SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.32 número4Significado de modo tutoría dentro de la residencia multiprofesional en salud en un hospital universitarioExperiencias del profesional de enfermería sobre los procedimientos realizados en hospital índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Revista Cubana de Enfermería

versión impresa ISSN 0864-0319versión On-line ISSN 1561-2961

Rev Cubana Enfermer vol.32 no.4 Ciudad de la Habana oct.-dic. 2016

 

ARTÍCULO ORIGINAL

 

Percepção de profissionais de saúde mental sobre o projeto terapêutico singular

 

Percepción de profesionales de salud mental sobre el proyecto terapéutico singular

 

Perception of mental health professional about the singular therapeutic project

 

 

Dejeane de Oliveira SilvaI; Jeane Freitas de OliveiraII; Márcia Rebeca Rocha de SouzaII; Nairan Morais Caldas MoraisI; Itana Carvalho Nunes SilvaII; Milena Vaz Sampaio SantosII; Rafaele Silva SantosI

I Universidade Estadual de Santa Cruz, Universidade federal da Bahia. Brasil.
II Universidade federal da Bahia. Brasil.

 

 


RESUMO

Introdução: no campo da saúde mental o Projeto Terapêutico Singular foi utilizado na desconstrução institucional, visando uma atuação integrada da equipe de forma a valorizar as necessidades de saúde do usuário.
Objetivo: analisar a percepção de profissionais da saúde mental sobre o Projeto Terapêutico Singular.
Métodos: pesquisa qualitativa, realizada nos meses de novembro e dezembro de 2014 tendo como sujeitos profissionais que atuam nos Centros de Atenção Psicossocial do município de Ilhéus-Bahia, Brasil. Os dados foram produzidos por meio da entrevista semiestruturada e analisados na perspectiva da análise de conteúdo temática.
Resultados:
na categoria temática 'Tecendo vantagens e facilidades na utilização do PTS', os profissionais sinalizaram que o Projeto Terapêutico Singular amplia o sentido de cuidado no nível individual e coletivo, possibilita o diálogo da equipe multiprofissional e estimula a autonomia do usuário na perspectiva do cuidado integral. Equipe reduzida, rotatividade de profissionais; falta de recursos estruturais, ausência de usuários e familiares na unidade para dar continuidade às ações propostas, devido a supervalorização dos cuidados que recebem no domicílio constituíram elementos para categoria 'Desafios na operacionalização do Projeto Terapêutico Singular'.

Conclusões: é importante a reorganização dos serviços para o atendimento de qualidade, maior articulação com Atenção Básica e adoção de medidas que garantam condições necessárias para a implementação, acompanhamento e continuidade do Projeto Terapêutico Singular. Ademais, é necessária a inclusão da temática na formação e nas atividades de capacitação dos profissionais em serviços como estratégia inovadora de cuidado na área de saúde mental, evitando equívocos de condutas com a utilização do Projeto Terapêutico Singular.

Palavras-chave: saúde mental; promoção da saúde; qualidade da assistência à saúde; assistência à saúde mental.


RESUMEN

Introducción: en el terreno de la salud mental, el Proyecto Terapéutico Singular fue utilizado en la desconstrucción institucional, con el propósito de obtener una actuación integrada del equipo de manera que se valorizasen las necesidades de salud del usuario.
Objetivo: analizar la percepción de profesionales de salud mental sobre el Proyecto Terapéutico Singular.
Métodos: investigación cualitativa, realizada durante los meses de noviembre y diciembre de 2014, cuyos sujetos eran profesionales que actuaban en los Centros de Atención Psicosocial de la municipalidad de Ilhéus-Bahia, Brasil. Los datos fueron producidos a través de entrevista semiestructurada y analizados bajo la perspectiva del análisis de contenido temático.
Resultados: en la categoría temática 'Tejiendo ventajas y facilidades en la utilización del PTS', los profesionales señalaron que el Proyecto Terapéutico Singular amplía el sentido de cuidado a nivel individual y colectivo, posibilita el diálogo del equipo multiprofesional y estimula la autonomía del usuario en la perspectiva del cuidado integral. Equipo reducido, reemplazo de profesionales; falta de recursos estructurales, ausencia de usuarios y familiares en la unidad para dar continuidad a las acciones propuestas debido a la supervalorización de los cuidados que reciben en el domicilio constituyeron elementos para la categoría 'Desafíos en la operacionalización del Proyecto Terapéutico Singular'.
Conclusiones: es importante la reorganización de los servicios para la atención de calidad. Mayor articulación con Atención Básica y la adopción de medidas que garanticen condiciones necesarias para la implementación, acompañamiento y continuidad del Proyecto Terapéutico Singular. Además, es necesaria la inclusión del tema en la formación y en las actividades de capacitación de profesionales en servicios como estrategia innovadora de cuidado en el terreno de la salud mental, evitando conductas equivocadas en la utilización del Proyecto Terapéutico Singular.

