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Revista Cubana de Enfermería

Print version ISSN 0864-0319On-line version ISSN 1561-2961

Rev Cubana Enfermer vol.35 no.1 Ciudad de la Habana Jan.-Mar. 2019  Epub July 30, 2019

 

Artículo original

Possibilidades para a integralidade do cuidado da criança na atenção básica

Posibilidades para la integralidad de la atención del niño en la atención primaria

Possibilities for the Integrality of Care the Child in Primary Care

Augusto Cezar Antunes de Araujo Filho1  * 
http://orcid.org/0000-0002-3998-2334

Silvana Santiago da Rocha1 
http://orcid.org/0000-0002-1325-9631

Márcia Teles de Oliveira Gouveia1 
http://orcid.org/0000-0002-2401-4947

1Universidade Federal do Piauí. Teresina, Piauí, Brasil.

RESUMO

Introdução:

A atenção à saúde da criança compreende ações de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos, a qual busca reduzir a mortalidade infantil e, sobretudo, proporcionar qualidade de vida a essa população, através do cuidado integral e de qualidade.

Objetivo:

Analisar como os enfermeiros da estratégia Saúde da Família desenvolvem a integralidade do cuidado na consulta de enfermagem à criança.

Métodos:

Estudo descritivo, qualitativo, realizado em janeiro e abril de 2015 por meio da técnica de entrevista para a coleta de dados. Participaram 14 enfermeiras da atenção básica de Teresina-PI. Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de análise do conteúdo.

Resultados:

A integralidade é entendida como o olhar para a totalidade do ser, como o cuidado prestado ao indivíduo observando o seu contexto e compartilhado com outros profissionais de diversos níveis de atenção. Além disso, observou-se que alguns problemas dificultam o desenvolvimento da integralidade do cuidado à criança na atenção básica.

Conclusão:

A integralidade do cuidado beneficia e qualifica a assistência prestada à criança, produzindo ações de saúde embasadas em linhas de cuidado.

Palavras chave: Saúde da criança; atenção primária à saúde; integralidade em saúde; enfermagem

RESUMEN

Introducción:

La atención a la salud del niño abarca acciones de promoción de salud y prevención de enfermedades, la cual busca reducir la mortalidad infantil y, sobre todo, proporcionar calidad de vida a esa población a través de una atención integral y de calidad.

Objetivo:

Analizar la forma en que las enfermeras de la Estrategia de Salud Familiar desarrollan la integralidad de la atención durante la consulta de enfermería al niño.

Métodos:

Estudio descriptivo, cualitativo, efectuado entre enero y abril de 2015, por medio de la técnica de entrevista para recopilar los datos. Los participantes fueron 14 enfermeras de la atención primaria de Teresina-PI. Para el análisis de los datos, se utilizó la técnica de análisis de contenido.

Resultados:

La integralidad se entiende como una mirada hacia la totalidad del ser, como la atención dispensada a la persona, observando su contexto y compartida con otros profesionales de diferentes niveles de atención. Se observó que algunos problemas obstaculizaban el desarrollo de la integralidad de la atención del niño en el ámbito de la atención primaria.

Conclusión:

La integralidad de la atención beneficia y califica la asistencia ofrecida al niño, produciendo acciones de salud basadas en las líneas de atención.

Palabras clave: Salud del niño; atención primaria de salud; integralidad en salud; enfermería

ABSTRACT

Introduction:

Child healthcare includes actions for health promotion and prevention of diseases and grievances, which seeks to reduce infant mortality and, above all, provide quality of life to that population through comprehensive and high quality care.

Objective:

To analyze the way in which the nurses of the Family Health Strategy develop comprehensive care during the nursing consultation to the child.

Methods:

Descriptive, qualitative study carried out between January and April 2015, using the interview technique for fathering the data. The participants were 14 primary care nurses from Teresina-PI. For the analysis of the data, the content analysis technique was used.

Results:

Comprehensive care is understood as a look towards the totality of being, as the attention given to the person considering context and shared with other professionals of different levels of healthcare. In addition, it was noted that some problems impeded the development of comprehensive child care in the primary care scenario.

Conclusion:

Comprehensive care benefits and qualifies the assistance offered to the child, producing health actions based on the care guidelines.

