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Revista Cubana de Enfermería

versión impresa ISSN 0864-0319versión On-line ISSN 1561-2961

Rev Cubana Enfermer vol.36 no.3 Ciudad de la Habana jul.-set. 2020  Epub 01-Sep-2020

 

Artículo original

A experiência no trânsito e os fatores estressantes para motoristas de ônibus

Experiencia en tráfico y factores estresantes para los conductores de autobuses

Traffic-Related Experiences and Stressors for Bus Drivers

Vanessa Carine Gil de Alcantara1  * 
http://orcid.org/0000-0002-8508-0163

Rose Mary Costa Rosa Andrade Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-4310-8711

Eliane Ramos Pereira1 
http://orcid.org/0000-0002-6381-3979

Dejanilton Melo da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-0800-3658

Isadora Pinto Flores1 
lattes: 7028145799458658

1Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, Brasil.

RESUMO

Introdução:

O espaço de operacionalização da profissão de motorista de ônibus é o trânsito, realidade dinâmica, sistemática, porém surpreendente, neste contexto o estresse é a sensação persistente no dia a dia de trabalho dos motoristas de ônibus.

Objetivo:

Descrever as percepções dos motoristas de ônibus quanto à vivência no trânsito e fatores estressantes no cotidiano da mobilidade urbana para os motoristas.

Métodos:

Estudo descritivo fenomenológico pautado no pensamento de Maurice Merleau-Ponty, realizado em uma garagem de ônibus, no período de julho a dezembro de 2017. Foram entrevistados vinte e quatro motoristas de ônibus, com mais de dois anos de profissão, e as perguntas abertas possibilitaram a livre expressão dos significados do trânsito para estes trabalhadores.

Resultados:

O cotidiano foi considerado estressante e responsável por alterações na saúde e no humor dos motoristas entrevistados. As duas categorias que emergiram foram: O trânsito é surpreendente e O equilíbrio emocional no trabalho é imprescindível.

Conclusão:

A saúde do motorista é a força motriz para o serviço do transporte e as limitações físicas não são diretamente ligadas à execução desta atividade laboral. É de suma importância lembrar que o sujeito rodoviário necessita das condições positivas para mover a cidade diariamente.

Palavras chave: consciência; doenças profissionais; enfermagem; estresse psicológico; pesquisa qualitativa

RESUMEN

Introducción:

El espacio de operación de la profesión de conductor de autobús es el tráfico, la realidad dinámica, sistemática, pero sorprendente, en este contexto el estrés es la sensación persistente en el trabajo diario de los conductores de autobuses.

Objetivo:

Describir las percepciones de los conductores de autobuses con respecto a la experiencia en el tráfico y factores estresantes en la vida diaria de la movilidad urbana para los conductores.

Métodos:

Estudio fenomenológico descriptivo basado en el pensamiento de Maurice Merleau-Ponty, realizado en un garaje de autobuses, de julio a diciembre de 2017. Veinticuatro conductores de autobuses, con más de dos años de profesión, fueron entrevistados, y las preguntas abiertas permitieron la libre expresión de los significados del tráfico para estos trabajadores.

Resultados:

La vida diaria se consideró estresante y responsable de los cambios en la salud y el estado de ánimo de los conductores entrevistados. Las dos categorías que surgieron fueron: el tráfico es sorprendente y el equilibrio emocional en el trabajo es indispensable.

Conclusiones:

La salud del conductor es la fuerza motriz para el servicio de transporte y las limitaciones físicas no están directamente relacionadas con la ejecución de esta actividad de trabajo. Es de suma importancia recordar que el tema de la carretera necesita las condiciones positivas para mover la ciudad diariamente.

Palabras clave: conciencia; enfermedades profesionales; enfermería; estrés psicológico; investigación cualitativa

ABSTRACT

Introduction:

The working space of the bus driver profession is traffic, the dynamic, systematic, but surprising reality. In this setting, stress is the persistent feeling in the daily work of bus drivers.