Palabras clave: salud mental; promoción de salud; calidad de asistencia a salud; asistencia a la salud mental.


ABSTRACT

Introduction: In the field of mental health, the Singular Therapeutic Project was used in institutional deconstruction, with the aim at obtaining an integrated performance of the team so that the user's need for health were assessed.\
Objective: Analyze the perception of mental health professionals about the Singular Therapeutic Project.
Methods: Qualitative research carried out in the months of November and December 2014, and whose subjects were professionals who practiced ion the Centers of Psychosocial Care of the municipality of Ilhéus-Bahia, Brazil. The data were produced by means of semi-structured interviews and analyzed based on the perspective of thematic content analysis.
Results: In the thematic category "Spinning advantages and eases in the use of STP," the professionals pointed out that the Singular Therapeutic Project broadens the sense of care at the individual and collective levels, makes possible the dialog within the multi-profesional team, and stimulates the user's autonomy in the comprehensive care perspective. Reduced team, professionals' replacement, lack of structural resources, absence of users and family in the unit to continue with the proposed action because of the over-assessment of the cares received at home, all of which constitutes elements for the category "Challenges in the operationalization of the Singular Therapeutic Project."
Conclusions: The reorganization of the services is important for the high quality health care. Greater articulation with Basic Attention and adopting measures guaranteeing the necessary conditions for the implementations, accompaniment and continuity of the Singular Therapeutic Project. Besides, the inclusion is necessary for a topic on the training and the capacity bluffing activities for professional in the services, as an innovative strategy for health care in the area of mental health, which would avoid wrong behaviors un the use of the Singular Therapeutic Project.

Keywords: mental health; health promotion; high quality in health care; mental health care.



 

INTRODUÇÃO

O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é uma estratégia que favorece participação do usuário e, consequentemente, construção de sua autonomia através do desenvolvimento de ações terapêuticas articuladas guiadas pela discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar o que possibilita reinserção psicossocial do indivíduo em seu contexto social.1,2

Esta estratégia constitui-se em instrumento inovador nas práticas de saúde, tendo surgido no movimento da reforma psiquiátrica, com o modelo de Atenção Psicossocial. Trata-se de uma ferramenta para o cuidado, muito utilizada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) para atender as necessidades e singularidades dos sujeitos, através de novas perspectivas de produção do cuidado.3

Sua utilização permite organização e integração das equipes de saúde, de modo a superar as práticas do cuidado fundamentadas no modelo biomédico e hospitalocêntrico, propondo uma clínica e gestão do cuidado que produza saúde, considerando a integralidade dos sujeitos, sua história de vida e os seus aprendizados.4,5

Importante destacar que o PTS surge em um contexto do movimento pela saúde mental, em que os aspectos considerados relevantes para o cuidado como os internamentos em hospitais psiquiátricos e o controle medicamentoso independente de crises, passam a ser substituídos por ações de uma clínica ampliada de valorização dos aspectos não só de ordem biológica, mas sociais, culturais, psíquicas e políticas o que fortaleceu o processo de desinstitucionalização.2,6

Para atingir seus objetivos, o PTS deve ser constituído por quatro movimentos fundamentais, a saber: definição das hipóteses diagnósticas; definição de metas; divisão de responsabilidades, e reavaliação. É dinâmico, processual e flexível e deve ser reavaliado durante todo o processo de construção e implementação.1

