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Revista Cubana de Medicina Militar

Print version ISSN 0138-6557

Rev Cub Med Mil vol.43 no.4 Ciudad de la Habana Oct.-Dec. 2014

 

ARTÍCULO ORIGINAL

 

Características ocupacionais e sociodemográficas relacionadas ao estresse percebido de policiais militares

 

Características ocupacionales y sociodemográficas relacionada con la percepción del estrés en policías militares

 

Occupational and sociodemographic characteristics in relation to the perception of stress in military policemen

 

 

Dra. Carla Maria de Liz, Leonardo Cirimbelli da Silva, Dra. Claudia Arab, DrC . Maick da Silveira Viana, DrC . Ricardo Brandt, MSc. Diego Itibere Cunha Vasconcellos, Dr. Alexandro Andrade

Centro de Ciências da Saúde e do Esporte-CEFID. Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC, Florianópolis/SC, Brasil.

 

 


RESUMO

Introdução: no Brasil, o trabalho policial é considerado um dos mais estressantes, não apenas pela natureza das atividades realizadas, que envolvem alto risco, mas também pela sobrecarga de trabalho e pelas relações internas à corporação, cuja organização se fundamenta em hierarquia rígida e disciplina militar. Existem fatores relacionados ao estado biológico de saúde que são decorrentes do estado psicológico, das pressões ambientais e dos recursos econômicos que predispõe o policial ao estresse.
Objetivo: comparar a percepção de estresse em policiais militares considerando as características ocupacionais e sociodemográficas destes.
Método: participaram do estudo 86 policiais militares homens com idade média de 35 (±8,3) anos lotados em um Batalhão de Florianópolis/SC, Brasil. Foram utilizados os questionários: "Questionário para caracterização", "Questionário de Classificação Socioeconômica ABEP/2008", "Questionário dos Estágios para Mudança de Comportamento para o Exercício Físico" e a "Escala de Estresse Percebido (EEP)". Utilizou-se de análise descritiva e inferencial, adotando-se α de 0,05 (p<0,05).
Resultados: maiores médias de estresse percebido foram verificadas em policiais insuficientemente ativos, nos que possuíam até 35 anos de idade, nos que já passaram por algum evento traumático na carreira e nos que atuam na área operacional.
Conclusão:
os policiais com até 35 anos de idade, que sofreram algum evento traumático na carreira, insuficientemente ativos, atuantes na área operacional e com qualidade de sono ruim apresentaram maiores níveis de estresse percebido. O estresse está relacionado à saúde psicológica e física dos indivíduos e sendo assim, intervenções visando o controle e/ou prevenção do estresse em policiais militares devem ser implementadas pelos batalhões.

Palavras-chave: atividade física, percepção de estresse, policial militar, estresse no trabalho.


RESUMEN

Introducción: en Brasil, el trabajo de los policías se considera uno de los que genera más estrés, no solo por la naturaleza de las actividades que involucran un alto riesgo, sino también por la sobrecarga de trabajo y por las relaciones internas a la corporación, cuya organización se fundamenta en la jerarquía rigurosa y en la disciplina militar. Existen factores relacionados al estado biológico de salud que provienen del estado psicológico, de las presiones ambientales y de los recursos económicos; dichos factores predisponen a los policías al estrés.
Objetivo: comparar la percepción del estrés en policías militares a partir de las características ocupacionales y sociodemográficas.
Métodos: se estudió una muestra de 86 policías militares, hombres, con edad media de 35 años (± 8,3) de un Batallón de la ciudad de Florianóplis, Estado de Santa Catarina, Brasil. Se utilizaron la Encuesta de Caracterización, Encuesta de Caracterización socioeconómica ABEP/2008, Encuesta de las Etapas de Cambio de Comportamiento para el Ejercicio Físico y la Escala del Estrés Percibido (EEP). Se realizó un análisis descriptivo e inferencial y se adoptó α de 0,05 (p< 0,05).
Resultados: los mayores niveles de estrés percibido se identificaron en policías insuficientemente activos, en aquellos que tenían hasta 35 años, en los que pasaron por algún evento traumático en la carrera, los que actúan en el área operacional y con una mala calidad de sueño.
Conclusiones: el estrés se relaciona con la salud psicológica y física de los individuos; en este sentido, se hace necesario la implementación, por parte de los batallones, de intervenciones que busquen el control y/o la prevención del estrés de los policías, principalmente en los que se identificaron como más afectados.

