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Revista Cubana de Enfermería

versión impresa ISSN 0864-0319versión On-line ISSN 1561-2961

Rev Cubana Enfermer v.21 n.1 Ciudad de la Habana ene.-abr. 2005

 

Colaboración Extranjera

Universidade Federal do CEARÁ- BRASIL

Famílias migrantes vivendo na periferia de uma grande métropole: análise reflexiva sobre o papel do enfermeiro

Enf. Escolástica Rejane Ferreira Moura,1 Enf. Maria Albertina Diógenes2 y Enf. Zulene Maria deVasconcelos Varela3

Resumo

Estudo descritivo, reflexivo, com o objetivo de analisar as condições de vida de famílias migrantes sob o ponto de vista de enfermeiras que atuam no contexto da saúde coletiva. Foram visitadas duas áreas onde moravam famílias que migraram do interior do Estado para capital cearense. As informações foram coletadas por meio de fotografia, observação livre e conversas estabelecidas com estas pessoas por ocasião da visita, cujas falas foram registradas em diário de campo. Identificou-se ser desumano e dramático o quadro miserável em que viviam essas pessoas, tendo suas necessidades mais básicas negadas, como a falta de água potável, alimentação, educação e assistência à saúde. Tal situação poderia ser amenizada com a implementação de medidas que promovessem o desenvolvimento de uma consciência crítica, no sentido de ser suplantada a situação de alienação, conduzindo-as a agir com responsabilidade e dignidade na luta por direitos humanos.

Palavras chave: Éxodo rural, saúde coletiva, qualidade de vida, enfermagem.

De acordo com o Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP)1 160.000 pessoas mudam-se das localidades rurais para os centros urbanos, diariamente, em todo o mundo, gerando um crescimento explosivo nas cidades. Este fenômeno é com freqüência, uma conseqüência da ruptura política com os meios rurais, tornando-os sem perspectivas de investimento e desenvolvimento, mantendo-se no estado de pobreza, de falta de oportunidades de emprego e de carência de terras, contrário ao efeito da atração exercida pelos melhores empregos e serviços sociais existentes nas regiões urbanas. Em contrapartida, a busca pela sobrevivência é uma situação inerente a qualquer ser humano, uma vez que, quando as pessoas não estão satisfeitas com as condições de vida partem em busca do sonho de dias melhores, migrando para as grandes cidades. A migração é, pois, um processo social que coloca os grupos em movimento, motivados pelo fator econômico e não apenas como uma decisão individual.

No Brasil esta realidade parece ser semelhante, pois a cada dia aumentam as estatísticas de pessoas que migram da zona rural para a zona urbana em busca de dias melhores, sem que os centros urbanos estejam preparados para recebê-los e sem que estas pessoas tenham a real dimensão do que seja viver em uma metrópole.

A população urbana no Ceará cresce em ritmo mais acelerado do que a população total, enquanto a população rural representa redução absoluta, confirmando uma tendência que se verifica desde a década de 70, quando a taxa de urbanização era de 40,81%, passando para 53,14 em 1980; 65,37% em 1991 e 71,53% em 2000. É importante considerar que o processo de urbanização cearense é marcado pela concentração expressiva da população urbana na capital - Fortaleza.2

Mediante essas circunstâncias apresentadas, percebe-se que a migração poderá gerar uma situação complexa para os migrantes e para os moradores dos grandes centros, exigindo das autoridades políticas e administrativas iniciativas emergenciais, tanto no sentido de conter o êxodo rural pela melhoria das condições no campo, como no sentido de atender às necessidades das famílias migrantes. Em face ao exposto e considerando a realização de uma visita de campo a duas áreas ocupadas por famílias que migraram do interior do Estado para Fortaleza, como parte do componente prático do Curso de Doutorado em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC), decidiu-se pela realização da presente reflexão que tem por objetivo analisar as condições de vida dessas famílias sob o ponto de vista de enfermeiras que atuam no contexto da saúde coletiva.