Diante disso, as equipes de saúde mental que utilizam o PTS têm a possibilidade de fortalecer troca de saberes de forma transversal e uniforme entre atores sociais, considerando ainda o contexto social de cada indivíduo para motivar e permitir o envolvimento dos usuários, tornando-os coparticipantes e provedores do seu cuidado. Ademais, torna-se possível a criação e fortalecimento de vínculos entre equipe-usuário-família o que contribui para o matriciamento que se constitui em um recurso que promove a construção compartilhada de propostas integradas entre os diversos serviços da rede de atenção.5,7-9

Assim, a adoção do PTS nos serviços poderá subsidiar o diálogo com a Atenção Básica, com as unidades de referência, com os serviços de emergência pré e pós-hospitalares refletindo na qualidade do cuidado prestado, trazendo benefícios para indivíduo e comunidade. Importante atentar-se para as necessidades das pessoas e seus projetos de vida, tendo como imagem objetivo a promoção da saúde mental com estímulo ao cuidado interdisciplinar, de forma resolutiva.5

Considerando a relevância da temática para qualificação do cuidado em saúde mental e para práticas de saúde da equipe multidisciplinar bem como a sua importância como ferramenta de trabalho para os profissionais, foi traçado como objetivo: analisar a percepção dos profissionais da saúde mental sobre a utilização do PTS.

 

MÉTODOS

Pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e exploratório realizada com profissionais que atuam nos serviços especializados de atendimento a saúde mental existentes no município de Ilhéus-Ba, Brasil. No município, a Rede de Atenção Psicossocial não possui todos os dispositivos exigidos, contando com Programas de Saúde da Família, Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CENTRO POP), três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): um CAPS II que atende adultos com transtornos psíquicos; um Centro de Atenção Psicossocial Infância e Adolescência (CAPSIA) para atendimento de crianças e adolescentes e um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad) para pessoas adultas que fazem uso abusivo de drogas, Serviços de Urgência e Emergência e um ambulatório que atende pessoas com transtorno psíquico em geral. No momento da realização desse estudo o CAPSad não estava em funcionamento.

Os dados foram coletados nos meses de novembro e dezembro de 2014, utilizando-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada composta por dois blocos de informações: dados sociodemográficos e questões sobre a temática de investigação. Ficou estabelecido que profissionais de nível médio fossem excluídos da pesquisa. Utilizou-se como critério de inclusão que o profissional possuísse nível superior e estivesse lotado em dos CAPS, com pelo menos um ano de atuação.

Foram entrevistados todos os profissionais de nível superior que atuavam nos CAPS, ambos com formação em Saúde Mental, composta pelas seguintes categorias: enfermeira, médico psiquiatra, médica pediatra, assistente social e psicóloga, totalizando seis profissionais. A idade dos participantes variou de 35 a 60 anos, com tempo de formação entre 08 e 30 anos e uma média de atuação de 06 anos na área de saúde mental.

Para a realização das entrevistas foi feito contato telefônico com os profissionais e agendado dia e horário para realização das mesmas. Cada entrevista teve duração média de 40 minutos sendo realizadas nos CAPS, em sala reservada e gravada em equipamento digital. O conteúdo foi transcrito na íntegra e submetido a leituras exaustivas possibilitando a identificação de elementos com similaridades de significados, os quais foram agrupados em categorias temáticas conforme as etapas da análise de conteúdo temática.10

O desenvolvimento da pesquisa se deu mediante a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Santa Cruz, em 12 de novembro de 2014, parecer 869.295. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em consonância com a resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, autorizando a sua participação voluntária. Buscando garantir o anonimato, os participantes foram identificados com a inicial P, seguida pela ordem numérica de realização da entrevista.

 

RESULTADOS

Os dados produzidos foram sistematizados e organizados em duas categorias temáticas, que permitiram maior entendimento da percepção dos profissionais acerca da utilização do PTS, quais sejam: 'Tecendo vantagens e facilidades na utilização do PTS'; 'Desafios na operacionalização do PTS' que serão apresentadas e discutidas abaixo.

