Introdução
A perda de elementos dentários ou até mesmo a ausência total dos mesmos é um problema de diversos estratos sociais com consequências funcionais, estéticas e psicológicas para a população.1,2 Uma das condutas para resolução dessa condição é a utilização de implantes dentais osseointegrados que vem se consolidando devido aos seus resultados positivos.2,3,4,5 Devido à melhoria da eficiência mastigatória e qualidade de vida de pacientes com dificuldades de adaptação às dentaduras convencionais, especialmente no arco inferior,2 o tratamento com implantes foi incluído no ano de 2010 no Programa Nacional Brasil Sorridente do SUS (Sistema Único de Saúde) do Brasil, permitindo o acesso à essa modalidade de tratamento, mesmo para as classes sociais menos favorecidas.6
Dentre as etapas do tratamento com implantes, uma das fases críticas é a de moldagem dos implantes ou componentes protéticos para a confecção da prótese final ou definitiva. O procedimento de moldagem em prótese geralmente consiste na obtenção de uma reprodução negativa de uma estrutura de interesse (molde) para posterior obtenção de uma cópia em positivo (modelo).7 No caso das próteses sobre implantes, geralmente o que ocorre é um processo de transferência da posição do implante ou intermediários protéticos para o modelo com o auxílio dos transferentes,8 permitindo que o protético confeccione a prótese que será conectada sobre o implante, respeitando as características da região, a posição dos implantes e as relações com as estruturas circundantes.9 Caso uma peça desajustada seja instalada aos implantes, o tratamento estará comprometido, com consequências técnicas e biológicas para o paciente que desfavorecem o prognóstico.10,11
Existem duas técnicas convencionais de moldagem, conhecidas como técnicas de “moldeira aberta” e a de “moldeira fechada”. A técnica de moldeira aberta consiste em utilizar uma moldeira que permita o acesso direto ao componente de moldagem durante a polimerização do material de moldagem, assim, após a presa do material, o molde vai ser removido com o componente já fixado, enquanto na moldeira fechada não temos acesso ao componente durante a impressão e ele só será transferido para o molde após sua remoção do implante e instalação no molde.9
Mais recentemente, com o advento de novas tecnologias, surge uma alternativa às técnicas convencionais de moldagem na Odontologia: o uso de scanners intraorais para captura das imagens digitais de modelos. Diversos estudos vêm sendo realizados para verificar a acurácia dos scanners, como a sua aplicabilidade clínica e questões subjetivas de operadores e pacientes. Entretanto, tendo em vista que a técnica é relativamente nova, muitas dúvidas existem em relação à acurácia dos sistemas digitais de escaneamento disponíveis para prática clínica.12,13 Sendo assim, o objetivo desta revisão de literatura é analisar resultados obtidos em estudos sobre scanners intraorais na área de implantodontia quanto ao tipo de escâneres e acurácia, tempo de trabalho e preferência do operador e do paciente, para orientar o profissional no uso deste equipamento na prática clínica.
Métodos
Este estudo constitui uma revisão integrativa que reuniu pesquisas experimentais e ensaios clínicos referentes ao estado atual da técnica de escaneamento digital de implantes.
Foram realizadas buscas de artigos nas bases de dados “Pubmed” e “SciELO” em julho de 2018 utilizando os seguintes descritores: «intraoral AND scanner AND implant», «digital AND scanner AND implant» e «digital AND impression AND implant» e seus respectivos em português e espanhol. Os critérios de inclusão foram: artigos de avaliação clínica (in vivo) ou laboratorial (in vitro) que avaliassem o uso da técnica de escaneamento intraoral para impressão de implantes, escritos em inglês português ou espanhol, publicados nos últimos 5 anos, com resumo disponível na base de dados e acesso integral ao artigo. Foram excluídos os relatos de caso, revisões de literatura, editoriais, opinião de especialistas e artigos sem acesso integral ao conteúdo.
A seleção dos artigos foi realizada por um pesquisador calibrado que avaliou sequencialmente o título, resumo e então procedeu a leitura completa do mesmo de modo que em cada etapa foi verificada a inclusão do artigo pela sua compatibilidade com o tema em questão. Em caso de dúvida, os artigos foram avaliados por um segundo avaliador experiente, e um consenso entre os dois foi obtido a respeito da adequação ou não do artigo à revisão.
Análise e integração da informação
No conjunto das buscas nas bases de dados “Pubmed” e “Scielo”, foram encontrados 251 artigos, 54 da busca «intraoral AND scanner AND implant», 78 da busca «digital AND scanner AND implant» e 119 da busca «digital AND impression AND implant», não foi encontrado nenhum artigo na língua portuguesa e espanhola. Excluindo os artigos repetidos, foram totalizados 158 artigos, e após a seleção de títulos e resumos, foram incluídos 38 artigos, dos quais 3 foram descartados por não se conseguir o acesso na integra.
Os 35 artigos selecionados foram sistematizados e separados em 28 estudos laboratoriais (tabela 1) e 7 estudos clínicos (tabela 2).
Estudos laboratoriais
Tipos de escâneres e acurácia
Os resultados de acurácia variam entre os sistemas utilizados, não havendo uma regularidade entre as marcas. Dos vinte e oito estudos, treze usaram o scanner True Definition (3M Espe),14,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28 onze o scanner Trios 3Shape (3Shape),16,20,22,23,25,26,29,30,31,32,33 sete os scanners Cerec Omnicam (Sirona Dental System GmbH),20,21,25,26,27,28,34 sete o iTero (Cadent iTeroTM),17,22,35,36,27,38 cinco o Lava Chairside Oral Scanner (3M ESPE),23,26,34,39,40 dois o ZFX Intrascan1 (MHTS),12,30 um os scanners CS 3600 (CarestreamHealth),25 CS 3500 (CaretreamHealth),30 3D Progress IO Scan (MHT)12 e Planmeca Planscan1 (E4D Technologies, LLC)30 e um artigo não informou o scanner utilizado.41 Não houve destaque para determinado modelo dentre os estudos e os resultados de mesmos modelos variaram em estudos diferentes, o que pode ser explicado pelas variações metodológicas28 ou pela experiência e/ou habilidade individual do operador.39
Esses fatores, além da própria variação tecnológica entre os sistemas, podem contribuir para a multiplicidade de resultados de avaliação de acurácia encontrados em estudos in vitro,20 sendo que, estudos que compararam as técnicas digitais e convencionais14,16,18,19,21,23,24,25,26,28,29,30,31,32,40,41 relatam que a técnica digital apresentou menores variações ou resultados equivalentes entre as técnicas quando se realizaram medições dos modelos obtidos experimentalmente. Essa constatação sugere que a técnica digital apresenta viabilidade nos estudos laboratoriais, mas não é unanimidade entre as publicações científicas,27,37,38 sendo necessária maior padronização metodológica entre os estudos e o aperfeiçoamento dos sistemas para resultados mais sólidos. Giménez39 constatou em seu estudo, que os operadores inexperientes de escâneres digitais aprimoraram seus resultados ao longo do número de impressões chegando a resultados semelhantes aos dos operadores experientes, indicando a necessidade de uma curva de aprendizagem para o uso da tecnologia.
Um achado frequente nos estudos de acurácia é que com o aumento da distância de escaneamento em áreas desdentadas, os resultados vão piorando, com resultados decrescentes a partir do primeiro quadrante, e dificuldade de distinção entre os scanbodies, que são peças conectadas ao implante ou ao pilar protético para o escaneamento, possivelmente pela falta de pontos de referência anatômicos, influenciados pelo tipo de mucosa e pela similaridade dos scanbodies. 17,24,38) Devido a isto, Giménez24 indica, em seu estudo, começar o escaneamento de pacientes parcialmente edêntulos na área onde as restaurações parciais são necessárias. Lin38 aconselha o uso de aparelhos e métodos para verificação que assegurem um encaixe correto das estruturas aos implantes.
