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Universidad de La Habana

versión On-line ISSN 0253-9276

UH  no.282 La Habana jul.-dic. 2016

 

ARTÍCULO ORIGINAL

 

Medeia: espaço de denúncia da violência contra a mulher

 

Medea: Denunciation Space of Violence against Woman

 

 

Maria Regina Candido

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

 

 

 


RESUMO

Propomos analisar a dramaturgia de Medeia, no qual emerge o trinômio: violência, mulher e morte. O mito de Medeia configura-se como um tema que não se esgota através do tempo, pois se mantém ativo como nos apontam a diversidade de representação no campo da dramaturgia, imagética e cinematografia. Medeia representa as inquietações das mulheres esposa e mãe vítimas da violência doméstica eque reagem ao processo de subordinação a figura masculina. Vivenciamos uma sociedade do espetáculo no qual a mulher protagoniza momentos de violência e busca reagir de diferentes maneiras, principalmente através da representação como forma de luta contra a vitimização. Usa o palco do teatro como espaço de denúncia contrao preconceito social da mulher exilada, a violência racial definida pela cor da pele e a perseguição étnicae religiosa.

PALAVRA-CHAVE: dramaturgia, mito, opressão, teatro.


ABSTRACT

We propose to analyze the drama of Medea, in which emerges the triad: violence, women and death. The Medea myth appears as an issue that is not limited by time, it remains active as a link in the representation of diversity in the field of drama, imagery and cinematography. Medea is the concerns of wives and mothers women victims of domestic violence and react to the male figure reporting process. We experience one spectacle society in which women stars in moments of violence and seeks react in different ways, mainly through representation as a way to combat victimization. Uses the stage of the theater as a complaint space against social prejudice of the exiled woman against racial violence defined by skin color and against ethnic and religious persecution.

KEYWORDS: dramaturgy, myth, oppression, theatre.


 

 

Abordar o tema violência, na atualidade, nos remete a mídia, aos meios de comunicação que constantemente expõe a mulher como vítima da violência. As ações transmitidas pelos meios de comunicação nos trazem a memória a obra de Guy Debord intitulada Sociedade do Espetáculo no qual o espetáculo não é o conjunto de imagens de jornais, TV ou Internet, mas a relação social que se estabelece entre as pessoas, mediatizada por imagens. A partir desta perspectiva, acrescentamos que a morte e a violência transformaram-se num espetáculo para serem vistos e compartilhados através dos veículos de comunicação. Fatos que nos levam a crer que vivenciamos um momento de receios, tensão e medo diante da exposição do conflito, da violência e da morte. A ação visual da violência fomenta a cultura do medo e que resulta no sentimento de insegurança em contradição aos anseios manifestos das sociedades por uma cultura de paz (Costa, 2007).

Onde há a síndrome do medo, existem ameaças e esta parece induzir parte da população a reagir com mais medo e mais violência. Diante do tema nos questionamos: Afinal, o que é violência? De acordo com Norberto Bobbio (2004), violência é a intervenção física de um individuo ou grupo contra outro individuo ou grupo. A ação deixa transparecer uma estreita relação com o exercício
do poder definido como uma relação entre dois sujeitos, na qual um impõe ao outro a própria vontade como meio de obter alguma vantagem ou o efeito desejado (Bobbio, 2004).
Consideramos como violência tudo o que é capaz de atingir o corpo de alguém de forma prejudicial, causando dano e/ou dor, assim como degradar ou causar transtornos à sua integridade física. O uso da violência, por vezes, visa à destruição de algo ou alguém através de ações que tem por princípio o sentimento de ódio gerado por quem se sente lesado e vítima de ofensas físicas ou morais levadas a nível pessoal.

Tanto o ódio quanto à violência fazem com que as vítimas reajam movido pela emoção (Arendt, 1970) e, por vezes, buscam realizar a vingança por suas próprias mãos. Aristóteles na obra Retórica afirma que o tempo pode amenizar e até curar a raiva, porém, o ódio é um sentimento incurável e tem por princípio a reação e vontade de prejudicar, de vingar e de destruir o oponente, no caso, o autor da violência.