Tecendo vantagens e facilidades na utilização do PTS

De modo geral, os profissionais ressaltaram vantagens na utilização do PTS, que estavam relacionadas ao trabalho em equipe e sua troca de saberes e aproximação com o usuário-família. O conteúdo das falas obtidas pelo PTS em função da interação facilitada entre usuário e família permite maior aproximação e conhecimento entre ambos, facilitando ações de intervenção de acordo com as necessidades estabelecidas pelos próprios usuários, resgatando a autoestima e as potencialidades dos sujeitos.

"... Com o PTS há possibilidade de perceber as necessidades na vida do usuário e da sua família que na unidade nós não conseguimos(...) É possível conhecer o contexto dos familiares e instituir o cuidado juntamente com o usuário, o que ele quer para ele". (P 1)

" Com o PTS você estabelece estratégias, organiza o atendimento daquela pessoa, percebe o problema nela, onde ela vive (...) estabelece metas e envolve setores como escola, fonoaudiologia, psicologia, família, comunidade, a depender da necessidade de cada um. É importante o trabalho em rede para favorecer sua inserção social e promover melhorias de vida". (P 2)

"(...)Uma das vantagens é conhecer a família, usuário, como ele age na realidade dele, suas qualidades, o que ele quer. Respeitamos a singularidade da pessoa que é inserida no PTS, seus desejos e interesses. Percebemos necessidades apresentadas na família para trabalhar essas questões, todos juntos. Isso facilita a organização e utilização do PTS". (P 3)

O trabalho em equipe confirmou a percepção dos profissionais de que o PTS funciona como articulador de trabalho e interação multidisciplinar.

"(...) Com o PTS se estabelece metas e ações a curto, médio e a longo prazo. O PTS tem que ser revisto, se o que foi planejado não der certo, tem que refazer e rever a proposta. Importante entender que não é um trabalho estanque, fixo e que precisa da participação da equipe". (P 2)

"A grande vantagem do uso do PTS é a equipe trabalhar junto na mesma direção, buscar uma melhora específica (...) A equipe multiprofissional poder elencar os alvos, objetivos e todo mundo conspirar para o alcance das metas, respeitar as singularidades de cada um, não colocar todo usuário no pacote e achar que todos são iguais" . (P 3)

"(...) Uma criança chegou aqui no CAPS com 2 anos e 8 meses com autismo. A equipe estava engatilhada e foi instituído o PTS dela, um projeto específico, porque ela não podia ficar todos os dias aqui. Depois de 2 anos nós vimos esse menino conseguir se comunicar, não oralmente, mas ele pedia para ir ao banheiro, conseguia abraçar, parou de usar fralda. Isso foi um ganho para a família e equipe". (P 5)

"(...) Trabalhar com PTS é positivo, quando a equipe percebe continuidade do cuidado, dar segmentos, você consegue retorno e melhora do quadro, sem o processo de internamento prolongado e manutenção das crises. Quando consegue reverter esta situação é um resultado positivo, sem a utilização rotineira de internamentos hospitalares e com controle no próprio CAPS". (P 6)

De acordo com relatos dos profissionais, o PTS tem ainda como vantagem o fato de favorecer a troca de saberes entre equipe-usuário-família, conforme os trechos que se seguem:

"O trabalho com o PTS gera novos aprendizados porque aprendemos com as pessoas doentes. Às vezes só vemos a doença e não enxergamos o potencial dos sujeitos. Quando vamos ao domicílio, conhecemos a família e trabalhamos em conjunto, todos aprendem e crescem (...)". (P 2)

"(...) Com a utilização do PTS temos uma visão holística, organizada, que associa o desempenho técnico e humano nas atividades desenvolvidas. Há a dignificação humana, pois não tratamos da doença, cuidados das pessoas e aprendemos com elas, os colegas e a família". (P 4)

"Aprendemos com a equipe, família, a pessoa doente. Quando cuidamos de pacientes com transtornos mentais (...) mudamos conceitos antigos, como o de ser louco, loucura. Isso revitaliza nossas práticas. Você deve singularizar a terapêutica, modificar conceitos de doença e olhar para o sujeito". (P 5)

O estudo revelou que a equipe mostra-se sensível às questões relacionadas à saúde mental, sobretudo no que concerne ao respeito, valorização e compreensão dos usuários e da sua família. Há compromisso quanto às suas possibilidades, interesses, história e projetos de vida. Isso constitui em facilidades para que, mesmo em situações consideradas adversas, haja a implantação do PTS e o exercício de uma clínica ampliada no processo de trabalho dos profissionais do CAPS.