Keywords: Child health; primary healthcare; comprehensive healthcare; nursing

INTRODUÇÃO

Na antiguidade e Idade Média a infância não era reconhecida como uma fase peculiar do desenvolvimento humano, sendo as crianças visualizadas como adultos pequenos, em que suas necessidades peculiares não eram vislumbradas. No entanto, com o passar dos anos, a criança começou a ser vista socialmente com as particularidades significativas desta fase, e a ser reconhecida como um indivíduo biopsicossocial.1

No que diz respeito à assistência à saúde infantil no Brasil, esta vem passando por diversas alterações, retendo influências de períodos históricos, dos progressos do conhecimento técnico-científico, das diretrizes das políticas sociais e do envolvimento de vários agentes e segmentos da sociedade.2 A atenção à saúde da criança compreende ações de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos, a qual busca reduzir a mortalidade infantil e, sobretudo, proporcionar qualidade de vida a essa população, através do cuidado integral e de qualidade.3

Entende-se que para o cuidado ser integral, neste período, deve-se considerar a multidimensionalidade da criança, considerando suas múltiplas relações, sobretudo com a família. Além disso, deve ser valorizado o seu contexto de vida, com o intuito de reconhecer as necessidades da mesma e de sua família, e, com isso, solucioná-las. Neste sentido, torna-se essencial que aconteça um remodelamento das práticas de saúde, que necessitam ser fortalecidas através da atuação dos profissionais a fim de proporcionar a corresponsabilização do cuidado.4

Por isso a integralidade é vista como um grande desafio no Brasil, pois se faz necessária a ruptura com o modelo assistencial vigente e a construção de um cuidado centrado nas necessidades dos indivíduos.5 Diante disso, este estudo teve como objetivo analisar como os enfermeiros da estratégia Saúde da Família desenvolvem a integralidade do cuidado na consulta de enfermagem à criança em Teresina-PI.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa. O estudo foi realizado em Teresina-PI. Atualmente o município possui 262 equipes de atenção básica, das quais 239 são equipes de saúde da família com saúde bucal, 21 equipes de saúde da família e 2 equipes de agentes comunitários de saúde. Tais equipes encontram-se distribuídas em três Coordenadorias Regionais de Saúde: a Sul, a Leste/Sudeste e a Centro/Norte. Cada coordenadoria conta com uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família.

A Coordenadoria Regional de Saúde Centro/Norte foi elencada, através de sorteio, para compor o local de investigação, a qual possui 76 Equipes de Saúde da Família (ESF) na zona urbana e seis na zona rural, dispostas em 28 Unidades Básicas de Saúde (Centros de Saúde), das quais 22 encontram-se em área urbana e seis em área rural, sendo incluídas no estudo apenas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) da zona urbana, visto a dificuldade de acesso às da zona rural. Foram utilizadas oito das 22 UBS de zona urbana da coordenadoria citada, as quais se encontram em bairros afligidos por problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas, violência e pobreza. Ademais, utilizou-se 14 das 76 ESF dispostas em área urbana.

Os participantes da pesquisa foram 14 enfermeiras que atuam nas UBS referidas. Como critério de inclusão foi estabelecido ter, no mínimo, seis meses de atuação na estratégia Saúde da Família (eSF), pois a partir desse período o profissional já possui vivência suficiente nas atividades desempenhadas junto à saúde da criança e, portanto, pode discorrer sobre a temática. Além disso, foram considerados apenas os pertencentes ao quadro ativo de funcionários no momento da coleta de dados, excluindo-se os que estavam afastados por férias, licença médica ou licença sem vencimento. Também foram excluídos os que não atuavam em atividades assistenciais diretas e relacionadas com o cuidado à criança, bem como os profissionais não efetivos.

A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a abril de 2015, por meio de entrevista semiestruturada, pelo próprio pesquisador e foram gravadas, após anuência dos participantes. Em seguida foram transcritas, preservando-se a fidedignidade das informações, sendo identificadas pela palavra depoente e sequenciadas por números (Depoente 01...), a fim de preservar a identidade dos participantes. A análise dos dados se deu através da técnica de análise de conteúdo seguindo-se as etapas de pré-análise, exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados, inferência e interpretação.6

O estudo foi aprovado pela Fundação Municipal de Saúde de Teresina e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí com o Parecer nº 912.160. Ressalta-se que o desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

Dos 14 profissionais entrevistados, todos eram do sexo feminino. A idade variou entre 26 e 60 anos, e, no que se refere ao tempo de graduação, o período variou entre 4 e 33 anos. Quanto ao tempo de serviço na estratégia Saúde da Família houve variação entre 2 e 17 anos. Quando questionadas acerca de possuírem alguma capacitação específica na atenção à saúde da criança, oito enfermeiras relataram que não possuíam. Ressalta-se, ainda, que 10 participantes possuem algum tipo de pós-graduação em saúde da família e/ou saúde pública.

A partir dos discursos das participantes e através da análise cuidadosa dos conteúdos expressados pelas enfermeiras foi possível elaborar as seguintes categorias: “A integralidade do cuidado na atenção básica”; “Estratégias para o desenvolvimento da integralidade do cuidado à criança”; “Dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento da integralidade na saúde da criança”.

A integralidade do cuidado na atenção básica

Pela dimensão e polissemia, peculiares da integralidade do cuidado, que foram constatadas nas falas, esta categoria, que tem o intuito de revelar os significados e concepções das enfermeiras foi dividida em três subcategorias. É relevante destacar que elas expressaram, em seus discursos, a integralidade do cuidado, principalmente, como o olhar para a totalidade do ser, seguida da ideia de integralidade como o cuidado compartilhado com outros profissionais e, por fim, como o cuidado no contexto de inserção do indivíduo.

Subcategoria 1: Como o olhar para a totalidade do ser

As concepções de integralidade do cuidado apontaram para uma mudança do olhar, em que o indivíduo é considerado em sua totalidade, como o olhar para a multidimensionalidade do ser, ou seja, uma oposição à visão reducionista do ser, em que o indivíduo é percebido como sujeito e não como objeto do cuidado. Além disso, a integralidade é vista como forma de identificar e compreender as necessidades das crianças com a finalidade de propiciar uma atenção mais singular e resolutiva.

Você vai ver a criança de uma forma mais generalizada, né, você não vai ver a criança como, às vezes, um especialista vê, só o ouvido, só o nariz, você vê ela de uma forma integral (Depoente 14).

Subcategoria 2: Como o cuidado no contexto de inserção do indivíduo

O ambiente e a relação da criança com a família e a comunidade foram pontos destacados como tentativa de conseguir absorver a realidade na qual a criança vive e, com isso, fornecer uma assistência mais precisa. Há uma preocupação em atentar para as necessidades e orientar a família diante delas, e não somente avaliar a criança. A inclusão dos pais e da família no cuidado ofertado, e a tentativa de visualizar as questões familiares foram relacionadas como integralidade, pois se entende que os pais e familiares são os responsáveis pela continuidade do cuidado no domicílio.

Porque a integralidade a gente tem que considerar o ambiente em que a criança vive (Depoente 07). É você ver a criança ali, desde o seu convívio na comunidade, com os pais, a situação de saúde, de saneamento básico da casa, de escola (Depoente 09).

Subcategoria 3: Como o cuidado compartilhado entre profissionais

Ficou evidenciada a importância da inclusão de todos os profissionais envolvidos no cuidar para a promoção de uma atenção mais integral, individualizada e de qualidade. A integração entre os profissionais da atenção básica é fundamental para que a integralidade do cuidado aconteça, ou seja, foi compreendida como uma forma de cuidado compartilhado, em que existe a necessidade de uma diversidade de olhares voltados ao indivíduo. Observou-se ainda uma exaltação ao trabalho em equipe, que busca um diálogo entre todos os profissionais envolvidos no processo do cuidar. Além disso, a integralidade foi conjecturada como a necessidade da articulação da atenção primária com os outros níveis de atenção à saúde visando a resolutividade das necessidades das crianças.

Quando a gente vê que não dá, a gente encaminha e fica fazendo aquele acompanhamento junto com a especialista, por exemplo (Depoente 03). Mensalmente a gente faz a reunião enfermeiro, médico, dentista e agente de saúde pra gente discutir algumas questões que não conseguem ser resolvidas, que eu não consigo resolver só com o agente de saúde (Depoente 06).

Estratégias para o desenvolvimento da integralidade do cuidado à criança

Através da análise pode-se compreender que as enfermeiras baseiam o cuidado integral prestado às crianças, principalmente, nas linhas de cuidado, propostas pela Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e Redução da Mortalidade Infantil. Entretanto, apesar de embasarem seu cuidado nesta proposta, nem todas as enfermeiras contemplaram em seus discursos todas as linhas de cuidado. Algumas dessas linhas tiveram maior representatividade como estratégias para o desenvolvimento da integralidade do cuidado à criança na atenção básica, dentro do contexto analisado, que foram as voltadas à atenção à gestante e ao recém-nascido; ao aleitamento materno; ao acompanhamento do crescimento e desenvolvimento; alimentação saudável; imunização; e atenção à saúde bucal. Diante disso, os resultados desta categoria serão apresentados levando em consideração as que tiveram maior frequência nos depoimentos.

Com a finalidade de proporcionar uma atenção integral, observaram-se esforços para humanizar e qualificar a atenção à gestante, pois procuram desenvolver um cuidado precoce às gestantes e o suprimento de suas necessidades, realizando exames de pré-natal e ações de promoção e prevenção da saúde o mais rápido possível, visando uma melhoria na assistência à saúde materno-infantil e, portanto, nos indicadores de saúde.

Todas as gestantes da minha área, a não ser que o agente não me diga, mas a gente tenta captar o mais rápido essa gestante, se ela chega aqui, uma gestante, mesmo que seja em um dia de quarta-feira, que não seja atendimento, eu já procuro dar início os exames dela, eu já procuro atender, eu não deixo pra depois, eu procuro orientar essa gestante desde o início (Depoente 03).

O cuidado integral à criança tem início no pré-natal, em que ações de caráter preventivo com vistas à saúde da criança são desenvolvidas, ou seja, a consulta de pré-natal consiste em um momento de aquisição ou troca de conhecimentos, no qual a enfermeira busca orientar a gestante quanto aos cuidados com o recém-nascido.

Desde o pré-natal, porque a gente já vai orientar a mãe como cuidar da criança, como, o quê que a criança na hora que nasce, como é que ela vai se apresentar, tem que dar na primeira hora o aleitamento materno, tem que botar pra mamar, tem que orientar a mãe desde o início os cuidados com o umbigo, com a questão porque dessa amamentação, com a questão da higiene, então pelo pré-natal a gente já começa essa orientação (Depoente 03).

A visita puerperal foi destacada como ponto importante para promover a atenção integral à saúde do recém-nascido. O cuidado, neste momento, encontra-se relacionado, principalmente, às orientações sobre os cuidados com o RN que são dispensadas à mãe. Ademais, a primeira semana de saúde integral tem como objetivo promover uma melhor atenção ao recém-nascido, à mãe e à família, visando reduzir a morbimortalidade materno-infantil. Apesar disso, poucas enfermeiras referiram abordar acerca da triagem neonatal.

A gente faz a visita do puerpério e durante essa visita a gente já começa o cuidado integral à criança, quando a gente pede o cartão de vacina, que a gente olha a caderneta da criança e a gente vê o peso, vê se nasceu normopeso, se nasceu de baixo peso, vê essa questão da altura, do índice de Apgar, vê também a questão do perímetro cefálico, crescimento e desenvolvimento da criança, questão de vacinas, questão do cuidado com o coto umbilical, aleitamento materno, higiene da criança (Depoente 14).

O aleitamento materno exclusivo (AME) é estimulado desde o pré-natal, com o intuito de proporcionar uma boa qualidade de vida às crianças, incentivando e orientando quanto à importância e aos benefícios do AME. Existe, ainda, uma preocupação com questões relacionadas à introdução de outros alimentos, a qual deve ser trabalhada com as mães, através de orientações, a fim de proporcionar uma alimentação saudável às crianças.

Dou muita ênfase nessa questão do aleitamento materno exclusivo sendo prioritário. E se for menor de seis meses, como eu falei, a gente orienta o aleitamento materno exclusivo, não dê água, não dê nada, porque o melhor alimento que previne até a questão de doenças é o seu leite (Depoente 13).

A vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil foi destacada como ponto fundamental para alcançar a integralidade do cuidado, em que as profissionais procuram observar se a criança está dentro dos padrões por meio da verificação das medidas antropométricas. Ademais, a fim de promover o crescimento e desenvolvimento saudável, abordam aspectos relacionados à amamentação, à higiene, à vacinação, aos cuidados com o bebê, por meio de ações de promoção e prevenção da saúde infantil.

Eu considero que atender a criança com integralidade seria ver o crescimento, como é que essa criança tá realmente se desenvolvendo, como é que tá o seu peso, como é que tá a sua altura, se tá de acordo com sua idade (Depoente 06).

A saúde bucal foi destacada pelas enfermeiras, que ao perceberem uma higiene precária e problemas relacionados à saúde bucal, encaminham as crianças ao dentista, com a finalidade de proporcionar um cuidado mais integral. A vacinação das crianças ganhou destaque do mesmo modo, pois é compreendida como uma ação que influencia diretamente na melhoria da saúde infantil, porque minimizam as doenças imunopreveníveis.

Toda consulta, eu ou ela [a médica] avalia a situação da higiene oral, tá precária, já encaminha direto pra dentista, a gente já tem uma marcação direta (Depoente 11). A gente orienta que não pode deixar de vacinar porque as vacinas são pra precaver doenças, então, pra criança adquirir resistência (Depoente 13).

O Programa Saúde na Escola foi enfatizado como parte do cotidiano de trabalho com vistas a proporcionar a integralidade do cuidado, através da expansão de ações de saúde à criança para além dos muros da unidade básica.

E o que eu vejo dentro da unidade, às vezes eu gosto de botar também fora. Como a gente tem a parceria também, né? Porque foi introduzido pelo Ministério o PSE, o Programa Saúde na Escola, então eu também faço esse trabalho com creches (Depoente 13).

Dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento da integralidade na saúde da criança

Algumas dificuldades foram elencadas, como: a infraestrutura inadequada das unidades básicas de saúde; a indisponibilidade de recursos materiais e déficit de recursos humanos; e a falta de treinamentos específicos para a saúde da criança. Assim como, questões relacionadas à articulação da rede de atenção à saúde da criança; o contexto cultural das mães e da família; e a não implantação da Sistematização da Assistência de Enfermagem na atenção básica. Entretanto, as enfermeiras destacaram que apesar de existirem vários problemas que afetam o desenvolvimento de ações voltadas à atenção integral à criança, elas sempre buscam proporcionar a melhor assistência possível às crianças e dar continuidade ao cuidado.

Tem semana que tem carro pra ir visitar, tem semana que não tem, o bebê que nasce naquela semana ele já perde essa visita (Depoente 02). A própria estrutura física também deixa a desejar, às vezes, até a questão da individualidade do paciente, né, ele chega, é uma porta que não tem chave pra você fechar, pra você avaliar bem essa mãe e essa criança. Então, essa questão da referência e da contrarreferência, ela ainda é um ponto negativo pra criança. Essa questão do umbigo, ainda tem muita questão que ela diz “não, mas foi minha avó que pediu pra botar o fumo no umbigo, porque estava sangrando” (Depoente 04). Agora mesmo tão suspensas as puericulturas, porque você tá vendo, a gente tá aqui num quintal, né? Não tem consultório (Depoente 10). As dificuldades que a gente tem é recursos humanos, por exemplo, a equipe deveria ser maior, com psicopedagogo, com psicólogo, com fisioterapeuta na área [da UBS] (Depoente 05). Assim, treinamento que a gente não tem, você aprende no dia-a-dia. A gente sai da faculdade muito bruto, e a fundação não prepara pra atender especificamente saúde da criança. Falta muito material, falta vacina, semana passada a gente tava sem vacina. Então, às vezes, isso dificulta um pouco manter essa integralidade (Depoente 11). E a gente ainda não tem a SAE implantada na atenção básica, né, é um ponto negativo (Depoente 08). O que a gente tem deficiência ainda, que a gente já tentou ver se a gente implanta, a SAE aqui dentro, né, que é uma dificuldade (Depoente 14).

DISCUSSÃO

Os depoimentos evidenciaram que o conceito da integralidade versa através do reconhecimento do indivíduo como um ser biopsicossocial, considerando a sua multidimensionalidade, vislumbrando o seu contexto de inserção e, além disso, compartilhando esse cuidado com os outros profissionais que atuam na atenção básica. Assim, compreende-se que essa percepção acerca do indivíduo produz um cuidado mais específico e individualizado e anula, por conseguinte, a prática do cuidado fragmentado, tornando a assistência mais integral.

A integralidade surge com a finalidade de proporcionar mudanças nas práticas de saúde, a fim de produzir um cuidado mais centrado no usuário e nas suas necessidades, distanciando, assim, a visão reducionista do ser.7 Quando o contexto em que a criança e sua família estão inseridas é observado pela equipe de saúde, os profissionais encontram condições favoráveis para analisar as necessidades e vulnerabilidades que os indivíduos possuem. Tal fato oportuniza a realização de um diagnóstico situacional e, consequentemente, a definição de um plano terapêutico que atenda às singularidades dos indivíduos. Isto favorece a integralidade do cuidado infantil, visto que o planejamento e execução de um cuidado integral abrangem as reais necessidades de saúde da criança.3,8,5

A integralidade conforme preconiza o Sistema Único de Saúde não é responsabilidade de apenas um profissional ou serviço de saúde, mas tem como princípios: o trabalho em rede, a escuta às necessidades das pessoas, a adoção de medidas resolutivas e o vínculo com responsabilidade social com a população.9) Destarte, compreende-se que para a construção de um cuidado integral é necessário o trabalho multiprofissional e interdisciplinar, o qual favoreça a comunicação, integração e articulação entre os profissionais através de um projeto de cuidado compartilhado por todos os envolvidos.10,5

As ações de cuidado prestadas à saúde da criança na atenção básica devem ser norteadas pela integralidade, pois, a partir disso, o profissional terá meios para resolver os problemas de saúde das crianças.11 Assim, entende-se que para cuidar integralmente deve haver uma mudança paradigmática nas práticas de saúde, em que as necessidades de crescimento e desenvolvimento da criança devem ser atendidas, e não somente a doença.

Verificou-se que, na assistência à criança na atenção básica, os profissionais utilizam estratégias que oportunizam o desenvolvimento da integralidade do cuidado, às quais consideram as linhas de cuidado propostas pelo Ministério da Saúde.12 No que diz respeito à integralidade, verificou-se que os eixos principais de atenção à criança estão sendo realizadas pelas enfermeiras no cotidiano assistencial das unidades básicas de saúde, os quais compreendem ações de atenção ao parto e puerpério; cuidados com o recém-nascido (RN); acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil; aleitamento materno; triagem neonatal; doenças prevalentes na infância e atividades de saúde coletiva em instituições de educação infantil.

As ações voltadas ao pré-natal ganharam destaque nos discursos, pois compreende-se que é importante que o enfermeiro desenvolva ações com o intuito de prevenir, identificar e/ou solucionar as necessidades e intercorrências materno-fetais, bem como orientar a gestante em relação à gravidez, parto, puerpério e cuidados com o recém-nascido. Assim, este estudo corrobora com um realizado em Londrina (PR), em que ações de prevenção referentes à saúde da criança são desenvolvidas desde a consulta de pré-natal, na qual a gestante é orientada sobre os cuidados com o RN.10

Ações de incentivo ao aleitamento materno, vacinação, realização do teste do pezinho e avaliação de riscos em relação à saúde do bebê são realizadas pelas enfermeiras, conforme verificado nos discursos. Tal fato é preconizado pelo Ministério da Saúde através da “Primeira Semana: saúde integral”, a qual possui a finalidade de realizar uma abordagem ampla da mãe e do bebê uma semana após o parto.13 Com esse objetivo, a visita domiciliar foi destacada como importante instrumento para o desenvolvimento da atenção integral, pois constitui um espaço que aproxima o profissional da criança e de sua família, e, ainda, favorece a compreensão do processo saúde-doença e de seus determinantes de saúde.10,13

No cuidado à criança, ações assistenciais e educativas devem ser desenvolvidas pelos enfermeiros, pois medidas de promoção, proteção e recuperação da saúde nos primeiros anos de vida da criança são consideradas fundamentais para a redução da mortalidade e ocorrência do crescimento infantil adequado.10,13 Tais práticas foram evidenciadas neste estudo, dentre elas destacam-se as ações voltadas à promoção do nascimento, crescimento e desenvolvimento saudáveis, imunização, aleitamento materno e alimentação saudável.

As ações de promoção da amamentação são prioritárias no acompanhamento da criança, pois a amamentação exclusiva até os seis meses e complementada com alimentos apropriados até os dois anos de idade, ou mais, possui diversos benefícios comprovados cientificamente, tanto para a mãe quanto para o bebê. Com relação à saúde infantil, possui impactos positivos sobre o crescimento e desenvolvimento, prevenindo doenças na infância e idade adulta. Torna-se essencial a abordagem dessa temática durante as consultas e as visitas domiciliares, sendo esta uma ação iniciada desde o pré-natal.10,13

Essas ações de educação e promoção da saúde devem ser consideradas como atividades imperativas do enfermeiro, bem como dos demais membros da equipe, pois contribuem para a redução das iniquidades e condiciona a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, através da transmissão de conhecimentos por meio de orientações.8,14,15 Portanto, considera-se fundamental empoderar a mãe e os familiares no sentido de promover a corresponsabilização do cuidado à criança, com a finalidade de desenvolver a melhoria do cuidado ao seu filho,14 pois as orientações realizadas pelos profissionais possuem a capacidade de promover mudanças tanto individuais como coletivas, em relação à promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida, bem como à prevenção de agravos e doenças.