Objective:

To describe the perceptions of bus drivers regarding their experience in traffic as well as stressors in the daily life of urban mobility for drivers.

Methods:

Descriptive phenomenological study based on Maurice Merleau-Ponty’s thinking and carried out in a bus garage, from July to December 2017. Twenty-four bus drivers, with more than two years of experience in the job, were interviewed. Open questions allowed the free expression of the meanings of trafficking for these workers.

Results:

Daily life was considered stressful and responsible for changes in the health and mood of the drivers interviewed. The two categories that emerged were the facts that traffic is surprising and emotional balance at work is essential.

Conclusions:

The driver’s health is the driving force for the transport service. Physical limitations are not directly related to the practice of this work activity. It is of utmost importance to remember that the matter of the road needs positive conditions to move the city on a daily basis.

Keywords: consciousness; occupational disease; nursing; psychological stress; qualitative research

Introdução

O espaço de operacionalização da profissão de motorista de ônibus é o trânsito, realidade dinâmica, sistemática porém surpreendente. A profissão motorista de ônibus é universal nesta atividade o trabalhador está exposto às condições climáticas, violência urbana, doenças, privação das necessidades básicas e à possibilidade de queda nos degraus que o levam à cabine de trabalho. Porém, a principal exposição é a relação interpessoal: a relação com os colegas no trânsito, com a empresa de transporte e os passageiros. O trabalho no transporte coletivo pode alterar a saúde do profissional.1

O trabalho em transporte coletivo é repetitivo e desgastante2) visto que as exigências do trabalho são uma ameaça ao próprio trabalhador. Fatores externos ao profissional podem ser ajustados para promover maior satisfação ao motorista.

O estresse é um agravante para a insatisfação e efeitos na saúde do motorista. O desrespeito à ergonomia altera as dimensões cognitivas e fisiológicas do trabalhador.3 No decorrer desta pesquisa, o trânsito é apresentado como espaço de trabalho do motorista, lugar que comporta todas as relações, palco para o protagonismo do motorista.

A implementação de melhorias ergonômicas e o acolhimento às demandas dos motoristas de ônibus são o início da valorização que esta classe trabalhadora tanto necessita. Esses profissionais prestam o serviço de transportar a população. As limitações vivenciadas por eles em seu dia a dia costumam ficar em segundo plano, pois, a urgência da sociedade em transportar-se sobrepõem-se às necessidades do condutor. O processo de sofrimento psíquico não é, muitas vezes, visível. Seu desenvolvimento acontece de forma “subjetiva” e “individual” embora também possa eclodir de forma aguda e coletiva por desencadeantes do contexto da atividade de dirigir. Internamente, os profissionais necessitam buscar recursos psíquicos para não influenciarem, negativamente, a mobilidade urbana.

Identificar, descrever e analisar as queixas dos motoristas contribui para a disseminação das urgências vivenciadas por eles: a regulação de assentos, a instalação de ar condicionado nos ônibus, a flexibilização da escala de trabalho, a hidratação correta e arejamento do ônibus nos dias quentes e o aquecimento do corpo para os dias frios são algumas medidas simples, mas que fazem a diferença no trabalho do motorista, em qualquer parte do mundo.

O relacionamento interpessoal é parte inafastável no dia a dia do motorista de ônibus que trabalha diretamente com o público.4 Os usuários são os mantenedores do transporte. Sem eles, o serviço não se sustenta; porém, as relações que são tecidas entre uma parada e outra nem sempre são amistosas, tornando-se fator estressante, pois o motorista de ônibus recebe os impactos das insatisfações dos passageiros quanto à estrutura do coletivo, por exemplo.

As relações na organização também são inafastáveis. As cobranças por quantidade de passageiros e metas a serem batidas, de economia e de combustível, configuram uma pressão organizacional para que ele não atrase a viagem, garantindo a pontualidade dos serviços prestados aos passageiros. Contudo, as empresas não têm controle sobre o trânsito, e o motorista de ônibus tem dupla cobrança em seu trabalho.

O motorista de ônibus é condutor da máquina que dirige, na visão organizacional, mas há necessidade de considerar os processos físicos e psicológicos em questão no trabalho diário. O mundo do (a) profissional insere uma terceira responsabilidade: o cuidado ao (à) motorista.

O conhecimento transcende o físico; o corpo não detém o vivido, não o comporta; o corpo é mais do que reações físicas nervos e ossos.5 Com a recusa do autor em afirmações que estabeleceram, exclusivamente, a anatomia para hipóteses sobre o comportamento, ele afirma que o visível é o que se apreende com os olhos; o sensível é o que se apreende sentindo.5) A incidência de dores na coluna, nos membros inferiores, direciona-nos a pensar o cuidado da Enfermagem na organização além da técnica, operacionalizar a sua prática, o corpo do trabalho jamais se transforma completamente em organismo, pois a produção depende do trabalho vivo em sua autonomia6por isso deve-se instaurar educação em saúde, incentivo ao homem buscar cuidar de si e superar a ideia subjetiva resistente às consultas por exemplo.

O objetivo desta pesquisa é descrever as percepções dos motoristas de ônibus quanto à vivência no trânsito e os possíveis efeitos do cotidiano da profissão nos motoristas. A fim de acessar a percepção dos participantes, a questão norteadora é a seguinte: Como você vivencia o trânsito?

Métodos

Este estudo é de abordagem qualitativa descritiva e o referencial é a fenomenologia.

A pesquisa fenomenológica aproxima o histórico social do corporal e das significações. Este referencial inovou o campo dos estudos do fenômeno e percepção ao considerar a percepção como conhecimento do corpo em si mesmo, anterior ao saber reflexivo.7 Portanto, a corporeidade detém a consciência e, nela, a percepção situa o corpo no mundo. A escolha por este referencial metodológico deu-se pela liberdade de compreensão quanto à subjetividade envolvida na proposta deste trabalho. A Fenomenologia assume outro lugar, onde o humano passa a ser considerado não somente como um uno, mas como um ser social um ser em relação com o outro com o mundo.

Os pesquisadores fenomenológicos questionam: “Qual a essência desse fenômeno? Como é experimentado por essas pessoas? O que ele significa?”. A essência é o que faz um fenômeno ser o que é; sem ela, o fenômeno não seria o que é, a entrevista fenomenológica com perguntas abertas é a escuta que toca profundamente o corpo/ espírito de outrem através de um silêncio pregnante.8

O referencial fenomenológico permite ao pesquisador se despir de seus pré-conceitos e pré-conhecimento para junto com o entrevistado acessar o fenômeno a ser estudado, compreendê-lo a partir do olhar do outro. É possível compreendermos o significado do fenômeno, da vivência, na entrevista fenomenológica. A questão norteadora foi: O que é o trânsito para você?

Este estudo tem aprovação do comitê de ética e pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro da Faculdade de Medicina, número do parecer: 2.131.165, 21 de junho de 2017, CAAE: 64110016.2.0000.5243 obedeceu as especificações éticas e legais da Resolução CNS 466/12, aprovado pelo Comitê de ética e pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina da UFF.

A entrevista fenomenológica é relacional as perguntas são possibilidades de compreender o vivido por quem experenciam um fenômeno, a preocupação do pesquisador reside em deixar o entrevistado livre para falar sobre suas percepções, o pesquisador mantém uma postura empática, livre de pré-julgamentos.

As entrevistas aconteceram na garagem de ônibus, a seleção dos participantes foi pela técnica snowball, com o conhecimento da pesquisa e entrevista, um participante foi indicando a outro motorista a entrevista, ao chegar no espaço onde encontrava-se a pesquisadora o motorista era convidado a conhecer o estudo e era feita a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), tendo aceitado participar da entrevista e assinado o TCLE iniciava-se a entrevista na sala privativa do Recursos Humanos na empresa de ônibus. O tempo médio foi de 60 minutos, algumas entrevistas duraram 71 min outras 84 minutos. Foram feitas 24 entrevistas, não houve perda amostral, o número de profissionais entrevistados obedeceu à autorização do comitê de ética e pesquisa que aprovou um número de até 30 participantes por ser um estudo qualitativo. Os participantes autorizaram o uso de gravador mp3, as entrevistas foram realizadas pela investigadora principal. A interrupção das entrevistas deu-se por saturação dos dados, quando as falas transcritas começaram a ser redundantes, segunda a pesquisadora e que novos dados não seriam relevantes ao fenômeno investigado.

Os critérios de inclusão da pesquisa foram participantes com mais de 2 anos de profissão, que possuíssem mais de dois cursos de aprimoramento na função de motorista e que não tinham se afastado do trabalho por mais de 5 anos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); os critérios de exclusão foram motoristas que exerciam outra atividade remunerada e aqueles que por algum motivo não queriam participar.

A análise dos dados na pesquisa fenomenológica obedece quatro passos9) o primeiro envolve a leitura criteriosa das transcrições da entrevista gravada, dos participantes da pesquisa, conservando a linguagem do sujeito; o segundo passo corresponde à identificação de significados descritos pelos participantes da pesquisa que são percebidos pelo pesquisador de forma espontânea em meios às transcrições, dotadas de determinadas relações quanto às demais transcrições.

O terceiro passo requer a transformação da linguagem do participante em linguagem científica, mantendo a ênfase do fenômeno descrito. O último passo é sintetizar e associar as unidades de significados, chegando ao núcleo do significado do fenômeno.

O anonimato dos motoristas foi mantido, eles foram identificados com a sigla PTC que significa profissional do transporte coletivo seguindo um número arábico que correspondeu à organização da pesquisadora garantindo o anonimato externo e a pronta identificação apenas da pesquisadora.

Foram selecionadas partes da transcrição, consideradas essenciais ao desvelamento dos objetivos propostos, e, enfim, realizada a compreensão fenomenológica para que os resultados fossem apresentados por unidades de significação, agrupados pelo conteúdo destacado dos relatos dos sujeitos e analisados com base em estudos sobre o tema, garantindo a singularidade das vivências10 e foi subsidiado por conceitos do pensamento fenomenológico.

Resultados

Os participantes em sua maioria são homens, 22 no total e duas mulheres. A média de idade foi de 41,6 anos, todos os participantes apresentaram mais de dois cursos na área do transporte. Oito motoristas relataram problemas na coluna vertebral e constante dores lombares, doze motoristas disseram sentir dores de cabeça diariamente, um motorista destacou as dores nas pernas como alteração em sua saúde, e outros quatro não relataram problemas de saúde.

Todos os entrevistados relataram uso de analgésicos e anti-inflamatórios pelo menos em um dia da semana além dos medicamentos que a maioria já faz uso nos tratamentos de saúde. Nenhum motorista de ônibus faz terapia com psicólogo e a principal justificativa é a rotina de trabalho semanal.

O tempo médio na profissão foi de dez anos, seis motoristas trabalham em linhas de ônibus municipais enquanto 18 motoristas percorrem distancias maiores nas linhas intermunicipais. 19 motoristas destacaram como aspecto incômodo no dia a dia o próprio trânsito.

As categorias que emergiram foram: O trânsito é surpreendente e o equilíbrio emocional no trabalho é imprescindível.

Os motoristas descreveram episódios diários no exercício de sua profissão, especialmente a dificuldade dos demais motoristas de diferentes veículos lidarem com os ônibus no trânsito e como o corpo deles reage ao dia a dia:

(...) o trânsito tem algumas coisas que podiam mudar, não fazem não eu não sei por que cada dia é um dia, é uma caixa de surpresa, nada me surpreende mais (PTC 2).

(...) é meio complicado, muito carro na pista e os motoristas estão mal-educados, você pede passagem eles não dão, joga o carro em cima xingam, então você tem que tentar manter a calma o que não é fácil, o ser humano poderia ter um pouco mais de educação, tenho muita dor na cabeça eu fico muito nervoso (PTC 4).

(...) o estresse é muito grande o dia a dia do motorista é sempre uma experiência nova, o estresse vem de nós não termos um tempo para gente (...) no fim o motorista se ele não cuidar do lado mental se ele não tiver uma higiene mental ele acaba enfartando porque é muito complicado, eu sinto muitas dores de cabeça e no corpo (PTC 05).

(...) eu trabalho com dores na coluna, é a posição do banco eu comparo o trânsito com a vida, eu acho que a nossa vida tem momentos de muitas alegrias, e têm momentos difíceis, nossa vida é uma via, e quando chegar ao final eu vou fazer a manobra e vou voltar, e botar a minha cabeça no lugar (PTC 07).

(...) minha vivência no trânsito é muito estressante, principalmente nos horários de pico, todo mundo querendo chegar no seu trabalho, todo mundo atrasado, a falta de educação, um querendo passar na frente do outro (PTC 8).

(...) por você ser um profissional você tem que ceder, se você bater independente de estar certo ou estar errado eu procuro ser o mais paciente possível, é aí que vem o estresse (PTC 10).

(...) o trânsito é caótico acho que os motoristas têm a pior qualidade na condição de trabalho (PTC11).

(...) não pode prever, uma hora você está tranquila em outra as pessoas fazem coisas que não devem, as vezes tenho dificuldades no trânsito as pessoas estão displicentes não tem cuidado com a vida, com os pedestres (PTC 14).

O comportamento dos demais condutores apareceu como aspecto estressante para estes motoristas, o trânsito e as condições dos assentos do ônibus são fonte de desgaste e dores para o corpo. O estresse é um agravante para a insatisfação do motorista com sua profissão. O desrespeito à ergonomia altera as dimensões cognitivas e fisiológicas do trabalhador.

O equilíbrio emocional no trabalho é imprescindível.

A busca pelo equilíbrio e calma são movimentos internos constantes dos motoristas participantes, a experiência lhes ensinou que os danos à saúde física e mental podem ser um preço alto demais da atividade laboral.

(...) trânsito, é normal, quando eu entrei eu sabia o que eu iria enfrentar, eu procuro fazer o máximo de modo tranquilo (PTC12).

(...) eu procuro ter paciência, porque o trânsito hoje em dia está muito estressante, e eu falo com certeza que eu digo trânsito para mim é desde a hora que eu levanto, até a hora de dormir, porque é movimento (PTC 13).

(...) eu procuro fazer o máximo de modo tranquilo, mas tem dias que a gente está mal, problema familiar, triste, estressado, mas eu procuro fazer as coisas sempre dentro do eixo, tudo certinho (PTC 15).

(...) tudo parado não tem opção, é uma realidade muito difícil o meu segredo é a paciência, eu fico contando no dedo um-dois-três-quatro-cinco, volta de novo porque senão você faz besteira, não vai resolver ficar nervoso, vai ter um infarto ali, não vai adiantar nada, (PTC 17).

(...) é só trabalhar com amor que o trânsito não vai te estressar (PTC 18 ).

(...) tem gente que já acorda estressada e desconta na gente que está no volante. Me incomoda a falta educação nos passageiros. (PTC19)

(...) eu me incomodo com a falta de educação dos passageiros. O tratamento deles não é bom, deixa meu dia ruim. (PTC 21)

(...) ah, tem clientes que me tratam com ignorância. Falta respeito e educação. (PTC 22)

(...) tenho até tristeza em falar. Os passageiros nos tratam muito mal. (PTC 23)

(...) as vezes o acidente acontece pelo apavoramento do motorista, sempre tem que manter a calma entendeu gosto de olhar para trás e ver os passageiros dormindo, porque eu sinto que eles confiam em mim (PTC 24).

As possibilidades de lidar assertivamente com os passageiros e com o contexto do trânsito são práticas diárias dos motoristas. O trabalhador permanece dirigindo após o destrato dos passageiros; os desajustes nas relações interpessoais do trabalho fragilizam o corpo do motorista, que pode somatizar o conflito. O trabalhador não dispõe de poder de decisão sobre quem entra em seu ambiente de trabalho (o ônibus), ficando vulnerável ao humor dos passageiros.

O fenômeno de conduzir pode ser percebido fora da mobilidade urbana. O mundo e o corpo do(a) motorista de ônibus é afetado pelas condições de trabalho e pelo estresse.

A busca pelo equilíbrio entre as demandas laborais e psicológicas é um exercício diário para o psiquismo dos motoristas de ônibus. Eles se esforçam para manter o controle das suas emoções a fim de não prejudicarem o serviço o convívio com os passageiros e concluírem o dia de trabalho. A escala de trabalho destes profissionais pode variar de acordo com a necessidade da empresa, a atividade acaba exigindo dedicação exclusiva, sendo muitas vezes a única fonte de renda deste trabalhador.

Discussão

O motorista de ônibus, em um exercício profissional que depende não somente dele, desde o seu corpo e seus aspectos emocionais - sua interioridade e subjetividade -, mas, também do que é externo a si - o próprio ônibus, os colegas de profissão, os passageiros, o tempo e o trânsito, dentre outros fatores - enfrenta, diariamente, uma infinidade de questões e adversidades.11 Muitas vezes, não são oferecidas condições favoráveis para realização de seu trabalho e, em alguns casos, pode-se até pensar em insalubridade. A partir disso, e num desenrolar de acontecimentos, a saúde do motorista de ônibus é comprometida e, consequentemente, sua qualidade de vida.

Na realidade de muitos desses profissionais, com pouco estudo e, assim, poucas oportunidades, o resultado gerado é de muito trabalho, com longas e exaustivas jornadas que, sempre que possível, são estendidas para maior ganho e, mesmo assim, com todo o esforço, resultam em uma renda baixa ou insuficiente.

Exige-se uma infinidade de ações e comportamentos aos trabalhadores dessa área. Contudo, não são oferecidas condições favoráveis a esses profissionais,12 o que acaba por gerar mais problemas, não só para eles, mas para as empresas também. Pensar na saúde do trabalhador não deveria ser considerado sinônimo de mais gastos, e sim uma forma de otimizar os serviços rodoviários, refletindo em melhores condições para as cidades como um todo.

Somos experiência, e só podemos falar sobre o lugar se o ocupamos, se o conhecemos a partir da nossa subjetividade, tentando compreender o objetivo. O trabalho diário de dirigir posiciona os motoristas no ato relacional e nas inferências dos passageiros. Viver é um ato constante de relacionamento “entre” si,5 no todo, no parcial, no mundo, no transcendente dos sentimentos, emoções, percepções, devaneios, anseios, força, fraqueza.

A saúde humana vem apresentando alterações pela forma como o processo de globalização e reestruturação produtiva vem se desenvolvendo, definindo o processo saúde-doença da população produtiva.13 As transformações que ocorrem nas esferas econômicas, políticas, sociais e técnicas, presentes no trabalho, exercem forte domínio sobre a saúde dos trabalhadores. Quanto mais um ambiente se tornar desumano,13 mais difícil será manter a sobrevivência dos sujeitos que interagem neste espaço.