Desafios na operacionalização do PTS

Embora os profissionais tenham ressaltado vantagens e facilidades na utilização do PTS para o cuidado às pessoas atendidas nos CAPS, evidenciam também que seu uso se constitui em um desafio diante de questões institucionais e de gestão que compreendem fatores de ordem estrutural e de recursos humanos, conforme relatos a seguir:

"(...) A dificuldade é tempo para reunião de equipe, pois não adianta ter o PTS e não discutir (...) Cada proposta decidida com a família do usuário, no caso da criança, precisa ser dialogada. Dar espaço para novas ideias conversar com a equipe. (...) Normalmente um profissional tem mais vínculo com a família, mas acho importante todos saberem como estão se desenvolvendo as ações(...)". (P 3)

"(...) A dificuldade com o PTS é a restrição de profissionais para te dar cobertura quando você precisa sair para acompanhar o desenvolvimento do PTS. Você sai e termina prejudicando o serviço na unidade. A rotatividade de profissionais é alta e as propostas discutidas nem sempre são implementadas". (P 6)

"(...) Uma dificuldade para acompanhar o PTS é a locomoção (o transporte) da equipe até a residência da família, pois a unidade não oferece. Nosso horário de trabalho não é flexível para realizar as visitas, fazer as atividades na casa do usuário. Utilizamos os nossos horários extras (...)". (P 1)

"Sabemos que o CAPS deveria ter um transporte, mas não tem. Falamos muito em clínica ampliada, mas não conseguimos fazer essa clínica ampliada, porque não podemos está na comunidade desse sujeito e trabalhar em rede com a atenção básica (...)". (P 2)

Além de fatores de cunho institucional que se apresentam como obstáculos à manutenção do uso do PTS pela equipe, questões de ordem relacionada ao usuário e a família são evidenciadas na fala dos profissionais. Quando as ações do PTS são instituídas no domicílio, na percepção dos profissionais, usuários e familiares tendem a reduzir a frequência nas unidades de atenção psicossocial para manter o acompanhamento:

"Um dos nossos desafios em usar o PTS é que percebo certo comodismo, pelo fato de o profissional estar desenvolvendo essa atividade na casa do usuário, há uma acomodação de não buscar o serviço. Eles requisitam muito da equipe que está neste projeto, mas não se envolvem com as atividades na unidade (...)". ( P1)

"(...) A dificuldade quando se trabalha com PTS é de realizar determinadas oficinas porque tem muitas mães que trabalham e não cumprem o que é marcado e essa família não vai até a unidade para participar do que é oferecido. É preciso sensibilização". (P 4)

Ao elencar os desafios que os profissionais externam quanto à instituição, acompanhamento e manutenção do PTS, é possível observar que são necessárias medidas conjuntas entre gestão, Rede de Atenção à Saúde, profissionais, usuários e familiares para que se ampliem as ações de cuidado em saúde.

 

DISCUSSÃO

O PTS como dispositivo de superação do cuidado tradicional medicamentoso se insere no cotidiano do trabalho das pessoas que participaram desse estudo e na percepção dessas, é um mecanismo utilizado para oferecer aos usuários outras formas de cuidar e de se auto-cuidar em saúde mental. Os entrevistados revelaram que as experiências exitosas com o PTS funcionaram como elemento motivador para a equipe. Supera-se a perspectiva unidisciplinar e fomenta-se a interdisciplinaridade.11

Para os participantes, o diálogo e participação do usuário e da família com a equipe multiprofissional favorecem a interlocução e alcance dos objetivos propostos no PTS, visando promover o cuidado permanente e compartilhado. Essa aproximação é fundamental para fortalecer ações para implementação do PTS, condutas de promoção da humanização da assistência, através da utilização de ferramentas centrais como acolhimento, vínculo, responsabilização e cuidado integral.11,12