A partir do principio de que a violência e a morte tornaram-se um espetáculo para serem vistos, convidamos os ouvintes à reflexão sobre os usos da tragédia de Medeia, representada em Atenas no período clássico -431 a. C.-. Propomos analisar o enredo da dramaturgia presente em Medeia no qual emerge o trinômio: violência, mulher e morte. O mito de Medeia configura-se como um tema que não se esgota através do tempo, pois se mantém ativo, moderno e atuante diante das inquietações que suscita como mulher, esposa e mãe abandonada pelo marido e que decide sacrificar os próprios filhos.

A dramaturgia de Medeia deixa transparecer que todo cidadão grego que se sentisse lesado em seus direitos deveria reagir, trazer a questão para o debate, a reflexão e buscar um julgamento público justo. O sistema legal dos atenienses no período clássico considerava que o uso da violência era uma anormalidade que deveria ser eliminada ou minimizada. O princípio determinava que a ordem e as normas legais tinham por objetivo resolver as disputas, suprimir os conflitos e eliminar a violência privada (Cohen, 1997, p. 3).

Podemos afirmar que duas ações marcaram a trajetória da protagonista Medeia: uma nos aponta para o ato que denota o uso da violência verbal e a outra que indica uma ação psicológica como o abandono associado a coação do homem sobre a mulher. A tragédia Medeia se define especificamente como a violência de gênero, ou seja, o uso da violência do homem contra a mulher. Em nosso entendimento, gênero define-se como elemento constitutivo das relações sociais, baseadas nas diferenças entre os sexos e nos aponta para o modo primordial das relações de poder. "Gênero" é um conceito cultural vinculado à forma de como a sociedade constrói as suas relações politico-sociais, suas diferenças sexuais, atribuindo status diferente ao homem e a mulher (Scott, 1990).

Diante do vasto conteúdo imagético da sacerdotisa de Hécate, o conjunto de imagens de Medeia nos permite afirmar que os atos de violência e de morte tornaram-se um espetáculo constante em seu repertório, a saber: a jovem apaixonada por Jasão mata a víbora que guardava o Velo de Ouro na região de Colquida. Em seguida, o ato nos leva a ação de esquartejar o corpo do próprio irmão visando retardar a perseguição empreendida por seu pai, o rei Aetes. No palácio de Pélias, o idoso rei foi seduzido pelas palavras mágicas de Medeia cujo resultado foi a morte induzida pela sacerdotisa e efetuada pelas mãos das próprias filhas do rei. E, finalmente a morte espetacular que eternizou a sua narrativa mítica através do assassinato dos filhos que teve com Jasão. A motivação está sempre relacionada ao ciúme de uma mulher madura que reage com violência do abandono do marido que contraiu novas núpcias com uma mulher muito mais jovem.

O enredo de Medeia nos leva a questionar: Qual a razão do sucesso da dramaturgia entre os gregos antigos e na Modernidade? Medeia, aos olhos da crítica moderna e da literatura ocidental, representa a violência de uma mulher bárbara envolvida em uma paixão insana, cruel e dionisíaca. Medeia reage com violência diante da perda da sexualidade e do interesse de Jasão ao mesmo tempo que luta para não se submete a ação arbitraria do poder masculino.

Entretanto, com todos esses atributos negativos, o personagem atravessa o tempo e chega à modernidade como uma mulher que se recusa a aceitar que uma traição e o abandono permaneçam impunes. A ação agônica da vingança e o uso da violência acompanham a trajetória de Medeia, de Colquida a Hélade na qual poeta Eurípides deixa transparecer a máxima dos helenos ao determinar que "devemos sempre ajudar os amigos e prejudicar duas vezes mais os inimigos" (Candido, 2004, p. 22). O agon como embate, competição e desafio, segundo Jacob Burckhardt, sempre foi parte integrante da sociedade helênica (Burckhardt, 1929, p. 26).

Hesíodo, no período arcaico, citou a máxima na obra Os Trabalhos e os Dias recomendando que "se alguém começar tanto dizendo quanto fazendo algo indelicado, esteja certo de pagar-lhe duas vezes mais" (Hesiodo, v. 709). Essa citação nos indica que responder a uma agressão, aceitar um embate ou enfrentamento detinha um valor positivo entre os gregos. A ação de responder a altura qualquer ato de violência deveria ser buscados por aqueles que se considerassem lesados, prejudicados em algum momento do passado. Partindo desse princípio, Eurípides no período clássico materializou a reação diante da violência através da representação trágica de Medeia ao citar "que se deve causar mal aos inimigos, mas nunca aos amigos" (Medeia, v. 95).