Palabras clave: actividad física, percepción del estrés, policía militar, estrés en el trabajo.


ABSTRACT

Introduction: in Brazil, the police work is considered one of the most stressful lines of work, not only due to the nature of activities involving high risk, but also to the work overload and the internal relations of the corporation, whose organization is based on a rigid hierarchy and military discipline. There are factors related to the biological state of health that derive from the psychological state, the environmental pressures and the economical resources; such factors predispose police to stress.
Objective: to compare the stress perception in military policemen according to the occupational and sociodemographic characteristics.
Methods: eighty six male military policemen aged 35 (± 8.3) years as average, who worked in a battalion in Florianópolis/SC, Brazil, participated in the study. The "Questionário de caracterização", the "Questionário de Classificação Socioeconômica ABEP/2008", the "Questionário dos Estágios para Mudança de Comportamento para o Exercício Físico" and the "Escala de Estresse Percebido (EEP)" were used. Descriptive and inferential analysis was made with α of 0.05 (p< 0.05).
Results: the highest levels of perceived stress were found for sedentary policemen, for the ones aged up to 35 years, the ones that had already experienced a traumatic event in their careers, those who work in operational area of police service and in those with poor sleeping quality.
Conclusions: stress is related to psychological and physical health of the individuals and therefore, interventions targeting the control and/or prevention of stress in military policemen, mainly those classified as the most affected ones, must be implemented by the battalions.

Keywords: physical activity, stress perception, military policemen, stress at workplace.


 

INTRODUÇÃO

O estresse no trabalho tem sido alvo crescente de pesquisas nos últimos anos, especialmente nas duas últimas décadas e está relacionado a situações nas quais a pessoa percebe o ambiente de trabalho como ameaçador às suas necessidades de realização e/ou à sua saúde.1 Uma meta-análise de estudos prospectivos de coorte demonstrou que o estresse no trabalho esteve associado à cerca de 50 % a mais de risco dos empregados desenvolverem doenças coronarianas.2

No Brasil, a polícia militar é a força policial de maior expressão numérica, correspondente a 70 % dos agentes policiais no sistema de segurança.3 Os policiais militares realizam vigilância ostensiva e atuam na preservação da ordem pública.4 O nível de estresse dos policiais militares tem sido apontado como superior ao de outras categorias profissionais, não apenas pela natureza das atividades realizadas, que envolvem alto risco, mas também pela sobrecarga de trabalho e pelas relações internas à corporação, cuja organização se fundamenta em hierarquia rígida e disciplina militar.5 Segundo Calazans,3 muitos destes profissionais ingressam na carreira pelo status da profissão, pela possibilidade de ascensão e de estabilidade do concurso público, porém, com o decorrer do tempo, se deparam com a falta de reconhecimento, a percepção do risco, as perdas de colegas e o sofrimento mental represado pela corporação.

Segundo o Modelo de Estresse Policial,6 há fatores relacionados ao atual estado biológico de saúde que é decorrente do estado psicológico, das pressões ambientais e dos recursos econômicos que predispõem o policial ao estresse. A avaliação e percepção dos policiais sobre as situações vivenciadas é que resultam em eventos estressantes agudos, crônicos, baixos, médios ou altos. A reação destes aos eventos estressores depende do tipo de personalidade e pode levar ao desenvolvimento de habilidades psicológicas para lidar com a situação, à condição de pré-estresse, ou ao desenvolvimento de sintomas psicológicos decorrentes do estresse, como ideias suicidas e/ou comportamentos violentos.6 A teoria clássica da Síndrome da Adaptação Geral ou do Estresse7 destaca que o corpo responde ao estresse com um mecanismo de defesa caracterizado por alterações estruturais e químicas específicas, as quais podem elevar a resistência a agentes estressores ou originar doenças. A mudança de turno de trabalho, por exemplo, pode levar a sérios problemas de saúde, tais como mudanças no ritmo circadiano, dos padrões de sono, aparelho digestivo e outras funções corporais que afetam o bem estar físico e psicológico do policial.6

De acordo com Minayo4 pouco tem sido publicado a respeito das condições de saúde física e mental de policiais, assim, o presente estudo contribui para a expansão do conhecimento acerca de um tema ainda carente de contribuições. Considerando o contexto apresentado, o objetivo do presente estudo foi comparar a percepção de estresse em policiais militares em função das características ocupacionais e sociodemográficas.