De acordo com relatos dos profissionais, a equipe estabelece metas para o usuário e família e busca alcançá-las. Ao se instituir um PTS, é necessário que os profissionais entendam que as metas são traçadas pelo usuário e família e não pela equipe. Assim é possível exercer e incentivar a autonomia, com gestão compartilhada e pactuada para o cuidado singularizado.11,13

O trabalho em saúde mental requer o resgate da cidadania de usuários que sofrem processo de estigmatização e preconceitos. Salienta-se que a principal característica do PTS é atender as necessidades dos sujeitos e inseri-lo no processo de cuidado. A utilização dessa ferramenta contribui para a atuação multiprofissional, maior número de indivíduos atendidos, melhor adesão ao tratamento, inserção social sem danos, redução de crises.8 Isso resulta em menos necessidade dos usuários nos serviços de saúde proporcionando uma maior visibilidade da efetividade do PTS.8

Ademais, a operacionalização do PTS perpassa pela necessidade de compreender cada pessoa, suas subjetividades, singularidades e demandas evitando com que a equipe fragmente o cuidado e estabeleça metas para os profissionais e não para os usuários.14

A utilização do PTS favorece a troca de saberes entre usuários, família e toda a rede de atenção psicossocial que se organizam com objetivos comuns para proporcionar uma assistência na dimensão global e ampliada.6 Conforme ressaltado por Boccardo, et al.12 ao trabalhar com o PTS, é necessária uma equipe multiprofissional coesa com o intuito de melhorar a qualidade de vida e expandir a rede de relações sociais destes sujeitos, orientando a reorganização e articulada com a rede do cuidado.

Destaca-se nas falas dos entrevistados a importância da participação da equipe na execução do PTS como um elemento motivador e facilitador da produção do cuidado em saúde. Ações programáticas de qualidade e envolvimento da gestão como co-responsável na instrumentalização da equipe e do serviço são essenciais na efetividades das propostas estabelecidas.

Com base nos dados empíricos dessa pesquisa, o PTS é uma estratégia utilizada nos serviços substitutivos de assistência a saúde mental no intuito de favorecer a inter-relação e integração da equipe multiprofissional. Contribui para melhores resultados e fomenta a criação de vínculos entre equipe-usuário-família. Isso permite a promoção de um cuidado humanizado e o compartilhamento de saberes, modificações de condutas e alcance das metas propostas pelos usuários e familiares.7,8

Os entrevistados salientaram que é fundamental para o sucesso do PTS, o diálogo com a Atenção Básica pois fortalece o acompanhamento do PTS instituído, promove ações nos territórios dos usuários e familiares e permite o compartilhamento de ideias. Isso possibilita a concretização de uma clínica ampliada uma vez que a articulação entre a Atenção Básica e os CAPS são espaços de promoção da Saúde Mental.11,13

Na percepção dos participantes, situações como a falta de estrutura dos serviços, disponibilidade de tempo e necessidade de recursos humanos foram condições estruturais que dificultaram a implementação e manutenção do PTS na rotina do serviço. Pesquisa realizada com profissionais que atuam com o PTS, no Centro de Atenção Psicossocial Geral e Centro de Saúde da Família revelou que, para além de problemas de estrutura e recursos humanos, os principais desafios estavam relacionados com a dificuldade de organização das ações de saúde mental, a valorização da lógica de encaminhamentos, a centralidade das ações na figura do médico e a dependência do suporte da equipe especializada do CAPS.14

O estudo de Hori13 trouxe como obstáculos à operacionalização do PTS, a conformação da rede, que por vezes é um entrave ao diálogo e trabalho interdisciplinar devido à sua desarticulação; a falta de articulação dos recursos comunitários existentes com as condutas definidas pelas equipes e a restrição do pensar e do agir das equipes por valorização das especialidades. Um dado interessante trazido pela pesquisa supracitada foi que nas reuniões de equipes para elaboração e discussão do PTS de usuários, apesar do número expressivo de profissionais de diferentes áreas, tal situação não foi suficiente para qualificar as discussões.

