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Universidad de La Habana

versión On-line ISSN 0253-9276

UH  no.282 La Habana jul.-dic. 2016

 

ARTÍCULO ORIGINAL

 

O ensino da tragédia no Teatro Universitário: Prometeu Acorrentado

 

Greek Tragedies Taught by the Department of Theater - Prometheus Bound

 

 

Denise Pedron

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.

 

 

 


RESUMO

Esse artigo apresenta uma reflexão sobre o ensino da tragédia grega na contemporaneidade. O estudo se dá no âmbito do curso técnico em Artes Dramáticas do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais, onde ministro a disciplina de História do Teatro e Literatura Dramática. No curso técnico, cujas habilidades do sujeito-ator são desenvolvidas através de ensinamentos mais práticos que teóricos, proponho aos alunos a leitura do texto trágico também na perspectiva da cena. Analiso aqui o caso específico de um trabalho realizado na turma do primeiro ano de 2014 do Teatro Universitário, que resultou na apresentação de uma cena com criação de dramaturgia própria, a partir do estudo do texto Prometeu Acorrentado, de Ésquilo. Não abordo diretamente o texto trágico, falo mais do que se mostrou relevante para os alunos em sua leitura do texto e do mito; relevante a ponto de vir à cena, de passar do texto à ação. Esse trabalho, realizado sistematicamente no âmbito escolar, tem se mostrado bastante profícuo, exatamente por aproximar o aluno do universo trágico, de modo que ele mesmo possa lhe conferir um sentido cênico.

PALAVRAS-CHAVE: cena, educação, história do teatro, literatura dramática, teatro, texto, tragédia grega.


ABSTRACT

This paper reflects on how Greek tragedies are taught at present. The performing arts course taught by the Department of Theater at the Federal University of Minas Gerais is examined. The curse allows drama students to develop their skills on a more practical than theoretical basis because they not only study tragedies but also analyze how they can stage them. Students themselves staged the Ancient Greek tragedy Prometheus Bound by Aeschylus in the year 2014, after studying it. This paper doesn't examine the tragedy itself but focuses on what aspects thereof students considered as relevant to its production, i.e. how they could stage this myth. This way of systematically teaching Greek tragedies has proved itself to be very useful because it allows drama students to get familiar with tragedies at the same time that they are encouraged to find their own ways to produce them.

KEYWORDS: scene, education, history of theater, dramatic literature, teathre, text, Greek tragedy.


 

 

A vida de cada homem, vista de longe e do alto [...]
apresenta-nos sempre um espetáculo trágico.
SCHOPENHAUER

Primeiras palavras - de onde falo

Não é tarefa fácil o exercício do ensino da tragédia num curso de teatro. Como professora da área teoria teatral, no curso técnico em Artes Dramáticas do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais, ministro a velha disciplina de História do Teatro e Literatura Dramática. Disciplina? Mesmo considerando questionável esse termo, não entrarei nesse mérito no momento. Poderia dizer que o currículo da escola está sendo repensado, de modo a integrar melhor a transversalidade entre as disciplinas, mas mesmo assim elas continuam aí. E se a transversalidade ainda não é possível no curso de maneira sistematizada, ela vem sendo exercitada, vez ou outra, em algumas parcerias desenvolvidas. Parcerias, que se relacionam por recorte temático, histórico ou técnico. Mas discorrer sobre isso não cabe aqui, no âmbito dessa reflexão sobre o ensino da tragédia no teatro.

Posso dizer do que vivo. E como estamos num curso de teatro em nível técnico, cujas habilidades do sujeito-ator são desenvolvidas através de ensinamentos mais práticos que teóricos, proponho aos alunos a leitura do texto -bem como de outros textos estudados ao longo do curso-, também na perspectiva da cena.

Farei, em seguida, uma breve fundamentação, teórica, que justifica essa perspectiva de trabalho e depois analiso alguns elementos da cena, que tomarei aqui como objeto de estudo. Cena essa, resultante de um processo criativo vivenciado pelos alunos do primeiro ano de 2014, a partir da leitura de Prometeu Acorrentado de Ésquilo. Não abordo diretamente o texto trágico, falo mais do que se mostrou relevante para os alunos em sua leitura do texto e do mito; relevante a ponto de vir à cena, de passar do texto à ação.

Texto e cena - a liberdade para ler e criar

Em linhas gerais, considerando dois universos distintos, o do texto dramático e o do texto espetacular (De Marinis, 1997), podemos pensar em que medida eles dialogam quando se trata de ensinar teatro, já que ambos, trazem elementos fundamentais e ao mesmo tempo distintos a serem considerados na análise e no estudo do fazer teatral.

Para que os alunos entrem em contato com o texto trágico e também, vivenciem cenicamente as questões trazidas pela leitura da tragédia, proponho que tratem essas duas dimensões, texto e cena, de maneira autônoma (Ryngaert, 1996). Assim, ao fazerem a leitura do texto, fazem-no considerando sua autonomia em relação à cena. E, por isso, para criar a cena, consideram também muitas vezes referências extratextuais, sejam elementos da mitologia, da história, e até mesmo de seu coditiano. Assim, esse diálogo que se estabelece entre texto e cena se dá a partir dos mundos de vida dos próprios atores-criadores e de sua relação com os elementos estudados da tragédia.

A proposta é que a partir de um trabalho em equipe, seja desenvolvido o processo de criação de uma cena, a partir do estudo inicial do texto, considerando seus elementos textuais, sonoros e visuais. Para isso, e na intenção de efetivar o diálogo entre texto e cena, são feitas adaptações e novas dramaturgias são criadas a partir da leitura da tragédia, considerando-se tanto seus elementos textuais quanto temáticos.

Esse trabalho realizado, sistematicamente no âmbito escolar, tem se mostrado bastante profícuo, exatamente por aproximar o aluno do universo trágico, de modo que ele mesmo possa lhe conferir um sentido cênico. A ênfase na experimentação e na autonomia do aluno serve como motivação para a leitura do texto e o desenvolvimento do trabalho cênico.

Analiso aqui o caso específico de um trabalho realizado na turma do primeiro ano de 2014 do Teatro Universitário/EBAP/UFMG, com os alunos Cesar Macedo, Hewrisson Ken, João Gabriel Walter, Paloma Mackeldy, Raquel Pessoa, Sara Borati, Sofia Pugliese e Thais de Souza.

O que vem à tona na cena - leitura de cena, leitura de mundo

Exercitando a performance cênica como uma das possibilidades de encontro com o trágico e sua vasta temática, a compreensão se dá pela via da experiência e não apenas do pensamento sobre o texto. Com isso, ao experimentar o trágico o aluno-ator o faz através de suas referências, seus mundos de vida, que acabam por reverberar em suas criações.

No caso específico da cena a ser analisada aqui, os alunos-criadores lançaram mão de colocar as moiras em cena, personagens que não estão presentes no texto de Ésquilo, embora evidentemente a noção de destino perpasse toda a tragédia. Curioso é que ao colocar em cena as três moiras personificadas, esse sentido, o do destino inexorável aparece aqui evidenciado:

As Parcas! As três irmãs, filhas da noite e irmãs das horas, esticando e encolhendo seus fios, fios que são vida [...] As nossas vidas, e que cortam quando querem. Cloto, Láquesis, Átropos. Vocês não as conhecem, eu sim [...] Eu juro que as vi como estou vendo vocês agora. Ao entrar nessa sala me escutem com atenção, talvez as conheçam tão bem quanto eu [...] E ainda não sabem.(1)
Outro recurso cênico utilizado foi o de colocar o público como "visitante da mente de Prometeu", o que parece evidenciar outra condição do trágico, a tomada de consciência do herói frente a suas ações e seu destino. O público é convidado e conduzido pelos atores a "entrar na cabeça de Prometeu" e vivenciar, então, "de dentro", seu dilema de consciência. O chamado é ao mesmo tempo um convite e uma advertência, já que aos olhos de Prometeu os humanos, o público da cena no caso, são tomados como ingratos, por não terem demonstrado qualquer reconhecimento a Prometeu que, mesmo submetendo-se a consequências inevitáveis, lhes trouxe o fogo:

Boa noite, sejam bem vindos! Vocês estão prestes a entrar na minha cabeça, a cabeça de Prometeu. Lembranças! Lembranças dos meus piores dias, mas que mesmo sendo os piores me fizeram uma lenda. É bom vê-los [...] mesmo que não demonstrem a mínima gratidão por tudo que eu lhes fiz [...] e eu não os cobro, não se sintam mal, só é bom ver que a chama continua acesa. Para que tudo corra bem esta noite, peço que sigam todas as instruções atentamente [...] estejam sempre nos locais indicados, pois a mente é um lugar frágil, perigoso [...] ainda mais a mente de um titã [...] por favor, estejam à vontade.

A significação da cena se abre e nos perguntamos: se estamos na cabeça de Prometeu, com o que nos deparamos, então? Com suas memórias? Habitamos seu inconsciente, esse lugar escuro? De onde fala esse herói? Muitas são as perguntas que podem, por ventura, ecoar na cabeça dos espectadores ao longo da cena, para serem respondidas, ou mesmo permanecerem como questões.

A cena apresenta ainda algumas referências aos outros momentos e personagens históricos, que de algum modo, se aproximam do universo de Prometeu, tal como lido pelos alunos. Um exemplo disso é um trecho da cena em que ocorre um distanciamento das atrizes, que interpretam as moiras. Todas tiram as vendas que as caracterizam como moiras, se levantam, como atrizes, e uma delas diz: "Assim também todos os dias o nosso povo. Atado à rocha dos impostos escorchantes, Tem também, pelo abutre da má-fé dos governantes, a alma arrancada".

O sofrimento de Prometeu é lido como sofrimento humano, prova de enfrentamento de poderes, sob os quais não se tem domínio. A condição de Prometeu equivale, nessa leitura da cena apresentada, à condição do povo. Nota-se, aqui, uma aproximação entre mundos de vida distantes, o dos atores, que se sentem explorados por seus governantes, e o do personagem do texto grego, dominado pelo Poder, e pelas ordens de Zeus.

Em Prometeu o tema do poder é o que mais se evidencia na criação cênica feita pelos alunos. A música criada para a condução inicial do público e utilizada também no encerramento da cena ilustra bem a relevância dada à temática, assim como a fala que a antecede e que se repete diversas vezes ao longo da cena: "Faz parte da natureza dos mortais, pisar ainda mais em quem já caiu".

A música, assim como a tragédia, colocando em tensão o oral e o escrito (Piqué, 1998), parte de um dito popular -"querer não é poder"- que evidencia a diferença entre desejo e realização, entre querer e ter condições de fazer o que se quer. O fogo, que acende nos homens a possibilidade do conhecimento, acende, em contraposição, a ira de Zeus, ou como evidenciado na letra da música, "a raiva de um deus". Curioso é que a música finaliza da mesma maneira que inicia, com uma referência a um outro dito popular -"quem mexe com fogo, amanhece molhado"-. Está claro que Prometeu fez o que não devia, "mexeu com fogo", "meteu a mão onde não foi chamado", invadiu terrenos que não lhe pertenciam e assim acendeu a ira de Zeus:

(Todos cantam) Querer não é poder
O poder é duro é tirano
Não quer deixar amolecer o doce
Coração de Vulcano.
Oh céus ai vem Zeus
Ao lado dos seus a dizer
Você se meteu a acender
O fogo da raiva de um deus
Com fogo você se meteu
Pois a mão prometeu no que não era teu
Com fogo você mexeu.

O canto é conduzido em coro, acompanhado melodicamente pelo violão e marcado ritmicamente pela batida do tambor. A criação da cena considera então a perspectiva da sonoridade e a música cumpre, além da função de contar a história, o papel de conduzir o público a entrar e sair da cabeça de Prometeu, uma vez que ela marca tanto o início como o final da cena. Na composição, letra e música, são de autoria de Cesar Macedo, que além das suas habilidades como ator desenvolve também esse trabalho como compositor, atentando sempre para a dimensão sonora da cena em suas criações.

É do diálogo do texto com a cena, pelo olhar criativo e propositivo dos alunos, que surgem as sutilezas possíveis entre o corpo da tragédia e o corpo do ator, suas experiências e mundos de vidas que se fazem presentes na cena. Por isso, vão aparecendo na criação da cena outras referências, políticas, históricas, sociais, literárias, de modo a criar intertextos, como nas últimas palavras proferidas por Hewrisson, que como o ator que interpreta Prometeu, diz: "A última palavra é a palavra do poeta. A última palavra é a que fica. A última palavra de Hamlet: o resto é silêncio. A última palavra de Jesus Cristo: Meu pai! Meu pai... Por que me abandonastes? A última palavra de Prometeu: Resisto!".

A última palavra de Hewrisson, de Hamlet, de Jesus, de Prometeu, ressoa na sala. E logo em seguida os alunos tocam e cantam a música em coro.

Tocando a estátua ou transcriando a tragédia

Tocar uma estátua não promove apenas a sensação de frio, como pode pensar um observador desatento. O atrito entre pele e pedra é capaz de gerar variadas nuances de temperatura. A pele humana, tecido elástico, se renova sem cessar. Já a superfície da estátua é mais estável, mascarada pela rigidez de sua constituição. O ser humano que toca a estátua passa a sentir que é a estátua que toca: é ela que o estimula, tecendo uma sofisticada rede térmica. A estátua desperta o homem para as sutilezas possíveis no encontro de dois corpos desiguais. (Santos, 1999, p. 17)

Partindo dessa narrativa poética, da temperatura das estátuas, de Luís Alberto Brandão como metáfora para pensar o contato do aluno com o texto grego, podemos dizer que a tragédia, enquanto gênero e texto dramático é uma espécie estátua, uma ruína, uma máscara, daquelas que se utiliza para simbolizar o teatro, ela é, à primeira vista, dura, sem vida, e não passa de uma ideia abstrata, que ao ser tocada, colocada em cena, é trazida mais para perto.

Ao tocar a tragédia grega, essa estátua, e colocá-la em cena, o aluno-ator, sente essas nuances de temperatura, de algo que a princípio lhe parece tão distante, tão frio, e assim ao estabelecer esse contato quase íntimo, ele tem a oportunidade de renovar a tragédia e de renovar, a si mesmo, como ator, ao vivenciá-la em cena. O movimento realizado me parece semelhante ao presente no conflito entre o velho e o novo, entre o individual e coletivo, como aponta Agamben em seu estudo sobre estética. Em suas palavras:

Já no tempo da tragédia grega, quando o sistema mítico tradicional tinha começado a declinar sob o impulso do novo mundo moral que estava nascendo, a arte tinha assumido a tarefa de conciliar o conflito entre velho e novo e tinha respondido a essa tarefa com a figura do culpado-inocente, do herói trágico que expressa em toda sua grandeza e em toda sua miséria o sentido precário da ação humana no intervalo histórico entre o que não é mais e o que não é ainda. (Agamben, 2012, p. 180)

Assim, o aluno, ao ler o texto grego e transcriá-lo em cena, toca de certa maneira, a tragédia, essa estátua, e torna-se também ela, experienciando a vivência do trágico através da criação de cenas; apropriando-se da historicidade, encontra no passado, espaço de, num outro vir a ser, projetar-se no futuro.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, GIOGIO (2012): O homem sem conteúdo, Autêntica, Belo Horizonte.

DE MARINIS, MARCO (1997): Comprender el teatro: lineamientos de una nueva teatralogía, Editorial Galerna, Buenos Aires.

PIQUÉ, JORGE FERRO (1998): "A tragédia grega e seu contexto", Letras, vol. 49, Curitiba, <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/letras/article/view/18998/12312> [3-4-2015].

RYNGAERT, JEAN-PIERRE (1996): Introdução à análise do teatro, Martins Fonte, Rio de Janeiro.

SANTOS, LUIS ALBERTO BRANDÃO (1999): Saber de Pedra: o livro das estátuas, Autêntica, Belo Horizonte.

 

 

 

RECIBIDO: 14/1/2016
ACEPTADO: 28/4/2016

 

 

 

Denise Pedron. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. Correo electrónico: denisepedron@gmail.com

 

NOTAS ACLARATORIAS

1. Essa e outras citações do presente artigo referem-se ao texto dramatúrgico -inédito- elaborado pelos alunos.

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