Diante de tantos limites impostos pelas condições de trabalho dentro e fora dos ônibus e pelo sofrimento no trabalho, o resgate do trabalhador é condição que garante a manutenção do serviço, não apenas motivando-o, mas também oferecendo condições de realizar a sua atividade de forma plena. Destacamos os impactos psicológicos no corpo dos motoristas de ônibus no Brasil e nos outros países como fator de maiores agravos à saúde.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS),14) o país é terceiro na lista do trânsito que mais mata no mundo. No contexto brasileiro estima-se que as áreas mais problemáticas das cidades, além da segurança pública, saúde, educação, transporte coletivo e trânsito somam 65 % das insatisfações dos brasileiros, estima-se que 185 milhões de brasileiros vivem nas cidades uma realidade para quase 90 % da população as incidências de problemas relacionados a poluição, que chega a se comparar a cada duas horas no trânsito intenso equivale o consumo de um cigarro,15 é caso de saúde pública.

O desgaste mental está no cerne dos riscos à saúde.16 A perda de concentração, o aumento da agressividade, o choque com a realidade externa do motorista e a dificuldade interpessoal gerada pela falta de respeito dos colegas afetam a saúde do(a) profissional.

As exigências internas das empresas causam estresse nos profissionais. O tempo de profissão está relacionado ao aparecimento de estresse, a perda do senso de humor, ao mal-estar generalizado sem razão específica e ao cansaço constante.

Vincula-se à percepção do outro, a identidade da profissão passa pelo critério do outro o homem é um sensorium comum perpetuo, que é tocado ora de um lado ora do outro 5 as expressões dos participantes desta pesquisa expressam a dinâmica do sentir para fora do eu, externamente é o outro que de algum modo me suprime, me desconsidera, é importante destacar que as reclamações dos profissionais não permearam as condições de trabalho nem o salário, os aspectos de identificação da profissão e do dia a dia em suas atividades é um modo de operacionalizar as possíveis melhorias no que tange a visão do outro sobre o trabalho.

Temos na percepção um fenômeno existencial. A vida não se resume em dureza do campo científico. O objeto percebido pode ser uma referência para o corpo. Após o sentir, o novo pensamento deverá ser entendido; a reflexão estará segura de ter encontrado o centro do fenômeno 5) se ela for igualmente capaz de esclarecer sua inerência vital e sua intenção racional.

O fenômeno consciência se apresenta a nós refletida no pensamento que se transforma em ato, podemos compreender que somos além da percepção5) somos corpo, somos parte do mundo, somos o sentir, somos o olhar.

O olhar fenomenológico está implicado à consciência imediata sobre o que é percebido, sobre o fenômeno, sobre o mundo, sobre o corpo fenômeno, por exemplo, que é o próprio sujeito, uma interação de estar-no-mundo.

O cuidado é entendido como um modo de ser; sem o cuidado, deixa-se de ser humano.17 Esta é a fundamentação que se atribui ao tema em análise, de cunho filosófico; assim, a afirmação de que o cuidado é o que confere a condição de humanidade às pessoas é uma afirmação lógica. A Enfermagem é a arte de cuidar (17 A Enfermagem pode atuar nas práticas preventivas em saúde,6 acompanhando as demandas sintomáticas desses profissionais, encaminhando-os para os serviços de atenção, de acordo com suas demandas, enquanto a Psicologia, em consonância com tais práticas preventivas, pode intervir na significação das demandas psíquicas, oferecendo uma escuta qualificada e sensibilizada.

O pensamento filosófico promove ampliação das discussões entre Enfermagem e Psicologia, pois a percepção é constructo relevante para ambas ciências, tornando o trabalho mais humanizado no contexto organizacional, propiciando, assim, a interdisciplinaridade focada no motorista de ônibus, a relevância do trabalho interdisciplinar nas garagens age como um promotor de saúde para os motoristas.

No campo técnico-científico que o encontro entre motorista e enfermeiro perpassa o fazer de ambas as profissões, visto que a demanda para consulta de Enfermagem, no setor clínico da organização, transborda o sentido do sintoma ou da linguagem, na medida em que esse profissional (enfermeiro) considera o motorista como sujeito investido de um corpo que pensa e padece pela vivência de angústias e perigos do trânsito.

O enfermeiro poderá ser reconhecido pela capacidade de compreender a necessidade de atendimento e construir o encontro humanizado com qualificação na escuta e parceria colaborativa com o motorista de ônibus.

Neste contexto, os Recursos Humanos representados pelos setores de Psicologia nas organizações não se responsabilizam apenas pela admissão e demissão de motoristas de ônibus e demais funcionários, mas configuram um espaço de atendimento às demandas dos mesmos, demandas estas que vão desde um desabafo a traumas vivenciados na atividade laboral.

Em conclusão, movimentar a sociedade é manter a vida produtiva de cada estudante, de cada profissional. Perceber esse protagonista neste momento social que vivemos poderá contribuir para os avanços da mobilidade urbana, transcendendo os investimentos capitais, tornando o trânsito menos hostil, obedecendo às leis de trânsito e respeitando a vida.

Os efeitos negativos do trabalho em transporte coletivo colocam em questão a mobilidade urbana, apontam a importância do envolvimento do governo das cidades em melhorar as vias, o trânsito, o acesso à saúde e a melhores condições de trabalho no tocante a políticas públicas de atenção aos profissionais do transporte.

O motorista de ônibus tem papel fundamental na manutenção do transporte coletivo na sociedade pós-contemporânea, fatores como o trânsito, relacionamento interpessoal e questões familiares devem ser considerados quando falamos em relações de trabalho.

As ciências da saúde possuem protagonismo no cuidado aos motoristas de ônibus, pois é necessária a preservação do corpo como parte do processo de trabalho e a alteração da lógica organizacional, que prioriza a produção e descuida do trabalhador.

Mais investigações colocando os motoristas como protagonistas para superar a invisibilidade ainda resistente no meio acadêmico poderão contribuir para garantir mais melhorias a esta classe trabalhadora indispensável no contexto urbano das cidades.

É importante destacar que esta é a primeira pesquisa de tese que aborda a temática do motorista de ônibus com bases na metodologia fenomenológica, e acredita-se que dar voz a estes profissionais, conhecer do que sofrem, as implicações da profissão e a estimulação do trabalho multidisciplinar nas garagens de ônibus, por meio desta pesquisa, contribuirá para a prevenção de doenças físicas e/ou psicológicas, bem como acidentes de trânsito.

A Enfermagem e a Psicologia contribuem no tocante à saúde do trabalhador na diminuição de agravos psicológicos, promovendo saúde no trânsito considerando a compreensão do contexto do trabalho e as emoções vivenciadas pelos motoristas de ônibus.

Deste modo colabora também com a mobilidade urbana, com práticas educativas na prevenção de acidentes de trânsito e condições favoráveis para que o motorista de ônibus e os clientes cumpram suas funções sociais, familiares, dar significado às percepções dos motoristas é imprescindível para a valorização do profissional.

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Recebido: 01 de Novembro de 2019; Aceito: 02 de Dezembro de 2019

*Autor para la correspondência: vanessagilpsicologa@hotmail.com

Não há conflito de interesse.

Vanessa Carine Gil de Alcantara: Preparação do original, gerenciamento do projeto, conceitualização, pesquisa bibliográfica, metodologia, coleta de dados, análise de dados.

Rose Mary Costa Rosa Andrade Silva: Discussão, redação do artigo.

Eliane Ramos Pereira: Conceitualização, redação do artigo, revisão crítica.

Dejanilton Melo da Silva: Pesquisa bibliográfica, normalização do conteúdo.

Isadora Pinto Flores: Pesquisa bibliográfica, analise estatística, revisão crítica.

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