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Revista Cubana de Enfermería

versión impresa ISSN 0864-0319versión On-line ISSN 1561-2961

Rev Cubana Enfermer v.26 n.3 Ciudad de la Habana sep.-dic. 2010

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

Cuidados paliativos com pacientes terminais: um enfoque na Bioética

Cuidados paliativos con pacientes terminales: un enfoque desde la Bioética

Palliative care with terminal patients: a focus on Bioethics

Alana Tamar Oliveira de Sousa,I Jael Rúbia Figueiredo de Sá França,II Maria de Fátima Oliveira dos Santos,III Solange Fátima Geraldo da Costa,IV Claudia Maria Ramos de Medeiros SoutoV

IEnfermeira. Mestranda bolsista CNPq em Enfermagem do Programa de Pós_Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).Brasil.
II
Enfermeira. Especialista em Educação Multiprofissional pela FIOCRUZ. Mestranda bolsista CAPES em Enfermagem do Programa de Pós_Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Brasil.
III
Médica. Especialista em Medicina do Trabalho. Mestranda em Enfermagem do Programa de Pós_Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).Brasil.
IV
Doutora em Enfermagem, Universidade de São Paulo (USP). Docente do Curso de Graduação e Pós _ Graduação em Enfermagem da UFPB. Brasil.
V
Doutora em Enfermagem, Universidade Federal do Ceará (UFC). Docente do Curso de Graduação e Pós_Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Brasil.


RESUMO

Objetivo: Este artigo buscou investigar de que modo os princípios da Bioética estão contemplados em publicações científicas que tratam de cuidados paliativos com pacientes terminais. Metodologia: Optou-se por desenvolver uma investigação de natureza bibliográfica, com abordagem qualitativa, realizada por meio de busca eletrônica no site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nas bases de dados SciELO e LILACS. O universo do estudo foi constituído por 269 artigos, oito dos quais, que tratam dos princípios da Bioética, representam a amostra. Para a análise do material empírico, optou-se pela técnica de análise de conteúdo. Para tanto foram seguidas as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento de dados. Os resultados foram apresentados por representação tabular. Resultados: Os resultados obtidos a partir da análise dos oito artigos foram organizados em três categorias, a saber: ênfase no princípio da autonomia; conforto e bem-estar ao ser doente terminal; conflitos com os princípios da bioética. Conclusão: Observou-se, em alguns estudos, a aplicação dos princípios da bioética, o que já possibilita vislumbrar uma melhor perspectiva para um futuro mais próximo. Contudo outras realidades apresentam, mesmo que de forma sutil, o descumprimento desses princípios, o que reflete ainda a necessidade de mudanças.

Palavras-chave: Cuidados paliativos, Doente terminal, Bioética.


RESUMEN

Objetivo: Este artículo buscó investigar de qué modo los principios de la Bioética están contemplados en publicaciones científicas que abordan los cuidados paliativos con pacientes terminales. Metodología: Se optó por desarrollar una investigación de naturaleza bibliográfica, realizada por medio de una búsqueda electrónica en el sitio de la Biblioteca Virtual en Salud (BVS), en las bases de datos SciELO y LILACS. El universo de estudio fue constituido por 269 artículos, ocho abordaban principios de bioética, quedando en evidencia la muestra representada por estos artículos. Para el análisis de material empírico, se optó por la técnica de análisis del contenido. Para lo que fueron seguidas las etapas de pre-análisis, exploración del material y tratamiento de los datos. Resultados: Los resultados obtenidos, a partir del análisis de los ocho artículos, fueron organizados en tres categorías, a saber: énfasis en el principio de autonomía; confort y bienestar al ser enfermo terminal; conflictos con los principios de la bioética. Conclusión: Se observó en algunos estudios, la aplicación de los principios de la bioética, lo que posibilitó vislumbrar una perspectiva mejor para el futuro cercano, a pesar de ello, otras realidades presentan, aunque sutilmente, el incumplimiento de estos principios, lo que refleja todavía la necesidad de mudanzas.