Pesquisa realizada por Diniz,11 no município de São Paulo, apontou que a relação de terceirização dos profissionais ocasionava uma alta rotatividade, fato que repercutia na qualidade e continuidade do cuidado aos usuários porque fragilizava os vínculos e interferia nos processos decisórios. A falta de recursos humanos e materiais geraram sobrecarga de trabalho, dificuldades para a realização de visitas domiciliares, para intervenções e acompanhamento do usuário e da família.7,15

Outro desafio no tocante a utilização do PTS, diz respeito a redução da presença do usuário-família na unidade de saúde em virtude da visita do profissional no domicílio para o acompanhamento do PTS. Cumpre-se salientar que um dos grandes desafios das equipes do CAPS é levar os usuários a se inserirem no contexto social e se tornarem cada vez mais independentes do serviço.2 O resultado desse estudo denota que faltou maior compreensão dos profissionais acerca do PTS como uma estratégia que contribui para que usuário e família possam viver melhor, sem que para isso tenham que estar diariamente no CAPS.

Dentre os principais objetivos alcançados pelo PTS, destaca-se o resgate à cidadania de usuários. Assim, toda a equipe deve ter compreensão de que quanto menos o usuário e família precisam dos serviços oferecidos no CAPS, mais efetivas estão sendo as ações implementadas pelo PTS.12

Na fala dos profissionais, uma das dificuldades elencadas na utilização e acompanhamento do PTS foi a ausência do usuário/familiar nas oficinas agendadas e organizadas pela equipe. O PTS deve ser elaborado com o usuário, de acordo com as suas demandas e possibilidades, incentivando-o e permitindo sua participação em todos os processos. Dessa maneira, infere-se que a realização de oficinas não se configurava como uma estratégia adequada para o usuário em questão.2

Mesmo com as dificuldades e facilidades elencadas pelos profissionais, foi possível apreender que o PTS tem sido parte das atividades desenvolvidas nos CAPS do município estudado. Ainda que os obstáculos se apresentem nos serviços, as atitudes proativas de construção de relações de confiança e vínculos entre equipe, usuários e familiares tem sido uma conquista e uma alternativa positiva, fortalecendo a troca de saberes e mudanças nas práticas.

É importante compreender que a construção de um PTS precisa ser pensada pelo usuário e família, favorecendo a participação da pessoa com transtorno mental, dos familiares, da rede social e da equipe. É necessária a atuação integrada, contínua e negociada com ações que gerem autonomia, estimulem o protagonismo, inclusão social e cuidado usuário-centrado, com a possibilidade de melhor qualificação do cuidado.

Em conclusão, Ao analisar a percepção dos profissionais em relação ao PTS, foi possível apreender que essa estratégia amplia o sentido do cuidado, enfatiza a participação da equipe multiprofissional, melhora a qualidade de vida e reforça as potencialidades dos sujeitos. O PTS possibilita o exercício da autonomia e resgate da cidadania, através do planejamento de ações que atendam aos desejos que são traçados pelo usuário e família.

O estudo apontou que é importante a reorganização dos serviços para o atendimento de qualidade, maior articulação com Atenção Básica e adoção de medidas que garantam as condições necessárias para a implementação, acompanhamento e continuidade do PTS.

Os resultados evidenciam que PTS se mostra como uma possibilidade de mudança do paradigma biomédico, contudo torna-se necessário a estruturação de serviços, a composição de equipes multiprofissionais com maior envolvimento de familiares e usuários. Ademais, é necessária a inclusão da temática na formação e nas atividades de capacitação dos profissionais em serviços como estratégia inovadora de cuidado na área de saúde mental.

Os achados desse estudo estão limitados a um município, porém houve o cuidado na escolha dos participantes em considerar a heterogeneidade e atuação em todos os serviços da rede especializada de Saúde Mental. Isso pode subsidiar um maior alcance do que se constitui a percepção do PTS, expansão de pesquisas sobre o tema, mudanças nas práticas cotidianas de cuidado em saúde mental, diálogo na perspectiva da interdisciplinaridade, intersetorialidade e humanização.

