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Revista Cubana de Educación Superior

versión On-line ISSN 0257-4314

Rev. Cubana Edu. Superior vol.40  supl.1 La Habana  2021  Epub 01-Nov-2021

 

Nota editorial

Presentación del Dossier Sociedad, educación e intervención. Diálogos, tensiones y proposiciones culturales

Apresentação do Dossiê Sociedade, educação e intervenção: Diálogos, tensões e proposições interculturais

Everton Nery Carneiro1 
http://orcid.org/0000-0002-4240-1246

Ivonete Barreto de Amorim1 
http://orcid.org/0000-0001-9943-2118

Sandra Célia Coelho Gomes da Silva1 
http://orcid.org/0000-0001-9134-8587

Máryuri García González2  * 
http://orcid.org/0000-0002-2734-6541

1 Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Brasil.

2 Centro de Estudios para el Perfeccionamiento de la Educación Superior de la Universidad de La Habana (CEPES), Cuba.

Continuamos a navegar de coração amargurado A terra dos ciclopes, povo rude, sem lei, foi nosso porto imediato Por depositarem a sorte em mãos celestes, não mexem um só dedo para plantar ou lavrar O solo produz sem cultivo nem semente trigo, cevada, videiras Cachos carnudos vertem vinho. Zeus avança cheio de chuva Eles não sabem de assembleias deliberativas nem leis No cimo de altas montanhas, vivem em grandes grutas Cada qual legisla sobre mulheres e filhos Solidariedade de uns com outros não há (Homero, Odisseia, IX, versos 105-115)

Os poemas atribuídos a Homero são considerados as obras iniciais da literatura grega e os documentos iniciais significativos da história da Educação, esta como uma práxis ampla dos procedimentos formativos que acontecem na vida familiar, no convívio humano, na sociedade, nos movimentos sociais, nos diálogos e tensões, como também nas manifestações e proposições interculturais. Nesta perspectiva, a educação envolve costumes, hábitos e valores, encontrando-se inerente em todo aparelho social, já que é basilar para sua própria constituição. Nesse entendimento, percebemos a educação grega não como uma educação plausível e tão somente implantada em uma instituição, mas, como aquela que se desenvolve nas relações interpessoais dos diversos sujeitos.

Iniciamos essa apresentação com um fragmento da Odisseia, que como um todo conta a saga de Ulisses em sua volta para casa, após os 10 anos da Guerra de Tróia, narrando as dificuldades que ele enfrenta quando tenta voltar para sua casa em Ítaca.

Os cognominados poemas homéricos eram transmitidos tendo por base a oralidade, os versos foram cantados, geração após geração, reportando os valores básicos para aquela comunidade. Segundo Finley (1998): «por detrás da Ilíada e da Odisséia há séculos de poesia oral, composta, recitada e transmitida por bardos profissionais, sem o auxílio de uma só palavra escrita» ( p. 17). Fruto dessa oralidade a poesia permanecia em movimento e desenvolvimento, pois cada um que cantava o poema, realizava essa ação ao seu jeito, fazendo alterações e realizando glosas. Brandão (1997) afirma que esta poesia não é estática e, sem escrita, sendo apenas conservada pela memória é passível de mudanças.

Importante ressaltar que a educação do denominado período homérico não se preocupava com métodos de aprendizagem, mas sim, estando direcionada ao seu fim, ou seja, à determinação teleológica da educação e aos caminhos para sua realização. Desta forma, a atenção educacional não se conduzia somente à criança, mas também e principalmente ao adulto que essa criança iria vir a ser.