Ressalta-se que o Sistema Único de Saúde (SUS) orienta para que os profissionais de saúde invertam a relação que se estabelece com o cliente, de forma a torná-lo sujeito ativo de sua condição sanitária, mediante uma visão do indivíduo como ser que tem necessidades biológicas, psicológicas, sociais e espirituais. A Constituição de 1988, ao proporcionar um capítulo sobre a saúde garantiu o que a população almejava, um conceito amplo de saúde e a co-participação comunitária nos assuntos sociais e sanitários. A participação solidária das decisões relativas a essas questões reforça as condições de sobrevivência, uma vez que terão melhorias na saúde, alimentação, lazer, salários dignos e moradia, enfim, às questões que dizem respeito a uma vida digna e saudável.3 Portanto, com relação à atuação prática, o enfermeiro deverá implementar cuidados de enfermagem, concretizando um tipo de saída para a crise. Isto não significa somente executar tarefas, mas assumir também o compromisso de cuidar das famílias, indo além de tratar a doença ou preveni-la, mas estimulando uma visão crítica de maneira que as questões sócio-ecônomicas sejam conduzidas através de ações políticas dignas. Isso pode ser implementado a partir da vivência das parcerias, de projetos integrados, interinstitucionais, envolvendo os vários setores ativos da comunidade. Como se afirma o objeto da saúde coletiva não mais é o corpo biológico, mas os corpos sociais, ou seja, demarca-se o conceito saúde-doença da saúde coletiva com base na determinação social do processo saúde doença, diferentemente daquela da causalidade da saúde pública.4

MATERIAIS E MÉTODO

Estudo descritivo e reflexivo, desenvolvido a partir de visita de campo realizada a duas áreas críticas de Fortaleza-CE, nas quais residiam famílias provenientes do interior do Estado.

As informações foram coletadas por meio da observação livre e do diálogo estabelecido com as famílias, tendo sido registradas por meio de ensaio fotográfico e anotações em diário de campo. A observação livre faz-se através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, com o intuito de obter informações desejadas sobre a totalidade do contexto da realidade dos sujeitos pesquisados, em seus princípios e particularidades.5 Quanto a fotografia, o mesmo autor realça que o registro visual oferecido por esta técnica amplia o conhecimento do estudo porque proporciona documentar momentos ou situações que ilustram o cotidiano vivenciado.

Os resultados foram analisados com base em fontes bibliográficas correlatas e experiências das próprias autoras.

Os aspectos éticos da pesquisa foram resguardados, uma vez que se omitiu a identidade dos indivíduos, tomando-se, inclusive, a decisão por utilizar apenas as fotografias que não incluíram pessoas.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

As famílias verbalizaram como principal sonho à garantia do sustento (alimentação), necessidade fisiológica básica de todo ser vivo. Ao mesmo tempo, foi observada à condição desumana na qual essas pessoas viviam, com falta de água potável, alimentação precária, ausência de saneamento básico e de outros equipamentos sociais como escolas, creches e postos de saúde.

Em uma das áreas, as moradias eram improvisadas a base de papelão, pedaços de madeira e outros objetos adquiridos em terrenos baldios; a segunda estava passando por um processo de urbanização procedido pela prefeitura, todavia as casas estavam sem água, luz e sistema sanitário, conduzindo alguns moradores a depositarem suas excretas em sacos de lixo e/ou aterrando-as. Esta última condição foi considerada humilhante pelas pessoas. A água estava sendo adquirida em algumas residências próximas por pessoas que tinham compaixão e cediam água para beber e para o banho das crianças. No entanto, algumas falas denunciaram a falta de solidariedade das pessoas, que ao serem abordadas se negavam a atender, dando respostas por cima dos muros, numa demonstração de indiferença, mas também de medo.

      

O enfermeiro, ao atuar neste contexto deve se solidarizar com o próximo, olhar ao redor e ver as pessoas e a miséria em que vivem e tentar criar um mundo diferente, mais terno, suscitando a consciência individual e coletiva, no lugar das diferentes formas de violência.6 A autora reitera que quando a humanidade toma consciência da necessidade de autoconservação poderá resolver graves problemas como a fome, as doenças, as guerras, a poluição ambiental, dentre outros. A esse respeito é enfatizado que em comunidades ainda não organizadas as relações não são suficientemente consolidadas, causando diversos problemas ambientais, violências familiares e sociais, que acabam dificultando as relações mais solidárias.7 Esse mesmo autor sugere a possibilidade de se criarem redes de solidariedade com as organizações governamentais e não governamentais para que as famílias identifiquem os seus problemas e aprendam a conhecer-se e ajudar-se mutuamente. O próprio processo vai indicando o caminho a ser seguido, desenvolvendo uma consciência de que todos são responsáveis e que devem ser vencidos preconceitos, abrindo espaços para uma participação efetiva e global.

Outra realidade vivenciada pelas famílias migrantes foi manifestada na forma de inquietações, necessidade de adaptação frente ao atual contexto sócio-econômico e cultural que passaram a enfrentar, o que constitui um agravante relacionado à saúde, uma vez que o desequilíbrio social leva a desorganização no processo saúde-doença. É sabido que precárias condições de moradia, saneamento básico, escola, emprego, lazer, etc. levam a situações de estresse, contribuindo para o agravo do estado de saúde. Neste sentido, autores afirmam que o processo migratório leva a difícil assimilação do novo ambiente, período adaptativo bastante difícil, que pode levar anos para que a cultura local seja incorporada e assimilada.8

O fluxo migratório para Fortaleza levou essas pessoas a se depararem com situações diferentes das que viviam, que além de modificarem suas raízes culturais, necessitam de se re-socializar em uma estrutura complexa como a da vida urbana. Alguns indivíduos referiram problemas de dores de cabeça, nervosismo e dificuldade de relacionamento familiar atribuída à falta de tolerância e de esperança e às várias frustrações as quais estão expostos.

Pode-se analisar que ao mudar o habitat é natural que ocorram mudanças na vida social das famílias migrantes, incluindo mudanças de papéis, de convivência e do cotidiano em geral. Esta assertiva se reforça ao ser enfatizado que o processo migratório conduz a perda da convivência com a coletividade, exacerbando o individualismo, a competição e o egoísmo.9

Nessa abrangência comunitária o enfermeiro poderá contribuir para desenvolver nas pessoas capacidade para discutir questões que lhe são prioritárias, de maneira solidária e cidadã, utilizando-se do enfoque educacional para promover a solidariedade grupal e mudanças de comportamentos e de atitudes favoráveis à saúde e qualidade de vida. O enfermeiro poderá, ainda, trabalhar o conceito de autogestão, de maneira a desenvolver práticas de autocuidado coletivamente, melhorando as condições de vida dessa população. A busca por justiça social também é outra atividade que deve fazer parte da luta de todo cidadão, suscitando aos menos privilegiados conquistar a cidadania com luta própria, cabendo ao enfermeiro contribuir para que essas pessoas desenvolvam potencialidades e a capacidade que têm de influenciar sua vida e a de outros no seio da comunidade.

Também foi identificado por meio das conversas estabelecidas com essas pessoas que há um sentimento de rejeição e revolta embutido na alma desses migrantes, mediante extrema condição de exclusão social que é mantida ou exacerbada, aspecto que guarda uma relação direta com o estado de saúde, sobremaneira a saúde emocional e psicológica.

A esse respeito, afirmam que os princípios, valores e normas em determinadas sociedades não são aspectos individuais, mas da coletividade, uma vez que em um processo social as diferentes relações sociais determinam o padrão organizativo vigente em uma comunidade. O individuo interage com a sociedade num processo de reciprocidade que se determina mutuamente.10 Então, se o individuo vive em condição de miséria e é excluído em posição de ser periférico, o sentido real da sociedade se trai a si mesmo, pois esse desajuste prejudica a vinculação que há entre indivíduo e sociedade.11

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Identificou-se ser desumano e dramático o quadro miserável em que viviam as famílias migrantes visitadas, tendo suas necessidades mais básicas negadas, como a falta de água potável, alimentação, educação e assistência à saúde, exigindo intervenções urgentes por parte das autoridades políticas, pois essas pessoas têm como direito universal a cidadania, com garantia de suas necessidades humanas básicas e infra-estrutura que lhes possibilite o bem viver.

Como contribuição a ser dada pelo enfermeiro reconheceu-se que este profissional deverá conscientizar-se de que o cuidado humano é um encontro de pessoas que enfrentam os mesmos desafios para a sua sobrevivência, possibilitando uma melhor qualidade de vida, traduzida em solidariedade, justiça e paz, devendo estimular e criar condições para que as famílias migrantes saiam da situação de alienação em que vivem e lutem por seus direitos, para, assim, serem satisfeitas suas necessidades vitais. Por outro lado, salienta-se que uma reforma agrária com medidas que atraíssem o homem para o campo, garantindo-lhe desenvolvimento agrícola, trabalho e renda evitaria o êxodo rural desorganizado.