Algumas dificuldades foram evidenciadas nos discursos como pontos que interferem na produção do cuidado integral. Sabe-se que para existir uma assistência de qualidade é necessário que os profissionais tenham acesso a uma estrutura adequada, as quais abrangem área física e instalações. Além disso, é importante possuir materiais, equipamentos para a realização da atenção e, ainda, que o número de profissionais seja compatível com a realidade da unidade de saúde.3

As mudanças propostas pelo novo modelo de atenção abarcam diversos pontos, sendo imprescindível a disposição de recursos físicos e estruturais. Assim, entende-se que é necessária uma infraestrutura física adequada a fim de possibilitar eficiência na prestação de ações e serviços de saúde, bem como a disponibilidade de materiais fundamentais, visto que a insuficiência destes recursos torna a produção do cuidado na atenção básica prejudicada. Ademais, quando existem deficiências em relação à disponibilidade de transporte, equipamentos e profissionais, observa-se essa interferência na produção do cuidado.7,16

Para um cuidado pautado na integralidade é necessário que exista uma rede hierarquizada de cuidados com profissionais e serviços da atenção básica e de outros níveis de atenção. A ausência de articulação entre o serviço de referência e contrarreferência ocasiona prejuízos à continuidade da assistência, visto que impossibilita a comunicação entre os serviços de saúde em seus diferentes níveis de atenção.17 Além disso, para que a integralidade do cuidado venha a se estabelecer nas práticas de saúde a educação permanente da equipe de saúde da atenção básica deve ser contínua,3 proporcionando, sobretudo, a reflexão dos profissionais para mudanças nas práticas de saúde.

Em conclusão, a integralidade do cuidado beneficia e qualifica a assistência prestada à criança na atenção básica, visto que leva em consideração as suas necessidades de saúde como ser biopsicossocial. Entretanto, sofre influências de diversos fatores o que pode prejudicar o seu desenvolvimento, principalmente: infraestrutura inadequada das unidades básicas de saúde, a indisponibilidade de recursos materiais, déficit de recursos humanos, ausência de capacitações específicas para o cuidado à criança, problemas de articulação da rede de atenção à saúde da criança, dentre outros.

Para tentar desenvolver a integralidade na atenção básica os enfermeiros trabalham na perspectiva das linhas de cuidado, propostas pelo Ministério da Saúde, as quais são privilegiadas durante a consulta de enfermagem de puericultura e nas visitas domiciliares, em que ações de saúde, relacionadas à promoção da saúde e à prevenção de doenças e outros agravos, são direcionadas aos cuidados à criança com o objetivo de reduzir a morbimortalidade e proporcionar uma melhoria na qualidade de vida das crianças.

Este estudo possui limitações, porquanto foi realizado apenas em uma Regional de Saúde de Teresina, e isso não possibilita a generalização desses resultados. Entretanto, pode contribuir satisfatoriamente na área de saúde da criança, principalmente no que diz respeito às estratégias que devem ser utilizadas para a melhoria do cuidado de enfermagem à criança na atenção básica e subsidiar outros estudos na área. Além disso, através deste estudo verifica-se ainda a necessidade de mudanças nas práticas de saúde desenvolvidas pelos enfermeiros, as quais devem privilegiar o novo modelo de assistência proposto e, consequentemente, ressaltar ações que busquem a autonomia e o empoderamento dos indivíduos e de suas famílias como sujeitos participativos no processo saúde-doença.

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Recebido: 21 de Novembro de 2016; Aceito: 08 de Maio de 2017

*Autor para la correspondencia. Correo electrónico: araujoaugusto@hotmail.com

Los autores declaran no tener conflicto de intereses.

Augusto Cezar Antunes de Araujo Filho e Silvana Santiago da Rocha: Contribuíram na concepção do projeto, análise e interpretação dos dados e redação do artigo.

Márcia Teles de Oliveira Gouveia: Contribuiu na revisão crítica relevante do conteúdo intelectual.

Todos os autores colaboraram com a aprovação final da versão a ser publicada.

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