Existe a preocupação sobre a influência da angulação dos implantes na acurácia das impressões e, apesar de Chia (32) encontrar maior precisão em modelos com implantes posicionados paralelamente, é predominante na literatura que a angulação do implante não exerce influência significante na avaliação de acurácia, 14,24,29,31,37,38,39,41 o que se deve analisar com ressalvas, pois são estudos laboratoriais que podem não condizer com as condições reais de implantes angulados na cavidade oral e suas limitações para escaneamento.
Os resultados de estudos que avaliaram o registro interoclusal apresentam diferenças entre os sistemas de escaneamento, sendo que as restaurações finais obtidas pelos scanners digitais podem estar tanto em hiperoclusão quanto em infraoclusão. Considera-se como possível explicação para essa observação a diferença dos algoritmos utilizados pelos diferentes sistemas de escaneamento para unir os arcos virtuais superior e inferior, sendo que alguns algoritmos permanecem em segredo pelas indústrias e, em adição a isto, as diferenças de captação, união e processamento das imagens de cada sistema também podem colaborar para as discrepâncias observadas.20 Em outro estudo,42 foi verificado que as restaurações produzidas a partir do escaneamento digital dos implantes podem assumir uma posição mais coronal, ficando em infraoclusão, a possível explicação para esse fenômeno é durante a instalação em modelos obtidos a partir da técnica digital, os análogos do implante podem sofrer fricção durante sua instalação e não assumir a posição correta. Além do fator da distorção vertical, é válido notar a presença da variação metodológica que pode influenciar nos resultados existentes na literatura.
Alguns autores40 pregam por realizar as impressões diretamente nos cicatrizadores no lugar de scanbodies, seguindo uma filosofia de fornecer estabilidade ao tecido periimplantar e talvez inibir a perda óssea ao se evitar o processo de remoção do cicatrizador para instalação do scanbody, e é constatado que, além da viabilidade da técnica, cicatrizadores de 7 mm de altura produzem menos erros de posição do implante no modelo digital do que peças de 5 mm. O tipo de conexão do implante - externa ou interna - parece não produzir diferenças significativas nos resultados de avaliação da acurácia entre modelos obtidos com técnica digital. 29
Tempo de Trabalho e Preferência do Operador
O tempo de impressão com o uso dos scanners intraorais é reduzido quando comparado à técnica convencional, tanto em situações de reabilitações com implante único como em reabilitações extensas.16,33,34Alsharbaty43 ressalta que devemos levar em consideração que o escaneamento em pacientes inclui limitações como: presença de saliva, movimentos do paciente, mobilidade da mucosa ou dificuldades de acesso adequado em algumas áreas para escaneamento e, além da qualidade final do modelo, essas condições podem interferir no tempo de trabalho.
Os estudantes demonstram afinidade pelo scanner intraoral,33,35,24 sendo uma possibilidade a inclusão de técnicas de impressão digital cedo no currículo acadêmico pela capacidade dos estudantes de odontologia inexperientes de incorporar os dispositivos digitais. Profissionais experientes consideraram a técnica equivalente a convencional, sugerindo uma boa aceitabilidade no mercado de trabalho já existente.(35,24)
Estudos clínicos
Tipos de escâneres e acurácia
Em relação aos tipos de scanners avaliados, dos sete estudos clínicos realizados, dois utilizaram o sistema Lava Chairside Oral Scanner (3M ESPE),15,44 um o Cerec Omnicam (Sirona Dental System GmbH),45 um o Trios 3Shape (3Shape) 43 e três o iTero (Cadent iTeroTM),13,46,47 sendo que, pela leitura do artigo na íntegra, sugere-se que os dois estudos de Gherlone15,44 que utilizaram o sistema Lava COS, foram realizados no mesmo momento, apenas com discussões diferentes. Não foi possível definir se existe superioridade entre os sistemas de scanners devido às divergências entre os resultados das pesquisas.
Os resultados de acurácia e aplicabilidade clínica do escâner digital nos estudos in vivo são divididos. Gherlone15 considerou a acurácia dos scanners intraorais adequada após avaliar clinicamente e por exames de imagem as condições das reabilitações e suas relações com os implantes e constatar uma taxa de sobrevivência de 100% dos implantes com níveis de perda óssea adequados após 12 meses de instalação dos implantes, além de um tempo de trabalho total mais curto para a técnica digital do que para as técnicas convencionais. Já Andressen13 e Alsharbaty43 realizaram avaliações dimensionais e angulares de estruturas confeccionadas a partir das técnicas digitais e consideraram o resultado impróprio para o uso clínico, sendo os melhores resultados para as técnicas convencionais. Um dos fatores que influencia os resultados dos scanners digitais in vivo a interferência de grandes distâncias edêntulas, que podem causar a falta de pontos anatômicos de referência para o sucesso do uso do scanner intraoral.13
Tempo de Trabalho e Preferências do Paciente
É evidente a preferência dos pacientes quanto aos quesitos de percepção do tempo necessário, preferência, paladar, conforto e reflexo de vômito para a técnica digital,45,46,47 A técnica digital demonsta menor demanda de tempo,45,46 contudo pode-se suspeitar que dificuldades de situações clínicas específicas, a experiência e a técnica do operador podem produzir resultados destoantes. A quantidade e a disposição dos scanbodies pode dificultar no processo de impressão digital, e uma maneira de facilitar a impressão e torná-la mais rápida e confortável é realizar o escaneamento dos scanbodies separadamente, juntando os arquivos digitais posteriormente.47
A técnica digital ainda apresenta benefícios como a facilidade de comunicação com os laboratórios e pacientes, pois a impressão digital elimina etapas como seleção de moldeira, uso de material de moldagem, desinfecção do modelo e envio do modelo físico para o laboratório, além da facilidade espacial de manter um acervo com modelos digitais.14 A preferência do paciente pela técnica digital colabora com a ideia do aumento gradual do uso de scanners intraorais na prática clínica fortemente sustentada pelo feedback dos pacientes e na redução de tempo clínico e etapas de trabalho.
Algumas dificuldades podem ser apontadas na avaliação dos estudos existentes na literatura, tais como a alta heterogeneidade entre as metodologias e suas populações. A questão metodológica merece atenção, pois além das diferenças inerentes de cada grupo de pesquisadores e operadores, que influenciam em resultados obtidos dentro dos próprios estudos,24 a falta de padrão ser um fator preponderante para a variedade de resultados encontrados.
Limitações como a necessidade de uma curva de aprendizado, a técnica do operador e a influência negativa de grandes distâncias edêntulas devem ser consideradas, além do custo elevado do equipamento que inviabiliza sua utilização por grande parte dos profissionais.
Conclusões
Através deste estudo, é possível perceber algumas vantagens do uso do scanner na prática clínica, como: redução do tempo de trabalho, preferência do paciente e dos acadêmicos de odontologia, e a aceitabilidade da nova tecnologia pelos profissionais já inseridos no mercado de trabalho. O tipo de escâner não parece exercer influência quanto a qualidade dos modelos obtidos. Quanto à acurácia, que calcula a divergência entre o modelo obtido e o modelo real, a qualidade dos modelos produzidos a partir da técnica digital foi aceitável em comparação com a técnica convencional nos exames laboratoriais. Os estudos clínicos foram poucos e apresentaram diferentes conclusões quanto à acurácia dos modelos obtidos pela técnica digital sendo impróprio sugerir ou desestimular seu uso clínico com base nesses resultados. Assim, são necessários mais estudos sobre o assunto, especialmente clínicos, para acompanhar a disseminação dessa tecnologia, verificando sua eficiência e aceitabilidade na prática da implantodontia.