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Revista Cubana de Enfermería

versión impresa ISSN 0864-0319versión On-line ISSN 1561-2961

Rev Cubana Enfermer vol.30 no.1 Ciudad de la Habana ene.-mar. 2014

 

REFLEXIÓN Y DEBATE

 

Reflexões sobre o quotidiano profissional de enfermeiras

 

Reflections about the everyday life of a nurse

 

Reflexiones sobre el cotidiano de la enfermera

 

 

Lívia Magalhães Costa CastroI; Elenilda Farias de OliveiraII; Álvaro PereiraIII; Climene Laura de CamargoIII

I Instituto Sócrates Guanaes
II Faculdade Adventista da Bahia
III Université Rene Descartes-Sorbonne

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta reflexões sobre as vivências no exercício da prática profissional da enfermeira e as formas de enfrentamentos para as exigências institucionais, no quotidiano da enfermagem em hospitais privados na cidade de Salvador. Objetiva refletir sobre a prática profissional de enfermeiras frente às mudanças ocorridas no cenário hospitalar nos últimos tempos. Neste, as autoras refletem pela vertente pós-moderna, à luz de Michel Maffesoli, sobre o quotidiano das enfermeiras, as relações de socialidade nas relações profissionais e sobre as formas de sobrevivência no ambiente de trabalho e fora dele, diante de determinadas condições desfavoráveis impostas pelas organizações. Percebe-se, nesta análise, que o trabalho da enfermeira precisa ser negociado nos ambientes de trabalho, a partir da análise compreensiva das relações orgânicas, necessárias à humanização dos serviços e à qualidade de vida dos profissionais.

Descritores: cuidados de enfermagem; qualidade de vida; atividades cotidianas; ambiente de trabalho.


RESUMEN

Este artículo presenta reflexiones sobre las vivencias en el ejercicio de la práctica profesional de la enfermera y las formas de enfrentamientos para las exigencias institucionales, en lo cotidiano de la enfermería en hospitales particulares en la ciudad de Salvador de Bahía. Tiene como objetivo reflexionar sobre la práctica profesional de la enfermera y los cambios que acontecieron en el contexto hospitalario en los últimos tiempos. En él, las autoras tienen en cuenta la vertiente postmoderna, a la luz de Michel Mafessoli, sobre lo cotidiano de la(o)s enfermera(o)s, las relaciones de sociabilidad en las relaciones profesionales y sobre las formas de supervivencia en el ambiente laboral y fuera de él, ante determinadas condiciones desfavorables impuestas por las instituciones. Se observa, en este análisis, que la labor de la enfermera necesita ser negociada en los ambientes de trabajo, a partir del análisis comprensivo de las relaciones orgánicas, necesarias a la humanización de los servicios y a la calidad de vida de los profesionales.

Palabras clave: cuidados de enfermería; calidad de vida; actividades cotidianas; ambiente de trabajo.


ABSTRACT

This article presents reflections on the daily experiences in the course of professional practice of nurses and ways of coping with institutional requirements, in private hospitals in the city of Salvador. The objective of the article is to reflect about the professional practice of nurses, as well as recent changes that have occurred in the hospital setting. In this manner, the authors reflect on the postmodern aspect of Michel Maffesoli, regarding the daily life of nurses, social and work relations and survival mechanisms, both in and out of the workplace, when faced with certain unfavorable conditions imposed upon by the institution. This analysis demonstrates that the professional necessities of nurses must be negotiated in the workplace, including comprehensive analysis of organic relations, which is necessary for the humanization of services and quality of life for professionals.

Keywords: nursing care; quality of life; daily living activities; work environment.


 

 

INTRODUÇÃO

Este ensaio propõe uma discussão sobre as questões da prática profissional da enfermeira relacionadas às mudanças na organização de trabalho e o controle de produção nos serviços de enfermagem, sob a ótica pós-moderna de Michel Maffesoli. Este autor discorre sobre a forma de enfrentamento às injunções do quotidiano e imaginário profissional e as relações de socialidade e estratégias de sobrevivência para confrontar esse mundo exigente da produção do trabalho e as condições desfavoráveis e insalubres impostas pelas organizações. Tais condições limitam a qualidade de vida da profissional enfermeira que atua em unidades hospitalares.

Quando consideramos uma unidade fechada de produção de serviços de saúde em um hospital privado, por exemplo, uma unidade de terapia intensiva, identificamos mudanças substanciais em relação às condições de trabalho: aquisição de novos equipamentos, incorporação de novas técnicas, terapias modernas que possibilitam a sobrevivência mesmo em condições que até a bem pouco tempo eram consideradas inviáveis, como a sobrevida de um recém nascido com extrema prematuridade. Tais mudanças, pertinentes e necessárias no tempo atual, exigem a adaptação do trabalhador, promovem o desenvolvimento profissional, mas também produz questionamentos sobre as profissões no campo da enfermagem, a arte de ser enfermeira, a importância destes profissionais no processo contínuo de cuidar e a valorização que o empregador confere ao empregado. É preciso avaliar as modificações que acontecem no cenário do trabalho no hospital, pois a despeito de suas vantagens parecem interferir na qualidade da assistência prestada pelas profissionais da enfermagem.

Analisando-se o quotidiano das organizações hospitalares privadas em Salvador, a partir de vivências e relações profissionais das autoras, percebe-se que tem havido redução do quantitativo de profissionais da equipe de enfermagem, trocas repentinas de coordenadores e diretores e implementação de novas rotinas na busca de acompanhar o desenvolvimento tecnológico e crescente incorporação de tecnologias no hospital. Compreende-se que essas mudanças, mesmo sendo necessárias, criam insegurança e desestabilizam a condição de trabalho do profissional. Neste contexto, observa-se uma intensa fase de mudanças que denota o prevalecimento do interesse econômico capitalista e a exploração de mão de obra e desinteresse pelo ser profissional, nesse caso o ser profissional enfermeira.1

A modernidade é um tempo que se define precisamente pela separação crescente do mundo que se conhece como objetivo.2 Ela foi construída pelo racionalismo e fortalecida pelo cientificismo, pela busca da verdade, da certeza, da segurança e pelo mundo apolíneo. Ela é avessa ao mundo sensível – ao mundo das emoções, das paixões, da desmesura, da imaginação, da sensibilidade corporal e sua linguagem, ao mundo do desejo, ao mundo dionisíaco. Segundo a mitologia grega, Prometeu e Dionísio são figuras espirituais, mas também símbolos operantes que permitem ver, sob uma nova luz, uma vida quotidiana, em que o bem-estar e o melhor-estar são almejados. Contudo, na contemporaneidade, uma vida corriqueira, banal, com ritmo acelerado de trabalho ganha lugar, em detrimento de outras opções que ofereçam qualidade de vida.3

Segundo a Organização Mundial de Saúde, entende-se por qualidade de vida “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.4 Esta emergente compreensão de qualidade de vida conduz a novas discussões sobre trabalho entre os profissionais da área da saúde e aponta para uma nova práxis no quotidiano da equipe de saúde.5

O trabalho muda a concepção de sobre-viver para viver-com. Deixa de ter conotação de sacrifício e proporciona vivências de prazer, pois é por meio dele que o ser humano constrói sua vida e se insere no mundo laboral, não somente como forma de sobrevivência, mas também para realização pessoal e profissional, possibilitando o processo de formação do indivíduo, em sua produtividade técnica, política, cultural, estética e artística que envolve, sobretudo a sua subjetividade.6

Em busca de um cuidado de qualidade, ajuda-se a construir, de um lado, relações subjetivas e efetivamente transformadoras, em busca do equilíbrio, do bem-estar, mas de outro lado, vive-se em um ambiente em que proporcionar qualidade de vida pode significar um conjunto de ações meramente técnicas, administrativas. Um conflito em que a razão imperante é a da organização, da cura, do tratamento, da ação meramente profissional, em busca da alta hospitalar para o paciente. As relações de ajuda, a subjetividade, os sentimentos afetados, a busca do equilíbrio perdem força e ficam a mercê das regras institucionais dos seguros de saúde e dos padrões de diagnósticos tradicionais, que entendem a cura como a cessação dos sintomas, trazendo de volta a discussão do modelo médico-hegemônico curativista.


O quotidiano no campo da enfermagem

No quotidiano da enfermagem diversas são as situações em que o profissional se questiona sobre a dualidade existente entre a teoria e a prática no cuidado. Este cuidado pode ser definido como uma característica de envolvimento, de fazer pelo outro, enriquecendo a relação interpessoal e favorecendo o desenvolvimento mútuo, tanto dos indivíduos cuidados como dos profissionais que cuidam. Através do cuidado, o profissional que assiste o paciente procura estabelecer um equilíbrio entre si e o outro, entre suas necessidades e as do outro, almejando tornar esta relação mais agradável, e não uma mera relação de trabalho. Contudo, este mesmo quotidiano, por vezes cria situações que não são esperadas, podendo desencadear vivências de sofrimento, desgaste e adoecimento de pessoas como se observam nas vivências de profissionais na área da enfermagem.6,7

No ambiente hospitalar, vivencia-se o trabalho atual da enfermeira permeado por situações que denotam desconfiança, autoritarismo e inflexibilidade. Os hospitais investem cada vez mais em sistemas de vigilância para a equipe de enfermagem, como num sistema de big-brother, seja por meio de visitas diurnas e noturnas de outros funcionários ou por meios de câmeras, procurando erros ou falhas, caracterizando-se um desrespeito com as enfermeiras, que a despeito de tudo, encontram-se empenhando seu potencial físico e mental, no cuidado ao paciente. Entende-se que há necessidade de vigilância, como forma de promover segurança aos que ali estão, e não como forma de controle de intervalos de repouso dos funcionários.

Sabe-se que a legislação brasileira respalda a conduta das organizações hospitalares de uma hora de descanso noturno, porque garante a todo profissional de trabalho contínuo que exceda seis horas a concessão de um intervalo mínimo de uma hora para repouso ou alimentação,8 contudo constata-se, na vivência dessa prática, que uma hora de descanso noturno é insuficiente para retomar o rendimento ideal e a melhor capacidade física e mental que se imprime nas primeiras horas da jornada de trabalho. Não há, nessa realidade, condição para realizar uma atualização profissional, nem para uma simples atividade de lazer em família.

A sociedade imprime padrões esperados de comportamento, e a carga de trabalho da enfermeira impede que ela se adeque a estes padrões, como a prática de exercícios físicos para evitar o sedentarismo (que é fator de risco para tantas doenças). Além disto, na busca de elevar o salário para garantir melhores condições de vida, esta profissional muitas vezes se submete a jornada dupla de trabalho, através do acúmulo de vínculos empregatícios, acarretando desgaste tanto para ela, como para quem está sob os seus cuidados. Neste aspecto, o aumento do piso salarial para esta categoria talvez represente uma forma de enfrentamento para este problema.9

A enfermeira na atualidade tem vivenciado sua rotina de trabalho de forma árdua, acarretando exploração física e mental. Gradativamente ela vai se tornando individualista, realizando apenas as prioridades assistenciais e gerenciais dos pacientes sob sua responsabilidade. Nesse sentido, um pseudoconformismo aparece como estratégia de sobrevivência, uma espécie de reação passiva a todas essas injunções. 10 Neste contexto, a enfermeira é quotidianamente forçada a ir além de seus limites físicos e psicológicos, o que pode interferir na qualidade do cuidado prestado.

As organizações de saúde também tem promovido redução de seus custos, aumentando a exploração dos trabalhadores, aumentando as jornadas de trabalho e a redução da mão-de-obra, falta de recursos materiais, exposição a riscos ocupacionais, não reconhecimento do trabalho desenvolvido, remuneração injusta, o que reflete diretamente no trabalho das enfermeiras, coagidas a aumentar a sobrecarga de trabalho na execução de suas tarefas, gerando situações de tensão no ambiente de trabalho e comprometendo a assistência prestada ao paciente.5,11

A despeito destas situações, muitas enfermeiras ainda veem nessa profissão seu motivo de vida e encontram-se animadas para a prática profissional. Isto porque a enfermeira constrói sua potência para continuar atuando de forma equilibrada e satisfatória.

Estratégias de sobrevivência do quotidiano profissional da enfermeira

O mundo das organizações imprime condições sufocantes aos trabalhadores que tentam sobreviver a todo tipo de demanda no ambiente de trabalho. No entanto, há situações em que eles precisam transgredir as imposições para tomar fôlego, buscar energia para poder dar novos passos, recuperar a autonomia das suas decisões.

De modo geral, verificam-se no quotidiano da enfermeira algumas exigências de trabalho que se assemelham a uma panela de pressão, que quando se sobrecarrega, precisa liberar o ar quente por uma válvula, que se não funciona pode colocar todos que a cercam em condição de risco, determinando o caos e a desordem. Estas exigências se expressam nas diversas maneiras de convivência com essa realidade, ora muito presente e observável em nosso meio. São formas mais suaves de desestabilizar a ordem geral, de mostrar a soberania das decisões do ser humano, encarando-as pela sua relatividade e pelo aspecto limitado das injunções. Estas modalidades de enfrentamento constatam-se através da abstenção ao trabalho, da astúcia, da ironia, da indolência, do jogo de cintura, dentre muitas outras modulações e formas de enfrentamento tão presentes no quotidiano profissional.12

Compreende-se que aceitar e obedecer às regras ditadas pela chefia não asseguram a aceitação tácita de tais regras, pois na prática o conformismo não significa, de modo algum, conformidade.10 Às vezes, é preferível manter-se na zona de conforto a enfrentar os problemas. Nesse sentido, surge uma forma coletiva em que cada um não mais procura sua singularidade, seus desejos, nem mais afirma suas necessidades, mas busca ser um só, com o objeto que lhe pertence ou ao qual pertence, neste caso o hospital.13 Parece haver uma espécie de angústia, mas não o suficiente para conseguir uma mobilização de um grupo em busca de soluções para o problema. Isso denota que se manter na zona de conforto, ainda aparenta ser o refúgio mais seguro frente ao incômodo. Entenda-se aqui por angústia uma condição soberanamente humana do homem na terra, que revela sua impotência, uma vez que não permite a liberdade de seus pensamentos e anula sua vontade e expressões próprias.14

A duplicidade é uma maneira de viver a agressividade antropológica, corrigindo-lhe a brutalidade, ritualizando-lhe os efeitos e negociando as consequências. A enfermeira desenvolve essa duplicidade de diversas formas, ao afrontar indiretamente o sistema, seja através do sublimismo, do absenteísmo, da fuga, usando das mascaras, forjando a persona que o chefe deseja. Cada uma dessas atitudes repousa sobre a astúcia, sobre a maneira de contornar a ordem ou de sabotar o trabalho. Isso acontece menos pela ação em si, a maior parte do tempo sem teorização, porém mais como a expressão quase instintiva de conservação de si pelo corpo social.12

O absenteísmo de enfermeiras é crescente nas organizações de saúde, o que gera dobras e custos para o hospital.15 Sejam faltas justificadas legalmente, por atestados médicos, licenças médicas ou simplesmente por faltas injustificadas, que afetam a equipe de enfermagem. Há uma elevação do número de dobras que surge em efeito cascata: o profissional que dobra de um plantão noturno com um descanso de apenas uma hora, para um plantão diurno, e que apresenta uma baixa imunidade devido ao estresse e cansaço físico e mental, por vezes, precisará faltar no outro plantão, por adoecimento, gerando mais outras dobras. Em virtude das condições desfavoráveis presentes no ambiente de trabalho, algumas enfermeiras acabam por buscar meios para compensar o sofrimento, tornando-se mais resistentes e adotando posturas defensivas ou indiferentes ao processo laboral, optando pela fuga ao trabalho, comprometendo os resultados finais dos serviços.

O campo da enfermagem contém a maior força de trabalho dos estabelecimentos hospitalares, com responsabilidades dirigidas para a assistência e à gestão nas 24 horas. É o conjunto de trabalhadores que mais sofre com a inadequada condição de trabalho e com a insalubridade do ambiente. São muitas as explicações para o elevado absenteísmo na equipe de enfermagem – desenvolvimento de cansaço físico e mental devido às más condições de trabalho, jornada diária, horário de trabalho, horas extras e desenvolvimento de tarefas em ritmo acelerado; prática de jornadas duplas ou triplas de trabalho; escala de plantão noturno devido à dificuldade de adaptação e alteração do ritmo biológico e até do ritmo circadiano; mulheres que ainda são responsáveis pelas tarefas domésticas.15,16

Compreende-se que a(o) enfermeira realiza um trabalho que demanda atenção, muitas vezes desempenha atividades com alto grau de dificuldade e responsabilidade, constituindo fatores psicossociais que condicionam a presença do estresse no trabalho, tornando o estresse ocupacional decorrente das tensões associadas ao trabalho e à vida profissional.10 Para que a enfermeira consiga manter um equilíbrio entre estas questões emocionais e físicas, é indispensável um convívio saudável com a família, consigo mesmo e com os outros, o que a ajuda a colher relações positivas no trabalho.17

Em meio a essas duplicidades de emoções, positivas e negativas, fortes e fracas, prazerosas e não prazerosas, destaca-se a necessidade do distanciamento, do uso de máscaras, numa tentativa de buscar um equilíbrio, uma adaptação, em meio a essa duplicidade de sentimentos. Essa diversidade de sentimentos, de convicções e opiniões que nos remete a uma contradição, pode suscitar uma sinergia prospectiva, como viver múltiplas vidas, mas ainda assim a dupla existência é o meio mais seguro de perdurar enquanto grupo. É preciso entender que essas atitudes são, na maior parte do tempo, coletivas, desenvolvidas como obra de muitos, por isso a anomia, longe de desestruturar o corpo social, é também um meio de fortalecê-lo, pois este se recria sem cessar através de uma duplicidade partilhada.10

A enfermeira vive uma realidade hospitalar de muito trabalho em que desempenha várias atividades, além das inúmeras ações invisíveis que desempenha, sem falar das funções burocráticas da organização. É a categoria que se responsabiliza pelos materiais, pelos elos entre as diferentes profissões e pelo gerenciamento dos pacientes e da unidade – este excesso de atividades gerenciais e burocráticas, determinadas por pressão institucional, desmotivação ou falta de informação, em detrimento das ações de cuidado, nos distancia das ações que são próprias da profissão, prejudicando a qualidade da assistência.

É compreensível que o paciente sofra com toda essa situação, contudo inaceitável vê-la. A insatisfação pelo trabalho faz com que a equipe não desempenhe sua função com a atenção e o desvelo necessários. A profissão é simbolicamente revelada como divina, realiza um papel tão importante para o paciente, pois é o profissional de enfermagem quem está presente nos momentos mais íntimos do paciente – no momento do medo intenso, do banho no leito, da troca de fraldas, da alimentação, de avaliações sistemáticas dos dados vitais, e até no momento da morte, e muitos outros instantes em que prevalecem também as decisões sobre as ações subjetivas. Compreende-se que o corpo de enfermagem é indubitavelmente a força vital de uma organização de saúde, porém não se pode esquecer, que mesmo lidando com vidas alheias e mesmo tendo por objetivo restaurar sua integridade física, mental e social, as enfermeiras também são seres humanos, falíveis e suscetíveis a erros.

Diante do exposto, as organizações de saúde deveriam estar preocupadas em adotar medidas para minimizar os fatores estressantes no trabalho, promovendo uma atmosfera agradável principalmente no ambiente hospitalar, visto que este já é estressante por natureza. Mudanças como diminuição da carga horária, adequação do período de descanso poderão influenciar significativamente no desempenho da profissional e na qualidade da assistência.5

É difícil definir que fase é essa que a equipe de enfermagem vivencia, mas é notória a necessidade de mudança, desde a legislação do trabalho que tem permitido essa situação de exploração bem como através da conscientização destas profissionais, imprescindíveis para garantir a qualidade da assistência em saúde.

A assistência de enfermagem está embasada em conhecimento biopsicossocioafetivo, ético, estético, científico, o que exige um preparo profissional complexo. Assim se faz necessário que tanto a sociedade como as organizações de saúde percebam nestas profissionais, suas competências e habilidades para a construção de uma sociedade mais humana, voltadas para o atendimento da promoção da saúde, prevenção e tratamento dos indivíduos e coletividades. Pois o imaginário acerca desta profissão, tanto no âmbito social, como individual é ainda aquém do real.

O agir politicamente é uma vertente fundamental para um processo de trabalho digno. É necessário entendê-lo não apenas como filiação a um órgão de classe ou a um partido político, mas sim, como uma consciência, um conhecimento sobre a sociedade e as relações interpessoais que cercam o quotidiano da enfermeira. A consciência é imprescindível para evitar a submissão às condições de trabalho precárias que exaurem o profissional, tornando-o mais susceptível a erros. Surge um grande desafio enquanto corporação, comprometida com a seguridade e execução da profissão, uma vez que se necessita de um maior fortalecimento das representações de classe, já que essa desarticulação de classe traz como reflexo direto a instabilidade empregatícia, prejudica a determinação de padronização da carga horária e do piso salarial.

Na reparação dos problemas causados pelas ações globalizadas relacionadas pelo empregador à ordem moderna no trabalho, é sugerido que se abra a porta de acesso ao senso comum, para ali encontrar desejos, necessidades e vozes do quotidiano, que durante tanto tempo ficaram estranhas aos monopólios da interpretação.18 Defende-se a renovação da modernidade como sendo resultante da recuperação do sujeito, que se manifesta pelas vontades individuais de ação e pelo reconhecimento.19 Um novo tempo, marcado pela diversidade e pela contingência, encontrará a chance de emancipação por meio do binômio tolerância e solidariedade. 2


À guisa de conclusão

É mister lutar por uma política de recursos humanos que confira segurança às enfermeiras, atenda suas satisfações básicas, pessoais e proporcione condições de trabalho compatível com as suas necessidades, minimizando o desgaste físico e mental que a profissão acarreta, o sentimento de frustração, perda de qualidade do seu trabalho e de vida, evitando inclusive a evasão do profissional que, ainda assim, enfrenta esses obstáculos e reúne forças para continuar abraçando essa profissão.

Na expectativa de encontrar alento para a nova realidade profissional, investimos na análise do quotidiano pela vertente pós-moderna que nos abriu possibilidade de enxergar novas formas de enfrentamento nas organizações, o que demonstra que apesar de passiva e lenta, há que se reconhecer algumas modalidades reacionais, vistas com descaso pelos gestores e gerentes de serviços, quase sempre envoltos por uma ordem globalizada de produção e da exploração desmedida do trabalho.

No entanto não foi pretensão das autoras encontrar uma receita básica que solucione o problema das relações de trabalho na enfermagem, ela precisa ser negociada nos ambientes de trabalho a partir da análise compreensiva das relações orgânicas necessárias à humanização dos serviços e à qualidade de vida dos profissionais. Para completar essa reflexão incorporamos como contribuição a letra da música de Djavan e Gabriel Pensador “A Carta”,20 com objetivo de proporcionar uma análise metafórica sobre o cenário atual do trabalho da enfermagem exposto nessa reflexão, com o propósito de recuperar as forças, usufruir das formas de superação e partir em busca de um futuro melhor para o trabalho de enfermeiras no ãmbito hospitalar.

Não vá levar tudo tão a sério

Sentindo que dá, deixa correr

Se souber confiar no seu critério

Nada a temer

Não vá levar tudo tão na boa

Brigue para obter o melhor

Se errar por amor Deus abençoa

Seja você

No que sua crença vacilou

A flor da dúvida se abriu

Vou ler a carta que o Biel mandou

Pra você, lá do Brasil:

"Eles me disseram tanta asneira, disseram só besteira

Feito todo mundo diz.

Eles me disseram que a coleira e um prato de ração

Era tudo o que um cão sempre quis

Eles me trouxeram a ratoeira com um queijo de primeira

Que me, que me pegou pelo nariz

Me deram uma gaiola como casa, amarraram minhas asas

E disseram para eu ser feliz

Mas como eu posso ser feliz num poleiro?


Como eu posso ser feliz sem pular ?

Mas como eu posso ser feliz num viveiro,

Se ninguém pode ser feliz sem voar?

Ah, segurei o meu pranto para transformar em canto

E para meu espanto minha voz desfez os nós

Que me apertavam tanto

E já sem a corda no pescoço, sem as grades na janela

E sem o peso das algemas na mão

Eu encontrei a chave dessa cela

Devorei o meu problema e engoli a solução

Ah, se todo o mundo pudesse saber

Como é fácil viver fora dessa prisão

E descobrisse que a tristeza tem fim

E a felicidade pode ser simples como um aperto de mão

Entendeu?

É esse o vírus que eu sugiro que você contraia

Na procura pela cura da loucura,

Quem tiver cabeça dura vai morrer na praia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recibido: 26 de abril de 2013.
Aprobado: 7 de febrero de 2015.

 

 

Lívia Magalhães Brito Costa: Enfermeira Especialista em Terapia Intensiva, Mestranda EEUFBA, Coordenadora de Enfermagem Instituto Sócrates Guanaes. Rua dos Pintassilgos, número 120, apt 701, Imbui. CEP:41720-030 .Salvador, BA. Tel: 071-81995553 Trab.: 071-30322861
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