Palabras clave: Cuidados Paliativos, Enfermo Terminal, Bioética.


ABSTRACT

Objective: This article aimed to investigate how Bioethical principles are taken into consideration in scientific publications which deal with palliative cares with terminal patients. Methodology: As concerns the chosen methodology, an investigation of bibliographical nature was accomplished by means of electronic search in the Virtual Library for Health site (BVS), in the SCIELO and LILACS data basis. The research universe encompassed 269 articles which, eight of them dealt with bioethical principles. The sample was, in this way, represented by these eight articles. In regard to the empirical material analysis, the content analysis technique was used. For this reason, the following phases were taken into account: the pre-analysis, the material exploration and the data treatment. Results: The results obtained, from the analysis of the eight articles, were organized in three categories, such as: emphasis on the autonomy principle; comfort and well-being for the terminal patient; conflicts referring to bioethical principles. Conclusion: The use of bioethical principles was perceived in some researches and this enables to foresee a better outlook for a coming future. However, other realities present, though in a subtle way, that such principles are being unfulfilled, reflecting, thus, the need for changes.

Key words: Hospice Care, Terminally Ill, Bioethics.


 

 

Introdução

O cuidar faz parte da existência humana desde o nascimento até a finitude, e se constitui uma necessidade primordial do homem no processo de viver. O ato de cuidar contempla o componente humanístico ao promover a continuidade da espécie humana de modo saudável e se insere no contexto da liberdade e da autonomia, tanto no âmbito individual quanto no âmbito coletivo, visto que cuidar propicia condições para uma vida saudável e em benefício do bem comum.1

Considerando-se a importância do cuidar, promover o bem-estar é essencial, sendo, inclusive, de suma importância para pacientes que estão vivenciando a terminalidade da vida, os quais exigem um tratamento e um cuidado especial diante da fase que estão vivendo.2 Todavia, essa luta ou cuidado pela vida não deve apresentar egoísmo ou uma obstinação insensata do viver. É preciso reconhecer possibilidades ou mesmo limitações que fazem parte da realidade, e para garantir o conforto necessário enquanto há vida, quando a cura já não é possível, surge como elemento fundamental o cuidado paliativo, termo que denomina o cuidado também ao fim da vida e que está, quase sempre, associado ao conforto e ao alívio do sofrimento.3

Os cuidados paliativos constituem um campo interdisciplinar em relação aos cuidados totais, ativos e integrais, dispensados aos pacientes com doenças crônico-degenerativas em estado inicial até a fase terminal. Centrados no direito do paciente de viver os dias que lhe restam e de morrer com dignidade, os cuidados paliativos ganharam ênfase na década de 1960, tendo em seu arcabouço teórico - conhecido como filosofia do moderno movimento hospice - o cuidar de um ser humano que está morrendo, e de sua família, com compaixão e empatia.4

O termo paliativo deriva de pallium, palavra latina que significa capa, manto, que simboliza, nesse caso, proteção e acolhimento ao ser humano, concomitante com a intenção de ocultar o que está subjacente - os sintomas decorrentes da progressão da doença.4 Os cuidados paliativos são reconhecidos como uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos indivíduos e de sua família, quando da presença de doenças terminais, e caracterizam-se por um conjunto de atos profissionais que têm como objetivo o controle dos sintomas do corpo, da mente, do espírito e do social que afligem o homem em sua finitude.5

Logo, é preciso, também, a preparação e o investimento em todo o mundo para conscientizar dos profissionais de saúde de que os pacientes atingidos por males que não têm cura precisam de um cuidado próprio e voltado para lhes proporcionar dignidade e alívio ao seu sofrimento nessa fase da vida.

Essas são, pois, razões que justificam a necessidade de se adotar um conjunto de teorias e práticas sobre cuidados paliativos voltados para a formação acadêmica de profissionais da saúde, com o objetivo de capacitá-los para assistir pacientes com doenças incuráveis, em relação à sua qualidade de vida geral, desempenho e bem-estar físico, psicossocial e espiritual do paciente e, também, percepções e bem-estar de sua família.6 Vale ressaltar que a inserção e a continuidade dos cuidados paliativos devem estar embasados em princípios filosóficos que contemplem a ética da vida, a bioética.

A Bioética se pauta em quatro princípios fundamentais: autonomia (faculdade para governar a si mesmo), beneficência (obrigação do bem-estar dos outros, sendo extremamente necessário levar em conta os desejos, as necessidades e os direitos de outrem), justiça (tratamento justo a qualquer indivíduo) e da não maleficência (não acarretar danos ao indivíduo). Esses princípios devem reger qualquer ação que esteja relacionada à vida, isto é, do nascimento a terminalidade.

Para muitos profissionais da saúde, a morte tem designado aspectos que caracterizam fracasso e incompetência no atendimento ao paciente, e a luta pela vida é a garantia do êxito profissional. Diante disso, a conscientização da finitude humana e sua (re) valorização devem ser direcionadas a toda a extensão social, visto que a morte também é um processo natural do ciclo da vida.6

Diante do exposto, e com base no entendimento de que a finitude humana e os cuidados paliativos são essenciais para a promoção da qualidade de vida e do bem-estar do paciente terminal e que a ausência ou a negligência de quaisquer desses elementos pode resultar em prejuízo ao indivíduo que se encontra fragilizado, questionamos se os princípios da bioética norteiam as práticas de cuidados paliativos com pacientes terminais. A partir dessa reflexão, este estudo foi conduzido para alcançar o seguinte objetivo: Investigar de que modo os princípios da bioética estão contemplados em publicações científicas que tratam de cuidados paliativos com pacientes terminais.

Metodologia

Para a realização desta pesquisa optou-se por desenvolver uma investigação de natureza bibliográfica. Para a seleção do material foi feita a busca eletrônica no site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nas bases de dados Scientific Electronic Library Online _ SciELO e Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde _ LILACS. Para atender aos objetivo do estudo os Descritores em Ciências da Saúde utilizados foram "cuidados paliativos" e "paciente terminal".

O universo do estudo foi constituído por 269 artigos. Para a seleção da amostra o artigo deveria atender aos seguintes critérios de elegibilidade: ser publicado em língua portuguesa, estar disponível na íntegra; ser uma pesquisa original e publicada no período de 2005 a 2009, ou seja, nos últimos cinco anos. Com base nesses critérios, foram encontrados dezesseis artigos, após cuja leitura foram selecionados para a amostra oito que enfocavam a temática em estudo, identificados como A17, A28, A39, A410, A511, A612, A713 e A814.

Os dados foram coletados em julho de 2009, utilizando-se para isso um roteiro estruturado de questões que contemplavam as varáveis a serem analisadas. Para a análise do material empírico optou-se pela técnica de análise de conteúdo15. Para tanto, foram seguidas as etapas da pré-análise, exploração do material e tratamento de dados.

A uniformidade no conceito dos princípios da Bioética foi obtida por meio das seguintes definições16: Princípio da autonomia _ Enfatiza a capacidade de decisão do paciente. O respeito a sua pessoa, às suas próprias convicções e escolhas, que devem ser resguardadas, em caráter especial, pelo fato de ele estar doente; Princípio da justiça _ Casos iguais requerem tratamentos iguais, sem que se possam justificar discriminações, no âmbito da assistência sanitária, com base em critérios econômicos, sociais, raciais e religiosos; Princípio da beneficência _ Fazer o bem ao doente. O médico deve colocar seus conhecimentos, valores éticos e dedicação a serviço do doente, maximizando os possíveis benefícios e minimizando os possíveis riscos; Princípio da não-maleficência - Não se deve causar dano ou mal aos outros. É a exigência ética primária de que o médico não utilize seus conhecimentos ou sua situação privilegiada em relação ao doente para causar-lhe dano.

Resultados

Para uma melhor compreensão do estudo no que diz respeito aos enfoques contemplados, os resultados obtidos por meio da análise dos oito artigos foram organizados em três categorias apresentados em três quadros, destacando os títulos da produção científica sobre a temática em estudo, extraídos dos artigos investigados.

A categoria I - Ênfase no princípio da autonomia _ contempla as unidades de análise que tratam sobre o cumprimento e o respeito ao princípio da autonomia no cuidado paliativo com o ser terminal, como destacam os títulos e trechos das respectivas publicações expressos no quadro a seguir. (quadro 01)

A categoria II - Conforto e bem-estar ao doente terminal _ foram contempladas as unidades de análise que tratam do cumprimento e do respeito ao princípio da beneficência em relação ao cuidado paliativo com o doente terminal, conforme o quadro 02.

Categoria III: Conflitos com os princípios da Bioética _ essa categoria contempla as unidades de análise que tratam sobre questões inerentes a dificuldades de cumprimento dos princípios da Bioética, com três subcategorias, apresentadas no quadro 03.

Discussão

Categoria I - Ênfase no princípio da autonomia

Subcategoria: Respeito às escolhas do paciente

No que se refere à categoria I, conforme quadro 01, de ênfase no princípio da autonomia, a subcategoria de respeito às escolhas do paciente foi a mais enfática nos artigos selecionados. No A1, por meio de um relato de experiência, os autores descrevem a prática assistencial a um paciente terminal, em atendimento domiciliar, embasado em seus direitos - expressar sentimentos e emoções diante da morte, receber respostas honestas e ser cuidado por pessoas sensíveis, humanas e competentes.17 Além disso, também se basearam nas cinco fases do processo do morrer, que são negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.18

O A2 trata da autonomia em um sentido mais amplo e investiga, em um setor de cuidados paliativos, as condições determinantes para que o paciente exerça sua autonomia, posicionamento e perspectivas do enfermeiro diante da autonomia do paciente terminal. Nesse estudo, a subcategoria respeito às escolhas do paciente, um dos critérios determinantes para que ele exerça sua autonomia, depende, diretamente, do relacionamento entre o profissional de saúde, a família e o doente. Além disso, os enfermeiros explicitaram a necessidade de treinamento para lidar com as situações de terminalidade, aperfeiçoamento e reciclagem do aprendizado para um melhor exercício profissional, com o objetivo de prevenir desgaste emocional e enfrentar as próprias angústias e os preconceitos.

Sabe-se que um dos atributos dos cuidados paliativos é a interatividade de todos os envolvidos no processo, com respeito mútuo, posto que o bem-estar do paciente se sobrepõe a outros interesses. Contudo, ainda há necessidade de se promover uma educação continuada para os profissionais que atuam nos cuidados paliativos, criando um espaço de debate sobre a prática dos cuidados paliativos, bem como os princípios da Bioética.

O processo de formação profissional, no que concerne aos cuidados paliativos, é insuficiente para a realidade que está colocada. Há carência desses profissionais, principalmente na atenção básica, quando o paciente é levado para casa, a fim de viver seus momentos finais próximo dos seus familiares. Além disso, quando se faz necessária uma internação, há fragilidade na integralidade dos membros da equipe que fez atendimento hospitalar e a que dá continuidade à assistência no ambiente domiciliar.19

O A3 apresenta os resultados de um estudo realizado com pacientes oncológicos e a necessidade de se estabelecer comunicação com eles, para que, através de um vínculo, haja participação efetiva no cuidar. Desse modo, a autonomia do paciente se reflete no consentimento que o mesmo outorga ao profissional, para que a assistência seja implementada.