Muito possivelmente por preceituar regras e determinados modos de viver é que os poemas homéricos se tornam fenômenos que contribuem imensamente na estruturação da cultura grega, estabelecendo-se como o cerne da educação daquele modelo social. Segundo Jaerger (1986):

O coração do poeta está com os homens que representam a elevação da sua cultura e costumes, e isso se percebe passo a passo. A contínua exaltação que faz das suas qualidades tem, sem dúvida, uma intenção educativa. (...) A posição e o domínio preeminente dos nobres acarretam a obrigação de estruturar os seus membros desde a mais tenra idade segundo os ideais válidos dentro de seu círculo. A educação converte-se aqui, pela primeira vez, em formação, isto é, na modelação do homem integral de acordo com um tempo fixo. (pp. 44-45)

Tal como afirma Platão em sua obra República (Livro X, 606C), Homero é o educador primevo da Grécia, tendo conduzido durante séculos o jeito pelo qual os jovens precisariam pensar e agir e o que necessitariam aprender para estarem sempre se aprontando para a vida na vida, em um ambiente coletivo. Temos aqui um viver em sociedade, um processo de educação que ocorre via os processos interventivos, em que a educação é entendida como formação, sendo esta integral, recheada de diálogos e tensões, perpassando por proposições interculturais.

Mesmo após a Grécia buscar sobrepor ao pensamento mítico o pensamento filosófico, o grego ainda recorria aos poemas para idealizar modelos de virtude (aretê) e justiça (dikê). Quando se procura mostrar homens honrados e dignos de glória, ontem como hoje, recorre-se às personagens dos heróis, tais como Aquiles e Ulisses no passado e às figuras marcantes de hoje, a exemplo de Ernesto Che Guevara e José Martí, ou ainda, Paulo Freire e Guimarães Rosa. Os diálogos são tensos, as proposições são interculturais!

No recorte que fizemos, os versos 105-115 da Odisseia de Homero, percebemos que as oposições entre helenos e Polifemo ficam nítidas. Os Cíclopes são um povo rude, sem lei, desconhecem a prática da agricultura, apesar de viverem num solo fértil (Corvisier, 2008) e, graças à sorte dos deuses possuírem trigo, cevada e videiras. Segundo Homero, a ilha “fértil como é, seria produtiva em todas as estações” (Homero, Odisseia, versos 131 e 357-358). Ainda vivem em grutas, inexistindo solidariedade entre eles. A oposição aparece de forma nítida: Os Ciclopes não conhecem os conceitos e experiências de vida organizada em oîkos (casa) e de koinonía (sociedade), noções extremamente importantes aos gregos antigos e à vida civilizada. Acham-se também distantes de princípios essenciais da vida em pólis que são expressos nos poemas de Homero, a saber: as decisões em (eklesia) assembleia e a deliberação abalizada nas leis. Para os helenos a vida só tem sentido sendo vivida em sociedade. Entendemos assim que por isso, o estranhamento de Ulisses. Trazendo para o nosso tempo: Não se encontrando no mundo de forma isolada, o ser humano, está inserido em uma compreensão genealógica, ou seja, ele é membro de uma casa (oikos), que é, ao mesmo tempo - uma residência, um sistema familiar e uma estrutura de poder - pertencendo dialeticamente a uma Koinonia (comunidade, sociedade).

Seguimos aqui com Hartog (2004) recorrendo a um atraente resumo dele sobre a temática da Odisseia. Segundo ele esta obra se acha na base do entendimento que os gregos tiveram de si mesmos. Ela abasteceu, não forma não abstrata, mas por meio de uma narrativa aventureira, um paradigma de alongadíssima duração «[...] para ver-se e dizer-se o mundo, para percorrê-lo e representá-lo, para ‘habitá-lo’ e dele fazer um mundo ‘humano’, isto é: grego». (Hartog, 2004, p. 37)

A antiguidade clássica grega também possibilita a admirável transição de singelos costumes educativos para a teoria, isto é, ela faz brotar uma reflexão metódica e rigorosa sobre as questões educacionais e humanas, assentindo aos poucos ao grande ideal da formação humana, tanto na compreensão individual como também social, na perspectiva dos assim denominados ideais universais, sem perder de vista as diferenças e singularidades.

Esse ideal de ser humano que precisaria servir de modelo para os diferentes sujeitos, não imagina um esquema vazio, desvinculado das relações espaço-temporais, mas oposto a isso, o ideal de ser humano vai formando-se no processo mítico-histórico do povo grego e, portanto, sucessivamente sendo tributário das transformações mítico-históricas. Afirma Vernant (1990), «não pode haver uma pessoa-modelo, exterior ao curso da história humana, com as suas vicissitudes, as suas variedades segundo os lugares, as suas transformações segundo o tempo» (p. 19). Não se trata, deste modo, como se conjectura várias vezes, de um ideal estático e absoluto, desatrelado das circunstâncias materiais, ou ainda, desenlaçado da práxis social.