No tocante à Enfermagem, esse estudo torna-se importante uma vez que poderá contribuir para novas reflexões sobre o cuidado em saúde mental, com a elaboração de estratégias de ação que tenham como eixo condutor, a promoção da saúde e o trabalho em rede. É indispensável ainda o alcance das instituições formadoras em saúde e educação, para a elaboração de projetos de ensino, que envolvam profissionais, serviços, usuários, familiares e gestores e favoreçam a elaboração de pesquisas e ações que potencializem todos os atores implicados na consolidação do PTS e fortalecimento de práticas inovadoras no cuidado em saúde mental.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS.Clínica ampliada e compartilhada. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

2. Carvalho LGP, Moreira MDS, Rézio LA, Teixeira NZF. A construção de um Projeto Terapêutico Singular com usuário e família: potencialidades e limitações. O mundo da saúde. [Internet]. 2012. Dez [citado 2015 Fev 18];36(3):521-5. Disponível em: www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/95/15.pdf

3. Barros JO. A construção de projetos terapêuticos no campo da saúde mental: apontamentos acerca das novas tecnologias de cuidado [Dissertação]. São Paulo:Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; [Internet]. 2010. Dez [citado 2015 Fev 18]. Disponível em: www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5163/tde-21092010-093913

4. Leonidio ACR, Lemos EC, Silva PPC, Freitas CMSM. O profissional de Educação Física no Centro de Atenção Psicossocial: percepção dos limites e potencialidades no processo de trabalho. Pesquisas e Práticas Psicossociais. 2014;8(2):157-65.

5. Cadore C, Beck CL. O Processo Terapêutico em um CAPSad: a visão dos trabalhadores. IV Jornada de Pesquisa em Psicologia: desafios atuais nas práticas da Psicologia, 25 e 26 de novembro; Santa Cruz do Sul. Rio Grande do Sul: UNISC; 2011.

6. Oliveira WF, Amarante PDC. A brief history of the movement for psichiatric reform in Brazil contextualizing the concept of deinstitutionalization. Saúde em Debate [Internet]. 2011 abr/jun [citado 2015 Fev 18];34(85):587-96. Disponível em: www.bvsalud.org/portal/resource/pt/his-29881

7. Alfing CES, Stumm EMF, Ubessi LD, Callegaro CC, Houssaini MLTissot-Squalli. Análise das atividades desenvolvidas por mulheres depressivas assistidas em um serviço de saúde mental. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental. 2013;(10):29-36.

8. Pinto DM, Jorge MSB, Pinto AGA, Vasconcelos MGF, Cavalcante CM, Flores AZT, et al. Individual therapeutic project in an integral production of care: a collective construction. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set;20(3):302-493.

9. Chiaverini DH. (Org.). Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental. Brasília: Ministério da Saúde: Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva; 2011.

10. Bardin L. Análise de Conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70; 2011.

11. Diniz AM. Projeto terapêutico Singular de usuários da Atenção Básica e Psicossocial: resolubilidade, co-responsabilização, autonomia e cuidados [Dissertação]. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, Curso de Mestrado acadêmico em Saúde pública; 2013.

12. Boccardo ACS, Zane FC, Rodrigues S, Mângia EF. O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo. [Internet]. 2011 Jan-Abr [citado 2015 Fev 18];22(1):85-92. Disponível em: www.sites.multiweb.ufsm.br/residencia/images/Materiais/PTS.pdf

13. Hori AA, Nascimento AF. O Projeto Terapêutico Singular e as práticas de saúde mental nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) em Guarulhos (SP), Brasil. Ciência& Saúde Coletiva. 2014 Ago;19(8):3561-71.

14. Jorge MSB, Diniz AM, Lima LL, Penha JC. Apoio Matricial, Projeto Terapêutico Singular e Produção do Cuidado em Saúde Mental. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2015 Jan-Mar [citado 2015 Fev 18];24(1):112-20. Disponível em: www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/pt_0104-0707-tce-24-01-00112.pdf

15. Fiorati RC, Saeki T. Projeto Terapêutico nos Serviços Extra-Hospitalares de Saúde Mental: uma reflexão crítica sobre a forma de elaboração e gestão dos projetos terapêuticos nos serviços. Saúde Soc. 2012 Jul-Set;21(3):587-98.

 

 

Recibido: 2015-11-16.
Aprobado: 2016-02-18.

 

 

Dejeane de Oliveira Silva. Universidade Estadual de Santa Cruz, Universidade federal da Bahia. Dirección electrónica: dejeanebarros@yahoo.com.br

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons