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Humanidades Médicas

versión On-line ISSN 1727-8120

Rev Hum Med v.10 n.3 Ciudad de Camaguey sep.-dic. 2010

 

ARTÍCULO

Contribuições da abordagem histórico-cultural na educação de alunos autistas

 

Contribuciones del abordaje histórico-cultural a la educación de alumnos autistas

Contributions of the cultural-historical approach to the education of autistic students

Sílvia Ester OrrúI

I. Doutora em Educação, Universidade de Brasília, Faculdade de Educação, Departamento de Teoria e Fundamentos, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília DF, Brasil, CEP. 70910-900. seorru@unb.br


RESUMO

O presente trabalho apresenta a abordagem histórico-cultural de Vigotsky e suas contribuições para a educação de alunos com autismo. Este artigo é decorrente de uma pesquisa-ação realizada a dez alunos com autismo e seus professores numa escola especializada do interior do Estado de São Paulo, Brasil, no período de 2000 a 2006. Os resultados dizem respeito ao papel mediador do professor na reconstituição e na melhora da vivência emocional do aluno para que ele transcenda das reações afetivas imediatas para outras mais duradouras. Conclui-se que a abordagem histórico-cultural e a integração social favorecem uma aprendizagem mais significativa para o aluno autista.

Palavras chave: educação, especial; transtorno autístico; comunicação


RESUMEN

En este trabajo se presentan el abordaje histórico-cultural de Vigotsky y sus contribuciones a la educación de alumnos autistas. Este artículo es resultado de una investigación-acción realizada a diez alumnos y sus profesores en una escuela especializada del interior de San Pablo, Brasil, en el periodo 2000 a 2006. Los resultados hablan acerca del papel mediador del profesor en la reconstitución y el progreso de la vivencia emocional del alumno y sobre la trascendencia de reacciones afectivas inmediatas para otras más duraderas. Se concluye que el abordaje histórico-cultural y la integración social favorecen significativamente el aprendizaje de los alumnos autistas.

Palabras clave: educación, especial; trastorno autístico; comunicación


ABSTRACT

This paper deals with Vigotsky´s cultural-historical approach and its contributions to the education of autistic students. This article is the result of a research-action carried out with ten autistic students and their teachers in a specialized school from the state of Sao Paulo, Brazil, during the period 2000 to 2006. Results proved the teachers´ mediating role within the rebuilding and improvement of students' emotional experience and the significance of both immediate and more lasting affective reactions. As conclusions, it states that both the cultural-historical approach and social integration favor autistic students´ learning significantly.

Keywords: education, special; autistic disorder; communication.


 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda um estudo sobre as contribuições que a abordagem histórico-cultural de Lev Semenovich Vigotsky, nos preceitos marxistas, pode trazer aos alunos com autismo, tema decorrente de minha tese de doutorado defendida em 2006 no Brasil. O motivo pelo qual se destaca a abordagem histórico-cultural como significante alternativa pedagógica para alunos autistas se dá pela forte tendência que a abordagem comportamental de Skinner ainda se apresenta na educação especial, aqui, especificamente, para com estes alunos.

Na abordagem comportamental os alunos autistas compartilharão de uma mesma sala de aula, tendo como referência social seus próprios colegas com autismo e o professor como um regulador de seu comportamento, dando grande enfoque ao ambiente estruturado e a tentativa máxima de se evitar o erro.

Já na abordagem histórico-cultural são privilegiadas as relações sociais e o próprio ambiente para que o aluno autista se desenvolva tendo como referencial social a outros colegas sem a síndrome do autismo e seu professor como um mediador agente de transformações entre ele, o objeto de estudo e o mundo ao qual pertence. Para tanto, se aborda o que a literatura científica diz a respeito da síndrome do autismo e os principais pressupostos da abordagem histórico-cultural.

MÉTODOS

Esta pesquisa realizada é de caráter qualitativo já que se trata do processo de ensino e aprendizagem de alunos com autismo. Apresenta-se este artigo na forma descritiva do referencial teórico utilizado na pesquisa relatando as principais características do autismo e os principais pressupostos da abordagem histórico-cultural de Vigotsky.

A pesquisa foi desenvolvida em uma escola do interior do Estado de São Paulo, no Brasil, no período de 2000 a 2006. Os sujeitos da pesquisa foram dez alunos com autismo e cinco professoras que foram capacitadas para trabalharem sua prática pedagógica tendo a abordagem histórico-cultural de Vigotsky como referencial teórico.

 

RESULTADOS

Na perspectiva da abordagem histórico-cultural o professor contribui como um mediador na reconstituição e na melhora da vivência emocional de seu aluno para que seu ser, muitas vezes revelado em suas ações, transcenda as reações afetivas imediatas para outras mais duradouras.

A Comunicação Suplementar Alternativa (CSA) foi utilizada como um mediador simbólico para auxiliar na construção da linguagem que traz a possibilidade de produção de significações, geradas na relação com o outro, em ambientes culturalmente contextualizados.

Em relação às práticas pedagógicas oriundas da abordagem comportamental de Skinner que evidencia as limitações do autista, a abordagem histórico-cultural de Vigotsky trouxe à tona novas possibilidades pedagógicas no que diz respeito à constituição da linguagem por meio das relações sociais privilegiadas no ambiente escolar deste aluno numa perspectiva inclusiva e otimista de seu desenvolvimento cognitivo.

 

DISCUSSÃO

Autismo é uma palavra de origem grega que significa por si mesmo. É um termo usado, dentro da psiquiatria, para denominar comportamentos humanos que se centralizam em si mesmos, voltados para o próprio indivíduo. É comum, também, a utilização de adjetivos para se denominar o autismo, tais como, autismo puro, núcleo autístico, autismo (primário no caso de não-associação com outras patologias), autismo secundário, autismo de alto funcionamento, autismo de baixo funcionamento, entre outros.

Conforme a definição colocada por Gillberg em seus estudos sobre o diagnóstico e tratamento do autismo infantil, o autismo é atualmente considerado como uma "síndrome comportamental com etiologias múltiplas e curso de um distúrbio de desenvolvimento." E ainda, o mesmo autor coloca que: "é altamente improvável que existam casos de autismo não orgânico", dizendo que "o autismo é uma disfunção orgânica e não um problema dos pais. O novo modo de ver o autismo é biológico."1 De acordo com a Autism Society of América, "o autismo é um distúrbio de desenvolvimento, permanente e severamente incapacitante."2

Até 1989 dizia-se, estatisticamente, que a síndrome acometia crianças com idade inferior a 3 anos, com predominância de 4 crianças a cada 10 mil nascidas. Manifestava-se, majoritariamente, em indivíduos do sexo masculino, sendo a cada 4 casos confirmados 3 do sexo masculino e 1 caso para o feminino.

Segundo Gaspar, neuropediatra, o autismo tem sido notório em 20 crianças a cada 10 mil nascidos, número que vem crescendo nos últimos anos, não se restringindo à raça, etnia ou grupo social. De causa ainda não especificamente determinada, o aumento pode ser devido também a um maior e melhor diagnóstico e a informações resultantes de maiores estudos e divulgações sobre a síndrome que atinge indivíduos de todos os países do mundo.

De acordo com o Time Magazine de maio 2002, a incidência de autismo é 1 em cada 175 nascimentos, sendo 4 meninos para 1 menina. Já em 2003 as estatísticas apontam 1 caso de autismo para cada 150 nascimentos.

De acordo com Mark Lever, diretor da britânica National Autistic Society: "Nos últimos anos o autismo foi relacionado a fatores tão diversos quanto pais em idade avançada, exposição precoce à TV, vacinas, alergias a determinados alimentos, intoxicação por metais pesados e tecnologia sem fio, só para citar algumas. [...] O aumento nas taxas de autismo -em determinados casos, de 1 caso em cada 2.500 pessoas para um em cada 150- é normalmente atribuído à maior capacidade dos médicos de identificar a condição."3

Segundo os pesquisadores do Royal College of Psychiatrists na Grã-Bretanha, as meninas mostram sintomas diferentes e menos sinais mais tradicionalmente associados com o autismo, como comportamento repetitivo. Judith Gould, da Sociedade Britânica de Autismo, afirma que: "a forma como o autismo se apresenta em mulheres pode ser muito complexa. Muitas mulheres e meninas não são diagnosticadas."4

