmente, à percepção do público às suas postagens.
Eu não usava nenhuma rede social para informar ninguém até a COVID. Quando começaram a me chamar para informar aparecendo algumas vezes na televisão, dando contribuições em matéria, eu resolvi começar a fazer pelo Twitter e virou uma conta para divulgação, informação também (informação verbal concedida por Dourado, Daniel em 2021). Pessoalmente, se eu pudesse escapar das redes sociais eu escaparia, eu não acho que a rede social é o melhor lugar para difundir informação, eu faço mídia social porque tem que fazer, porque principalmente os mais jovens gostam desse tipo de mídia. Então a informação precisa estar lá” (informação verbal concedida por Pasternak, Natalia em 2020). Atualmente informar no Twitter é uma extensão do meu trabalho. Eu assumi essa pauta de divulgação técnica que considero como parte da minha vida laboral hoje (informação verbal concedida por Bittencourt, Marcio em 2021).
Torna-se, ainda, nítida a influência que os cientistas nas redes provocam aos jornalistas, inclusive, na busca por fontes de notícias em um movimento dialógico, na medida em que esses cientistas publicam por lá informações de interesse jornalístico. Quando o jornalismo se relaciona com esses novos espaços por meio da interlocução de atores, cria-se um emaranhado de novas formas informacionais, proporcionando um crescimento rápido e contínuo de relacionamentos entre jornalistas e novas fontes nesse novo espaço, os quais, por intermédio do jornalista, ocupam posições para além das novas mídias sociais, mas não sem conflitos e controvérsias.
De vez em quando eu pego uma citação minha como se eu tivesse dado entrevista e eu não estou nem sabendo e é o que escrevi no Twitter. Isso já aconteceu várias vezes. O pessoal tem usado muito o que a gente escreve para produzir conteúdo para os próprios canais. E isso nem é o mais grave, as vezes acontece de usar exatamente as mesmas palavras e não citar meu nome, simplesmente pegar e reproduzir conteúdo. Isso é mais raro, mas já aconteceu de eu ler uma matéria ou alguém me avisar. E já aconteceu até de jornalista, que me entrevista com frequência, citar algo que eu falei, e a pessoa se desculpar depois falando que na correria não percebeu. (informação verbal concedida por Dourado, Daniel em 2021).
Percebe-se, ainda, que a pandemia estreitou os laços entre essas fontes e os jornalistas, devido à grande demanda por informações científicas nesse período, o que não elimina os desafios que essa relação estabelece. As falas dos entrevistados evidenciam que grupos, circuitos, interações e discussões entre cientistas de várias áreas e jornalistas foram de fato significativamente ampliadas nessa pandemia e isso pode fazer com que essas relações permaneçam para além desse momento.
Eu tenho conversado muito com jornalistas de várias áreas, não só científicos, de reportagens mais política, mais econômica e querem entender qual é a posição da ciência. O jornalista está tentando buscar uma opinião científica em várias áreas. Ainda assim, vemos manchetes sensacionalistas. Então acho que ainda temos que expandir essa relação para que sigamos fazendo um enfrentamento coletivo contra a desinformação. Nessa pandemia, para mim a relação até melhorou, ficou ainda mais presente a minha contribuição nos jornais. Já tenho contato salvo de jornalistas no WhatsApp e viceversa. A minha relação está cada vez mais permanente com o jornalista e gosto bastante de contribuir (informação verbal concedida por Fontes-Dutra, Mellanie em 2020).
As respostas dos entrevistados demonstram como essa descentralização da circulação da informação e a multiplicidade de atores nas redes sociais criaram esse novo espaço na relação fonte-jornalista, principalmente quando o cientista se torna destaque no Twitter, sendo que a dinâmica da própria rede gera essas interlocuções imediatas entre esses atores. Embora os cientistas entrevistados já tivessem tido algum contato com a imprensa antes da pandemia, esse momento pandêmico e a utilização das redes sociais propiciaram um contato maior e mais contínuo com os jornalistas.
Acho que 99 % dos jornalistas me conheceram no Twitter, ou na matéria de alguém que me conheceu no Twitter. Então a rede social foi o que me alavancou, que me permitiu ter essa ponte com eles, porque você está ali fazendo conteúdo, daqui a pouco te segue, dão ‘rt’, você começa a seguir e eles te seguem de volta. Eu comecei essa parceria com a mídia pelo Twitter. Antes da pandemia eu não tinha participado de uma grande reportagem, eu fazia muito divulgação em bar, em eventos. Então, para mim foi fundamental, a partir da rede social (informação verbal concedida por Fontes-Dutra, Mellanie em 2020).
Há, portanto, apropriações interacionais entre esses profissionais. Atores científicos nas redes sociais se apropriam das finalidades jornalísticas já consolidadas no meio social para compartilhar seu conhecimento de modo bem-sucedido para maior visibilidade; os jornalistas, por sua vez, observam as tendências nas redes sociais e criam novas relações com esses atores, apropriando-se de sua credibilidade científica perante o público e tornando-os fontes de notícias nos jornais.
Internaliza-se, em conflito, no meio jornalístico, uma crise de mediação. A informação, a interpretação e a análise de fatos cotidianos e sociais de importância pública estão ocorrendo de forma acelerada em plataformas como as redes sociais, sem necessariamente a intermediação dos jornais. Há diversos exemplos no meio científico e da saúde de atores que assumiram esse papel nas mídias digitais, fazendo com que um novo olhar sobre sua função como fonte pudesse ser explorada. Para esses cientistas, entretanto, utilizar as redes sociais para informar se torna um trabalho a mais, o que evidencia o esforço necessário e mostra a fragilidade da continuidade desse processo por parte desses atores que possuem sua profissão desconectada às mídias sociais e encaram informar nas redes uma espécie de hobby.
Não acho que devemos depositar no cientista-indivíduo esse papel de comunicador. Toma tempo e tem gente que não gosta e não deixa de ser um super cientista. É difícil ter alguém que faça ciência e comunicação muito bem. Essa comunicação cientifica é crucial e dependeria muito mais de uma estratégia institucional (informação verbal concedida por Rehen, 2021). Pós-pandemia eu acho que vai diminuir minha relação de informar na rede, a não ser que surja alguma coisa como um canal no Youtube que possa se tornar uma atividade mesmo profissional. Hoje em dia é um hobby, uma atividade voluntária. A gente que está contribuindo pontualmente, o máximo que eu tive foi contrato de imagem, porque comecei a fazer coisa na GNT. Não é uma coisa que dá para gente ficar por conta, não dá para gente se tornar divulgador dessa maneira (informação verbal concedida por Bittencourt, Marcio em 2021). Hoje eu dedico muito do meu tempo útil trabalhando para isso. Eu tenho rotinas em que nesses horários é quando eu vou fazer divulgação e eu não tenho isso para nenhum hobby, então passou a fazer parte do meu trabalho, apesar de não ser remunerado, eu encaro isso como meu trabalho. Todos os dias, eu me dedico especialmente para isso. Começou como hobby, às vezes no tempo livre eu faço divulgação científica, então também é hobby. Mas eu acho que virou um misto, é hobby e trabalho, depende do horário que eu estou fazendo (informação verbal concedida por Fontes-Dutra, Mellanie em 2020).
O movimento de cientistas nas redes sociais, pela urgência e necessidade sentida de instruir e informar a população no momento pandêmico, demonstra, também, a necessidade de se repensar a comunicação científica no país de modo organizado e coletivo, uma vez que alguns atores acabam por estabelecer mais conexões do que outros, por diversos motivos, como certos laços que expressam identificação no meio social, por associação (sentimento de pertencimento) e por determinados valores, como visibilidade, popularidade, autoridade e reputação.20 Portanto, a comunicação científica amplificada não pode ser dependente desses atores para gerar valores e dependente de certas circunstâncias de modo aleatório e individualizante.
Conclusões
As entrevistas com os cientistas midiáticos somadas ao arcabouço teórico associado ao contexto pandêmico permitiram concluir que o arranjo informacional-científico atualmente perpassa os jornais e as mídias sociais, a partir de seus atores constitutivos que fluem e circulam nesses dois territórios distintos, a partir de personas midiáticas compartilhando informação de interesse à saúde pública.
No que tange o jornalismo, observa-se que as redes sociais se tornaram, muitas vezes, uma nova alternativa de encontro. A relação dialógica original que marcou a relação jornalista-fonte em algum momento evoluiu para o surgimento de assessorias; agora, avança para o relacionamento por meio das redes sociais. Outro ponto interessante é o entendimento dessa relação nas redes sociais como colaborativa. Essas visões, vale ressaltar, dependem de como as dinâmicas contextuais vão se modelando nessa nova realidade e podem se transformar de acordo com o tempo. Quanto à mediação da informação, é nítido o quão complexa se tornou devido à disseminação de plataformas digitais como as mídias sociais que, através de conexões, estabelecem visibilidade para diferentes atores sociais que não possuem como profissão informar, mas que utilizam dessas novas mídias como instrumentos de experimentação e capital social.
O momento vigente, dessa forma, é provocador. Em suma, essa nova realidade traz, nesse complexo ciberterritório, poucas empresas trilionárias e bilionárias, as quais criaram dispositivos, ferramentas e tecnologias de informática capazes de criar um novo domínio, no que diz respeito aos meios de comunicação, trazendo consequências à circulação da informação. Isso gera novas demandas de reflexão para a sociedade. A lógica é a da audiência, do acesso, da interação. Neste início de século, o centro da discussão infocomunicacional está nas plataformas digitais globais. Está havendo um rearranjo de poder. Se muito foi discutido, no século passado, sobre os oligopólios dos meios de comunicação de massa, atualmente novas desigualdades de forças estão ocorrendo. Diante disso, a tríade circulação-comunicação-poder se torna uma das equações humanas mais fundamentais a serem exploradas neste início do século.