Resumen

Familias inmigrantes que viven en la perisferia de una gran metrópoli: análisis reflexivo del papel del enfermero

Estudio descriptivo, reflexivo, con el objetivo de analizar las condiciones de vida de las familias inmigrantes desde el punto de vista de las enfermeras que actúan en el contexto de la salud colectiva. Fueron visitadas 2 áreas donde habitaban familias que emigraron del Estado para la capital cearense. Las informaciones fueron colectadas por medio de fotografías, libre observación y conversaciones con estas personas en ocasión de la visita y lo que contaron fue registrado en el diario de campo. Se identificó que era inhumano y dramático el cuadro miserable en el que vivían esas personas, a las cuales se les niega sus necesidades más básica, como el agua potable, la alimentación, la educación y la asistencia de salud. Esta situación podría paliarse con la implementación de medidas que promuevan el desarrollo de una conciencia crítica, en el sentido de que se suplante la situación de alienación y se les conduzca a actuar con responsabilidad y dignidad en la lucha por los derechos humanos.

Palabras clave: Éxodo rural, salud colectiva, calidad de vida.

Summary

Migrating families living in the periphery of a great metropoly: a reflective analysis on the role played by nurses

A descriptive reflective study was made aimed at analyzing the living conditions of the immigrant families from the point of view of the nurses acting in the context of collective health. Families that emigrated from the State to the capital of Ceará lived in the 2 areas that were visited. Information was gathered by means of photographies, free observation and conversations held with these persons during the visit. What they told was registered in the field dairy. It was observed that they lived in an inhuman, miserable and dramatic situation and that they are neglected the most basic needs, such as drinkning water, food, education and medical assistance. This situation could be alleviated by implementing measures promoting the development of a critical consciousness, displacing alienation and leading them to act with responsibility and dignity in the fight for human rights.

Key words: Rural exodus, collective health, quality of life.

REFERÊNCIAS

1. FNUAP (Fundo de População das Nações Unidas) 2001. Rastos e Marcos: população e mudanças ambientais, a situação da população mundial. New York.

2. IPLANCE (Instituto de Planejamento do Ceará) 2004. O Ceará em números. http://www.iplance.ce.gov.br.

3. MS (Ministério da Saúde) 1994. Incentivo a participação popular e controle social do SUS: textos técnicos para conselheiros de saúde. Brasília: MS.

4. Matumoto S, Mishima SM, Pinto IC 2001. Saúde coletiva: um desafio para a enfermagem. Rio de Janeiro, Cadernos de Saúde Pública 17(1):233-241.

5. Cruz Neto O. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: Minayo MCS (Org.) 1995. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 4. ed. Petrópolis: Vozes.

6. Martirani G 2001. A civilização da ternura: novo estilo de vida para o terceiro milênio. S. Paulo: Paulinas.

7. Kaloustian SM 1994. Família brasileira: a base de tudo. S. Paulo, Brasília: Cortez; UNICEF.

8. Silva PC, Perez MP, Costa EMA 2001. Só volto lá quando puder comprar um óculos escuro. Histórias de viagens do Nordeste a Sorocaba. Revista Eletrônica de Geografia y Ciências Sociales [on line]. Scripta Nova 94(50) www.ub.es/geocrit/sn-94-50.htm

9. Primavesi A 1996. Do apocalipse ao gênese: ecologia, feminismo e cristianismo. S. Paulo: Paulinas.

10. Collet N, Rozendo CA, Paveloqueiras S 1995. Algumas reflexões sobre um tema polêmico: a ética na enfermagem. Porto Alegre, Revista Gaúcha de Enfermagem 16 (1/2): 82-87.

11. Silva MB 1995. Rosto e alteridade: pressupostos da ética comunitária. S.Paulo: Paulus.

Recibido:1 de diciembre de 2004. Aprobado: 20 de diciembre de 2004.
Enf. Escolástica Rejane Ferreira Moura. Av. Filomeno Gomes, 180. Apto. 401. Jacarecanga. Fortaleza, Ceará, Brasil. CEP: 60.010-281. Fone: 85 238 0604. e-mail:escolpaz@yahoo.com.br

1 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Profa. Adjunto da Universidade Federal do Ceará.
2 Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem. Instituto de Prevenção do Câncer do Ceará. Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
3 Enfermeira. Profa. Titular, integrante do Conselho de Pós-graduação do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará - DENF/UFC.

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