Nancy Minshew, especialista em neurologia e psiquiatria da School of Medicine na Universidade de Pittsburgh, EUA, faz o seguinte comentário referente a uma pesquisa por eles desenvolvida sobre o autismo afetar o cérebro: "Nosso trabalho revela fortes indícios de que o autismo não é uma desordem de interação social, mas uma desordem global, que afeta a maneira como o cérebro processa a informação que recebe - especialmente quando a informação é mais complexa."5

Como se pode perceber os resultados dos estudos e das pesquisas são bem variáveis. Isto quer dizer que há muito que se estudar e investigar acerca da dimensão da síndrome do autismo. No Brasil, devem existir estatisticamente de 65 mil a 195 mil autistas, baseado na proporção internacional, já que nenhum censo semelhante foi realizado.6 Outras pesquisas apontam para um total de 235 mil autistas no Brasil.7

Uma síntese sobre a síndrome do autismo

Como vimos, Kanner iniciou os estudos sobre o autismo na década de 40. Até esse momento, mesmo a ciência tendo percorrido um longo trajeto para a compreensão do autismo, muito se falta para conclusões mais concretas serem firmadas. Em síntese, podemos destacar os seguintes pontos baseados na revisão da literatura científica:

  • O autismo se faz presente antes dos três anos de idade e deve ser considerado como uma síndrome comportamental que engloba comprometimento nas áreas relacionadas à comunicação, quer seja verbal ou não-verbal, na interpessoalidade, em ações simbólicas, no comportamento geral e no distúrbio do desenvolvimento neuropsicológico.
  • É próprio da espécie humana, pode ocorrer em qualquer família em qualquer parte do mundo.
  • Pode vir associado a múltiplas etiologias, havendo, inclusive, a participação de fatores genéticos e ambientais.
  • Ocorre, em média, a cada quatro indivíduos em dez mil nascimentos, sendo quatro vezes maior sua incidência no sexo masculino.
  • Destaca-se por deficiência mental, hiperatividade, déficits de atenção, processos convulsivos e deficiência auditiva, como as síndromes neurológicas mais associadas ao autismo.
  • Conforme a complexa neurobiologia do autismo e a grande lista de condições clínicas a ele associadas, ainda não se conhecem quais mecanismos neuropatológicos dão origem aos comportamentos autísticos, por não se manifestarem de forma mais homogênea em todos os casos descritos até hoje.
  • É indispensável à utilização de um vasto protocolo para a investigação diagnóstica da síndrome do autismo. Esta investigação deve ser sistemática e com critérios estabelecidos através de um trabalho em equipe multi e interdisciplinar.

Alguns dos pressupostos da abordagem histórico-cultural de Vigotsky

A abordagem histórico-cultural de Vigotsky está fundamentada na participação do outro na constituição do sujeito em sua relação com o mundo, por meio da ação mediadora. Ou seja, nenhum ser humano deve ser privado de se relacionar com outras pessoas, o ambiente onde as relações sociais são privilegiadas é o melhor e o mais adequado, independente desta pessoa ter ou não alguma deficiência.

Segundo Vigotsky: "Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social."8

Ao contrário do que é proposto pela abordagem comportamental, vista anteriormente, Vigotsky nos indica outro caminho que também pode ser percorrido junto a criança, ao aluno com autismo. Pois, embora os sistemas suplementares ou alternativos de comunicação sejam de grande utilidade como um apoio para o trabalho junto a pessoas que apresentam déficits no desenvolvimento da linguagem, cognitivo e emocional, como nos casos de deficiência mental e autismo, é essencial a atuação de um educador que mantenha diálogo e ação mediadora constante com seus alunos. Logo, a diferença do resultado obtido durante o processo de ensino e aprendizagem da criança com autismo está na proposta da abordagem utilizada, pois os símbolos em si mesmos não têm vida própria.

Falta ao autista uma abordagem educacional que não se reduza ao treinamento de habilidades de comunicação, mas sim que esteja aberta à sua constituição enquanto sujeito, a partir do desenvolvimento da linguagem, da interação social, de sua contextualização histórica. Nessa perspectiva, a CSA é utilizada como mediador simbólico para auxiliar na construção da linguagem que traz consigo a possibilidade de produção de significações, geradas na relação com o outro, em ambientes culturalmente contextualizados.

Breve síntese da abordagem histórico-cultural

É no processo de interação entre a criança e seus interlocutores que se dá a aquisição da linguagem em si, desenvolvendo, deste modo, sua capacidade de simbolizar o mundo que a cerca, para o outro, dando sentido aos processos de interação social e, para si, na forma internalizada necessária ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Sobre desenvolvimento e aprendizagem, Vigotsky diz que: "[...] são fatos distintos e relacionados, sendo preciso considerar o nível de desenvolvimento já conquistado e também o nível de desenvolvimento proximal, ligado às capacidades de resolução de problemas, a partir do auxílio de outras pessoas que se encontram mais possibilitadas, indicando que poderá ser autônoma no porvir quando o seu nível de desenvolvimento o permitir."8

Na perspectiva da abordagem histórico-cultural, o aluno é sujeito ativo de seu processo de formação e desenvolvimento intelectual, social e afetivo. O professor cumpre o papel de mediador desse processo com o proporcionamento e favorecimento da inter-relação (encontro/confronto) entre o sujeito, o aluno, e o objeto de seu conhecimento, que é o conteúdo escolar.

Nesse processo de mediação, o saber do aluno, enquanto sujeito ativo, é muito importante na formação de seu conhecimento. O ensino é compreendido como uma intervenção repleta de intencionalidade, inferindo nos processos intelectuais, sociais e afetivos do aluno, visando à construção do conhecimento por parte do mesmo, sendo ele o centro do ensino, o sujeito do processo.

A linguagem não é apenas o ato de se comunicar, mas uma ferramenta do pensamento que encontra sua unidade com o próprio pensamento no significado das palavras. Assim, o trabalho com o significado traz consigo a realização do processo de generalização durante a busca da apropriação de conhecimentos por parte do aluno.9

Com relação ao trabalho com autistas na perspectiva da abordagem histórico-cultural, entendemos que o processo de ensino e aprendizagem desse aluno deve contemplar, necessariamente, uma criteriosa relação entre mediação pedagógica, cotidiano e formação de conceitos, possibilitando o encontro/confronto das experiências cotidianas no contexto em que elas ocorrem para a formação de conceitos, quer sejam acadêmicos ou não, numa maior internalização consciente do que está sendo vivenciado e concebido.

Como mediador o professor deve explorar sua sensibilidade, a fim de perceber quais são os significados construídos por seus alunos com referência aos conceitos que estão sendo formados, quer sejam conceitos mais elementares ou complexos.

Com relação às alterações de conduta e de personalidade de crianças com autismo, distintos autores entre os anos 50 e 60 atribuíram maior relevância à síndrome, no que se refere a possuírem uma anomalia de compreensão lingüística,10 alterações relacionadas ao déficit simbólico, além de dificuldades na imitação e integração sensório-motora.

Esta questão implica o repensar e o reorganizar a questão da educação do aluno com autismo, pois nos métodos baseados na concepção behaviorista, em que o condicionamento operante é evidenciado, ocorre o ensino direto de conceitos que, na verdade, não são por eles assimilados, e sim, quando muito, memorizados de forma mecânica e sem consciência, produzindo ações automatizadas; havendo verbalização, por vezes ela será vazia de significados, de sentidos.

Logo, o processo de ensino e aprendizagem de alunos com autismo necessita de ser orientado pela perspectiva do desenvolvimento da linguagem, rompendo e transcendendo o ensino mecanizado de hábitos e à concepção reducionista acerca do desenvolvimento da aprendizagem deste aluno.

Quando falamos de aprendizagem, entendemos estarem implícitas todas as formas de conhecimento, não nos limitando tão-somente aos conhecimentos acadêmicos, mas a conhecimentos do cotidiano, abrangendo, inclusive, as ações de afeto e sentimento e de valor.

As proposições de Vigotsky acerca da pessoa com necessidades especiais e seu desenvolvimento são significativas com relação à determinação da maneira como essa condição [ser deficiente] deve ser compreendida e trabalhada no contexto da educação, conferindo-lhe o direito a seu papel ativo na construção de seu desenvolvimento, a partir de sua capacidade individual de apropriar-se e internalizar formas sociais de comportamento como participante de seu processo de conhecimento como sujeito histórico. Somente assim, essa pessoa passa a ser percebida e compreendida como indivíduo possuidor de diferentes capacidades e potencialidades em emergência, as quais devem ser encorajadas para que se transformem no alicerce do desenvolvimento das funções superiores.

A partir dos pressupostos da abordagem histórico-cultural centrada em Vigotsky, podemos perceber a realidade educacional em que vivemos, muitas vezes impedindo a pessoa com necessidades especiais de se desenvolver plenamente, devido a conclusões preconceituosas acerca da sua aprendizagem. No entanto, se ela tiver acesso ao contato com o outro, e a orientação pedagógica adequada e organizada, seu desenvolvimento poderá ocorrer pelo acesso à cultura que é produzida historicamente.

Nos pressupostos de Vigotsky fica claro que a apropriação do conhecimento construa-se de forma histórica e mediada em sua relação com o professor, por meio da linguagem que é o cerne de tudo o que é social, o que interage, o que dialoga e o que exerce cidadania.

Dessa forma compreendemos a necessidade de refletir como pessoas e profissionais sobre a nossa própria constituição enquanto sujeitos para, finalmente, elaborarmos e trabalharmos dentro de uma abordagem que releva a história, a cultura, o social como aspectos imprescindíveis na constituição do sujeito, mesmo sendo este uma criança com autismo, o que nos faz crer que o fator biológico, enfocado nas Ciências Naturais, não pode ser o determinante para seu desenvolvimento.

Tomando essa concepção de linguagem como um processo de interação e construção do sujeito e, inclusive, da própria linguagem em meio à formação social do indivíduo, mencionamos aqui a superficialidade do ensino da criança autista na escola, no que se refere ao desenvolvimento de sua linguagem. No caso da criança autista que verbaliza, infelizmente, na maioria das vezes, sua linguagem não é desenvolvida de forma adequada, devido à ausência de se contextualizar a criança num ambiente natural em situações de interação social. Dessa forma, as palavras ditas são reproduções do que foi ouvido, gerando a ecolalia que, por sua vez, não é preenchida de significados que possibilitam a compreensão, a construção e a apropriação do conhecimento.

Para crianças autistas não-verbais, a situação muitas vezes se agrava, pois, não havendo linguagem oral, a criança se encontra ainda mais isolada e restrita a um ambiente precário e de segregação, frente às suas necessidades. Se o discurso se dá em situações de interação social e contextualização, num processo dialógico e polissêmico que valoriza o real ao invés do artificial -e não no interior do indivíduo- crianças autistas podem, então, melhor desenvolver sua linguagem. Podem, ainda, ser auxiliadas pela CSA, que serviria como um apoio na construção do signo, desde que mediadas pelo professor, transformando-se, assim, constantemente o meio. Dessa maneira, possibilita-se a essas crianças a construção de significados dentro de seus contextos e necessidades específicas, gerando a compreensão recíproca entre o autista e o outro, ambos compreendidos como sujeitos.

Sob as idéias de Vigotsky, são percebidas as intenções de uma concepção de linguagem que releve os diversos sentidos que uma determinada palavra pode encontrar na amplitude entre o verbal e não-verbal, em que o movimento de elaboração do psiquismo humano seja prioridade aos condicionamentos institucionais. Isso propiciaria o desenvolvimento de uma proposta pedagógica não-reducionista do potencial da criança autista e que se afasta dos atendimentos de origem behaviorista e da acentuação de maneirismos produzidos pelas atuações mecanicistas, centradas no estímulo-resposta dos diversos profissionais que se encontram ao lado desta criança, pois a linguagem deve ser como um espaço que recobra o indivíduo, enquanto sujeito, como ser histórico e social.

Então, mesmo que o autismo possa gerar alterações temporárias ou permanentes e que, em decorrência dele, possam surgir incapacidades refletidas no desempenho e na atividade funcional da pessoa, os quais implicarão em desvantagens para sua adaptação e interação com a sociedade, é possível haver possibilidades de compensação para se conseguir um desenvolvimento psicológico mais significativo, nos casos de deficiência e suas conseqüências. Tal compensação depende da existência de relações sociais e das mediações semióticas que tornam possível vencer os déficits.11

Numa perspectiva de desenvolvimento e educação tradicional centrada na doença ou nos sintomas, as condições normalmente encontradas envolvem dificuldades de aprendizagem, interação e comunicação, gerando certa complexidade no que se refere ao trabalho a ser realizado pelo educador. Porém, mesmo em tais circunstâncias, na perspectiva da abordagem histórico-cultural, espera-se um salto a ser dado por esse indivíduo, a partir do contexto de relações pessoais, das atitudes possibilitadas e envolventes do educador e da ação mediadora dos signos.

Linguagem, professor mediador e produção de significado para alunos autistas

O aluno com autismo é um ser humano que deve ser respeitado em seus limites. Assim sendo, a linguagem adentra todas as áreas de seu desenvolvimento, orientando sua percepção sobre todas as coisas e o mundo no qual está inserido. É pela linguagem que o aluno com autismo, em seu processo de aprendizagem, sofrerá transformações em seu campo de atenção, aprendendo a diferenciar um determinado objeto de outros existentes, assim como a construir ferramentas internas para integrar estas informações.

Pela linguagem também modificará seus processos de memória, deixando de ser engessado por uma ação mecânica de memorização, o que facilitará o desenvolvimento de uma atividade consciente que organiza o que deve ser lembrado.

A linguagem proporcionará ao aluno com autismo maior qualidade em seu processo de desenvolvimento da imaginação, ação essa, em geral, tão comprometida em pessoas com a síndrome. Igualmente, serão constituídas de maneira concreta e contextual as formas de pensamento que terão maior generalização em seu cotidiano, a partir das experiências vivenciadas nas relações sociais de onde os conceitos são formulados.

O professor que trabalha junto a seu aluno com autismo, na perspectiva do desenvolvimento da linguagem, contribuirá como um mediador na reconstituição e na melhora da vivência emocional de seu aluno para que seu ser, muitas vezes revelado em suas ações, transcenda as reações afetivas imediatas para outras mais duradouras. Semelhantemente, a linguagem contribuirá para a compreensão e estabelecimento de regras que são formuladas nas relações com o outro, no contexto real e natural e por meio do diálogo.

Sob uma metodologia de ensino, fundamentada na perspectiva do desenvolvimento da linguagem, o aluno com autismo passa a ser compreendido de outra forma, e isso implica ações diferenciadas por parte dos professores que também se transformam a partir de novos princípios que regem seu papel de mediador.

Deste modo, instrumentos utilizados no processo de ensino e de aprendizagem desse aluno, tal como a CSA, também devem sofrer modificações em sua utilização, pois serão determinantes nesse processo, como instrumentos inseridos no contexto onde as relações sociais e a aprendizagem significativa acontecem.

 

CONCLUSÃO

O autismo é uma disfunção orgânica e não um problema provocado pelos pais. É uma síndrome comportamental com etiologias múltiplas. É um distúrbio de desenvolvimento, permanente e severamente incapacitante, ou seja, até o presente momento não é comprovada cientificamente a cura do autismo.

No Brasil a classificação oficial do autismo é realizada, levando-se em conta os critérios da CID-10, em conjunto com o DSM-IV. O diagnóstico não é simples. É necessário que a criança seja levada o quanto antes possível a um profissional competente que conheça profundamente a síndrome do autismo.

Na abordagem histórico-cultural a constituição do sujeito não é determinada somente por fatores biológicos. A pessoa com autismo é um sujeito social que se constrói nas relações sociais, culturais e históricas por meio da mediação de outro sujeito. A linguagem exerce papel e função importantíssimos na abordagem histórico-cultural.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Entrada: 2/9/2010

Aprobado:14/11/2010

 

 

Sílvia Ester Orrú. Doutora em Educação, Universidade de Brasília, Faculdade de Educação, Departamento de Teoria e Fundamentos, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília DF, Brasil, CEP. 70910-900. seorru@unb.br