O ser humano que se manifesta nas obras dos grandes pensadores é continuamente o ser humano político, este concreto que vive na comunidade (Pfister, 1903). Toda inspiração que procuremos entre os gregos deve ter presente a compreensão fundamental de que a educação e a filosofia gregas, continuamente orientou-se no ser humano enquanto ser político. Este vínculo entre a vida e a comunidade (sem oposição) fica evidenciada pela perspectiva dos grandes intelectuais estarem constantemente a serviço (diáconos) da comunidade.

Estar a serviço da comunidade é colocar-se a favor da Interculturalidade. Realizar essa ação significa: 1) entender que interculturalidade é um conceito dinâmico; 2) reconhecer a sociedade como um lugar (afetivo e efetivo) de constante interação; 3) respeito à diversidade cultural; 4) convivência e troca de experiências; 5) culturas existentes em permanente processo de transformação; 6) uma síntese cultural, implicando a (re)elaboração dos modelos culturais preconcebidos; 7) interação entre as culturas, não obstante do envolvimento em tensões. (Alvarado, 2003)

Na compreensão que temos da interculturalidade, a coexistência e convivência entre os diversos sujeitos de uma sociedade é insuficiente para a fiança dos seus direitos essenciais. O sentimento de pertencimento e a relação com as leis que buscam o bem comum e a solidariedade entre os diferentes sujeitos, compõem os requisitos básicos para o sucesso da comunidade, de acordo com o que já tinha sido registrado pelos gregos na construção da virtude na formação humana dentro da civilidade.

Los griegos naturalmente espirituales yvalerosos, habían sido civilizados desde una hora temprana por los reyes y las colonias que vinieron a su país del Egipto […] lo mejor que les enseñaron los egipcios fue hacerse dóciles y a dejarse formar por las leyes que les inspiraron amor al bien público […] los griegos estaban enseñados a mirarse recíprocamente con interés, y a mirar a sus familiares como parte de un gran cuerpo del Estado […]. La palabra civilidad no significaba solamente entre los griegos la afabilidad y la mutua deferencia que hacen a los hombres sociables; el hombre civil no era otra cosa más que un buen ciudadano, que se considera siempre como miembro del Estado, y que se deja llevar por las leyes conspirando con ellas al bien público, sin emprender nada contra ninguno […] La idea de libertad que inspiraba semejante conducta era admirable. Porque la libertad, tal como la entendían los griegos, era una libertad sometida a la ley, es decir, subordinada a la razón y a la conveniencia pública, reconocidas por todo el pueblo. (Bossuet, 1842, p. 291)

Para os gregos, a pólis representava o lugar (topos) especialmente humano, estando localizado em um “entre”; entre o mundo selvagem (seu limite inferior), e o mundo divino (seu limite superior), este que é sem acesso ao humano. A natureza humana é política, sendo na pólis que ela realiza, construindo aí nesse “entre” (que é a pólis) sua aptidão de se dar a si mesmo suas leis, sendo o diálogo com o outro algo que não pode ser dispensado, pois a vida em sociedade estabelece a comunicação com os outros. Somos remetidos aqui inicialmente a Pablo Milanês quando ele assim canta em «Aqui me quedaré»:

Yo me quedo para ver el futuro construyendo lo que canto y amé como un faro que ilumina tus noches solitario y seguro, aquí me quedaré.1

Pablo Milanês é esse poeta, esse cantador e encatador na atualidade. O fragmento do seu poema citado aponta para a construção desse canto e desse amor, tal como um farol. Eis a educação se presentificando no agora e espalhando sua luz na escuridão da noite, buscando ver o futuro, esse que pode e deve ser transformado por intervenções sociais e educativas comprometidas com a sociedade que se sonha em construir; esta sociedade onde o diálogo é permanente, a tensão uma constante, entretanto a interculturalidade é um acontecer incessante, esse que busca a liberdade tal como um horizonte, pois cada passo dado em sua direção ele vai se deslocando. Que a viagem continue rumo a esse horizonte, que a Odisseia seja essa viagem, que Ulisses chegue a Ítaca, que Che volte para casa, que Rosa seja a rosa de todo jardim, que Freire continue sendo o nosso passarinho, tal como diz Emicida:

Passarinhos Soltos a voar dispostos A achar um ninho Nem que seja no peito um do outro2

Vocês têm aqui nas mãos vários passarinhos, uma passarinhada, podemos dizer: um dossiê. Este é uma revoada, pois são vários artigos que abordam o tema proposto. Que a sociedade seja tal como a Amálteia (a mulher que amamentou Zeus); que a educação seja tal qual Mnemosine (memória personificada); que a intervenção seja tal qual Antígona (filha de Édipo e Jocasta, que guiou seu pai quando este ficou cego); que os diálogos sejam como os irmãos Prometeu e Epimeteu («aquele que pensa antes» e «aquele que pensa depois», respectivamente); que as tensões sejam como as Moiras (o destino personificado); que as proposições interculturais sejam como a personagem Acaso («o que pode acontecer», personificação de uma divindade feminina, que simboliza a imprevisibilidade da vida).

Deixamos aqui Mario Quintana (2006), quando ele assim diz em «Poeminho do Contra»:

Todos esses que aí estão Atravancando o meu caminho, Eles passarão…Eu passarinho!

Que cada um passarinho possa aninhar-se no peito um do outro; que cada texto seja o ninho do outro texto. Que todos (as) os(as) leitores (as) possam aninhar-se juntos(as) nesse peito e produzir outros ninhos para tantos outros passarinhos.

Serrinha, 2 de dezembro de 2020

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Alvarado, V. (2003). Políticas públicas e interculturalidad. En Fuller, N. (Ed.). Interculturalidad y política (s/p). Lima: Red para el desarrollo de las ciencias sociales en el Perú. [ Links ]

2- Bossuet, J.-B. (1842). Discurso sobre la historia universal. T. II. Madrid: Compañía General de Impresores y Libreros. [ Links ]

3- Brandão, J. S. (1997). Mitologia Grega. Rio de Janeiro. [ Links ]

4- Corvisier, J.-N. (2008). Les Grecs et la Mer. Paris: Les Belles Lettres. [ Links ]

5- Emicida (2 de dezembro de 2020). Passarinhos. Disponible en < https://www.cifraclub.com.br/emicida/passarinhos/>. Consultado en: [2 de dezembro de 2020]. [ Links ]

6- Finley, M. I. (1998). O legado da Grécia. Brasília: UnB. [ Links ]

7- Hartog, F. (2004). Memória de Ulisses: Narrativas sobre a fronteira na Grécia Antiga. Belo Horizonte: Ed. UFMG. [ Links ]

8- Homero (2004). A Odisséia. S.Paulo: Ediouro. [ Links ]

9- Jaeger, W. (1986). Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]

10- Milanês, Pablo (30 de novembro de 2020). Aqui me quedaré. Disponible en <https://www.letras.com.br/pablo-milanes/aqui-me-quedare>. Consultado en: [30 de novembro de 2020]. [ Links ]

11- Pfister, F. E. (1903). En A. F. von Pauly, G. Wissowa, W. Kroll, K. Witte, K. Mittelhaus y K. Ziegler. Realencyclopädie der klassischen Altertumswissenschaft (277- 323). Suttgart / München: 1894-1980. Suplemento 4. [ Links ]

12- Platão (2000). A República. Belém: EDUFPA. [ Links ]

13- Vernant, J.-P. (1990). Mito e pensamento entre os gregos. Rio de Janeiro: Paz e Terra [ Links ]

* Autor para correspondencia: maryuri@cepes.uh.cu

1 Milanês, Pablo. Aqui me quedaré. Disponible en <https://www.letras.com.br/pablo-milanes/aqui-me-quedare>. C Consultado en: [30 de novembro de 2020].

2 Emicida. Passarinhos. Disponible en < https://www.cifraclub.com.br/emicida/passarinhos/>. Consultado en: [2 de dezembro de 2020].

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