Nesse contexto, em A1 e A2, ficou constatado que, na assistência, o respeito às escolhas do paciente deve ser enfatizada, principalmente porque consideram sua participação de fundamental importância para que se alcance a qualidade de vida, objetivo maior dos cuidados paliativos. Assim, percebe-se também no A3 que a valorização ao processo de comunicação é um instrumento que possibilita a aproximação e o conhecimento dos participantes do cuidado - os profissionais, a família e o doente. É importante destacar que o diálogo é essencial para criar vínculos, através do respeito às crenças e aos saberes do indivíduo, que não permitem a exclusão ou a adoção de projetos (de cuidados) pré-estabelecidos5, mas possibilita a união de conhecimentos necessários a um cuidar ético.

A comunicação deve se sobrepor aos valores e às crenças individuais do profissional e alcançar o nível de entendimento e a clareza do paciente, acompanhada de um ambiente acolhedor para o que o paciente perceba que está sendo tratado de forma humana e se senta livre para exercer sua autonomia. Esse é um princípio que deve ser preservado, independente da condição clínica do paciente.

Nessa perspectiva, a autonomia é, portanto, um conceito psicossocial que inspira um princípio jurídico, norteador de regras que visam harmonizar e respeitar as esferas de atuação de muitas pessoas supostamente autônomas que, para isso, devem ser responsáveis por suas próprias decisões e respeitar também a autonomia dos demais. Enfatiza também, por sua vez, que devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer o direito à autonomia.3

Categoria II - Conforto e bem-estar do ser doente

Quanto à categoria II, apresentada no quadro 02, que se refere ao princípio da beneficência, no A1, discute-se que o cuidado com o doente terminal deve ter "o olhar voltado para a pessoa". 7:732 Isso significa estar para e com ela e atentar para o fato de que é preciso prever as necessidades que, aos poucos, vão surgindo, conforme a progressão da doença, perceber a subjetividade e a individualidade do ser doente e prover essas necessidades com um cuidado holístico.

É importante ressaltar que, por trás de cada enfermidade, há um sujeito humano, que elabora pessoalmente sua experiência de doença e a incorpora, de alguma maneira, à sua biografia. Impõe-se, então, considerar tal experiência e tal pessoa de uma forma global, que não elimine a individualidade e a dimensão subjetiva. Em outras palavras, é necessário considerá-lo e tratá-lo como pessoa.20

O A3 traz à discussão a questão sobre a qualidade da assistência e sua relação com os níveis de comprometimento da saúde humana, uma concepção herdada da medicina curativa, que priorizava uma melhor assistência aos pacientes com maiores chances de superação dos estados mórbidos em detrimento dos terminais. Contraditoriamente, o cuidado paliativo é baseado na concepção de que o doente em estado terminal não se resume a um corpo físico pelo qual nada pode ser feito, mas uma pessoa capaz de fazer da vida uma experiência de crescimento e realização, com o direito de receber o melhor cuidar.21

O A4 traz o relato de uma paciente com sarcoma torácico metastático em fase avançada, para a qual a equipe multiprofissional teve como meta maximizar os benefícios e minimizar os riscos, proporcionando conforto respiratório por meio do uso da ventilação mecânica não invasiva, para enfrentamento do quadro de dispnéia e evitar o comprometimento pulmonar. Nesse sentido, as condutas refletiram o respeito aos princípios da Bioética e, em situações em que não há cura, a assistência se consolida quando se alcança melhor qualidade de vida com controle dos sinais e dos sintomas, conforto necessário para o alívio da dor, proporcionando o que há de melhor disponível em relação aos riscos e aos benefícios, prevenindo o tratamento fútil.22

O A5 explora a vivência de estudantes de medicina acerca do cuidado com pacientes em fase terminal, utilizando o método fenomenológico. A pesquisa revelou que os estudantes se sentem despreparados para lidar com o paciente terminal, porquanto expressaram sentimento de ansiedade, insegurança, angústia, perda, diante da morte do paciente, impotência, culpa e medo de lhe falar sobre sua condição. Os autores relatam a necessidade de introdução de conteúdos filosóficos e antropológicos nos currículos médicos.

Logo, percebe-se que as ciências médicas necessitam da participação de outras áreas, principalmente das ciências humanas, para formar profissionais com valores morais, capazes de tomar decisões fundamentadas na dignidade humana, não apenas do ponto de vista ontológico, mas também biológico e psicológico, o que se configura também em um agir ético, que contempla o entendimento do conceito de saúde como muito mais que apenas um corpo físico.23

Categoria III - Conflitos com os princípios da bioética

Subcategoria: comunicação inadequada com o paciente

Em A6, conforme quadro 03, as experiências vivenciadas por um enfermeiro de unidade de terapia intensiva e suas percepções acerca dos dilemas éticos vivenciados com pacientes terminais expressaram, sobretudo a questão da postergação à vida diante do sofrimento e até onde a família deve decidir pelo paciente quando este desconhece sua real condição. O estudo expressava o conflito na decisão dos familiares que desejavam investidura em manter a vida a todo o custo sem interesse nas escolhas e na participação do cliente na tomada de decisão.

O artigo A7 trata de uma pesquisa realizada com profissionais de saúde, mostrando que a equipe tem dificuldade de lidar com o paciente terminal, principalmente em comunicar ao mesmo sobre sua verdadeira condição, informando apenas o que considera conveniente, o que implica diretamente na não observância ao direito de exercer autonomia, que todo indivíduo maior de idade tem, independente de sua doença.

O artigo A8 traz uma pesquisa realizada com médicos que assistem a pacientes com neoplasias malignas e destaca que esses profissionais têm dificuldade de informar ao paciente sobre seu prognóstico, alegando que a família deve decidir pelo doente, por entender que ela é quem melhor conhece os valores, as preferências e os interesses do paciente. Os médicos entendem que o princípio da beneficência, nesse caso, sobrepõe-se ao princípio da autonomia, em caso de pacientes terminais. Contudo, os autores destacam que não se pode colocar a beneficência em patamar mais alto que o da autonomia, por entender que a baixa capacidade do paciente para entender sua doença não elimina o seu direito de ser informado, apenas torna a comunicação mais difícil. Acrescentam também que "a autonomia de uma pessoa plenamente capaz não deve ser sufocada paternalisticamente pela necessidade de se fazer o bem para ela".14:73

Consoante o exposto, os autores dos artigos A6, A7 e A8 identificaram que os profissionais de saúde têm dificuldade de lidar com a autonomia do paciente quando este se apresenta em estado grave. Eles entendem que uma comunicação franca é mantida com o núcleo familiar, que se encarrega de selecionar e transmitir as informações que julgar necessárias ao paciente. Logo, a família também está inserida nos cuidados paliativos e exerce papel fundamental no incentivo e no auxílio na assistência ao ser doente.24

Subcategoria: Sobreposição da beneficência e não-maleficência à autonomia

Em relação à categoria Sobreposição da beneficência e não-maleficência à autonomia, também apresentada no quadro 03, entende-se que ocorre uma conduta equivocada sobre qual o princípio é mais importante diante da morte (A5). Como bem explica a definição dada pela Organização Mundial de Saúde25 aos cuidados paliativos, além do cuidado holístico, essa abordagem coloca o ser cuidado em posição ativa nesse processo, percebendo, mais uma vez, a importância do respeito à autonomia e à participação do paciente. Essa correlação permite que se compreenda que a beneficência é indissociável dos outros princípios da Bioética.

Nesse processo de vivenciar a terminalidade da vida, o ser doente encontra-se vulnerável, mas, muitas vezes, consciente e orientado, o que lhe dá o direito de tomar decisões relacionadas ao seu tratamento, assegurando-lhe o respeito pelo princípio da autonomia. Devem-se avaliar, juntamente com ele, as vantagens e os riscos do tratamento, que se configura no princípio da beneficência. Além disso, é preciso avaliar os riscos de cada decisão clínica tomada em equipe, com o paciente e familiares, provendo-os com o princípio da não-maleficência e assegurando-lhes os recursos disponíveis para garantir uma assistência digna - princípio da justiça.21

Subcategoria: Confusão de beneficência com paternalismo

No que tange à subcategoria confusão desse princípio com o paternalismo, também exposta no quadro 03, há evidências de que os médicos encontram dificuldades em informar as reais condições ao paciente, com o intuito de protegê-los ou evitar-lhes o sofrimento de presenciar a morte em vida (A8). Os profissionais que agem desse modo excluem o direito que o paciente tem de participar das decisões e discutir sobre seu cuidar.

Sabe-se que, em situações particulares, nas quais o próprio paciente não quer saber o seu prognóstico, ou naquelas em que essas informações poderiam trazer riscos ao paciente, a exemplo de suicídio ou automutilação, alguns cuidados devem ser tomados durante a comunicação. Porém, deve-se discutir na equipe até onde essas informações podem ser geradoras de sofrimento ou não.

Os profissionais devem colocar seus conhecimentos, valores éticos e sua dedicação a serviço do doente, maximizando os possíveis benefícios e minimizando os possíveis riscos. No mesmo sentido, o respeito ao princípio da não maleficência é a exigência ética primária de que o profissional não utilize seus conhecimentos ou sua situação privilegiada em relação ao doente para causar-lhe danos.16 Assim, fica claro que tanto o princípio da beneficência quanto o da não maleficência se consubstanciam em duas normas: a de maximizar os possíveis benefícios e minimizar os possíveis riscos e a de não causar dano.

Em A8, os profissionais deixaram transparecer que, muitas vezes, não honram o princípio da não maleficência, conforme o depoimento de um dos participantes: "você não está melhorando, trazendo nenhum alívio, nenhum conforto, nenhuma expectativa, nenhum alento para o paciente e mesmo para a família, e você tem que continuar fazendo coisas".14:34 Esse discurso suscita a questão de que até que ponto o conhecimento científico e as tecnologias são utilizados para manter a vida do paciente a todo custo, mesmo sem esperança, prolongando o sofrimento e o desconforto.

Considerações Finais

Os artigos examinados neste estudo refletiram sobre os dilemas éticos vivenciados por profissionais que prestam assistência a pacientes graves em estado terminal sob cuidados paliativos. Muitos são os conflitos, uma vez que esse processo de cuidar envolve situações entre vida e morte, conforto e sofrimento,entre outros. Nesse sentido, a Bioética, como campo de reflexão, propicia um melhor direcionamento para situações que geram os referidos dilemas.

As publicações inseridas no estudo expressaram o respeito aos princípios da Bioética: autonomia, beneficência e não _ maleficência o que revela o agir ético do profissional ao cuidar do paciente na terminalidade sob cuidados paliativos. Contudo outras realidades apresentam, mesmo que de forma sutil, o descumprimento desses princípios, o que reflete ainda a necessidade de mudanças.

Vale ressaltar que os artigos investigados não abordaram o princípio da justiça. Certamente não é menos importante que os demais, uma vez que há do dever de tratamentos iguais a casos semelhantes e disposição de tudo quanto seja necessário para a promoção do conforto e do bem-estar do paciente na terminalidade. Cumpre assinalar que o respeito a todos os princípios da bioética garante a primazia dos cuidados paliativos.

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Recibido: 14 de febrero de 2010.
Aprobado: 13 de abril de 2010.

Correspondencia:
Alana Tamar Oliveira de Sousa
. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Endereço: Rua Manoel Pereira Diniz, n.º 655, Bl. A, Apto. 304, Jd. Cidade Universitária, CEP 58.052-520. João Pessoa-PB. Tel.: (83) 8817-8063. E-mail: alanatamar@gmail.com

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