MÉTODOS

Tratase de um estudo de caráter descritivo de campo, do tipo comparativo. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC, sob nº de referência 141/2010.

Os policiais foram selecionados de maneira não probabilística intencional, pelo critério de voluntariado em um Batalhão da Policia Militar de Santa Catarina. Os policiais atuavam tanto na área administrativa quanto na operacional, sendo este o único critério de inclusão dos mesmos no presente estudo.

Obtevese a participação de 86 policiais militares homens, com média de idade 35 (± 8,3/ mín. 23; máx. 51) anos, do referido batalhão. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que explicitava o caráter voluntário na pesquisa e o sigilo dos dados. Os policiais militares responderam a um questionário que os caracterizava quanto às variáveis sociodemográficas (idade, estado civil, nível de escolaridade), às características da profissão (área de atuação, tempo de serviço, realização de outra atividade profissional informal e evento traumático na carreira) e quanto a variáveis relacionadas à saúde: consumo de bebida alcoólica e fumo, e qualidade do sono (ruim ou boa). O evento traumático foi verificado por meio de uma pergunta aberta, possibilitando a descrição do policial sobre o que seria o evento traumático sofrido.

No que se refere à classificação socioeconômica, utilizouse o Critério Padrão de Classificação Econômica Brasil/2008.7,8 Este avalia os itens que o participante possui em sua residência e o grau de escolaridade do chefe da família. Para este estudo optouse em agrupar os níveis A1, A2, B1 e B2 como nível superior, e C1, C2, D e E como nível inferior, considerando o fato de que pessoas de níveis socioeconômicos muito próximos tendem a não se diferenciar em relação a algumas variáveis investigadas nos estudos, como no caso do estresse percebido.

O nível de atividade física dos participantes foi verificado por meio do questionário dos Estágios para Mudança de Comportamento para o Exercício Físico,9 composto por quatro questões de respostas dicotômicas (sim/não) referentes à pretensão, execução e permanência na prática de exercícios físicos regulares. O resultado classifica o indivíduo em cinco diferentes estágios: Pré-contemplação, não existe a intenção de praticar exercício físico; Contemplação, existe a intenção de praticar exercício físico, mas não há ação e pode permanecer um longo período de tempo neste estágio; Preparação, existe a intenção de praticar algum exercício físico e o indivíduo pretende inicia-la em um futuro próximo; Ação, há mudança de comportamento, mas o tempo de prática de exercícios físicos é inferior a seis meses; Manutenção, o comportamento de prática de exercícios físicos foi adquirido e mantido, praticando-os há mais de seis meses. Os indivíduos classificados nos estágios Ação e Manutenção foram considerados ativos e os indivíduos classificados em Pré-contemplação, Contemplação e Preparação foram considerados insuficientemente ativos.

Para avaliar o nível de estresse percebido utilizou-se a versão brasileira da Escala de Estresse Percebido proposta por Luft et al.10 A escala é constituída por 14 afirmações, nas quais o participante assinala uma opção que varia de 0 a 4 (0= Nunca; 1= Pouco; 2= Às vezes; 3= Regularmente e 4= Sempre) considerando o grau em que percebe a ocorrência das situações durante o último mês. A soma da pontuação das questões fornece escores que podem variar de zero (sem estresse) a 56 (estresse extremo).

Os questionários foram respondidos no local de trabalho dos participantes, ou seja, na base operacional ou na sessão administrativa, com a presença de um pesquisador para solucionar eventuais dúvidas quanto a seu preenchimento. Os policiais militares responderam aos questionários de maneira autoadministrada em um tempo aproximado de 10 min.

Os dados foram tabulados e analisados no programa Statistic Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0. Em relação à estatística descritiva, os dados foram analisados a partir da distribuição de frequências, média, desvio padrão e percentuais. Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificação da distribuição dos dados, apontando a sua não parametricidade.

Quanto à estatística inferencial, por se tratarem de dados com distribuição não paramétrica, foram realizados os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para comparação de médias entre grupos: idade até ou mais de 35 anos (média total), classe socioeconômica superior ou inferior, estado civil (casado, solteiro, divorciado), qualidade do sono (ruim, boa), tempo de serviço até ou mais de 14 anos (média total), área de trabalho (operacional, administrativa, operacional e administrativa), outra atividade profissional informal (sim, não), evento traumático na carreira (sim, não), uso de cigarro (sim, não), uso de bebida alcoólica (sim, não), atividade física (ativo, insuficientemente ativo). Adotou-se significância de p< 0,05 para as análises.


RESULTADOS

A maior parte dos policiais é casada, pertence a classes socioeconômicas superiores, possui tempo de serviço na Polícia Militar de até 14 anos, trabalha exclusivamente na área operacional, não têm outra atividade profissional informal, já passaram por algum evento traumático na carreira, não fuma, consome bebida alcoólica, são insuficientemente ativos fisicamente e consideram o sono de qualidade boa (tabela 1).

O índice de estresse percebido (IEP) dos policiais variou entre 10 e 50, tendo média de 25,87 (± 8,1). Os policiais com até 35 anos de idade apresentam maior IEP do que os policiais com mais de 35 anos. Policiais que atuam na área operacional apresentaram maior IEP do que os policiais que atuam na área administrativa ou operacional e administrativa. Maiores IEP foi identificado em policiais que já passaram por algum evento traumático na carreira quando comparado aos policiais que não passaram por nenhum evento traumático. Os policiais militares ativos fisicamente e com boa qualidade de sono apresentaram menor estresse percebido do que os policiais militares insuficientemente ativos e com qualidade de sono ruim.

Maiores IEP também foram identificados em policiais pertencentes a classes socioeconômicas inferiores, solteiros, que trabalham há 14 anos ou menos, que não possuem outra atividade profissional informal, são fumantes e ingerem bebidas alcoólicas, entretanto estas diferenças não foram significativas estatisticamente (tabela 2).


DISCUSSÃO

Os policiais militares com até 35 anos de idade, que sofreram algum evento traumático na carreira, insuficientemente ativos, atuantes na área operacional e com qualidade de sono ruim apresentam maiores níveis de estresse percebido quando comparados aos policiais com mais de 35 anos, que não sofreram evento traumático na carreira, fisicamente ativos, atuantes na área administrativa e com boa qualidade de sono.

Considerando o continuum de estresse proposto por Luft et al.10 que varia de 0 (sem estresse) a 56 (estresse extremo), pode-se dizer que estes policiais de modo geral vivenciam níveis toleráveis de estresse (25,8/ ± 8,10). A sintomatologia do estresse se manifesta, principalmente, por meio de sintomas psicológicos, e o desenvolvimento de estratégias para lidar com os eventos estressores impedem que os sujeitos sofram uma debilitação do organismo e um aumento progressivo dos níveis de estresse.11 Para se tornarem policiais, os indivíduos passam por testes que analisam seus estados de saúde física e mental, supondo-se, portanto, que o estresse é desenvolvido após juntarem-se à polícia.6

Um estudo realizado com policiais indianos identificou 35,3 % destes com níveis elevados de estresse com propensão ao desenvolvimento de morbidades. Ainda, quando analisados separadamente, foram verificados altos escores de psicoticismo e neuroticismo no grupo de policiais mais estressados quando comparados ao grupo com menos estresse. O neuroticismo foi associado com distração negativa e culpa.12 No estudo supracitado, os participantes estariam, de modo geral, na fase em que devem ser utilizadas estratégias de prevenção, sugerida pelo Modelo de Estresse Policial,6 evitando o desenvolvimento de doenças.

Outro estudo, também com policiais indianos, identificou níveis de estresse como fator de risco para a hipertensão arterial, policiais com maior estresse apresentavam 2,89 mais chances de desenvolver a doença.13 Em Costa et al.11 dentre os policiais estressados (47,4 %), houve uma expressiva prevalência de sintomas psicológicos, tais como nervosismo, irritabilidade excessiva, raiva prolongada, cansaço excessivo, irritabilidade sem causa aparente e perda do senso de humor, e os sintomas físicos mais prevalentes foram mãos e pés frios, excessiva sudorese, tensão muscular, insônia, cansaço permanente, flatulência, falta de memória e doenças dermatológicas. Distúrbios nos olhos, ouvidos e no sistema digestivo de policiais se relacionam com, além de dieta inadequada, estressores ambientais e profissionais.4 No estudo de Souza et al.,5 aqueles policiais que frequentemente estressavamse no trabalho apresentaram 3,784 vezes maior chance de desenvolver sofrimento psíquico do que em relação àqueles que nunca ou quase nunca estressavamse. Gerber et al.14 constataram que policiais com percepção de estresse elevada apresentavam estado de saúde geral menos favorável, com mais queixas somáticas e psicológicas e eram mais ausentes do trabalho. Assim, há diversas consequências negativas que o estresse ocasiona na vida de policiais.

Nesta pesquisa, os policiais com até 35 anos de idade apresentaram maior IEP do que os policiais com mais de 35 anos de idade, bem como houve uma tendência, não significativa, de que os policiais que atuam há menos de 14 anos apresentarem maior IEP. Maior percepção de estresse de policiais americanos no primeiro ano de serviço foi associado a maiores níveis de sintomas depressivos.15 Este fato poderia ser devido à que policiais em serviço há mais tempo se tornam mais resistentes aos agentes estressores, enquanto os novos recrutas são mais propensos a sofrer com estes.6 Com base nesse resultado, pode-se inferir que os policiais mais velhos e consequentemente mais experientes lidam mais facilmente com os agentes estressores do que os policiais mais novos.

Minayo et al.4 encontraram a atividade profissional representada pelos agentes de segurança pública de forma dialética, alguns a consideram como fonte de prazer e satisfação, sendo o estresse citado de forma positiva como excitante para a realização do trabalho, geralmente pelos mais jovens, que gostam do enfrentamento e falam com entusiasmo sobre o assunto. Este sentimento é contraposto ao ressentimento pela falta de reconhecimento social e consideram o trabalho como fonte de sofrimento e adoecimento.

Não foram encontradas diferenças nos níveis de estresse relacionadas ao estado civil e classe econômica dos policiais militares. O estresse percebido no trabalho por policiais americanos não foi associado a fatores demográficos, apenas com nível de escolaridade e raça.16 Souza et al.5 constataram que nenhuma variável do perfil socioeconômico e demográfico de policiais permaneceu no modelo como explicativa do sofrimento psíquico. A insatisfação com a capacidade de reagir a situações difíceis, frequentes no exercício das atividades policiais, e a insatisfação com a vida como um todo explicaram mais o sofrimento psíquico que as características de idade, sexo, cor, situação conjugal e renda.5 Fatores de idade, etnia e estado civil não foram associados a sintomas de depressão entre policiais americanos.15 Parece não haver correlação de fatores sociodemográficos com reações emocionais entre policiais.

No que tange a área de atuação, observou-se que os policiais atuantes na área operacional possuem maiores IEP do que os atuantes na área administrativa. Este resultado condiz ao de outros estudos4,15 mas contraria o de Costa et al.11 que relataram níveis significativos de estresse entre os membros de todos os níveis hierárquicos da polícia. De acordo com Spode e Merlo,17 atuar no serviço operacional de rua traz desgastes como a passagem de noites insones, a exigência de preparo físico no desenrolar das ocorrências, a exposição do policial ao risco de morte e tomadas de decisões, na maioria das vezes, imediatas. Na atividade administrativa, as decisões podem ser tomadas em um maior período de tempo para reflexões e consultas.17 Assim, policiais atuantes na área operacional podem apresentar maior nível de estresse do que os atuantes na área administrativa.

Foi possível observar nesta pesquisa que os policiais que sofreram algum tipo de evento traumático na carreira apresentam níveis de estresse mais elevados quando comparados aos que não passaram por nenhum evento traumático. Gershon et al.16 apontaram a exposição a incidentes como um dos principais estressores em policiais, sendo estes funerais de policiais, ser submetido à investigação de assuntos internos e atirar em alguém, entre outros. De acordo com Costa et al.,11 a profissão de policial militar é uma atividade de alto risco, uma vez que esses profissionais lidam, no seu cotidiano, com a violência, a brutalidade e a morte, e, assim, estão constantemente expostos ao perigo e à agressão, devendo frequentemente intervir em situações de muito conflito e tensão. A ação militar resume vários aspectos ambientais que intensificam o impacto do estresse, por exemplo, os soldados não têm alto grau de autocontrole, não podem prever eventos certos, e o impacto pessoal e do significado dos eventos são potencialmente fatais.18

A exposição ao estresse pós-traumático é muito comum para os militares e, portanto, a compreensão de reações psicológicas para tais situações traumáticas se torna importante.18 Assim, há necessidade de acompanhamento psicológico para os policiais que passam por esses traumas e apresentam maior percepção de estresse.

No que se refere ao exercício de outra atividade profissional, paralela à de policiais, ou seja, informal, este estudo apontou que 41,9 % a exercem, sem diferenças significativas no IEP de policiais que atuam em outra atividade profissional informal e os que não atuam. Ter dois empregos foi um dos fatores responsáveis à péssima qualidade de vida dos policiais entrevistados por Minayo et al.,4 com impacto negativo à saúde. O excesso de trabalho, poucas horas de sono e repouso são responsáveis pela fadiga e cansaço dos policiais, e por isso consideram o trabalho estressante e gerador de enfermidades.4

Quanto à qualidade do sono dos policiais, 26,7 % classificaram-na como ruim, percentual consideravelmente menor ao encontrado por Minayo et al.,4 no qual 39,5 % dos civis e 53,5 % dos militares apresentavam como sintoma de sofrimento psíquico "dormir mal". Quinze por centro dos policiais investigados por Gershon et al.16 apresentam insônia crônica. A qualidade de sono dos policiais participantes deste estudo foi negativamente correlacionada com o estresse, ou seja, aqueles que perceberam sua qualidade do sono como ruim, apresentaram maiores IEP. Este resultado pode ser analisado segundo o Stress-Health Model, que destaca que o estresse e o sono se relacionam reciprocamente e quando não adequados, contribuem para o desenvolvimento de doenças; ainda, que quando se tem problemas de saúde, estes afetam o estresse psicológico e o sono.19 Destaca-se que a qualidade do sono está relacionada com a prática de exercícios físicos, ou seja, indivíduos que se exercitam, apresentam boa qualidade de sono.20-23 O que se observa no presente estudo é que os policiais insuficientemente ativos e com má qualidade de sono foram os que apresentaram maiores IEP.

No que tange aos níveis de atividade física, pode-se observar maiores níveis de estresse para os policiais insuficientemente ativos, correspondente a 60 % dos entrevistados. Este índice foi semelhante entre os policiais participantes da pesquisa de Costa et al.,11 na qual 62,1 % não praticavam atividade física regular. No estudo de Jesus e Jesus,24 9,5 % dos 1095 policiais investigados eram inativos e 27,5 % insuficientemente ativos. Minayo et al.4 constataram inatividade física menor entre os policiais militares (24,8 %) em comparação aos civis (46,4 %).

A inatividade física deve ser considerada um fator com papel decisivo no adoecimento dos policiais, uma vez que compromete danosamente sua energia, rouba sua vitalidade e sua eficiência profissional.4 Quando os policiais se percebem com alta aptidão física, podem ocorrer menores níveis de estresse, sendo esta inversamente associada a queixas psicossomáticas e ao absentismo no trabalho.14 Maiores níveis de exercícios físicos também se associam a menos queixas psicossomáticas e percepção de saúde mais elevada.14 Gerber et al.14 constataram ainda que exercícios moderados atenuam o nível de estresse de policiais e exercícios intensos se associam com maior satisfação geral de saúde e maior bemestar psicológico. Entre os principais motivos de inatividade física, os principais apontados por policiais são compromissos familiares, jornada de trabalho, falta de equipamento, ambiente inseguro, falta de companhia, tarefas domésticas e falta de recursos financeiros.24

Sedentarismo, fumo, consumo de bebida alcoólica e dieta inadequada, são fatores de risco associados ao estilo de vida, presumindose que estes aumentam o risco de desenvolver e agravar várias doenças, inclusive o estresse.25 Para Dumith et al.,9 a inatividade física pode produzir efeitos patológicos e crônicos como doença cardíaca, câncer, diabetes, hipertensão, obesidade, desordens musculares e doença mental. Por outro lado, o exercício físico é uma forma de lazer e de restaurar a saúde dos efeitos nocivos decorrentes da rotina do trabalho.24 Seus efeitos psicológicos e fisiológicos parecem resultar no alívio do estresse, depressão e ansiedade e ainda estimular o hábito de uma alimentação saudável.24 Estudos têm mostrado que a atividade física pode cumprir um importante papel preventivo e terapêutico devendo ser parte integrante das práticas que visam à saúde.26 Assim, observase a necessidade de os policiais inserirem no seu cotidiano a prática de exercícios físicos, visando principalmente o controle do estresse promovido pela sua profissão.