O que nos chama a atenção na forte personalidade da sacerdotisa de Hécate está no fato de que os criadores do sistema filosófico ocidental como Hegel, Freud e Lacan, que analisaram as relações e comportamento entre os humanos, jamais ousaram tecer comentários ou reflexões a respeito da complexidade do caráter de Medeia. Entretanto, desde a Antiguidade até a Modernidade e a Pós-Modernidade artesãos, pintores, poetas como Eurípides, Sêneca e diferentes cineastas como Lars von Trier e Pasolini, entre outros, buscaram decifrar o enigma da mulher considerada de "feroz caráter, hedionda natureza e espirito implacável" (Medeia, v. 105).

As representações imagéticas de Medeia mantem estreita relação com a Teoria da Recepção junto aos poetas, pintores contemporâneos de Eurípides, assim como que nos possibilita identificar a trajetória do mito através do tempo. A versão dramatizada de Medeia resistiu ao tempo, chegou a modernidade e transitou por diferentes culturas da Grécia ao Japão, da Europa a África do Sul passando por Sarajevo, Moscou e Tbilissi.

Diante dessa constatação nos questionamos por que o mito de Medeia permanece ativo? Qual a motivação do texto, da narrativa mítica de Medeia ter atravessado o tempo e ser recepcionado em diferentes temporalidades, em regiões distintas e em suportes de informação variado. Tal fato manteve o mito ativo e atual apreendido por diferentes autores através da representação de natureza distinta como a textual, a dramática, a imagética e a cinematográfica. A natureza dispersa da narrativa de Medeia define-se como percepção das relações intertextuais, isto é, referencias de um texto a outro texto de natureza diversa.

Cabe ao pesquisador tomar ciência do repertório mítico da sacerdotisa de Hécate, que é vasto, pois o seu acervo cultural transita pela literatura, dramaturgia e imagética. Quanto mais conhecimento se tem sobre as distintas percepções e recepção da narrativa mítica de Medeia, mais se amplia a competência para compreender o diálogo estabelecido entre os textos produzidos, o contexto social e as representações do mito através do tempo.

A aventura da protagonista e suas imagens se aproximam da formação das unidades formais mínimas conceito que integra a semiótica da imagem de Claude Berard (1983) que parte do princípio de que a imagem é essencialmente narrativa e coloca em cena deuses, heróis e homens em comportamentos sociais e religiosos muito próximos ao cotidiano. A partir da aplicação do método de Claude Berard, indicamos os relatos da narrativa que se tornaram repertórios imagéticos presentes em vasos gregos, afrescos e esculturas através do tempo: a captura do Velo de Ouro, o rejuvenescimento de Pélias que foi denominada de Peliades -ou Medeia e o Carneiro- e o infanticídio de Medeia. As duas primeiras narrativas míticas que envolveram a ação de Medeia tornaram-se repertório imagético de artesãos e pintores do VI e V século a. C. e circularam entre Atenas e o Mediterrâneo Antigo. Enquanto que a última abordagem mítica demarcou o processo de transformação a partir seu início no período clássico chegando a pós-modernidade.

Em relação a narrativa mítica, Eurípides coloca no prologo, Medeia como uma mulher mísera e desonrada em posição de total subordinação a figura masculina e complementa ao citar "que jaz sem alimento, corpo dado as dores, debulhada em lágrimas todo tempo desde que soube ser lesada pelo marido" (Medeia, v. 20). Para o poeta a motivação do lamento de Medeia está no fato de Jasão violar a lei de reciprocidade e ajuda mutua estabelecida entre o casal através do compromisso do matrimônio. Entretanto, o poeta Eurípides não narra com detalhes às aventuras do personagem mítico antes de chegar a região de Colquida. A análise da narrativa do poeta centra-se na região de Corinto como nos aponta os agentes da narrativa nomeados como Jasão e Creonte. Eles servem de sujeitos da narrativa mítica que nos permitem identificar a ação subordinada da mulher na sociedade grega, fato que nos permite analisar a narrativa junto à abordagem de gênero inserido no contexto social de produção.

O poeta nos expõe pequenos lampejos sobre o lugar social da mulher na sociedade grega ao citar "nós mulheres, somos o ser mais infeliz: primeiro é preciso com excessivo dinheiro comprar marido e aceita-lo como senhor, como o divorcio não é bem visto para as mulheres, não se pode repudiar o marido" (Medeia, v. 235). Eurípides prossegue na narrativa informando que "ao chegar a sua nova morada sem condições de vir instruída de casa, deve adivinhar qual o melhor convívio com o seu consorte" (Medeia, v. 240).

O dramaturgo acrescenta que quando as mulheres efetuam bem o papel de esposa "o marido convive com elas sem o uso da violência e a vida torna-se invejável, caso contrário à morte torna-se desejável" (Medeia, v. 245). Consideramos que houve uma empatia junto ao público diante da narrativa, pois casar jovem aos treze anos era uma situação familiar asjovens gregas, fato com os quais as mulheres presentes no teatro de Atenas se identificavam (Candido, 2010).

A sequência da narrativa mítica expressa à transição de Medeia que deixa de agir como vítima acuada e passa a atuar como agente ativa da vingança anunciada. Os adjetivos que qualificavam Jasão configuraram-se como um marco justificativo da ação da protagonista, a saber: "traidor de sua prole" (Medeia, v. 15), "meu marido, virou o mais vil dos homens" (Medeia, v. 230), "tu, o mais odioso aos deuses, a mim e ao gênero humano" (Medeia, v. 465).

A expressão de animosidade denota a relação de poder exercida pelo homem em uma sociedade masculina e a narrativa mítica de Medeia tem servido de base para a luta da mulher diante de um mundo eminentemente masculino. A partir da narrativa mítica de Medeia, a sociedade moderna deixa transparecer como e quando se processa o reconhecimento da violência, como ele é exercida e qual a resposta social que o uso de violência é capaz de produzir.

No caso da violência racial, Toni Morrisson trouxe ao palco em 1987 a narrativa da escrava Margareth Garnet ocorrida em 1867 intitulada como A Medeia Moderna cujo assassinato dos filhos representou a dinâmica da resistência feminina contra a escravidão. Diferente dos atos de confrontação contra o senhor, o conflito resolvido dentro do contexto doméstico definiu o infanticídio como um ato contra o sistema de poder escravista. A violência do ato trágico de matar os filho era visto como uma ação contra a propriedade do senhor, pois atingia o seu ganho extra (Bhabha, 2007). Elizabeth Fox-Genovese (1988) considera que o assassinato, a automutilação e o infanticídio fazem parte da dinâmica da resistência, da luta para fazer recuar as fronteiras do universo da escravidão.

Na África do Sul a recepção do mito na sua dimensão de violência sócio racial produziu a peça DEMEA, escrita em 1960 por Guy Butler, e somente liberada pela censura em 1990. O produtor adaptou o mito de Medeia a um novo contexto social de produção no qual Jasão e Medeia representam a união inter-racial cujo resultado gerou a ambiguidade de status social das crianças nascidas dessa união, devido à diferença da cor da pele. Em uma sociedade que definia o lugar social do brancos e do negros, não sabe identificar o lugar social do mulato. O resultado de uniões inter-raciais se aproxima do conceito de entre-lugar, símbolo da violência racializada diante da necessidade da elaboração de estratégias de ação de seus protagonistas. Inicia-se a criação de novos signos de identidade frente ao sintoma da vitimização social ao definir a própria ideia de sociedade (Bhabha, 2007).

Ainda dentro da perspectiva de violência sócio-raciale de denúncia da opressão citamos o Projeto Medeia (1989) dirigido pela coreografa Rhodessa Jones que, desde 1991, busca inovar a representação da tragédia Medeia na região de São Francisco/USA ao trazer ao palco a representação de pelas mulheres submetidas ao sistema prisional. As mulheres encarceradas inserem junto ao enredo de Medéia as suas histórias de vida que as levaram à prisão. A coreografa Rhodessa Jones busca desmitificar a relação crime e castigo, questão colocada no livro de Rena Fraden intitulado Imagining Medea, Rhodessa Jones and Theater for Incarcered Women (2001). O enredo aponta o racismo e a discriminação contra as mulheres como fator de motivação para o aumento da população carcerária feminina na América do Norte. O projeto visa denunciar as condições de marginalidade, status social no qual a maioria das presas são mulheres pobres, de baixa escolaridade, vítimas de violência doméstica e negras. O objetivo do projeto está na socialização da mulher negra ou mestiça marcada pela agressão e que tem sido criminalizada pelo seu ato de insubordinação a figura masculina. Dentro de um contexto de opressão e de agressão, essa mulher emerge como vitima do patriarcado predominantemente branco e de um sistema designado para manter a mulher negra ou mestiça calada, submissa e sem voz.

Entretanto existem outros desdobramentos da tragédia Medeia: em Sarajevo, Moscou e Tbilissi nos apontam para a ação da violência política diante da resistência, da confrontação e das controvérsias sobre a condição dos refugiados. A adaptação de Olga Taxidou de Medea: A World Apart, cuja representação transitou por Sarajevo, Moscou e foi marcante a sua participação no Festival Internacional de Teatro em Tbilissi capital da Republica da Georgia/Colquida (1997). O festival foi o primeiro a ser realizado após o colapso da União Sovietica e a violenta guerra civil entre os moradores da Georgia e Abkhazia e visou estabelecer o processo de paz e reconciliação (Taxidou, 2000).

Podemos afirmar que a década de 1990, reconhecidamente testemunhou, alguns dos acontecimentos políticos mais importantes do século em torno da Europa: a reunificação alemã, a dissolução e guerras da Jugoslávia, a dissolução da União Soviética e subsequente criação de novas nações, mas também a eclosão de inúmeros conflitos étnicos. Este foi um momento de acentuada transformação cujos conflitos resultaram em centenas de milhares de pessoas obrigadas ao deslocamento no interior do continente, criando assim um problema agudo dos refugiados nos tempos atuais. Dentro deste contexto Olga Taxidou escreveu sua própria adaptação de Eurípides tragédia, em 1997, intitulado Medea: A World Apart. No qual explora as questões de refugiados políticos e reflete, mais especificamente, a situação das mulheres refugiadas em transito. Assim como Medea que "não tem país, nenhuma cidade, nenhuma casa... tornara-se [Ela é] um refugiado [em seu] próprio corpo" (Taxidou, 2005, p. 133).

Na modernidade, o uso do corpo para expor a interseção de duas culturas distintas, a asiática e a ocidental, pode ser cotejado através de Medeia de Yukio Ninagawa, de 1997, na qual o autor coloca no palco a tradicional técnica do teatro Kabuki e Bunraku japonês interagindo com a dramaturgia do teatro grego. O ator Tokusaburo Arashi traz ao palco uma Medeia de caráter andrógino e transgressor. Sob a direção de Yukio Ninagawa, o drama chama a atenção para a violência de gênero ao revelar ao publico a nudez de seu corpo masculino na transgressiva androgenia "dos portadores da sexualidade vigiada" (Bhabha, 2007, p. 40). Assim como o lado heroico e o saber magico da sacerdotisa de Hecate foi revelado, o ator revela no palco a masculinidade de seu corpo junto com a sua natureza sexual feminina.

Concluímos que o drama Medeia traz ao debate o confronto que perpassam os seres humanos no passado e no presente ao qual impera o embate entre o conceito de civilização versus barbárie, as críticasaos problemas da segregação étnica e social diante de um mundo multicultural e a opressão de qualquer natureza. A narrativa mítica de Medeia tem sido usada pelos poetas, dramaturgos e pintores como o espaço de denúncia da violência politica, a violência racial e principalmente a violência da supremacia do masculino sobre o feminino. A violência de gênero inclui a perseguição aos portadores de sexualidade vigiada, as vítimas de acusação de criminalidade e da opressão. Logo, Medeia continuará como uma narrativa mítica associada aomecanismo dedenúncia, do grito de diferentes categorias sociais em estado de violência. A dramaturgia da sacerdotisa de Hécate representaa matriz estrutural de mulher que mesmo oprimida, mantem-se em constante luta, não se deixa abater, não se intimida ou silencia...

 

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RECIBIDO: 14/1/2016
ACEPTADO: 28/4/2016


 

Maria Regina Candido. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Correo electrónico: medeiacandido@gmail.com

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