Costa et al.11 observaram dentre os 264 policiais investigados, que apesar de 47,4 % apresentar estresse, 86 % era não fumante e 35,6 % não consumiam bebidas alcoólicas, sugerindo um indicativo de estilo de vida mais saudável e de uma melhor qualidade de vida. O estudo de Souza et al.27 verificou que os policiais consumidores de álcool são em sua maioria homens (94,6 %), lotados em delegacias e batalhões (73,4 %) e exercem outra atividade remunerada (61,2 %), sugerindo que quem trabalha mais consome mais bebida alcoólica. No presente estudo, os policiais que consomem e os que não consomem bebida alcoólica não se diferenciaram em relação ao IEP. Por outro lado, observase uma tendência, não significativa estatisticamente, indicando que os policiais que fumam apresentam maior IEP do que os que não fumam, carecendo de novas investigações.

Na pesquisa Gershon et al.,16 os policiais investigados relataram que utilizam estratégias cognitivas para lidar com o estresse, tais como conversar com membros da família ou profissionais quando se sentiam estressados. Por outro lado, quando os níveis de estresse são maiores, tais policiais utilizam algumas estratégias negativas, como por exemplo, agir como se nada estivesse os incomodando, gritar com outras pessoas, inclusive membros da família e 34 % fazem uso de tabaco e 14 % de bebida alcoólica mais do que o usual. Neste sentido, o estudo de Souza et al.27 aponta que o estresse psicológico e emocional vivenciado pelos policiais, principalmente pelos que atuam na área operacional, pode influenciar o uso abusivo de substâncias lícitas e ilícitas por estes, visando a tentativa de afastamento dos problemas vivenciados na rotina diária de trabalho.

De acordo com Wang15 se o estresse não for tratado, algumas doenças poderão se instalar de maneira irreversível. Neste sentido, entre as intervenções que podem ser eficazes para o manejo do estresse estão o desenvolvimento de um programa de diagnóstico, orientação e controle do estresse; a identificação dos estressores externos e internos, presentes no cotidiano dos policiais; a implementação de um programa que vise a saúde do policial em sua totalidade, incluindo alimentação adequada, exercícios físicos regulares, técnicas de relaxamento, sono apropriado às necessidades individuais, repouso e lazer. Em resumo, um conjunto de intervenções que abranja o social, o afetivo e a saúde física dos profissionais.11

Altos IEP podem prejudicar a saúde física e mental dos policiais, portanto, sugerese a implantação de uma ação preventiva por parte da organização militar, como a introdução de um programa de atividade física, visando o controle do estresse e melhoria da qualidade do sono, além de oferecimento de acompanhamento psicológico, em especial para aqueles policiais que passaram por eventos traumáticos.

Este estudo limitouse a investigar policiais homens de um batalhão da Grande Florianópolis, no entanto, é possível ampliar os resultados deste estudo para outras populações de policiais militares desde que esta população apresente características semelhantes às da amostra investigada. Embora a pesquisa tenha sido realizada com apenas 86 policiais, o que pode ser uma limitação deste estudo, os resultados indicam que a profissão de policial militar necessita de maior atenção quanto aos aspectos psicológicos, devendose adotar estratégias preventivas para o controle do estresse destes profissionais.

Concluiuse que os policiais com até 35 anos de idade, que sofreram algum evento traumático na carreira, insuficientemente ativos, atuantes na área operacional e com qualidade de sono ruim apresentaram maiores níveis de estresse percebido. O estresse está relacionado à saúde psicológica e física dos indivíduos e sendo assim, intervenções visando o controle e/ou prevenção do estresse em policiais militares devem ser implementadas pelos batalhões.


Agradecimentos

Aos policiais militares participantes do estudo e ao comandante responsável pelo Batalhão investigado, pelo apoio institucional que possibilitou a coleta das informações e ao Programa do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior-FUMDES.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recibido: 1 de julio de 2014.
Aprobado: 1 de agosto de 2014.

 

 

Carla Maria de Liz. Centro de Ciências da Saúde e do Esporte-CEFID/Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC, Florianópolis/SC, Brasil. Correo eletrónico: carla.maria.liz@gmail.com